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Fragmentos e principais passagens
Publicado por:
Odsson Ferreira | 22 Mar , 2022 - 13:18 | Atualizado em: 3/24/2022 5:41:23 PM
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https://bit.ly/36HnLJd
Meditação - Mindfulness
Pensamentos automáticos e sua influência em nossas emoções
Psicologia, psicologia positiva, emoções, mindfulness, atenção plena
ABNT
Williams,
Mark,
Penman,
Danny.
Por que nos atacamos?.
in:
Atenção plena:
Mindfulness.
Rio de Janeiro/RJ:
Sextante,
2015.
Cap. 2.
p.21-34.
APA
Williams,
M.
Penman,
D.
(2015).
Por que nos atacamos?.
in:
M.
Williams
D.
Penman
(Ed.),
Atenção plena:
Mindfulness.
(pp.21-34).
Rio de Janeiro/RJ:
Sextante.
Livre
Por Danny Penman, Mark Williams
Pontos-chave
... se você está se sentindo um pouco es­tressado ou vulnerável, uma pequena mudança emocional pode acabar arruinando seu dia - ou até mesmo lançá-lo num período prolongado de insatisfação ou preocupação. Essas mudanças costumam surgir do nada, deixando-o sem energia e se perguntando por que está tão infeliz.
... é raro experimentarmos a tensão ou a tristeza isoladamente - raiva, irritabilidade, amargura, ciúmes e ódio às vezes estão ligados em um novelo intricado. Esses sentimentos podem até ser dirigidos aos outros, mas na maioria das vezes são voltados para nós mesmos, ainda que não percebamos. Ao longo da vida, esses emaranha­dos emocionais podem se tornar mais associados aos pensamentos, aos sentimentos, às sensações físicas e aos comportamentos. É assim que o passado consegue ter um efeito tão difuso no presente.
Quando nos preocupamos ou tememos alguma coisa - seja ela real ou imaginária - nossas reações de luta ou fuga entram em ação. Mas aí algo mais ocorre: a mente começa a percor­rer nossas lembranças em busca de algo que explique por que nos sen­timos daquele jeito. Assim, se nos sentimos tensos ou em perigo, nossa mente desenterra memórias de ocasiões passadas em que nos sentimos ameaçados e depois cria cenários do que poderá ocorrer no futuro se não conseguirmos explicar o que está acontecendo agora. O resultado é que os sinais de alerta do cérebro são ativados não apenas pelo perigo atual, mas por ameaças passadas e preocupações futuras. Tal processo se dá de forma instantânea, sem que percebamos.

 

Aparentemente, Lucy era uma representante de vendas bem-suce­dida de uma rede de lojas de roupas. Mas ela estava se sentindo paralisada. Às três da tarde, olhando pela janela do escritório, estres­sada, exausta e totalmente indisposta, ela se perguntava: "Por que não consigo fazer meu trabalho direito? Por que não consigo me concentrar? O que há de errado comigo? Estou tão cansada! Nem consigo pensar direito...". Lucy vinha se punindo com esses pensamentos autocríticos constan­temente. Mais cedo, naquele dia, ela tivera uma conversa longa e ansiosa com a professora do jardim de infância sobre sua filha, Emily, que an­dava chorando quando era deixada na escola. Depois, telefonou para o bombeiro para saber por que não tinha ido consertar a descarga que­brada em sua casa. Agora fitava uma planilha, sentindo-se sem energia e mastigando um muffin de chocolate no lugar do almoço.

As exigências e tensões na vida de Lucy estavam piorando gradual­mente nos últimos meses. O trabalho se tornava cada vez mais estressante e começava a se estender até bem depois do horário do expediente. As noites haviam se tornado insones, os dias, mais sonolentos. Seu cor­po começou a doer. A vida perdeu a alegria. Seguir em frente era uma luta. Ela já havia se sentido assim antes, mas sempre fora uma situação temporária. Jamais imaginara que aquilo poderia se tornar um aspecto permanente de sua vida.

Ela vivia se perguntando: O que aconteceu com a minha vida? Por que me sinto tão exausta? Eu deveria estar feliz. Eu costumava ser feliz. Para onde foi minha alegria?

A vida de Lucy girava em torno de excesso de trabalho, infelicidade, insatisfação e estresse. Ela fora privada de sua energia mental e física e se sentia perdida. Queria voltar a ser feliz e estar em paz consigo mesma, mas não tinha ideia de como chegar lá. Sua frustração não era grave a ponto de justificar uma ida ao médico, mas era suficiente para solapar o seu prazer de viver. Ela não vivia, apenas sobrevivia.

A história de Lucy não é um caso isolado. Ela é uma das milhões de pessoas que não estão deprimidas nem ansiosas na acepção médica - mas também não são felizes de verdade. O humor de todos nós passa por altos e baixos. Às vezes nosso estado de espírito muda de uma hora para outra, sem nem sabermos por quê: num momento estamos felizes, contentes e despreocupados, então algo sutil acontece e começamos a ficar estressados. Pensamos em nossas dificuldades, em todas as coisas que precisamos fazer, na falta de tempo para resolver tudo. O ritmo das exigências é cada vez mais implacável. Nesse estado, ficamos cansados o tempo todo, de forma que nem uma boa noite de sono nos revigora. E nos perguntamos: Como isso foi acontecer? Por que ficamos assim? Talvez não tenha havido nenhuma grande mudança em nossa vida: não perdemos um amigo, não nos endividamos de forma descontrolada. Nada mudou, mas de alguma forma a alegria desapareceu, sendo subs­tituída por uma espécie de aflição generalizada.

Na maior parte do tempo, as pessoas conseguem escapar dessa espiral descendente. Esses períodos difíceis costumam passar. No entanto, às vezes podem perdurar e nos levar para o fundo do poço. No caso de Lucy, a tristeza e a frustração duraram meses, sem qualquer razão apa­rente. Nas situações mais graves, a pessoa pode ser acometida por uma crise séria de ansiedade ou de depressão clínica.

Embora períodos persistentes de aflição e exaustão geralmente pare­çam surgir do nada, existem processos ocorrendo no fundo da mente que só se tornaram conhecidos na década de 1990. E essa descoberta trouxe a percepção de que podemos nos libertar das preocupações, da infelicidade, da ansiedade, do estresse, da exaustão e até da depressão.

Se você perguntasse a Lucy como estava se sentindo naquela tarde, ela teria dito que estava “exausta” ou “tensa”. À primeira vista, essas sen­sações parecem afirmações factuais, mas se olhasse para dentro de si mesma com mais atenção, Lucy teria percebido que não havia algo es­pecífico que pudesse ser rotulado de “exaustão” ou “tensão”. Ambas as emoções eram, na verdade, feixes de pensamentos, sentimentos, sensa­ções físicas e impulsos (como o desejo de gritar ou de sair correndo da sala). As emoções são assim: uma “cor de fundo” criada quando a mente funde pensamentos, sentimentos, impulsos e sensações físicas para evo­car um tema norteador ou estado mental geral. Todos os elementos que formam as emoções interagem entre si e podem intensificar o estado de humor geral. É uma dança intricada, cheia de ligações sutis que só agora começamos a entender.

Tomemos os pensamentos como exemplo. Algumas décadas atrás, acreditava-se que os pensamentos conseguiam mudar nosso estado de espírito e nossas emoções, mas a partir dos anos 1980 descobriu-se que o contrário também pode acontecer: nosso estado de espírito pode mudar nossos pensamentos. Na prática, isso significa que mesmo os momentos passageiros de tristeza podem acabar se autoalimentando para criar pensamentos negativos, definindo a maneira como você vê e interpreta o mundo. Assim como um céu nublado pode fazê-lo se sen­tir melancólico, uma pequena irritação pode trazer à tona lembranças ruins, aprofundando ainda mais seu nervosismo. O mesmo vale para outras emoções: se você se sente estressado, esse estado pode criar ainda mais estresse. Isso também acontece com a ansiedade, o medo, a raiva, e com emoções “positivas” como amor, felicidade, compaixão e empatia.

Mas não são apenas pensamentos e estados de ânimo que se alimen­tam mutuamente e destroem o bem-estar - o corpo também se envolve nesse processo. Isso acontece porque a mente não existe de forma isolada. Ela é uma parte fundamental do corpo, e ambos compartilham informa­ções emocionais entre si o tempo todo. Na verdade, grande parte do que o corpo sente é influenciado pelos pensamentos e pelas emoções, e tudo o que pensamos é influenciado pelo que está ocorrendo no corpo. Pesquisas recentes mostram que nossa perspectiva de vida pode ser alterada por mínimas mudanças corporais: atitudes sutis como fechar a cara, sorrir ou corrigir a postura podem ter um impacto enorme em nosso estado de espírito e em nossos pensamentos.

Para compreender melhor o poder da interação entre o corpo e o es­tado de humor, os psicólogos Fritz Strack, Leonard Martin e Sabine Stepper1 pediram a um grupo de pessoas que assistisse a desenhos ani­mados e depois avaliasse quão engraçados eram. Alguns voluntários tiveram que colocar um lápis entre os lábios, sendo forçados a franzi­dos e fazer uma cara triste. Outros assistiram aos desenhos com o lápis entre os dentes, simulando um sorriso. Os resultados foram impres­sionantes: aqueles forçados a sorrir acharam os desenhos bem mais engraçados do que aqueles obrigados a fechar a cara. Todos sabemos que sorrir demonstra que estamos felizes, mas, convenhamos: é sur­preendente descobrir que o ato de sorrir pode ele próprio torná-lo feliz. Esse é um exemplo perfeito de como são estreitos os vínculos entre a mente e o corpo.

Sorrir também é contagioso. Quando você vê alguém sorrindo, quase inevitavelmente sorri de volta. Pense nisto: o simples ato de sorrir pode deixá-lo contente (ainda que seja um sorriso forçado). E, se você sorrir, os outros sorrirão de volta, o que reforça sua felicidade. É um círculo virtuoso.

Mas também existe um círculo vicioso, que atua na direção oposta. Ao pressentirmos uma ameaça, ficamos tensos, prontos para lutar ou fugir. Essa reação de “luta ou fuga” não é consciente: é controlada por uma das partes mais “primitivas” do cérebro e, por isso, ele pode ser um pouco simplista na maneira de interpretar o perigo. O cérebro não faz distinção entre uma ameaça externa (como um tigre) e uma interna (como uma lembrança incômoda ou uma preocupação futura), tratan­do as duas como um perigo equivalente. Quando uma ameaça é detecta­da - seja real ou imaginária -, o corpo fica tenso e se prepara para entrar em ação. Isso pode se manifestar de várias formas, como rosto franzido, frio na barriga ou tensão nos ombros. A mente lê a reação do corpo e entende que está diante de uma ameaça (lembra como uma cara amar­rada pode fazê-lo se sentir triste?), o que faz o corpo tensionar ainda mais. O círculo vicioso começou.

Na prática, isso significa que, se você está se sentindo um pouco es­tressado ou vulnerável, uma pequena mudança emocional pode acabar arruinando seu dia - ou até mesmo lançá-lo num período prolongado de insatisfação ou preocupação. Essas mudanças costumam surgir do nada, deixando-o sem energia e se perguntando por que está tão infeliz.

Oliver Burkeman, colunista do jornal The Guardian, descobriu isso sozinho e escreveu sobre como pequenas sensações corporais se retroalimentavam para lançá-lo em uma espiral emocional descendente:

Geralmente sou feliz, mas de vez em quando sou atingido por um estado de infelicidade e ansiedade que se intensifica muito rápido. Nos piores dias, sou capaz de passar horas perdido em divagações angustiantes, refletindo sobre as grandes mudanças que preciso fazer em minha vida. De repente, percebo que me esqueci de almoçar. Como um sanduíche de atum e o mau humor desapa­rece. No entanto, minha primeira reação à sensação ruim nunca é pensar que estou com fome. Aparentemente, meu cérebro prefere se chatear com reflexões sobre a falta de sentido da existência a me direcionar até a geladeira.

Como Oliver Burkeman constatou em sua própria experiência, quase sempre essas “divagações angustiantes” se desfazem rápido. Algo atrai nosso olhar e nos faz sorrir - um amigo telefona, encontramos um bom filme passando na TV, tomamos uma deliciosa xícara de chocolate quente ou decidimos ir para a cama cedo. Em geral, toda vez que somos atingidos pelos turbilhões da vida, algo de bom acontece para restabe­lecer o equilíbrio. Mas nem sempre é assim. Às vezes o peso de nossa história entra em ação e adiciona uma carga emocional extra, já que nossas lembranças têm um impacto poderoso em nossos pensamentos, sentimentos, impulsos e, em última análise, em nosso corpo.

Vamos voltar ao exemplo de Lucy. Embora se descreva como uma pessoa “ambiciosa” e “relativamente bem-sucedida”, ela tem consciên­cia de que algo fundamental está faltando em sua vida. Ela conquistou quase tudo o que queria, por isso acha estranho que não se sinta feliz, contente e em paz consigo mesma. Constantemente repete a frase “Eu deveria estar feliz”, como se dizer isso fosse suficiente para expulsar a tristeza.

Os surtos de infelicidade de Lucy começaram na adolescência. Seus pais se separaram quando ela tinha 17 anos e a casa da família precisou ser vendida, forçando seus pais a se mudarem para locais não muito adequados. Lucy surpreendeu a todos por segurar a barra. É claro que no início ficou arrasada com o divórcio, mas logo aprendeu a tirar o foco dos problemas se empenhando nos estudos. Essa foi sua tábua de salvação. Tirou boas notas, entrou na faculdade e se formou com uma qualificação satisfatória. Seu primeiro emprego foi como trainee numa loja de roupas. Ao longo dos anos, foi subindo na hierarquia da empresa, até chegar a chefe de uma pequena equipe de representantes de vendas. Aos poucos, o trabalho dominou a vida de Lucy, deixando-a cada vez mais sem tempo para si mesma. Aconteceu tão lentamente que ela mal percebeu que deixava sua vida de lado. Ocorreram coisas boas também, é claro, como o casamento com Tom e o nascimento das duas filhas. Ela adorava sua família, mas não conseguia se livrar da sensação de que apenas algumas pessoas tinham direito de viver de forma plena. Sua impressão era de estar caminhando em areia movediça.

Essa areia movediça era sua rotina, seu estresse, seus padrões de pen­samentos e seus sentimentos do passado. Embora por fora Lucy pare­cesse uma pessoa de sucesso, por dentro ela morria de medo do fracas­so. Esse medo fazia com que qualquer mau humor passageiro desenca­deasse lembranças dolorosas, enquanto seu crítico interno dizia que era vergonhoso exibir tais fraquezas. Sensações vagas de insegurança aca­bavam despertando uma sucessão de sentimentos negativos do passado que pareciam bem reais e rapidamente assumiam vida própria, ativando outra onda de emoções nocivas.

Como Lucy atestará, é raro experimentarmos a tensão ou a tristeza isoladamente - raiva, irritabilidade, amargura, ciúmes e ódio às vezes estão ligados em um novelo intricado. Esses sentimentos podem até ser dirigidos aos outros, mas na maioria das vezes são voltados para nós mesmos, ainda que não percebamos. Ao longo da vida, esses emaranha­dos emocionais podem se tornar mais associados aos pensamentos, aos sentimentos, às sensações físicas e aos comportamentos. É assim que o passado consegue ter um efeito tão difuso no presente. Se ativamos uma chave emocional, as outras são ativadas em seguida (o mesmo ocor­re com as sensações físicas, como a dor). Tudo isso pode desencadear padrões de pensamento, comportamento e sentimentos que sabemos que são nocivos, mas que simplesmente não conseguimos evitar. E que, quando combinados, são capazes de transformar qualquer contratempo em uma tempestade emocional.

Aos poucos, o acionamento repetitivo de pensamentos e humores ne­gativos começa a abrir sulcos na mente. Com o tempo, esses sulcos se tornam mais profundos, fazendo com que os pensamentos negativos, a autocrítica, a melancolia e o medo se instalem com mais facilidade e se dissipem com mais esforço. A conseqüência disso é que os períodos prolongados de fragilidade podem ser desencadeados por coisas cada vez mais banais, como uma chateação momentânea ou uma baixa de energia - tão banais que às vezes nem as reconhecemos. Com frequên­cia, os pensamentos negativos aparecem disfarçados de perguntas duras que fazemos a nós mesmos: Por que estou tão infeliz? O que está aconte­cendo comigo? Onde será que errei? Onde isso vai acabar?

Os vínculos estreitos entre os diversos aspectos da emoção, que o tem­po todo recorrem ao passado, podem explicar por que um sentimento passageiro pode ter um efeito significativo sobre o estado de humor. Às vezes esses sentimentos chegam e partem tão rápido quanto uma rajada de vento. Outras vezes, no entanto, o estresse, a fadiga e o mau humor ficam grudados como adesivos em nossa mente, e nada parece ser capaz de arrancá-los dali. A impressão que se tem é que é justamente isso que está ocorrendo: a mente é ativada para entrar em alerta máximo, mas depois não consegue ser desativada, como deveria acontecer.

Uma boa forma de ilustrar esse processo é comparar a maneira como humanos e animais reagem diante do perigo. Tente se lembrar do últi­mo documentário sobre a vida selvagem a que assistiu na TV. Deve ter aparecido um rebanho de gazelas sendo caçado por um leopardo na savana africana. Aterrorizados, os animais correram feito loucos até que o leopardo capturou um deles ou desistiu da caçada naquele dia. Uma vez passado o perigo, as gazelas voltaram a pastar tranquilamente. Algo no cérebro delas foi acionado quando avistaram o leopardo e depois desativado quando a ameaça se dissipou.

Mas a mente humana é diferente, sobretudo quando se trata de amea­ças “intangíveis” capazes de desencadear ansiedade, estresse, preocupa­ção ou irritabilidade. Quando nos preocupamos ou tememos alguma coisa - seja ela real ou imaginária - nossas reações de luta ou fuga entram em ação. Mas aí algo mais ocorre: a mente começa a percor­rer nossas lembranças em busca de algo que explique por que nos sen­timos daquele jeito. Assim, se nos sentimos tensos ou em perigo, nossa mente desenterra memórias de ocasiões passadas em que nos sentimos ameaçados e depois cria cenários do que poderá ocorrer no futuro se não conseguirmos explicar o que está acontecendo agora. O resultado é que os sinais de alerta do cérebro são ativados não apenas pelo perigo atual, mas por ameaças passadas e preocupações futuras. Tal processo se dá de forma instantânea, sem que percebamos.

Estudos recentes feitos a partir de tomografias do cérebro confirmam que pessoas que sentem dificuldade de viver o presente e têm rotinas muito agitadas possuem uma amígdala cerebral (a parte primitiva do cérebro envolvida no instinto de luta ou fuga) em “alerta máximo” o tempo todo.2 Assim, quando trazemos à tona lembranças de ameaças e perdas antigas e as juntamos ao “perigo” atual, nosso mecanismo de luta ou fuga não é desativado quando a ameaça passa. Ao contrário das gazelas, não paramos de correr.

Então, a forma como reagimos pode transformar emoções temporá­rias e não problemáticas em dores persistentes e incômodas. Em suma, a mente pode acabar agravando a situação. Isso vale para muitos outros sentimentos do dia a dia. Eis um exemplo:

Enquanto está lendo este livro, veja se consegue perceber qualquer sinal de fadiga em seu corpo. Passe um momento observando-o a fun­do. Depois que tiver se conscientizado de seu cansaço, faça a si mesmo as seguintes perguntas: Por que estou me sentindo tão exausto?O que fiz de errado? O que essa sensação revela sobre mim? O que acontecerá se eu não conseguir me livrar dessa fadiga?

Reflita sobre essas questões por um tempo. Deixe-as ecoar em sua mente. Por que estou tão cansado? O que aconteceu comigo? O que vou fazer se permanecer assim?

Como se sente agora? Provavelmente pior. Acontece com todo mun­do, porque aliado a essas perguntas existe um desejo de se livrar da fadi­ga e de descobrir suas causas e conseqüências.3 O impulso de explicar e expulsar a exaustão deixou você mais exausto.

O mesmo vale para uma série de sentimentos, como a infelicidade, a ansiedade e o estresse. Quando estamos infelizes, é natural tentarmos descobrir a razão por nos sentirmos assim e procurarmos um meio de resolver esse “problema”. Mas tensão, infelicidade ou exaustão não são problemas que possam ser resolvidos. São emoções. Refletem estados da mente e do corpo. Como tais, não podem ser resolvidas - apenas sentidas. Se você as percebeu e abandonou a tendência de explicá-las ou resolvê-las, terá mais chances de vê-las desaparecer sozinhas, como a névoa numa manhã de primavera.

Isso lhe soa estranho? Deixe-me explicar melhor.

Quando você tenta resolver o “problema” da infelicidade (ou de qual­ quer outra emoção “negativa”), mobiliza uma das ferramentas mais poderosas da mente: o pensamento crítico racional. Funciona assim: você se vê num lugar (infeliz) e sabe onde deseja estar (feliz). Sua mente analisa o hiato entre os dois polos e tenta descobrir a melhor forma de transpô-lo. Para isso, usa seu modo Atuante (assim chamado porque é eficiente para resolver problemas e realizar tarefas), que reduz progres­sivamente o hiato entre onde você está e onde deseja chegar. Ele faz isso fragmentando o problema, resolvendo cada uma das partes e depois ve­rificando se isso o ajudou a se aproximar de seu objetivo. Esse processo é instantâneo e nem nos damos conta dele. É uma forma incrivelmente poderosa de resolver problemas: é assim que nos orientamos nas cidades desconhecidas, dirigimos carros e organizamos cronogramas de trabalho frenéticos. Numa escala maior, foi como os povos antigos construí­ram pirâmides e navegaram pelo mundo em veleiros primitivos.

Parece perfeitamente natural, portanto, aplicar essa abordagem para resolver o “problema” da infelicidade. Mas, na verdade, é a pior coisa que se pode fazer, pois requer que você se concentre no hiato entre como está e como gostaria de estar. Então você faz perguntas como: O que há de errado comigo? Onde foi que errei? Por que cometo sempre os mesmos erros? Esses questionamentos, além de duros e autodestrutivos, exigem que a mente forneça indícios para explicar seu descontentamento. E a mente é de fato brilhante em fornecer tais indícios.

Imagine-se passeando num belo parque em um dia de primavera. Você está feliz, mas, por alguma razão desconhecida, uma centelha de tristeza surge em sua mente. Pode ser por causa da fome, já que você não almo­çou, ou talvez porque você tenha se lembrado sem querer de alguma coisa incômoda. Após alguns minutos, você começa a se sentir um pouco aba­tido. Assim que percebe seu desânimo, pensa: O dia está lindo. O parque é maravilhoso. Gostaria de me sentir mais contente do que estou agora.

Repita: Gostaria de me sentir mais contente.

Como se sente depois disso? Provavelmente, ainda mais triste. Você se concentrou no hiato entre como se sente e como quer se sentir. E concentrar-se no hiato o realçou. A mente vê a distância entre os dois estados como um problema a ser resolvido. Essa abordagem é desastro­sa quando se trata das emoções, devido à interligação complexa entre pensamentos, emoções e sensações físicas. Todos se alimentam mutua­mente e podem conduzir sua mente em direções perturbadoras. Em pouco tempo, você se vê sufocado pelos próprios pensamentos. Você começa a analisar demais a situação, a remoer o sentimento, a se culpar por não se sentir feliz.

Seu estado de ânimo piora. Seu corpo fica tenso, seu rosto se franze e o desânimo se instala. Algumas dores podem surgir. Essas sensações realimentam sua mente, que se sente mais ameaçada. Seu astral pode cair a tal ponto que você deixa de aproveitar o passeio no parque e não presta mais atenção na beleza do dia.

Claro que ninguém fica remoendo os problemas porque acredita que é uma forma nociva de pensar. As pessoas acreditam que, preocupando-se o suficiente com sua infelicidade, acabarão encontrando uma solu­ção para ela. Mas as pesquisas provam o oposto: na verdade, remoer pensamentos reduz nossa capacidade de solucionar problemas, e é um artifício absolutamente inútil para lidar com dificuldades emocionais.

Os sinais são claros: remoer pensamentos é o problema, não a solução.

Escapando do círculo vicioso

Não dá para deter o fluxo de lembranças infelizes, monólogos inter­nos negativos e outras formas de pensamento prejudiciais - mas você pode evitar o que acontece a seguir. Como já dissemos, você pode im­]pedir que o círculo vicioso se autoalimente e desencadeie a próxima es­piral de pensamentos negativos. E pode fazer isso experimentando um jeito novo de se relacionar consigo mesmo e com o mundo. Se você pára e reflete por um momento, a mente não apenas pensa: ela tem consciência de que está pensando. Essa forma de pura consciência permite que você veja o mundo de outra maneira, de um ponto de vista distanciado, sem sofrer a interferência de seus pensamentos, sentimentos e emoções. É como estar numa montanha alta - um ponto de observação - da qual você pode ver tudo por quilômetros a sua volta.

A pura consciência transcende o pensamento. Permite que você cale a mente tagarela e iniba seus impulsos e emoções reativas. Possibilita que você olhe para o mundo com os olhos abertos. E quando faz isso, a sensação de contentamento reaparece em sua vida.

 

Notas

1 Strack, E, Martin, L. & Stepper, S. (1988), “Inhibiting and facilitating condi­tions of the human smile: A nonobtrusive test of the facial feedback hypo­ thesis”, Journal of Personality and Social Psychology, 54, pp. 768-777.

2 Way, B. M„ Creswell, J. D., Eisenberger, N. I. & Lieberman, M. D. (2010), “Dispositional Mindfulness and Depressive Symptomatology: Correlations with Limbic and Self-Referential Neural Activity During Rest”, Emotion, 10, pp. 12-24.

3 Watkins, E. 8c Baracaia, S. (2002), “Rumination and social problem-solving in depression”, Behaviour Research and Therapy, 40, pp. 1.179-1.189.

Referências
Bibliografia
( 41 )
Mais de: Psicologia positiva
4/11/2022 2:53:07 PM | Por Danny Penman, Mark Williams
Despertando a atenção plena

Imagine-se no topo de uma montanha, contemplando lá do alto a pai­sagem urbana e cinzenta sob a chuva. A cidade parece fria e inóspita. Os prédios são velhos e desgastados. As avenidas estão engarrafadas e as pessoas caminham infelizes e mal-humoradas. Então algo milagroso acontece: as nuvens se dissipam e o sol começa a brilhar. Num instante, a paisagem muda. As janelas dos prédios ficam douradas. O concreto cinza muda para um bronze lustroso. As ruas parecem reluzentes e limpas. Um arco-íris surge. O rio lodoso se transforma numa serpente exótica que corta as ruas. Por um momento, tudo fica em suspenso: sua respiração, seu coração, sua mente, os pássaros no céu, o tráfego nas ruas, o próprio tempo. Tudo parece pausar, absorver a transformação.

Essas mudanças de perspectiva têm um efeito dramático - não apenas no que você vê, mas também no que pensa e sente e na maneira como se relaciona com o mundo. Elas podem alterar sua visão da vida de forma radical num piscar de olhos. Mas o que é notável nessa situação é que, de fato, pouca coisa muda: a cena permanece exatamente a mesma, mas quando o sol aparece você vê o mundo sob uma luz diferente. Só isso.

Observar sua vida sob uma luz diferente também pode transformar seus sentimentos. Lembre-se de uma época em que você estava se pre­parando para as férias. Havia coisas de mais por fazer e tempo de menos para dar conta de tudo. Você chegou tarde em casa depois de passar o dia tentando deixar o trabalho em ordem antes de sair para seus dias de folga. Você se sentia como um hamster preso numa roda que não para­va de girar. Enquanto arrumava as malas, estava tão cansado que teve dificuldades de selecionar o que levar. Não conseguiu dormir direito porque sua mente continuava revivendo as atividades daquele dia. Na manhã seguinte, você acordou, pôs a bagagem no carro, trancou a casa e partiu... E acabou.

Pouco depois você estava deitado à beira da praia, relaxando e con­versando com os amigos. O trabalho de repente ficou a milhares de qui­lômetros de distância e você mal conseguia se lembrar dos problemas relacionados a ele. Você se sentia revigorado porque sua vida simples­mente mudara de marcha. Sua rotina estressante continuava existindo, é claro, mas você agora a estava vendo de um ponto de vista diferente.

O tempo também pode alterar profundamente sua perspectiva. Pense na última vez que você teve uma discussão com um colega ou um estranho - talvez um atendente de telemarketing. Você ficou uma fera. Passou horas pensando em todas as coisas inteligentes que pode­ria ou deveria ter dito para derrubar seu oponente. Os efeitos da dis­cussão arruinaram seu dia. Porém, poucas semanas depois, o episódio já não o afeta mais. Na verdade, você nem se lembra dele. O evento continua tendo ocorrido, mas você pensa nele de um ponto diferente no tempo.

Mudar sua perspectiva pode transformar sua experiência de vida, como mostram os exemplos. Mas eles também evidenciam um proble­ma fundamental: todos ocorreram porque algo fora de você havia mu­dado - o sol surgiu, você saiu de férias, o tempo passou. Acontece que, se você depender somente da mudança de circunstâncias externas para se sentir feliz e energizado, terá de esperar muito tempo. E enquanto você espera o sol aparecer ou as férias chegarem, sua vida passa despercebida.

Mas as coisas não precisam ser assim.

É fácil ficar preso num ciclo de sofrimento e aflição quando você tenta eliminar seus sentimentos ou se  emaranha num excesso de análises. Os sentimentos negativos persistem quando o modo Atuante da mente se oferece para ajudar, mas em vez disso acaba aumentando as dificuldades que você estava tentando superar.

Mas existe uma alternativa. Nossa mente tem outra maneira de se relacionar com o mundo: o modo Existente. Assemelha-se a uma mu­dança de perspectiva, embora vá bem além disso. Ela nos permite ver como a mente tende a distorcer a “realidade” e nos ajuda a eliminar o hábito de pensar, analisar e julgar demais. Com ela, podemos experi­mentar o mundo de forma direta, vendo qualquer dificuldade de um novo ângulo e enfrentando os obstáculos de maneira bem diferente. Por causa dela, somos capazes de mudar nossa paisagem interna (ou paisa­gem mental, se preferir) independentemente do que estiver ocorrendo a nossa volta. Deixamos de depender das circunstâncias externas para encontrar a felicidade, o contentamento e o equilíbrio. Voltamos a ter o controle de nossa própria vida.

Se o modo Atuante é uma armadilha, o modo Existente é a liberdade.

Ao longo das eras, as pessoas aprenderam a cultivar essa forma de ser, e qualquer um de nós é capaz de fazer o mesmo. A meditação da atenção plena é a porta pela qual podemos acessar o modo Existente. E, com um pouco de prática, poderemos abrir essa porta sempre que precisarmos.

A atenção plena surge espontaneamente do modo Existente quando aprendemos a prestar atenção deliberada, no momento presente e sem julgamento, nas coisas como de fato são.

Na atenção plena, começamos a ver o mundo como ele é, não como esperamos que seja, como queremos que seja ou como tememos que se torne.

Essas idéias podem soar um pouco nebulosas. Pela própria natureza, elas precisam ser experimentadas para serem compreendidas da manei­ra correta. Assim, para facilitar o entendimento, vou explicar a seguir ponto a ponto as diferenças entre os modos Atuante e Existente. Embora algumas das definições talvez não fiquem muito claras no início, os bene­fícios da prática da atenção plena são inquestionáveis. Na verdade, é até possível verificar os benefícios de longo prazo se enraizando no cérebro usando algumas das tecnologias de imagens mais avançadas do mundo.

Ao ler as páginas seguintes, é importante que você tenha em mente que o modo Atuante não é um inimigo a ser derrotado. Com frequência, é até um aliado. Ele só se torna um “problema” quando se oferece para uma tarefa que é incapaz de realizar, como “solucionar” uma emoção preocupante. Quando isso acontece, vale a pena mudar a marcha para o modo Existente.

É exatamente isto que a atenção plena proporciona: a capacidade de mudar de marcha quando precisamos, em vez de ficar presos sempre na mesma.

As sete características dos modos atuante e existente

1. Piloto automático X escolha consciente

O modo Atuante é muito eficiente em automatizar nossa vida por meio dos hábitos, mas esta é uma das características que menos perce­bemos. Sem a capacidade da mente de aprender com a repetição, ainda estaríamos tentando lembrar como amarrar o sapato - algo que hoje fazemos automaticamente. O lado ruim disso é que, quando cedemos demais ao piloto automático, podemos acabar pensando, trabalhando, comendo, caminhando ou dirigindo sem uma consciência clara do que estamos fazendo. O maior perigo é que grande parte da nossa vida passe assim, sem que de fato estejamos vivendo.

A atenção plena nos traz de volta à consciência: um local de escolha e intenção.

O modo Existente - ou “atento” - nos permite voltar a ter total consciência de nossa vida. Proporciona a capacidade de nos conec­tarmos com nós mesmos de tempos em tempos para que possamos fazer escolhas intencionais. A medi­tação da atenção plena nos leva a gastar menos tempo para realizar as coisas. É simples: quando se torna mais atento, suas intenções e ações ficam alinhadas, e você deixa de ser desviado toda hora do rumo pelo piloto automático. Aprende a parar de perder tempo à toa com sua velha maneira de pensar e agir, que se provou inútil. Além disso, diminui sua tendência a lutar demais por objetivos dos quais é melhor abrir mão. Você se torna plenamente vivo e consciente de novo.


2. Analisar X sentir

O modo Atuante precisa pensar. Ele analisa, recorda, planeja e compara. Esse é seu papel, e quase todo mundo se acha bom nisso. Passamos grande parte do tempo perdidos, desligados, sem notar o que se passa a nossa volta. A correria do mundo nos absorve de tal forma que destrói nossa percepção do agora, forçando-nos a viver mais no mundo dos nossos pensamentos do que no mundo real. E, como vimos no capítulo anterior, os pensamentos podem facilmente ser desviados para uma direção peri­gosa. Isso nem sempre ocorre, mas é um risco constante.

A atenção plena é uma forma diferente de experimentar o mundo. Não é como pegar um caminho novo; estar plenamente atento é entrar em contato com seus sentidos, de modo que possa ver, ouvir, tocar, cheirar e degustar as coisas que você já conhece como se fosse a primeira vez. Você se torna curioso de novo. Esse contato sensorial direto com o mundo pode parecer trivial de início. No entanto, quando você começa a sentir os momentos da vida comum, descobre algo fora do comum. Você cultiva uma sensação intuitiva do que está ocorrendo a sua volta, o que aumenta sua capacidade de observar as pessoas e a vida de uma nova maneira. Eis a essência da atenção plena: acordar para o que está acontecendo no mundo e dentro de você, momento a momento.

3. Lutar X aceitar

O modo Atuante envolve julgar e comparar o mundo “real” com o mundo que idealizamos em nossos sonhos e pensamentos. Ele foca a atenção na diferença entre os dois, o que acaba gerando uma insatisfa­ção permanente.

O modo Existente, por outro lado, nos convida a suspender o jul­gamento temporariamente. Significa ficar de lado por um momento e observar o mundo e a vida se desenrolando, permitindo que as coisas sejam como são. Ao analisar um problema ou uma situação sem precon­ceitos, não somos mais forçados a chegar a uma conclusão preconcebi­da. Desse modo, não precisamos reduzir nossa criatividade.

Aceitação não é o mesmo que resignação. Aceitar é reconhecer que a experiência existe e, em vez de deixar que ela controle sua vida, observá-la compassivamente, sem julgá-la, criticá-la ou negá-la. A aceitação pro­movida pela atenção plena permite que você impeça que uma espiral ne­gativa comece, ou, se já começou, reduza seu ímpeto. Ela nos concede a liberdade de escolher e, no processo, nos liberta da infelicidade, do medo, da ansiedade e da exaustão. Com isso, adquirimos um controle maior sobre a nossa vida. O mais importante é que nos permite lidar com os problemas da forma mais eficaz possível e no momento mais apropriado.

4. Ver os pensamentos como reais X tratá-los como eventos mentais

No modo Atuante, a mente usa as próprias criações, pensamentos e imagens como matéria-prima. As idéias são a sua moeda e adquirem valor próprio. Você pode começar a confundi-las com a realidade. Na  maioria das vezes, isso faz sentido. Se você saiu para visitar um amigo, precisa ter em mente seu destino. A mente planejadora, ativa, racional levará você até lá. Não faz sentido duvidar da verdade de seu pensa­mento: Vou mesmo visitar meu amigo? Em tais situações, é necessário considerar seus pensamentos como verdadeiros.

Mas isso se torna um problema quando você está estressado. Você poderia dizer a si mesmo: Vou enlouquecer se isso continuar. Eu deve­ria fazer melhor do que isso. Você pode considerar esses pensamentos verdadeiros também. Seu astral despenca quando sua mente reage de forma rude: Sou fraco, não presto, não sirvo para nada. Assim, você se esforça cada vez mais, ignorando as mensagens de seu corpo castigado e o conselho de seus amigos. Os pensamentos deixaram de ser seus servos e se tornaram seu senhor - um senhor rígido e implacável.

A atenção plena nos ensina que pensamentos não passam de pensa­mentos. São eventos criados pela mente. Costumam ser valiosos, mas não são “você” ou “a realidade”. São uma narração interna sobre você e seu mundo. A simples compreensão desse fato o liberta do excesso de preocupação, elucubração e ruminação, o que lhe permite enxergar um caminho claro pela vida de novo.

5. Evitar X aproximar-se

O modo Atuante resolve problemas não apenas mantendo na lem­brança seus objetivos e destinos, mas também lembrando “antiobjetivos” e lugares aonde você não quer ir. Isso faz sentido quando, por exemplo, você vai de carro do ponto A ao ponto B, porque convém saber quais partes da cidade você deve evitar. No entanto, esse pro­cesso se torna um problema quando se trata de estados mentais dos quais você gostaria de fugir. Por exemplo, se tentar resolver o proble­ma do cansaço e do estresse, você manterá na mente os “lugares que não deseja visitar”, como a exaustão, o esgotamento e o colapso. Então, além de se sentir cansado e estressado, você começará a invocar novos medos, aumentando sua ansiedade e gerando ainda mais estresse. O modo Atuante, usado no contexto errado, conduz você passo a passo ao esgotamento e à exaustão.

O modo Existente, por outro lado, convida você a se “aproximar” das coisas que sente vontade de evitar. Instiga-o a se interessar por seus estados mentais mais difíceis. A atenção plena não diz “não se preocupe” ou “não fique triste”: ela reconhece o medo, a tristeza, a fadiga e a exaustão e o encoraja a se voltar para aquelas emoções que ameaçam engoli-lo. Essa abordagem compassiva dissipa pouco a pouco o poder dos sentimentos negativos.

6. Viagem no tempo mental X permanecer no momento presente

Sua memória e sua capacidade de planejar o futuro são cruciais para o bom andamento da vida diária, mas elas sofrem distorções por causa de seu estado de espírito. Quando você está sob estresse, tende a se lembrar somente das coisas ruins, traumáticas, e a ter dificuldade de se lembrar das coisas boas, prazerosas. Algo semelhante ocorre quan­do você pensa no futuro: quando se sente infeliz, acha quase impossível olhar para a frente com otimismo. No momento em que esses sentimentos percorreram sua mente consciente, você deixa de perceber que não passam de memórias do passado ou de planos para o futuro. Você se perde na viagem no tempo mental.

Nós revivemos eventos passados e voltamos a sentir a dor; nós antevemos desastres futuros e sentimos seu impacto com antecedência.

A meditação treina a mente para que você conscientemente “veja” seus pensamentos quando ocorrerem, para que possa viver sua vida conforme ela se desenrola no presente. Isso não significa que você fica aprisionado no agora. Ainda consegue se lembrar do passado e planejar o futuro, mas o modo Existente permite que você os veja como são: a memória como memória e o planejamento como planejamento. Ter essa clareza evita que você seja escravo da viagem no tempo mental. Você consegue impedir a dor de reviver o passado e de se preocupar com o futuro.

7. Atividades exaustivas X tarefas revigorantes

Quando você está preso no modo Atuante, não é apenas o piloto au­tomático que o impele: você tende a se envolver em projetos pessoais e  profissionais importantes, e em tarefas exaustivas como cuidar da casa, dos filhos, dos pais idosos. Essas atividades costumam ser válidas, mas por demandarem tanto tempo é fácil concentrar-se nelas e excluir todo o resto, inclusive sua saúde e seu bem-estar. De início, você pode tentar convencer-se de que tudo isso é temporário e de que você está disposto a abrir mão dos hobbies e passatempos que nutrem sua alma. Mas desistir dessas coisas pode esgotar seus recursos internos aos poucos e levá-lo a se sentir vazio, apático e exausto.

O modo Existente restaura o equilíbrio, ajudando-o a identificar as atividades que o revigoram e aquelas que o esgotam. Ele o faz perceber que necessita de tempo para renovar sua alma e proporciona o espaço e a coragem para tal. Também o ensina a lidar com as inevitáveis tarefas do dia a dia que drenam a energia de sua vida.

Mudança consciente de marcha

A meditação da atenção plena ensina a sentir as sete dimensões de­ lineadas anteriormente e, com isso, ajuda a reconhecer em que modo sua mente está operando. Ela age como um alarme suave que avisa, por exemplo, quando você está analisando demais uma situação e lembra que existe uma alternativa: você ainda tem opções, por mais infeliz ou estressado que esteja. Ou seja, se sente que está emaranhado no excesso de análises e críticas, a atenção plena pode torná-lo mais aberto e fazê-lo aceitar a dificuldade com receptividade e curiosidade.

Agora podemos lhe revelar um segredo: se você mudar ao longo de qualquer uma dessas dimensões, as outras mudarão também. Por exem­plo, durante o programa de atenção plena, você pode praticar a recepti­vidade e se tornará menos crítico. Você pode praticar a permanência no presente e passará a interpretar seus pensamentos de forma menos literal. Se olhar para si mesmo com generosidade, também terá mais empatia pelos outros. E, ao fazer todas essas coisas, uma sensação de entusiasmo, energia e equilíbrio surgirá como uma fonte de água límpida há muito esquecida.

Embora as práticas ocupem apenas vinte a trinta minutos de “tempo de relógio” a cada dia, os resultados podem ter um impacto em toda a sua vida. Você logo perceberá que, embora certo grau de comparação e julgamento seja necessário, nossa civilização dá valor excessivo a essas coisas. Muitas escolhas que fazemos no dia a dia são desnecessárias. Elas são impelidas por seu fluxo de pensamentos. Você não precisa se comparar aos outros. Não precisa comparar seu pa­drão de vida atual com uma visão fictícia de futuro ou uma lembrança romantizada do passado. Não precisa ficar acordado à noite avaliando o impacto que um comentário casual, feito durante uma reunião de tra­balho, causará em seu emprego. Apenas aceite a vida como ela é, e você se sentirá mais realizado e livre de preocupações. E quando precisar to­mar alguma atitude, a decisão mais sábia provavelmente surgirá em sua mente no momento em que você não estiver pensando no assunto.

Precisamos enfatizar outra vez que aceitação atenta não é resignação. Não é aceitar o inaceitável. Nem é uma desculpa para ser preguiçoso e não fazer nada com sua vida, seu tempo, seus talentos e seus dons inatos. (O trabalho significativo, seja remunerado ou não, é uma forma segura de promover a felicidade.) A atenção plena é uma “recuperação dos sentidos”, uma consciência que começa a vir à tona espontaneamen­te quando você reserva tempo para praticá-la. Ela permite que você ex­perimente o mundo pelos sentidos - com calma e sem espírito crítico. Proporciona uma grande sensação de perspectiva, que o ajuda a sentir o que é importante ou não.

No longo prazo, a atenção plena o encoraja a tratar a si mesmo e aos outros com compaixão. Isso o liberta da dor e da preocupação, e em seu lugar surge uma sensação de felicidade que se propaga à vida diária. Não é o tipo de felicidade que se dissipa à medida que você se torna imune às alegrias. Pelo contrário, é um estado permanente de contentamento que invade sua rotina.

Um dos aspectos mais espantosos da meditação da atenção plena é que você consegue ver seus efeitos positivos alterando o funcionamen­to cerebral. Avanços científicos recentes nos permitem ver que as áreas do cérebro associadas às emoções positivas - como felicidade, empatia e compaixão - se tornam mais fortes e ativas quando as pessoas meditam. As novas tecnologias de imagem conseguem mapear redes críticas do cérebro sendo ativadas, quase como se estivessem brilhando e vibrando com uma vida renovada. Com essa reenergização promovida pela me­ditação, a infelicidade, a ansiedade e o estresse começam a se dissolver, deixando uma sensação profunda de revigoramento. Mas você não pre­cisa passar anos meditando para constatar esses benefícios: cada minuto conta.

Pesquisas mostraram que já é possível sentir seus efeitos se você se dedicar à prática diária por um período de oito semanas.

Durante muitos anos acreditou-se que todos temos uma espécie de “termostato emocional”, que determina nosso grau de felicidade na vida. Presumivelmente, algumas pessoas teriam um temperamento feliz, en­quanto outras teriam um temperamento infeliz. Embora grandes acon­tecimentos, como a morte de um ente querido ou ganhar na loteria, possam alterar de forma significativa o nosso estado de humor, às vezes por semanas ou meses a fio, sempre se supôs que havia um ponto de referência ao qual retornaríamos. Esse ponto de referência emocional estaria codificado em nossos genes ou seria fixado na infância. Em ou­tras palavras: algumas pessoas nasciam felizes e outras não.

Anos atrás, porém, esse pressuposto foi abalado por Richard David­son, da Universidade de Wisconsin, e Jon Kabat-Zinn, da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts. Eles descobriram que a prática da atenção plena permitia às pessoas escaparem da atração gravitacional de seu ponto de referência emocional. O trabalho deles nos ofereceu a possibilidade extraordinária de alterar permanentemente nosso nível de felicidade.

Essa descoberta tem suas raízes no trabalho do Dr. Davidson sobre a indexação (ou mensuração) da felicidade de uma pessoa por meio do exame da atividade elétrica em diferentes partes do cérebro, usando sensores no couro cabeludo ou por meio de ressonância magnética. Ele descobriu que quando as pessoas estão emocionalmente perturba­das - zangadas, ansiosas ou deprimidas -, o córtex pré-frontal direito se ilumina mais do que a parte equivalente do cérebro situada à esquerda. Quando as pessoas estão num astral positivo - contentes, entusiasma­das, radiantes -, o córtex pré-frontal esquerdo se ilumina mais do que o direito. Essa pesquisa levou o Dr. Davidson a conceber um “índice de humor” baseado na relação entre a atividade elétrica nos cortices pré-frontais esquerdo e direito. Essa relação consegue prever seu estado de ânimo diário com grande precisão. É como dar uma espiada no termos­tato emocional - se a relação tende para a esquerda, é provável que você esteja feliz, contente e energizado. Esse é o sistema da “abordagem”. Se a relação tende para a direita, a probabilidade é de que você esteja mais sombrio, desanimado e sem energia. É o sistema da “fuga”.

Davidson e Kabat-Zinn decidiram estender o trabalho e examinar os efeitos da atenção plena nos termostatos emocionais de um grupo de trabalhadores de biotecnologia. Os voluntários praticaram a meditação da atenção plena por oito semanas. Então algo incrível aconteceu: eles não apenas ficaram menos ansiosos, mais contentes, mais energizados e mais envolvidos com seu trabalho, como também o índice de ativação do cérebro deles passou a tender para a esquerda. Surpreendentemente, o sistema da abordagem continuou operando mesmo quando eles fo­ram expostos a músicas melancólicas e a lembranças do passado que os deixavam tristes. A tristeza gerada nesses momentos deixou de ser vista como um inimigo e passou a ser encarada como algo amigável, passível de ser administrado. Ficou claro não só que a prática da atenção plena aumenta os níveis de felicidade (e reduz o estresse), como também que essa mudança se reflete na forma como o cérebro funciona. Isso sugere que a atenção plena tem efeitos positivos que criam raízes profundas no cérebro.

Outro benefício inesperado foi que o sistema imunológico dos vo­luntários se fortaleceu. Os pesquisadores ministraram uma injeção com o vírus da gripe nos participantes e depois mediram a concentração de anticorpos específicos que haviam sido produzidos por cada um. Aque­les cujo cérebro mostrava maior tendência ao sistema da abordagem tiveram o sistema de defesa mais estimulado.

Mas um trabalho ainda mais interessante estava por vir. A Dra. Sa­rah Lazar, do Hospital Geral de Massachusetts, descobriu que quando as pessoas continuam meditando por vários anos, essas mudanças po­sitivas alteram a estrutura física do cérebro. O termostato emocional é reiniciado - para melhor. Isso significa que, com o tempo, você terá mais tendência a se sentir feliz em vez de triste, despreocupado em vez de agressivo, energizado em vez de cansado e apático. Essa mudança nos circuitos cerebrais é mais pronunciada numa parte da superfície do cérebro conhecida como insula, que controla muitas das características centrais à nossa humanidade.

Numerosos testes clínicos mostram que esses efeitos positivos sobre o cérebro se traduzem em benefícios para a felicidade, o bem-estar e a saúde. Veja alguns exemplos a seguir.

Atenção plena e Reisiliência

Descobriu-se que a atenção plena aumenta a resiliência - ou seja, a capacidade de resistir aos golpes e reveses da vida - num grau conside­rável. Essa capacidade de resistência varia muito de pessoa para pessoa. Algumas se saem bem em desafios estressantes que intimidariam mui­tas outras, como bater altas metas de desempenho no trabalho, acampar no Polo Sul ou cuidar de três filhos, da casa e do emprego.

O que faz com que pessoas “resistentes” sejam capazes de enfrentar as adversidades enquanto as outras se desesperam diante delas? A Dra. Su­zanne Kobasa, da City University de Nova York, identificou três traços psicológicos envolvidos nesse processo: controle, compromisso e desa­fio. Outro psicólogo eminente. Dr. Aaron Antonovsky, também tentou definir os principais aspectos psicológicos que permitem que algumas pessoas suportem uma tensão extrema, enquanto outras não. Ele con­centrou seus estudos em sobreviventes do Holocausto e encontrou três traços que se combinam para gerar uma sensação de coerência: inteligibilidade, maneabilidade e significabilidade. Assim, as pessoas “fortes” acreditam que os acontecimentos têm um significado, que são capazes de manejar sua vida e que a situação é compreensível, ainda que pareça caótica e descontrolada.

De certa forma, todos os traços identificados por Kobasa e Anto­novsky definem nosso grau de resiliência. Em termos gerais, quanto mais forte for nossa tendência a essas características, maior será nossa capacidade de enfrentar as provações e adversidades da vida.

A equipe de Jon Kabat-Zinn, da Faculdade de Medicina da Univer­sidade de Massachusetts, decidiu testar se a meditação conseguia me­lhorar essa tendência e, portanto, aumentar a capacidade de resiliência das pessoas. Os resultados foram claros. Em geral, os participantes não apenas se sentiram mais felizes, mais energizados e menos estressa­dos, como também ganharam mais controle sobre sua vida. Descobri­ram que ela fazia sentido e que os desafios podiam ser vistos como oportunidades, não como ameaças. Outros estudos confirmaram essas descobertas.

Mas talvez a descoberta mais intrigante sobre o assunto seja que esses traços de personalidade não são imutáveis. Eles podem ser mudados para melhor em apenas oito semanas de treinamento em atenção ple­na. Essas transformações não devem ser subestimadas, pois têm uma enorme importância para nossa vida diária. A empatia, a compaixão e a serenidade são vitais para o nosso bem-estar, mas certo grau de força e resistência também é necessário. E a prática da atenção plena pode ter um papel crucial nesses aspectos da vida.

Os estudos realizados em laboratórios e clínicas do mundo inteiro es­tão mudando a maneira como os cientistas pensam sobre a mente e vêm aumentando a confiança das pessoas nos benefícios da atenção plena. Muitos praticantes contam que a meditação aumenta a alegria diária. Isso significa que mesmo as coisas mais simples podem voltar a ser cativantes.

Psicologia - Psicologia positiva
3/24/2022 5:41:23 PM | Por Danny Penman, Mark Williams
Pensamentos automáticos e sua influência em nossas emoções

Aparentemente, Lucy era uma representante de vendas bem-suce­dida de uma rede de lojas de roupas. Mas ela estava se sentindo paralisada. Às três da tarde, olhando pela janela do escritório, estres­sada, exausta e totalmente indisposta, ela se perguntava: "Por que não consigo fazer meu trabalho direito? Por que não consigo me concentrar? O que há de errado comigo? Estou tão cansada! Nem consigo pensar direito...". Lucy vinha se punindo com esses pensamentos autocríticos constan­temente. Mais cedo, naquele dia, ela tivera uma conversa longa e ansiosa com a professora do jardim de infância sobre sua filha, Emily, que an­dava chorando quando era deixada na escola. Depois, telefonou para o bombeiro para saber por que não tinha ido consertar a descarga que­brada em sua casa. Agora fitava uma planilha, sentindo-se sem energia e mastigando um muffin de chocolate no lugar do almoço.

As exigências e tensões na vida de Lucy estavam piorando gradual­mente nos últimos meses. O trabalho se tornava cada vez mais estressante e começava a se estender até bem depois do horário do expediente. As noites haviam se tornado insones, os dias, mais sonolentos. Seu cor­po começou a doer. A vida perdeu a alegria. Seguir em frente era uma luta. Ela já havia se sentido assim antes, mas sempre fora uma situação temporária. Jamais imaginara que aquilo poderia se tornar um aspecto permanente de sua vida.

Ela vivia se perguntando: O que aconteceu com a minha vida? Por que me sinto tão exausta? Eu deveria estar feliz. Eu costumava ser feliz. Para onde foi minha alegria?

A vida de Lucy girava em torno de excesso de trabalho, infelicidade, insatisfação e estresse. Ela fora privada de sua energia mental e física e se sentia perdida. Queria voltar a ser feliz e estar em paz consigo mesma, mas não tinha ideia de como chegar lá. Sua frustração não era grave a ponto de justificar uma ida ao médico, mas era suficiente para solapar o seu prazer de viver. Ela não vivia, apenas sobrevivia.

A história de Lucy não é um caso isolado. Ela é uma das milhões de pessoas que não estão deprimidas nem ansiosas na acepção médica - mas também não são felizes de verdade. O humor de todos nós passa por altos e baixos. Às vezes nosso estado de espírito muda de uma hora para outra, sem nem sabermos por quê: num momento estamos felizes, contentes e despreocupados, então algo sutil acontece e começamos a ficar estressados. Pensamos em nossas dificuldades, em todas as coisas que precisamos fazer, na falta de tempo para resolver tudo. O ritmo das exigências é cada vez mais implacável. Nesse estado, ficamos cansados o tempo todo, de forma que nem uma boa noite de sono nos revigora. E nos perguntamos: Como isso foi acontecer? Por que ficamos assim? Talvez não tenha havido nenhuma grande mudança em nossa vida: não perdemos um amigo, não nos endividamos de forma descontrolada. Nada mudou, mas de alguma forma a alegria desapareceu, sendo subs­tituída por uma espécie de aflição generalizada.

Na maior parte do tempo, as pessoas conseguem escapar dessa espiral descendente. Esses períodos difíceis costumam passar. No entanto, às vezes podem perdurar e nos levar para o fundo do poço. No caso de Lucy, a tristeza e a frustração duraram meses, sem qualquer razão apa­rente. Nas situações mais graves, a pessoa pode ser acometida por uma crise séria de ansiedade ou de depressão clínica.

Embora períodos persistentes de aflição e exaustão geralmente pare­çam surgir do nada, existem processos ocorrendo no fundo da mente que só se tornaram conhecidos na década de 1990. E essa descoberta trouxe a percepção de que podemos nos libertar das preocupações, da infelicidade, da ansiedade, do estresse, da exaustão e até da depressão.

Se você perguntasse a Lucy como estava se sentindo naquela tarde, ela teria dito que estava “exausta” ou “tensa”. À primeira vista, essas sen­sações parecem afirmações factuais, mas se olhasse para dentro de si mesma com mais atenção, Lucy teria percebido que não havia algo es­pecífico que pudesse ser rotulado de “exaustão” ou “tensão”. Ambas as emoções eram, na verdade, feixes de pensamentos, sentimentos, sensa­ções físicas e impulsos (como o desejo de gritar ou de sair correndo da sala). As emoções são assim: uma “cor de fundo” criada quando a mente funde pensamentos, sentimentos, impulsos e sensações físicas para evo­car um tema norteador ou estado mental geral. Todos os elementos que formam as emoções interagem entre si e podem intensificar o estado de humor geral. É uma dança intricada, cheia de ligações sutis que só agora começamos a entender.

Tomemos os pensamentos como exemplo. Algumas décadas atrás, acreditava-se que os pensamentos conseguiam mudar nosso estado de espírito e nossas emoções, mas a partir dos anos 1980 descobriu-se que o contrário também pode acontecer: nosso estado de espírito pode mudar nossos pensamentos. Na prática, isso significa que mesmo os momentos passageiros de tristeza podem acabar se autoalimentando para criar pensamentos negativos, definindo a maneira como você vê e interpreta o mundo. Assim como um céu nublado pode fazê-lo se sen­tir melancólico, uma pequena irritação pode trazer à tona lembranças ruins, aprofundando ainda mais seu nervosismo. O mesmo vale para outras emoções: se você se sente estressado, esse estado pode criar ainda mais estresse. Isso também acontece com a ansiedade, o medo, a raiva, e com emoções “positivas” como amor, felicidade, compaixão e empatia.

Mas não são apenas pensamentos e estados de ânimo que se alimen­tam mutuamente e destroem o bem-estar - o corpo também se envolve nesse processo. Isso acontece porque a mente não existe de forma isolada. Ela é uma parte fundamental do corpo, e ambos compartilham informa­ções emocionais entre si o tempo todo. Na verdade, grande parte do que o corpo sente é influenciado pelos pensamentos e pelas emoções, e tudo o que pensamos é influenciado pelo que está ocorrendo no corpo. Pesquisas recentes mostram que nossa perspectiva de vida pode ser alterada por mínimas mudanças corporais: atitudes sutis como fechar a cara, sorrir ou corrigir a postura podem ter um impacto enorme em nosso estado de espírito e em nossos pensamentos.

Para compreender melhor o poder da interação entre o corpo e o es­tado de humor, os psicólogos Fritz Strack, Leonard Martin e Sabine Stepper1 pediram a um grupo de pessoas que assistisse a desenhos ani­mados e depois avaliasse quão engraçados eram. Alguns voluntários tiveram que colocar um lápis entre os lábios, sendo forçados a franzi­dos e fazer uma cara triste. Outros assistiram aos desenhos com o lápis entre os dentes, simulando um sorriso. Os resultados foram impres­sionantes: aqueles forçados a sorrir acharam os desenhos bem mais engraçados do que aqueles obrigados a fechar a cara. Todos sabemos que sorrir demonstra que estamos felizes, mas, convenhamos: é sur­preendente descobrir que o ato de sorrir pode ele próprio torná-lo feliz. Esse é um exemplo perfeito de como são estreitos os vínculos entre a mente e o corpo.

Sorrir também é contagioso. Quando você vê alguém sorrindo, quase inevitavelmente sorri de volta. Pense nisto: o simples ato de sorrir pode deixá-lo contente (ainda que seja um sorriso forçado). E, se você sorrir, os outros sorrirão de volta, o que reforça sua felicidade. É um círculo virtuoso.

Mas também existe um círculo vicioso, que atua na direção oposta. Ao pressentirmos uma ameaça, ficamos tensos, prontos para lutar ou fugir. Essa reação de “luta ou fuga” não é consciente: é controlada por uma das partes mais “primitivas” do cérebro e, por isso, ele pode ser um pouco simplista na maneira de interpretar o perigo. O cérebro não faz distinção entre uma ameaça externa (como um tigre) e uma interna (como uma lembrança incômoda ou uma preocupação futura), tratan­do as duas como um perigo equivalente. Quando uma ameaça é detecta­da - seja real ou imaginária -, o corpo fica tenso e se prepara para entrar em ação. Isso pode se manifestar de várias formas, como rosto franzido, frio na barriga ou tensão nos ombros. A mente lê a reação do corpo e entende que está diante de uma ameaça (lembra como uma cara amar­rada pode fazê-lo se sentir triste?), o que faz o corpo tensionar ainda mais. O círculo vicioso começou.

Na prática, isso significa que, se você está se sentindo um pouco es­tressado ou vulnerável, uma pequena mudança emocional pode acabar arruinando seu dia - ou até mesmo lançá-lo num período prolongado de insatisfação ou preocupação. Essas mudanças costumam surgir do nada, deixando-o sem energia e se perguntando por que está tão infeliz.

Oliver Burkeman, colunista do jornal The Guardian, descobriu isso sozinho e escreveu sobre como pequenas sensações corporais se retroalimentavam para lançá-lo em uma espiral emocional descendente:

Geralmente sou feliz, mas de vez em quando sou atingido por um estado de infelicidade e ansiedade que se intensifica muito rápido. Nos piores dias, sou capaz de passar horas perdido em divagações angustiantes, refletindo sobre as grandes mudanças que preciso fazer em minha vida. De repente, percebo que me esqueci de almoçar. Como um sanduíche de atum e o mau humor desapa­rece. No entanto, minha primeira reação à sensação ruim nunca é pensar que estou com fome. Aparentemente, meu cérebro prefere se chatear com reflexões sobre a falta de sentido da existência a me direcionar até a geladeira.

Como Oliver Burkeman constatou em sua própria experiência, quase sempre essas “divagações angustiantes” se desfazem rápido. Algo atrai nosso olhar e nos faz sorrir - um amigo telefona, encontramos um bom filme passando na TV, tomamos uma deliciosa xícara de chocolate quente ou decidimos ir para a cama cedo. Em geral, toda vez que somos atingidos pelos turbilhões da vida, algo de bom acontece para restabe­lecer o equilíbrio. Mas nem sempre é assim. Às vezes o peso de nossa história entra em ação e adiciona uma carga emocional extra, já que nossas lembranças têm um impacto poderoso em nossos pensamentos, sentimentos, impulsos e, em última análise, em nosso corpo.

Vamos voltar ao exemplo de Lucy. Embora se descreva como uma pessoa “ambiciosa” e “relativamente bem-sucedida”, ela tem consciên­cia de que algo fundamental está faltando em sua vida. Ela conquistou quase tudo o que queria, por isso acha estranho que não se sinta feliz, contente e em paz consigo mesma. Constantemente repete a frase “Eu deveria estar feliz”, como se dizer isso fosse suficiente para expulsar a tristeza.

Os surtos de infelicidade de Lucy começaram na adolescência. Seus pais se separaram quando ela tinha 17 anos e a casa da família precisou ser vendida, forçando seus pais a se mudarem para locais não muito adequados. Lucy surpreendeu a todos por segurar a barra. É claro que no início ficou arrasada com o divórcio, mas logo aprendeu a tirar o foco dos problemas se empenhando nos estudos. Essa foi sua tábua de salvação. Tirou boas notas, entrou na faculdade e se formou com uma qualificação satisfatória. Seu primeiro emprego foi como trainee numa loja de roupas. Ao longo dos anos, foi subindo na hierarquia da empresa, até chegar a chefe de uma pequena equipe de representantes de vendas. Aos poucos, o trabalho dominou a vida de Lucy, deixando-a cada vez mais sem tempo para si mesma. Aconteceu tão lentamente que ela mal percebeu que deixava sua vida de lado. Ocorreram coisas boas também, é claro, como o casamento com Tom e o nascimento das duas filhas. Ela adorava sua família, mas não conseguia se livrar da sensação de que apenas algumas pessoas tinham direito de viver de forma plena. Sua impressão era de estar caminhando em areia movediça.

Essa areia movediça era sua rotina, seu estresse, seus padrões de pen­samentos e seus sentimentos do passado. Embora por fora Lucy pare­cesse uma pessoa de sucesso, por dentro ela morria de medo do fracas­so. Esse medo fazia com que qualquer mau humor passageiro desenca­deasse lembranças dolorosas, enquanto seu crítico interno dizia que era vergonhoso exibir tais fraquezas. Sensações vagas de insegurança aca­bavam despertando uma sucessão de sentimentos negativos do passado que pareciam bem reais e rapidamente assumiam vida própria, ativando outra onda de emoções nocivas.

Como Lucy atestará, é raro experimentarmos a tensão ou a tristeza isoladamente - raiva, irritabilidade, amargura, ciúmes e ódio às vezes estão ligados em um novelo intricado. Esses sentimentos podem até ser dirigidos aos outros, mas na maioria das vezes são voltados para nós mesmos, ainda que não percebamos. Ao longo da vida, esses emaranha­dos emocionais podem se tornar mais associados aos pensamentos, aos sentimentos, às sensações físicas e aos comportamentos. É assim que o passado consegue ter um efeito tão difuso no presente. Se ativamos uma chave emocional, as outras são ativadas em seguida (o mesmo ocor­re com as sensações físicas, como a dor). Tudo isso pode desencadear padrões de pensamento, comportamento e sentimentos que sabemos que são nocivos, mas que simplesmente não conseguimos evitar. E que, quando combinados, são capazes de transformar qualquer contratempo em uma tempestade emocional.

Aos poucos, o acionamento repetitivo de pensamentos e humores ne­gativos começa a abrir sulcos na mente. Com o tempo, esses sulcos se tornam mais profundos, fazendo com que os pensamentos negativos, a autocrítica, a melancolia e o medo se instalem com mais facilidade e se dissipem com mais esforço. A conseqüência disso é que os períodos prolongados de fragilidade podem ser desencadeados por coisas cada vez mais banais, como uma chateação momentânea ou uma baixa de energia - tão banais que às vezes nem as reconhecemos. Com frequên­cia, os pensamentos negativos aparecem disfarçados de perguntas duras que fazemos a nós mesmos: Por que estou tão infeliz? O que está aconte­cendo comigo? Onde será que errei? Onde isso vai acabar?

Os vínculos estreitos entre os diversos aspectos da emoção, que o tem­po todo recorrem ao passado, podem explicar por que um sentimento passageiro pode ter um efeito significativo sobre o estado de humor. Às vezes esses sentimentos chegam e partem tão rápido quanto uma rajada de vento. Outras vezes, no entanto, o estresse, a fadiga e o mau humor ficam grudados como adesivos em nossa mente, e nada parece ser capaz de arrancá-los dali. A impressão que se tem é que é justamente isso que está ocorrendo: a mente é ativada para entrar em alerta máximo, mas depois não consegue ser desativada, como deveria acontecer.

Uma boa forma de ilustrar esse processo é comparar a maneira como humanos e animais reagem diante do perigo. Tente se lembrar do últi­mo documentário sobre a vida selvagem a que assistiu na TV. Deve ter aparecido um rebanho de gazelas sendo caçado por um leopardo na savana africana. Aterrorizados, os animais correram feito loucos até que o leopardo capturou um deles ou desistiu da caçada naquele dia. Uma vez passado o perigo, as gazelas voltaram a pastar tranquilamente. Algo no cérebro delas foi acionado quando avistaram o leopardo e depois desativado quando a ameaça se dissipou.

Mas a mente humana é diferente, sobretudo quando se trata de amea­ças “intangíveis” capazes de desencadear ansiedade, estresse, preocupa­ção ou irritabilidade. Quando nos preocupamos ou tememos alguma coisa - seja ela real ou imaginária - nossas reações de luta ou fuga entram em ação. Mas aí algo mais ocorre: a mente começa a percor­rer nossas lembranças em busca de algo que explique por que nos sen­timos daquele jeito. Assim, se nos sentimos tensos ou em perigo, nossa mente desenterra memórias de ocasiões passadas em que nos sentimos ameaçados e depois cria cenários do que poderá ocorrer no futuro se não conseguirmos explicar o que está acontecendo agora. O resultado é que os sinais de alerta do cérebro são ativados não apenas pelo perigo atual, mas por ameaças passadas e preocupações futuras. Tal processo se dá de forma instantânea, sem que percebamos.

Estudos recentes feitos a partir de tomografias do cérebro confirmam que pessoas que sentem dificuldade de viver o presente e têm rotinas muito agitadas possuem uma amígdala cerebral (a parte primitiva do cérebro envolvida no instinto de luta ou fuga) em “alerta máximo” o tempo todo.2 Assim, quando trazemos à tona lembranças de ameaças e perdas antigas e as juntamos ao “perigo” atual, nosso mecanismo de luta ou fuga não é desativado quando a ameaça passa. Ao contrário das gazelas, não paramos de correr.

Então, a forma como reagimos pode transformar emoções temporá­rias e não problemáticas em dores persistentes e incômodas. Em suma, a mente pode acabar agravando a situação. Isso vale para muitos outros sentimentos do dia a dia. Eis um exemplo:

Enquanto está lendo este livro, veja se consegue perceber qualquer sinal de fadiga em seu corpo. Passe um momento observando-o a fun­do. Depois que tiver se conscientizado de seu cansaço, faça a si mesmo as seguintes perguntas: Por que estou me sentindo tão exausto?O que fiz de errado? O que essa sensação revela sobre mim? O que acontecerá se eu não conseguir me livrar dessa fadiga?

Reflita sobre essas questões por um tempo. Deixe-as ecoar em sua mente. Por que estou tão cansado? O que aconteceu comigo? O que vou fazer se permanecer assim?

Como se sente agora? Provavelmente pior. Acontece com todo mun­do, porque aliado a essas perguntas existe um desejo de se livrar da fadi­ga e de descobrir suas causas e conseqüências.3 O impulso de explicar e expulsar a exaustão deixou você mais exausto.

O mesmo vale para uma série de sentimentos, como a infelicidade, a ansiedade e o estresse. Quando estamos infelizes, é natural tentarmos descobrir a razão por nos sentirmos assim e procurarmos um meio de resolver esse “problema”. Mas tensão, infelicidade ou exaustão não são problemas que possam ser resolvidos. São emoções. Refletem estados da mente e do corpo. Como tais, não podem ser resolvidas - apenas sentidas. Se você as percebeu e abandonou a tendência de explicá-las ou resolvê-las, terá mais chances de vê-las desaparecer sozinhas, como a névoa numa manhã de primavera.

Isso lhe soa estranho? Deixe-me explicar melhor.

Quando você tenta resolver o “problema” da infelicidade (ou de qual­ quer outra emoção “negativa”), mobiliza uma das ferramentas mais poderosas da mente: o pensamento crítico racional. Funciona assim: você se vê num lugar (infeliz) e sabe onde deseja estar (feliz). Sua mente analisa o hiato entre os dois polos e tenta descobrir a melhor forma de transpô-lo. Para isso, usa seu modo Atuante (assim chamado porque é eficiente para resolver problemas e realizar tarefas), que reduz progres­sivamente o hiato entre onde você está e onde deseja chegar. Ele faz isso fragmentando o problema, resolvendo cada uma das partes e depois ve­rificando se isso o ajudou a se aproximar de seu objetivo. Esse processo é instantâneo e nem nos damos conta dele. É uma forma incrivelmente poderosa de resolver problemas: é assim que nos orientamos nas cidades desconhecidas, dirigimos carros e organizamos cronogramas de trabalho frenéticos. Numa escala maior, foi como os povos antigos construí­ram pirâmides e navegaram pelo mundo em veleiros primitivos.

Parece perfeitamente natural, portanto, aplicar essa abordagem para resolver o “problema” da infelicidade. Mas, na verdade, é a pior coisa que se pode fazer, pois requer que você se concentre no hiato entre como está e como gostaria de estar. Então você faz perguntas como: O que há de errado comigo? Onde foi que errei? Por que cometo sempre os mesmos erros? Esses questionamentos, além de duros e autodestrutivos, exigem que a mente forneça indícios para explicar seu descontentamento. E a mente é de fato brilhante em fornecer tais indícios.

Imagine-se passeando num belo parque em um dia de primavera. Você está feliz, mas, por alguma razão desconhecida, uma centelha de tristeza surge em sua mente. Pode ser por causa da fome, já que você não almo­çou, ou talvez porque você tenha se lembrado sem querer de alguma coisa incômoda. Após alguns minutos, você começa a se sentir um pouco aba­tido. Assim que percebe seu desânimo, pensa: O dia está lindo. O parque é maravilhoso. Gostaria de me sentir mais contente do que estou agora.

Repita: Gostaria de me sentir mais contente.

Como se sente depois disso? Provavelmente, ainda mais triste. Você se concentrou no hiato entre como se sente e como quer se sentir. E concentrar-se no hiato o realçou. A mente vê a distância entre os dois estados como um problema a ser resolvido. Essa abordagem é desastro­sa quando se trata das emoções, devido à interligação complexa entre pensamentos, emoções e sensações físicas. Todos se alimentam mutua­mente e podem conduzir sua mente em direções perturbadoras. Em pouco tempo, você se vê sufocado pelos próprios pensamentos. Você começa a analisar demais a situação, a remoer o sentimento, a se culpar por não se sentir feliz.

Seu estado de ânimo piora. Seu corpo fica tenso, seu rosto se franze e o desânimo se instala. Algumas dores podem surgir. Essas sensações realimentam sua mente, que se sente mais ameaçada. Seu astral pode cair a tal ponto que você deixa de aproveitar o passeio no parque e não presta mais atenção na beleza do dia.

Claro que ninguém fica remoendo os problemas porque acredita que é uma forma nociva de pensar. As pessoas acreditam que, preocupando-se o suficiente com sua infelicidade, acabarão encontrando uma solu­ção para ela. Mas as pesquisas provam o oposto: na verdade, remoer pensamentos reduz nossa capacidade de solucionar problemas, e é um artifício absolutamente inútil para lidar com dificuldades emocionais.

Os sinais são claros: remoer pensamentos é o problema, não a solução.

Escapando do círculo vicioso

Não dá para deter o fluxo de lembranças infelizes, monólogos inter­nos negativos e outras formas de pensamento prejudiciais - mas você pode evitar o que acontece a seguir. Como já dissemos, você pode im­]pedir que o círculo vicioso se autoalimente e desencadeie a próxima es­piral de pensamentos negativos. E pode fazer isso experimentando um jeito novo de se relacionar consigo mesmo e com o mundo. Se você pára e reflete por um momento, a mente não apenas pensa: ela tem consciência de que está pensando. Essa forma de pura consciência permite que você veja o mundo de outra maneira, de um ponto de vista distanciado, sem sofrer a interferência de seus pensamentos, sentimentos e emoções. É como estar numa montanha alta - um ponto de observação - da qual você pode ver tudo por quilômetros a sua volta.

A pura consciência transcende o pensamento. Permite que você cale a mente tagarela e iniba seus impulsos e emoções reativas. Possibilita que você olhe para o mundo com os olhos abertos. E quando faz isso, a sensação de contentamento reaparece em sua vida.

 

Psicologia - Psicologia positiva
12/8/2021 12:36:12 PM | Por Robert Biswas-Diener, Todd B. Kashdan
Por que é bom não estar bem

No primeiro tempo de um jogo de basquete profissional, quando Pat Riley era o treinador do Los Angeles Lakers, o time estava totalmente desconcentrado. Os jogadores ficavam olhando para as meninas da torcida, fazendo piadas, praticamente ignorando o que se passava na quadra. O único a manter a cabeça no lugar foi o astro do basquete Kareem Abdul-Jabbar. No inter­ valo, Riley simulou um ataque de raiva, que começou com gritos e culminou com uma bandeja cheia de copos de água derrubada. O único atingido foi Kareem, que ficou encharcado. Essa cena le­vou os jogadores a se sentirem culpados pelo mau comportamen­to que fez Kareem sofrer injustamente a ira do treinador. A partir daí eles se compenetraram, superaram a diferença de 24 pontos e venceram o jogo. Acontece que, desde o começo, Riley teve a in­tenção de jogar a água em Kareem, e a estratégia funcionou.

Alguém acha que o time teria jogado melhor se, no intervalo, Riley tivesse ido para o vestiário com a intenção de criar uma atmosfera de alegria, calma e contentamento? Naquele momen­to, a raiva era exatamente o que a situação exigia. Como vimos pela reação dos jogadores, as emoções negativas podem ser alta­mente motivadoras. Se você não se abrir para aceitar sentimentos negativos, poderá perder ótimas oportunidades de usar alguns dos [87] instrumentos mais úteis na vida. Se cair na tentação de procurar sempre algo positivo em que se agarrar, na esperança de eliminar, dissimular ou esconder emoções negativas, vai sair perdendo no jogo da vida. Ao evitar as emoções negativas, você estará, invo­luntariamente, sufocando a felicidade, a fortaleza de caráter, a curiosidade, a maturidade, a sabedoria e o crescimento pessoal. Se você abafar as emoções negativas, abafa as positivas também. Lembra-se dos norte-americanos deprimidos que não riram do filme cômico?

Por que o mau pode ser mais potente que o bom

Roy Baumeister e seus colegas da Universidade Estadual da Fló­rida publicaram um artigo intitulado “Bad is Stronger thatn Good” [O mau é mais forte que o bom].1 É sse título ousado sugere que os psicólogos tinham dado um jeito de medir o bom e o mau no mun­do, e o resultado foi a favor do lado mau. Na verdade, o artigo afir­ma que temos uma reação mais forte aos eventos negativos da vida do que aos eventos positivos. Tomemos apenas um exemplo: nu­ma pesquisa com adultos norte-americanos escolhidos aleato­riamente e mais ou menos como nós, constatou-se que o fato de terem passado um dia muito agradável não influenciava a quali­dade do dia seguinte. Por outro lado, um dia péssimo se refletia no dia seguinte logo ao acordar (cambaleando), no café da manhã (achando tudo horrível), indo para o trabalho (fechando todos os carros na via expressa para ganhar dois minutos). O mesmo pa­drão surge diversas vezes na pesquisa psicológica:[88]

  • O sexo bom no casamento está relacionado a cerca de 20% da diferença de satisfação marital entre marido e mulher.2 Quando o sexo não é bom, a variação sobe para 50% a 75%.
  • Perguntaram a crianças em idade escolar se algum colega de classe era um “amigo indesejável”.3 Se punham alguém na lista, justificavam dizendo que o colega não era bom nos esportes ou no dever de casa, entre outros mil defeitos. Mas na lista de “amigos desejáveis” não vinha ao caso se era atlé­tico, estudioso ou bonito.
  • As pessoas têm uma reação mais forte a cheiros desagradá­veis - franzindo o nariz por mais tempo - do que a odores agradáveis, que lhes põe um breve sorriso nos lábios.4

A equipe de Baumeister relatou um estudo abrangente e mui­to interessante que mostra que eventos, experiências, relaciona­mentos e estados psicológicos negativos têm um peso muito maior em nossa sensibilidade do que os positivos. Você pode questionar essa conclusão aparentemente pessimista, mas lembremos que a negatividade é nosso direito evolucionário inato.5 Avaliações ne­gativas são essenciais à sobrevivência (a folha amarga é também venenosa), e a maior verdade disso é o caso das emoções negativas. As emoções são como um sistema de rastreamento das experiên­cias, e fornecem um rápido sinal mental de aprovação ou desapro­vação para aceitar ou recusar uma determinada situação.

É fácil ver que um breve desentendimento com seu parceiro permanece mais na lembrança do que um doce beijo de despedida de manhã, mas e os estados desagradáveis, como a frustração e a decepção? São sentidos com maior intensidade do que seus pri­mos felizes - o entusiasmo e a satisfação? Veja isso como uma porta aberta para refletir sobre as emoções negativas. Pare um [89] momento e escreva todas as palavras que significam emoções ne­gativas que lhe vierem à mente. Depois, escreva todas as que sig­nificam emoções positivas. Provavelmente, sua primeira lista é mais longa que a segunda. Isso pode ser porque as palavras nega­tivas têm um significado mais específico do que as positivas (tente definir amor e raiva ou feliz e medo).6 Pesquisadores interessados em saber como as pessoas se lembram dos eventos emocionais monitoraram estados de espírito de adultos no dia a dia, e depois pediram que se lembrassem da frequência e intensidade de suas emoções durante as duas semanas do estudo.7

Como se pode ima­ginar, as pessoas tiveram mais propensão a se lembrar dos eventos intensos, tanto positivos como negativos. Mas é interessante notar que subestimaram a frequência das emoções positivas, e não tive­ram dificuldade em recordar os eventos negativos. Temos muito mais técnicas para reduzir, eliminar e tolerar emoções negativas do que para destacar as positivas.

Pense na última vez em que você precisou falar com um serviço de atendimento ao cliente. Talvez estivesse querendo marcar uma consulta médica e havia poucos horários disponíveis, ou tentando conseguir isenção de juros de um pagamento atrasado do cartão de crédito. Ou talvez estivesse convencendo uma atendente da companhia aérea a dar um jeitinho de lhe conseguir um lugar me­lhor no avião. Você se lembra de como se expressou? Falou num tom simpático e educado? Ou levantou a voz e falou com agressi­vidade? Supomos que você seja uma pessoa bem-educada e tenha escolhido a forma gentil. Difícil de engolir - pelo menos para a maioria de nós - é que frequentemente os arrogantes e grosseirões conseguem o que querem.

Personalidades irritadiças, embora desagradáveis, podem ser tremendamente eficientes. A agilidade psicológica que defendemos [90] aqui pode expandir seu repertório para lhe dar acesso a abor­dagens mais duras, mais diretas, e às vezes mais eficazes. Você provavelmente evita essa estratégia porque acha que ser negativo é... negativo. Pode pensar que as pessoas agressivas, hostis ou francamente ruins são idiotas, e não quer fazer parte dessa turma. A boa notícia é que há toda uma gama de negatividade - negatividade benéfica, veja bem - que nada tem a ver com idiotice.

Emoções negativas também podem ajudar a se concentrar na situação em curso. Quando você pega a furadeira para fazer um furo na parede, deve prestar atenção no local do furo e também na posição da sua mão. A ansiedade associada ao risco de erro ajuda a fazer o furo no lugar exato. (Cortar um bolo de aniversário com uma faca de plástico é uma experiência muito diferente, em que um método “também serve” de fato também serve.) Uma pesquisa de Kate Harkness, da Universidade de Queens, mostra que pessoas com propensão a estados depressivos também tendem a prestar mais atenção em detalhes.8 Isso é verdade, particularmente em se tratando de expressões faciais. Indivíduos alegres e expansivos veem os traços em geral - um nariz, dois olhos, e talvez as sobran­celhas estejam franzidas. No estudo de Harkness, os menos exu­berantes tinham olhos de águia para expressões faciais, captando o menor tremor dos lábios, o mais leve movimento dos olhos. É por isso que - como você provavelmente já terá notado -, quan­do está brigando com a pessoa amada (um evento negativo), você “lê” as mínimas mudanças na atitude dela, coisas que jamais no­taria quando tudo está bem. A questão é: se as pessoas felizes pas­sam por cima das minúcias, e se isso conduz a interações mais confortáveis, não devemos nos satisfazer com “está bom assim”? Não. Você prefere contratar um advogado alegre e bonachão, em vez de um ranzinza, que identifica as menores falhas num contra­to? Nós também não.[91]

O clima das salas de controle de tráfego aéreo tende a ser ne­gativo. Isso se deve, em parte, ao fato de os controladores terem plena consciência de sua responsabilidade pela segurança, e qual­ quer erro pode ser fatal. Na extremidade menos grave do espetro, os erros podem causar atrasos e complicações logísticas, e no ou­tro extremo o custo pode chegar a dezenas de milhões de dólares e à morte de centenas de pessoas. O trabalho exige muita atenção aos detalhes. Os pontinhos bipando na tela do radar são aeronaves, cada uma com sua identificação, altitude, velocidade e plano de voo. Emoções negativas, como ansiedade e suspeição, podem agir como um funil estreitando os olhos da mente para detalhes im­portantes. No controle de tráfego aéreo, não há lugar para “tam­bém serve”. Em consonância com o que vimos aqui, enquanto tudo funciona bem ninguém nota. As pessoas só voltam sua aten­ção para o controle aéreo quando há um desastre.

Greg Petto, controlador de tráfego aéreo em Louisville, Ken­tucky, nos contou que sua torre é responsável por 230 quilômetros quadrados de tráfego aéreo entre o chão e uma altitude de três mil metros. É um trabalho estressante, em que aviões que vão chegan­do a uma distância de cinco quilômetros um do outro ficam peri­gosamente próximos. Petto compara o radar a um dojo, nome dado a salas de treinamento de artes marciais japonesas. Os controla­dores orientam setecentos voos por dia, e o maior movimento é durante a noite, quando os jatos do correio expresso, FedEx, che­gam em grande número. Perguntamos a ele se, sabendo que os aviões da FedEx estavam transportando carga, e não passageiros, a tensão na sala de controle era menor que durante o dia.

- Para ser franco - ele respondeu -, preciso pensar que cada ponto na tela é um avião. Se eu parasse para pensar o que está se passando lá no céu, ficaria maluco. E acrescentou: - Mas é muito [92] bom alinhar todos os aviões na distância exata e no tempo exato. É muito bom mesmo. - Apesar de se orgulhar do trabalho, Petto é o primeiro a admitir que há alguma negatividade entre os pró­prios controladores. - Eles ficam malcriados ou competitivos quando a coisa aperta. A gente lida com isso implicando uns com os outros, ou indo para casa rezar, ou beber, dependendo da ten­dência cultural.

Aqui é importante fazer uma pausa para frisar que muitas pessoas cometem um erro enorme, muito comum, quando se trata de emoções negativas.

Elas separam a experiência de sentimentos negativos da expressão de sentimentos negativos. Muitas pessoas com quem conversamos aceitam rapidamente que estar mal é uma experiência psicológica válida, e até mesmo inevitável. Por outro lado, expressar frustração, ou muita tristeza, é um horror! É como se tivéssemos que ser computadores, cujos processos in­ternos estivessem escondidos e separados do que aparece na tela. Essa atitude existe em vários graus em nossa cultura; faz parte da ideia de que é mais fácil viver numa sociedade de pessoas sorri­dentes do que coexistir com gente que esbraveja e chora. Não se pode ignorar que a expressão emocional tem razões para existir. A expressão emocional é um meio importante de se comunicar com os outros. Um cenho franzido, um olhar carrancudo, avisa aos outros que se afastem porque não estamos de bom humor (e às vezes não estamos mesmo de bom humor). Um grito de medo tem tamanho efeito contagiante que quem está por perto também sente o aumento da adrenalina e olha nervosamente em torno. A expressão de sentimentos, inclusive negativos, é uma parte ne­cessária da experiência emocional humana. [93]

Se as emoções negativas são tão proveitosas, por que não gostamos delas? 

Pare um momento para pensar: quanto você pagaria para não pre­cisar repetir uma palestra em que as pessoas não riam, não sorriam e não paravam de se remexer na cadeira? Pense numa ocasião em que você infernizou uma pessoa inocente por causa de sua própria insegurança: quanto você pagaria para não repetir essa atitude vergonhosa? Do outro lado da moeda: quanto pagaria para reviver a emoção do primeiro encontro com seu/sua atual marido/esposa/parceiro/parceira/amante? Pense na melhor massagem que você teve na vida: quanto você pagaria para ter uma igualmente relaxante neste momento?

O dr. Hi Po Bobo Lau, da Universidade de Hong Kong, e sua equipe colocaram essas mesmas questões numa pesquisa.10 Imagi­ne-se no invejável cenário dos participantes dessa pesquisa. Você recebe duzentos dólares para alterar sua experiência psicológica de modo que sua vida se aproxime do ideal. Pense numa situação específica em que você se sentiu muito feliz. Quantos desses du­zentos dólares você pagaria para recriar esse sentimento? Se você já decidiu quantos dólares exatamente, vamos passar para outra emoção positiva. Calma e tranqüilidade? Animação? Muito bem. Agora vamos a emoções negativas. Pense numa situação que lhe causou muito remorso. Quantos dos duzentos dólares você paga­ria para evitar ter esse sentimento novamente? E medo? Vergonha? Estamos dizendo que determine a quantia exata para cada um dos sentimentos. E agora você já pode imaginar que, para os partici­pantes da pesquisa, evitar o sofrimento valia mais do que comprar felicidade. Vejamos a cotação dos participantes da pesquisa do dr. Lau, detalhada até os centavos de dólar: [94]

  • $44,30 por calma e tranqüilidade;
  • $62,80 por animação;
  • $79,06 por felicidade;
  • $83,27 para evitar o medo;
  • $92,80 para evitar a tristeza;
  • $99,81 para evitar a vergonha;
  • $106,26 para evitar o remorso.

Apenas um sentimento foi considerado mais valioso do que evitar o remorso: o amor. Felicidade, animação, tranqüilidade, é muito bom, mas, como criaturas sociais, queremos que alguém aceite, valorize e cuide do nosso ser interior. O amor foi cotado a 113,55 dólares. Se você, leitor, não for de Hong Kong, pode duvi­dar dessas cotações. Portanto, vamos mostrar que essas mesmas questões, colocadas para adultos do Reino Unido, obtiveram os mesmos valores de compra, em dólares: vale a pena comprar tran­qüilidade por $53,47 e animação por $60,90, mas não se compara à vontade de fugir da vergonha, cotada em $71,83, e do remorso, valendo $64,40. E nada tem mais valor que o amor, cotado em $115,16.

Esses valores em dólar dão uma ideia da motivação dos seres humanos para alterar seu mundo interno e externo. Da maior im­portância é o desejo de ser aceito. Isso é um problema porque não temos o menor controle sobre o que as pessoas vão dizer de nós. Só podemos controlar o que pensamos e como agimos. A falta de controle, o sentimento de incerteza, pode ser o estado psicológico mais desconfortável. Logo atrás vêm os medos do remorso e da vergonha. Portanto, os estados psicológicos mais valorizados es­tão centrados em como somos vistos pelos outros. Infelizmente, as [95] inquietações frequentemente dificultam a aprovação imediata. Mas essa é apenas uma das razões para nossa antipatia pelas emo­ções negativas.

Evitamos as emoções negativas não porque somos tolos a pon­to de ignorar que não devemos, mas por quatro motivos básicos, e muito intuitivos:

  1. São desagradáveis.
  2. Representam estagnação.
  3. São associadas à perda de controle pessoal.
  4. São associadas (corretamente!) a um alto custo social.

Vamos examinar melhor esses motivos fundamentais. Em pri­meiro lugar, evitamos nos sentir mal porque se sentir mal é mau. Ou seja, as emoções negativas são desagradáveis. A ideia de pas­sar uma tarde inteira com tédio, ou estresse, ou frustração, é tão sedutora quanto passar o dia inteiro fazendo depilação com cera quente. Contudo, as pessoas se enganam, não em seu desejo de evitar o desagradável, mas em subestimar sua capacidade de tole­rar a chatice das emoções negativas. Como vimos no exemplo das mulheres à espera de saber se estavam grávidas, as emoções nega­tivas são um pouco menos chatas do que a gente espera. Você já teve raiva e medo, e - assim esperamos - não está sentindo nada disso neste momento. Isso já passou, e você não está pior porque teve esses sentimentos. Você é mais capaz de lidar com emoções desagradáveis do que imagina.

Pense na última vez em que teve tédio, por exemplo. Peter Toohey, da Universidade de Calgary, afirma que o tédio é uma ferra­menta muito útil, que tem a função de nos fazer saber quando as interações sociais ou a rotina estão nos dando desejos que não [96] estamos satisfazendo. Talvez pouco haja a fazer para espantar o té­dio quando você está ouvindo um discurso infindável ou numa longa viagem de avião, mas muitas vezes é possível escapar de si­tuações entediantes. O tédio pode ser um indicador importante de que você está fazendo más escolhas ou entrando em situações com uma atitude restritiva (talvez com mentalidade estreita ou abertamente crítica). O mais interessante é que, mesmo odiando o tédio, você lida muito bem com esse sentimento a cada vez, e ele logo passa. Quando você pensa no tédio, naturalmente se concentra em quanto é desconfortável. Você não atenta para o fato de que lidou efetivamente com o tédio centenas (ou milhares) de vezes na vida.

Um segundo motivo comum para as pessoas desejarem se afastar das emoções negativas é a crença em que elas são como areia movediça - puxam a gente para baixo, sem esperança de escapar. É muito comum a noção de que a depressão, por exem­plo, é um estado difícil de mudar, e, quanto mais crônica for a emoção negativa, maior é o risco de que se torne permanente. Ve­jamos a Prova A, com pessoas que lutam há anos contra a depres­são. De fato, algumas evidências dão suporte à crença popular. Cerca de 60% de adultos que têm um episódio clinicamente sig­nificativo de depressão grave têm um segundo; as que têm um segundo episódio têm cerca de 70% de chance de ter um terceiro, o que dispara para 90% de chance de ter um quarto episódio.1 Sim, essas estatísticas são alarmantes, principalmente se você esquecer a matemática. Se 100 pessoas têm um episódio de depres­são e 60 delas têm um segundo episódio, 42 têm um terceiro, e 38 têm um quarto episódio. Para essas 38 pessoas, é um problema grave, sem dúvida. Mas a grande maioria de pessoas que lutam contra a depressão não está confinada a uma prisão emocional da [97] qual não há escapatória. A maioria estará livre depois de uns pou­cos - notoriamente desagradáveis - episódios. O mesmo se aplica a outros estados. Apesar da tendência a acreditar que a raiva irá acionar algum mecanismo interno que nos transformará em ban­didos violentos, ou que o pânico nos deixará escondidos debaixo da mesa pelo resto da vida, basta você dar uma olhada em sua experiência pessoal para saber que isso não é verdade.

Um terceiro motivo pelo qual evitamos sentimentos negativos é o temor de que, tal como um tsunami psicológico, eles desabem sobre nós e nos arrastem para um destino desconhecido e indesejado de pensamentos. Portanto, o temor das pessoas, ainda que não o articulem, é de que um determinado estado as leve a perder o controle e fazer coisas que de outro modo não fariam. O caso mais óbvio é a raiva. Certamente, há um elemento de verdade nisso, o que leva o sistema judiciário a considerar que um assassi­nato cometido “no calor do momento” é menos grave do que um assassinato planejado. É como se a comunidade jurídica tivesse se reunido e concordado: “Sim, a pessoa com a cabeça quente tem uma tendência a se descontrolar um pouco.” Mas quantas pessoas você conhece que já cometeram um assassinato, de um modo ou de outro? É extremamente incomum, e por isso vira notícia.

É muito improvável que a raiva faça de você um criminoso, mas pode afetá-lo de outras maneiras, às vezes surpreendentes. Alguns pesquisadores interessados no termo “cabeça quente” in­vestigaram se haveria alguma associação entre cabeça e calor na mente das pessoas.12 Num estudo, apresentaram a alguns partici­pantes (mas não a todos) palavras relativas à raiva, como desde­nhoso, hostil e irritado, dizendo que essas palavras eram parte de uma experiência de memória. Em outra tarefa, disseram aos par­ticipantes que opinassem se a média de temperatura de trinta [98] cidades que eles não conheciam era fria ou quente. Os pesquisadores constataram que os participantes que lembraram mais as palavras ligadas à raiva opinaram muito mais que as cidades eram quentes.

O quarto motivo pelo qual evitamos emoções negativas é o me­do das conseqüências sociais de expressá-las. Você tem uma noção intuitiva de que, se ficar no local de trabalho se lastimando ou tendo súbitos ataques de raiva, as pessoas vão se esconder em seus cubículos até que você fique longe delas. Mais uma vez, há um grão de verdade nessa crença, mas seu medo é muito exagerado. Nossos estados negativos têm poder sobre os outros.

Num estudo clássico, o pesquisador Thomas Joiner investigou se o ânimo de colegas de quarto era contagioso. Ele constatou que, se um deles estivesse deprimido logo que se instalaram, havia uma alta proba­bilidade de que o outro desenvolvesse depressão nas três semanas subsequentes. Isso é verdade, apesar de Jointer ter feito o controle pelas taxas básicas da depressão e a presença ou ausência de even­tos de vida negativos. A depressão não somente é contagiosa, mas, contradizendo o folclore recente, é mais provável que o colega de quarto deprimido afete o outro negativamente do que o colega mais feliz modifique o ânimo depressivo do primeiro. É mais um exemplo de que o mal é mais forte que o bem.

Você agora deve estar surpreso com o fato de que nós, os auto­res, esmiuçamos os quatro principais motivos pelos quais as pes­soas evitam emoções negativas e não os invalidamos, um a um. Não podemos. Todos eles têm pelo menos alguma validade. A questão importante é: para que servem as emoções negativas? Constituem uma parte importante da nossa arquitetura emocional. Embora confusas, desagradáveis e às vezes problemáticas, não deixam de ser úteis. As emoções - todas as emoções - são informações. Estar bem ou estar mal nos mostra a qualidade de nossos progressos, [99] interações, ambiente e ações. Numa comparação sumária, as emo­ções são como um aparelho de GPS no painel do carro, trans­mitindo informações metafóricas sobre sua posição, o terreno à frente e atrás, o ritmo de progresso. Quem tenta desesperadamente evitar, esconder e fugir de estados negativos perde todas essas valiosas informações. Para esclarecer ainda mais:

  • Você quer sentir o arrepio de medo em situações de perigo físico.
  • Você quer sentir o calor da raiva quando precisa defender seus filhos.
  • Você quer sentir frustração quando não progride nas aulas de violão.
  • Você quer se arrepender de ter dito aos seus filhos que eles não são bonitos, nem inteligentes, nem boas pessoas.

Em cada uma dessas situações, as emoções são sinal de que algo não vai bem e exige sua atenção imediata. Se a raiva e outros sentimentos maus forem tamponados instantaneamente, deixa­rão de sinalizar o que os despertou e o curso de ação a ser tomado. É difícil enfatizar toda a importância disso. Você deve estar pen­sando: Há milhares de motivos para evitar os sentimentos negativos, mas deixe-me entender hem: só há um único motivo para serem bons? Ainda que seja um único motivo, é um motivo excelente. Imagine viver num mundo em que ninguém sentisse culpa. Em que nin­guém se revoltasse contra a injustiça. Em que ninguém sentisse frustração por não atingir um objetivo. Em que você não conseguis­se sentir medo na presença de um incêndio em casa, um assaltante ou uma seringa de injeção usada boiando ao seu lado num banho de mar. Na ausência desses sentimentos negativos, estaríamos [100] vivendo num mundo desprovido de humanos em pleno funcionamento.

Um passeio por três emoções temidas

Raiva

Matthew Jacobs é um carpinteiro autônomo de 50 e poucos anos. Mora num apartamento coletivo em San Francisco, Califórnia. É conhecido pela boa qualidade de seu trabalho, joga futebol e lê obras de não ficção nas horas livres. Quando jovem, serviu por algum tempo como oficial da polícia militar na Guerra do Vietnã. Ele diz ter sido um jovem de cabeça quente, mas há muito tempo se acalmou e almeja levar uma vida sem encrencas.

Em maio de 2013, já tarde da noite, uma camelô vietnamita estava vendendo a Jacobs uma tigela depho numa rua do centro da cidade, quando um homem grandalhão se aproximou, gritan­do com ela. O homem, totalmente desconhecido, chegou exigindo que a mulher lhe desse uma moeda, ela disse que não tinha, e ele começou a berrar xingamentos com palavras ofensivas à raça de­la. Duas colegiais estavam presentes, dando mostras de nervosis­mo, obviamente temerosas de chamar a atenção do homem.

À medida que os insultos do homem ficavam mais acalorados, Jacobs viu que ninguém por perto iria se adiantar para defender a mulher e as adolescentes. Recorrendo a um preceito pessoal - sempre oferecer duas interações gentis antes de passar a um tom mais agressivo -, ele disse calmamente ao homem: “Com licença. Poderia falar mais baixo, por favor?” O homem se voltou para Jacobs e começou a berrar com ele também. “Eu agradeceria se [101] você se retirasse”, disse Jacobs. “Estamos tentando comer em paz; ninguém aqui quer confusão.” Jacobs tinha usado a sua segunda e última cota de boa vontade. Infelizmente, não obteve o efeito calmante que desejava, e o homem chegou mais perto de Jacobs, gritando obscenidades.

Jacobs largou cuidadosamente sua tigela de macarrão e elevou a voz, num tom de ameaça: “Na minha terra, isso quer dizer que você está procurando briga. Muito bem, estou aqui. Vamos lá!” O homem recuou, surpreso, murmurou uns xingamentos para manter a pose e foi embora. Jacobs respirou fundo para recuperar a calma, grato pela altercação não ter chegado à agressão física, e a vendedora e as adolescentes não terem sido feridas. Ele olhou para elas, esperando um gesto de simpatia ou uma palavra de agradecimento. Não houve. Em vez disso, notou que elas pare­ciam ter tanto medo dele quanto do grosseirão.

Essa é uma história verdadeira, não uma narrativa dramati­zada que termina em briga, ou numa donzela em perigo recom­pensando o salvador com imorredoura gratidão. É um exemplo de como os sentimentos negativos se apresentam na vida real. As emoções negativas, como a raiva no caso de Jacobs, geralmente afloram em resultado de circunstâncias externas (em oposição a “surgir do nada”). Podem ser tremendamente úteis, apesar de terem um preço (como assustar as pessoas presentes). Como vimos aqui, a raiva altera drasticamente o comportamento das outras pessoas, muitas vezes levando-as a recuar ou a transigir rápido. Por essa mesma razão, a raiva e outros sentimentos negativos são às vezes mais oportunos que a positividade.

A raiva em si não é boa nem má; o que importa é o que você faz com ela. Pesquisas sugerem que apenas 10% de acessos de raiva levam a alguma forma de violência, mostrando que raiva não é [102] exatamente igual à agressão. Em geral, a raiva surge quando acre­ditamos que fomos tratados injustamente, ou que algo está blo­queando nossa capacidade de alcançar objetivos significativos. Em nossos dados, registramos 3.679 dias em que as pessoas rela­taram ter tido raiva no dia a dia.13 Descobrimos que em 63,3% desses episódios a culpa foi atribuída a outra pessoa (em oposição a, digamos, se irritar com o teclado do computador). Tipicamen­te, a raiva é causada por algo que outra pessoa fez, ou que não fez, ou que poderia ter feito.

A dificuldade de transitar num mundo complexo, hipotético, e muitas vezes imprevisível, de trocas sociais que podem incluir a raiva, é precisamente a razão pela qual os humanos adultos pos­suem o cérebro tão pesado (47 vezes mais pesado que o cérebro de um gato e 19,5 vezes mais pesado que o cérebro de um cão beagle). Todos nós já fomos ofendidos ou magoados por outra pessoa. Ape­sar da sua vibração gentil e compassiva, você também já foi im­portunado, provocado, hostilizado, traído, enganado e tratado com grosseria. A positividade não dá conta de nos ajudar a transitar pelas relações e interações sociais. A raiva é uma ferramenta que nos ajuda a apreender e responder a situações sociais complicadas. Quanto aos benefícios, pesquisas indicam, com uma frequência esmagadora, que sentir raiva aumenta o otimismo, a criatividade e o desempenho efetivo, enquanto expressar raiva leva a negocia­ções mais bem-sucedidas e a um caminho mais rápido para mobilizar as pessoas como agentes de mudança. Vejamos cada caso separadamente.

Primeiro, o sentimento de raiva é associado a uma atitude mais otimista. Num estudo, os participantes foram orientados a virar quantas cartas quisessem até um total de 32 cartas, cada uma com [103] um valor de pontos específico.14 Misturadas nas 32, porém, havia três “cartas de bancarrota”, que custariam centenas de pontos ao participante que virasse uma delas (muito mais do que os poucos pontos ganhos com outras cartas). Numa versão, os participan­tes podiam decidir antecipadamente quantas cartas iriam virar, desde 1 a 32. Esperava-se que ninguém iria querer virar as 32, sa­bendo que três delas os levariam à bancarrota, e sairiam do jogo. Quantas iriam virar? As pessoas previamente induzidas a sentir uma ligeira raiva arriscaram mais. A raiva as deixou mais propen­sas a explorar os limites da possibilidade.

Esse achado foi sustentado por uma equipe de pesquisa inte­ressada em investigar como as pessoas avaliam riscos.15 Nesse estudo, fizeram aos participantes perguntas relativas ao - entre outras temas - risco de se divorciar, contrair uma doença venérea, e um tratamento experimental de uma doença grave que iria sal­var muitas vidas se desse certo, mas iria matar muitas mais se não desse. Os participantes que os pesquisadores incitaram a ter raiva apresentaram maior tendência a achar que tinham controle sobre os resultados, acreditavam que um resultado positivo era alta­mente provável e que valia a pena correr riscos. Pode ser que a rai­va - uma alta elevação emocional que nos prepara para lidar com ameaças - ajude a predispor as pessoas à ação. Talvez por isso seja tão comum ver atletas com raiva para entrar no clima psicológico.

Em segundo lugar, a raiva pode acender a fagulha da criativi­dade. Vale a pena repetir, porque pode soar louco demais para crer: sim, a raiva pode nos ajudar a ser criativos. Na psicologia, o estudo da criatividade pode ser muito divertido. Vejamos o exem­plo clássico: quantas utilidades você acha que um tijolo pode ter? Não tenha pressa. Pare um momento e faça uma lista de todas as [104] utilidades que puder imaginar. O mais provável é que as mais óbvias lhe venham primeiro à mente. Você pode pensar facilmen­te numa parede. Depois você fica mais esperto e pensa em utilida­des que tenham a ver com o peso, forma e durabilidade do tijolo. Talvez sua lista inclua um batente de porta, peso de papel, um banquinho ou um projétil. Muito bem. Mas podemos tentar pen­sar em outras aplicações? Que tal colocar um tijolo na mochila para melhorar sua postura? E usar para apoiar uma panela quen­te, ou junto ao pneu do carro como calço numa ladeira? Você pode até usar, para fazer graça, como moldura de um celular da primei­ra geração e falar com ele na orelha.

Os psicólogos usam o teste de utilidades do tijolo para medir a criatividade. O teste pode servir para avaliar a fluência (quantas idéias foram criadas?), a originalidade (quantas idéias constam em quantas outras listas?) e a flexibilidade (quantas categorias de uso você pode propor?). Num estudo, os pesquisadores deram às pessoas feedbacks irritados (negativos) ou neutros numa ativida­de prévia, e depois aplicaram o teste do tijolo.16 Algumas pessoas manifestaram grande necessidade de entender bem as regras e queriam saber o que se esperava delas em determinada situação. Entre estas, as que tinham tido feedbacks negativos tiveram me­lhor desempenho. Melhor desempenho significa aqui que obtive­ram melhores resultados do que as pessoas com características similares que tinham recebido feedback neutro. A mensagem é que, em alguns casos, a raiva induz a maior criatividade. Por ou­tro lado, em pessoas rebeldes, menos equilibradas, a criatividade é embotada pela raiva. Isso mostra que o contexto é importante quando se trata de raiva, e que o preconceito generalizado contra ela é um equívoco. [105]

Por fim, a raiva é seletivamente útil enquanto ferramenta de melhora do desempenho. Ninguém quer viver sob o jugo de um tirano, mas um pequeno acesso de irritação pode fazer alguém sair correndo para trabalhar. Alguns pais sabem que é uma estratégia que funciona com os filhos, e muitos patrões sabem disso muito bem. Num estudo com gerentes de construção no Reino Unido, os pesquisadores descobriram que alguns acessos de raiva eram de­ploráveis e outros funcionavam como um remédio perfeito.17 Um gerente de construção comentou:

Não faz muito tempo, tive um ataque de raiva numa reunião com o engenheiro estrutural porque eles estavam querendo virar o acerto contratual sem qualquer justificativa, e aquilo já vinha acontecendo havia algum tempo... Acho que [a reu­nião] terminou com o surto emocional. Em retrospecto, me arrependo? Provavelmente não, na verdade, porque resolveu a questão...

O que diferenciou as querelas lamentáveis das eficazes não foi o tamanho da raiva envolvida. Foi uma questão de contexto. Con­tudo, mesmo os gerentes que aprovavam uma palavra mais forte de vez em quando reconheceram que não era - e não podia ser - uma atitude permanente na interação com os outros. Um deles resumiu brilhantemente:

Funcionou, eu consegui a reação que esperava, todo mundo voltou ao trabalho, e o que estava pendente foi resolvido na mesma hora, de modo que tudo deu muito certo. Acho que se acontecesse com muita frequência, se ficasse sempre usando uma linguagem grosseira com as pessoas, chegaria ao ponto [106] de não surtir mais efeito. Se você usar de vez em quando, acho que funciona.

Outro contexto em que a raiva funciona bem é nas negocia­ções. Quando duas ou mais pessoas estão tentando chegar a uma resolução, a raiva é uma espécie de alavanca. Numa série de estu­dos, os participantes tiveram a tarefa de negociar o maior preço possível por um lote de telefones celulares (e a recompensa na vida real estava diretamente ligada ao desempenho deles).18 Após um valor inicial ser pedido pelo vendedor, o comprador apresen­tou uma série de contrapropostas. Para atingir os objetivos do ex­perimento, alguns participantes foram escalados para ter um comprador irritadiço, e outros foram contemplados com compra­dores alegres ou neutros. Viu-se que, diante da raiva, as pessoas têm muito menos propensão a fazer exigências. Na terceira roda­da de negociação, quem tentava vender os celulares a um compra­ dor com raiva acabava cedendo e dando 20% de desconto, e, na sexta rodada de negociação, já davam mais de 33% de seus ganhos potenciais. Os pesquisadores sugeriram que pessoas com raiva eram vistas como poderosas e de alto status na situação. Portanto, vemos que a raiva em certas competições faz pender o resultado a seu favor. A felicidade não rende os mesmos dividendos.

Por outro lado, não basta adotar uma postura zangada na es­perança de obter uma transação favorável. Esses mesmos pesqui­sadores advertem - e a ciência está a favor deles - contra a raiva fingida. Num estudo, os pesquisadores constataram que, quan­do um ator experiente fingia uma raiva superficial em oposição a uma raiva intensa, era inconvincente.19 Em negociações, as pes­soas fazem exigências maiores de quem finge raiva, em parte por­ que estes parecem menos confiáveis. [107]

Tomemos, do mundo real, o exemplo de Barack Obama. Sejam quais forem suas cores políticas, você tem que admitir que Obama é mais afável que a maioria dos presidentes dos Estados Unidos jamais foi. Ele tem a fala suave, a voz profunda e bem modulada. Quando houve o vazamento do petroleiro britânico no golfo do México, em 2010, Obama foi criticado por sua reação fria. Mais tarde ele expressou raiva na televisão, mas essa resposta mais emo­cional teve o efeito oposto ao desejado: as pessoas perceberam que o presidente não estava sendo sincero.

Por fim, a raiva tem o poder de despertar uma ação coletiva diante de ameaças inadequadas, injustas. Em toda autobiografia, encontramos a mesma história: o impulso inicial de lutar contra a injustiça foi motivado pela raiva, como a faísca da ignição que põe o motor do carro em funcionamento. Martin Luther King Jr. dis­se: “A tarefa suprema é organizar e unir o povo para que sua raiva seja uma força transformadora.” Foi a raiva que transformou W. E. B. Du Bois de acadêmico - brilhante, mas ineficaz num mundo de exploração e racismo desenfreados - num poderoso ativista em defesa dos direitos civis:

Justamente na época em que minhas pesquisas tinham maior sucesso, veio aquele corte nos meus planos de cientista, um clarão vermelho que não podia ser ignorado. Lembro-me de quando me atingiu como um raio...20 A notícia me despertou: Sam Hose fora linchado, e diziam que seus dedos estavam ex­postos num açougue... Passei a me afastar do trabalho... Não é possível continuar a ser um cientista calmo, frio e distancia­ do enquanto negros eram linchados, assassinados e mortos de fome. [108]

Pouco adiante, em sua autobiografia, Du Bois narra como a raiva o incitou à ação e ele fundou o Niagara Movement, que mais tarde veio a ser a NAACP.

Ao recordar suas atividades em defesa dos opositores à Pri­meira Guerra Mundial, Bertrand Russell relata que ficou “cheio de desesperada ternura pelos jovens que iriam ser massacrados, e de raiva contra os estadistas da Europa”. Da mesma forma, He­len Caldicott deu os primeiros passos como ativista quando ficou “indignada”. Sua indignação inspirou uma geração de movimen­tos sociais.

Quando a raiva aflora, somos levados a prevenir ou eliminar ameaças iminentes ao nosso bem-estar, ou ao bem-estar das pes­soas que nos são caras. Muitas vezes, o altruísmo nasce da raiva. Quando se trata de mobilizar pessoas e conseguir apoio para uma causa, não existe emoção mais forte. É um erro supor que bonda­de, compaixão, amor e equidade estão de um lado do continuum, e raiva, fúria e aversão estão do outro lado. A raiva é um elemento poderoso, difamado pela noção errônea de que uma sociedade saudável é isenta de raiva.

O grande preconceito contra a raiva é amplamente injustifica­do.21 Decerto, é uma emoção forte e altamente inflamável. A cau­tela com a raiva é aconselhável, assim como o conhecimento de que não deve ser usada em demasia ou indiscriminadamente. Seu melhor uso é acompanhado de uma atitude de respeito pelo ponto de vista da pessoa ou das pessoas que violam seu bem-estar. Quem se dispõe a arcar com as conseqüências tem mais facilidade para utilizar uma expressão eficaz da raiva. Tomando certas precau­ções, a raiva - a raiva autêntica - é totalmente apropriada para certas pessoas em certas situações. [109]

O jeito certo de ficar com raiva

Quando você quiser expressar raiva, ou outra emoção negativa, um modo conveniente é começar com o que chamamos de aviso de desconforto. Deixe o outro saber explicitamente que você está ten­do emoções intensas e, por causa disso, é mais difícil se comuni­car com clareza. Desculpe-se por antecipação, não por suas emoções ou ações, mas pela falta de clareza na forma de comuni­cação do que você vai dizer. Comece com uma declaração do tipo: “Quero que você saiba que estou me sentindo muito desconfortá­vel, o que significa que não é o melhor momento para me expressar. Mas dadas as circunstâncias, é importante, para mim, dizer...” O objetivo do aviso de desconforto é desarmar o outro, evitando que fique na defensiva. Quando alguém ouve que você está se sen­tindo desconfortável e a conversa é difícil para você, é mais prová­vel que receba com empatia o que você tem a dizer. Depois dessa introdução, você pode se aprofundar no motivo do aborrecimen­to, no que pensa e sente por causa do que aconteceu (por que a raiva irrompeu, em vez de outros sentimentos).

Você pode usar a tática do aviso de desconforto mesmo quan­do estiver se sentindo perfeitamente confortável ao expressar a raiva ou outros sentimentos negativos, desde que sejam autênti­cos. Lembre-se: o objetivo é provocar uma mudança no que o ou­tro está fazendo ou sentindo, diminuir a progressão da situação de modo a torná-la mais favorável à sua mensagem. Se for ade­quadamente controlada, a raiva nos oferece um modo de ser proativo na alteração ou remoção de ameaças e obstáculos. Portanto, não tenha medo de usar pequenas mostras físicas de raiva, o que chamamos de “microagressão”, para expressar o nível da emoção que está sentindo. Ponha as mãos abertas com força em cima da mesa. Aperte os punhos. Ok, você entendeu. [110]

Se ainda não se convenceu da importância de expressar a rai­va abertamente para repelir uma ameaça, considere o seguinte: O dr. Ernest Harburg e sua equipe de pesquisa da School of Public Health da Universidade de Michigan passaram várias décadas fazendo acompanhamento de alguns adultos num estudo longitu­dinal sobre a raiva.22 Constataram que homens e mulheres que es­condiam a raiva diante de uma agressão injusta apresentavam maior tendência a ter bronquite e infarto, e a morrer mais cedo do que os que liberavam a raiva quando se deparavam com pessoas ofensivas e irritantes.

A dificuldade óbvia está em saber como pôr a raiva em funcio­namento, principalmente em relacionamentos. Primeiro, quere­mos desencorajá-lo a se policiar no sentido de controlar ou evitar a raiva, dizendo a si mesmo, por exemplo: “Preciso me livrar des­sa raiva”, ou “Tenho que guardar a raiva para mim mesmo”, ou “Por que não posso ter menos raiva?”. Em vez disso, reconheça a diferença entre eventos que você pode mudar e os que estão além da sua capacidade de controlar. Se está viajando e perde o casaco no primeiro dia, não há nada a fazer, e portanto não há benefício em expressar a raiva. Mas, se está numa loja pechinchando o pre­ço de um casaco e se zanga porque a balconista está tentando lhe vender por um preço mais alto do que o freguês anterior pagou, é uma situação em que você tem algum controle. Nesse caso, co­mo pode comunicar o aborrecimento ou a raiva de modo a obter um resultado favorável? O psicólogo e autor de Anger Disorders, dr. Howard Kassinove, diz que a chave é usar “um tom apropriado, sem aviltar a outra pessoa”.23

Segundo, desacelere a situação. Nossa tendência é mergulhar de cabeça na situação e agir no mesmo instante, especialmente [111] quando o sangue está fervendo. Em vez disso, imagine a raiva variando entre depressa e devagar, como você querendo gritar ver­sus querendo motivar a pessoa de maneira calculada. Quando es­tiver zangado, permita-se fazer uma pausa, mesmo que tenha alguém esperando sua resposta. Pode até deixar que saibam que está diminuindo o ritmo da situação. Tome decisões boas, e não apressadas. Quando estiver zangado, respirar fundo, fazer pausas e momentos de reflexão exercem mais poder do que respostas rá­pidas. Se você ficar menos zangado depois disso, ótimo, mas não é o objetivo. Trata-se de ter mais opções numa situação emocio­nalmente carregada.

Pense como um jogador de xadrez. Antes de se decidir por um curso de ação, imagine como o outro irá reagir e como estará a situação dois movimentos adiante. Se lhe parecer boa, prossiga. Se lhe parecer má, pense num caminho alternativo, imagine qual será a reação do outro e avalie esse cenário. Mantenha uma avalia­ção constante, perguntando-se: “Minha raiva está ajudando ou piorando a situação?” Num diálogo, não há uma resposta “tama­nho único” para essa questão, pois as emoções, comportamentos e ações envolvidas estão sempre mudando. Em certo momento, quero contar uma história para afirmar meu domínio da discus­são, e minutos depois posso querer ignorar um comentário forte para aumentar o sentimento de conexão.

Quando a raiva chega ao extremo, parece que, se não partir­mos para o ataque, iremos sofrer sérias conseqüências. O psicólo­go John Riskind, especialista no tratamento de pessoas com emoções aparentemente incontroláveis, desenvolveu técnicas pa­ra desacelerar os eventos ameaçadores.24 Riskind constatou que a experiência de raiva não é tão problemática quanto a crença em [112] que a seqüência de eventos desencadeadores da raiva vai acelerando, o perigo vai aumentando, e a saída para a ação está se fe­chando rapidamente. Esse sentimento de perigo iminente leva as pessoas a fazer algo que dê um fim imediato à ameaça, mas, em longo prazo, irá piorar a situação (como dar um soco em quem furou a fila no caixa do supermercado).

O primeiro passo é avaliar consigo mesmo se a raiva está au­mentando, diminuindo ou estável em determinada situação. Para um autoexame escrupuloso, use um número ou algumas palavras que descrevam a intensidade da raiva, como se pode ver no exem­plo do velocímetro:25

Se a raiva estiver acima do limite de velocidade, será preciso mais tempo para conservar o máximo de flexibilidade e controle a fim de lidar com quem a provocou. Nesse caso, pense em redu­zir a velocidade. Em alta velocidade, a tendência é perder um pouco o controle; portanto, imagine-se freando para que o modo [113] como você está agindo e que o outro está agindo seja reduzido de 130 para 100, e de 100 para 80. Crie uma imagem visual de sua aparência no momento, e da aparência do outro. Repare que o ou­tro já não está tão perto fisicamente de você. Escute com atenção o que o outro está dizendo, e leia a mensagem corporal dele. Use a baixa velocidade para ver se o outro está aberto ou fechado ao diálogo, se está realmente disposto a atacar ou procurando um meio de sair da confusão.

O que acontece quando você imagina a situação desaceleran­do? Como observa Riskind sobre a raiva: “Você pode achar que há muito a fazer e pouco tempo para fazer tudo.” Esse exercício de concentração na velocidade em que as coisas estão acontecendo nos dá um pouco mais de espaço psicológico para respirar. Expe­rimente. O objetivo aqui é aprender a trabalhar a raiva, em vez de deixá-la sair do controle.

Culpa e vergonha

Na sociedade contemporânea, as pessoas pensam na culpa da mes­ma maneira que pensam na obesidade: um estado temível, inacei­tável do ponto de vista social e da saúde. Talvez por isso engordar seja tão frequentemente associado à culpa. Em nossa cultura, “cul­par” alguém é algo falado aos cochichos, terapeutas acenam com redução da culpa, gurus da autoajuda encorajam as pessoas a “se libertarem”, conselheiros do bem-viver escarnecem das palavras “você deve fazer/ser”. Em contraste, queremos remover o estigma da culpa. Não estamos dizendo que é sempre bom sentir culpa, mas em certas ocasiões a culpa traz vantagens. Por exemplo: quando você se sente culpado, fica mais motivado para melhorar, [114] enquanto seus colegas menos propensos à culpa não têm essa mo­tivação.

Doug Hensch, de 40 e poucos anos, ajuda organizações a de­senvolver líderes fortes, mas sua paixão na vida é treinar o time de futebol americano de seu filho de 9 anos. Sua melhor experiên­cia como treinador aconteceu quando estava trabalhando com um atleta musculoso, rápido, chamado Zander, que tinha vindo de Gana para os Estados Unidos. Era desagradável porque, em vez de aplicar suas qualidades no esporte, Zander ficava esguichando água ou enfiando o dedo lambido na orelha dos outros meninos. Cansado daquilo, Doug convocou uma reunião para falar com Zander e todo o time.

Doug não tinha o menor prazer em ter aquela conversa, e não tentou esconder isso na reunião. Começou com um aviso de des­conforto. (“Sou o treinador de vocês, sou pai, mas também já fui menino, e joguei futebol dos 9 aos 21 anos, assim como muitos de vocês jogarão. Por isso eu sei que uma reunião com um treinador frustrado é difícil. Entendam que é desconfortável para mim tam­bém.”) E prosseguiu: Vejam seus companheiros neste time. Pensem no esforço de cada um deles a cada semana, se machucando, se sujando, suando, ficando sem fôlego, e às vezes com ânsias de vômito. Agora, pensem bem: O que você faz aqui está ajudando ou preju­dicando o time?

Doug se calou por um minuto inteiro, e então pediu que cada um desse um exemplo de como tinha ajudado o time no treino da­ quele dia. Depois pediu que cada um desse um exemplo de como [115] tinha prejudicado o time naquela temporada, por menor que fos­se a falta. Todos tinham alguma coisa a dizer e, depois do último menino falar, Doug disse:

Quando você faz alguma coisa que não ajuda o time, está pre­judicando seus colegas, meninos que vão proteger você, vão brigar por você, vão se arriscar a serem machucados por al­guém duas vezes maior que eles na disputa da bola, para que vocês façam uma boa jogada. De hoje em diante, vou fazer sempre essa mesma pergunta a todos, e se acharem que estão prejudicando o time, não precisam se sentir culpados; só tratem de melhorar. Entenderam?

Quando todos concordaram com um gesto de cabeça, Doug lhes disse para se unirem de mãos dadas e gritarem o nome do time três vezes.

Zander perdeu sua posição de estrela no time inicial. Se você quiser saber se a motivação dele foi a vergonha ou a culpa, Doug lhe dirá que, quando Zander voltou a jogar, pegou a bola e correu cem metros para um touchdown que trouxe a primeira vitória do time na temporada. E, quando Zander viu que os colegas o respei­tavam mais pelas ações que ajudavam do que pelas que prejudi­cavam o time (embora algumas de suas palhaçadas fossem muito engraçadas), investiu mais energia nos treinos e passou a animar os outros jogadores, mostrando uma atitude completamente di­ferente. Doug ajudou Zander a se tornar um jovem adulto res­ponsável e, revelando seu próprio desconforto e induzindo a um pouquinho de culpa, conseguiu melhorar o menino e o time.

Nós, os autores, usamos a mesma pergunta em sala de aula (“O que você faz está ajudando ou prejudicando a classe?”) e aos [116] nossos filhos (“O que você está fazendo está melhorando ou piorando a situação?”). Na condição de psicólogos socialmente incômodos, fazemos a mesma pergunta a nós mesmos quando conversamos com as pessoas (“O que estamos fazendo está ajudando ou preju­dicando esse relacionamento?”). Sugerimos que você considere essa pergunta com relação à culpa: vai ajudar ou prejudicar a von­tade de ser uma pessoa melhor, mais forte e mais sábia?

Se quiser mais um exemplo de utilidade da culpa, vamos pen­sar naqueles que foram banidos temporariamente pela sociedade devido a suas más ações: os prisioneiros. Segundo o National Re­cidivism Study of Released Prisoners, conduzido pelo Bureau of Justice dos Estados Unidos, dos 272.111 presos libertados em 15 estados em 1994, 67,5% voltaram dentro de três anos para a prisão por crimes ou contravenções graves.26 Cometer um crime depois de sair do presídio é a norma, e não uma exceção.

Ao tomar conhecimento dessa estatística, você pode julgar que os prisioneiros são pessoas más. Ou pode acreditar que a maioria deles não é muito diferente de nós - eles querem achar um lugar onde sejam aceitos, sentir que têm controle sobre a vida deles, encontrar pelo menos uma aparência de significado e propósito na vida, e ter a esperança de que seus filhos tenham uma vida me­lhor que a deles. Seja como for, a pergunta-chave é: o que evita que um meliante solto volte a cometer atos ilegais ou imorais? A dra. June Tangney, eminente psicóloga clínica, passou quase dez anos investigando se sentimentos morais como a culpa são o segredo para evitar o crime. Em pesquisa recente, ela constatou que os presos com tendência ao sentimento de culpa sofriam mais pelos atos cometidos e eram mais motivados para confessar, pedir perdão e reparar os problemas que causaram.27 Após serem [117] libertados, tinham menor probabilidade de serem presos novamente. Ou seja, presos propensos a sentir culpa pelo mal que causaram contrariam as estatísticas e não causam mais problemas.

A culpa dá mais fibra moral, dá motivação para sermos cida­dãos mais socialmente sensíveis e conscienciosos, e esses bene­fícios se estendem à comunidade não criminosa. Por exemplo: pesquisadores constataram que adultos propensos a sentir culpa eram menos propensos a dirigir bêbados, roubar, usar drogas ile­gais e atacar as pessoas.28 Se o caráter se reflete naquilo que você faz quando ninguém está vendo, a emoção moral chamada culpa é um elemento de construção do caráter. Ao ignorar o valor da culpa, pais e educadores encaram uma dificuldade muito maior para formar as crianças que constituirão o futuro de uma socieda­de saudável.

A fracassada campanha destacando a culpa é uma conseqüên­cia direta de se confundir culpa e vergonha. Segundo o dicionário American Heritage, a culpa é “arrependimento consciente de ter feito algo mau”, e “autorreprovação por suposta inadequação ou transgressões”. A vergonha é diferente. Quando sentimos ver­gonha, não nos contentamos em achar que nossas ações foram erradas ou equivocadas, mas nos vemos como pessoas fundamen­talmente más. No caso da culpa, a consciência da transgressão se limita a uma situação específica. A vergonha nos parece ser uma medida de quem somos. A culpa é útil; sua prima, a vergonha, não é. A culpa é local, a vergonha é global.

Há maneiras úteis e inúteis de sentir remorso pelos fracassos e transgressões. Para aprender a adicionar a negatividade às ferra­mentas psicológicas úteis, vejamos as diferenças. [118]

As pessoas que sentem vergonha sofrem. Pessoas envergo­nhadas se desaprovam e querem mudar, se esconder, ou livrar-se totalmente de si mesmas. Pessoas que sentem culpa querem aprender com seus erros e são motivadas a melhorar. Embora não queiram que sua transgressão esteja escrita na testa, as pessoas culpadas são menos propensas a esconder suas más ações. O mo­tivo? Estão prontas a reparar os danos e dispostas a se esforçar para que não se repitam. Quanto à vergonha, vejamos os resíduos sombrios desse sentimento. Lembremos que os adultos são mais inclinados a pagar quantias exorbitantes para evitar um remorso insistente. Vamos investigar por quê.

Faz seis meses que você tomou a última dose de uísque e a razão de estar sóbrio são as reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Na condição de adulto novamente sóbrio, pessoas desconhecidas se aproximam para ouvir sua história. Sabendo que é típico falar [119] sobre problemas pessoais em reuniões do AA, você cede, e até con­corda em gravar um vídeo. Entre as perguntas sobre como você começou a beber, como isso afetou seus relacionamentos etc., a entrevistadora pede que você fale sobre “a última vez em que bebeu e se sentiu mal por ter bebido”. É uma solicitação pesada, que lhe traz lembranças desagradáveis, mas você responde com franque­za. Passam-se quatro meses até que a entrevistadora volte a procurá-lo, trazendo um calendário, pedindo-lhe que anote todos os dias em que bebeu desde a entrevista. Tendo a garantia de que seria confidencial e anônimo, você preenche o calendário.

A entrevistadora era a dra. Jessica Tracy, ou seu aluno de pós-graduação, Daniel Randles, da Universidade de British Colum­bia, e eles fizeram algo realmente criativo.29 A dra. Tracy queria saber se as manifestações de vergonha ao falar sobre bebida aju­davam a prever quais adultos recém-sóbrios voltariam a beber. (Se você quiser identificar vergonha na expressão corporal de al­guém, veja se a pessoa mantém os ombros caídos e a área do peito encolhida ou se fica curvada na cadeira como se buscasse uma posição fetal.)

Os resultados desse estudo podem causar espanto. No decorrer de quatro meses, adultos recém-sóbrios que não demonstraram vergonha durante a entrevista tomaram 7,91 drinques. Quanto aos que demonstraram maior vergonha na entrevista (os 10% mais envergonhados) - imagine só - consumiram, em média, 117,89 drinques no mesmo período. Para aqueles que tinham uma relação de vergonha com o comportamento de beber foi muito mais difí­cil evitar uma recidiva. [120]

De gavião à pombinha

Todo mundo comete erros. No trabalho, você se encarrega de man­dar flores para uma colega doente e se esquece de mandar. Em casa, você reclama do descaso de sua vizinha com o lixo e o jardim dela, e depois descobre que ela estava de cama, com pneumonia. Sentir culpa, por definição, tira a felicidade da pessoa. Mas vimos que, embora à custa da felicidade imediata, a culpa pode ser útil em longo prazo. Além disso, a culpa beneficia os outros. Nas pa­lavras do pesquisador Roy Baumeister, a culpa nos “causa mal-estar, mas, para evitar esse desconforto, precisamos fazer algo melhor para nossos parceiros e membros do nosso grupo”. O agui­lhão da culpa pelo que nossas ações causaram em alguém nos im­pele a agir com maior sensibilidade social na próxima vez.

Por outro lado, se você ficar envergonhado, seus problemas vão aumentar, e tentar melhorar o comportamento de alguém ape­lando para a vergonha também não adianta nada. Esperamos que essas palavras sejam lidas por pais bem-intencionados que casti­gam os filhos obrigando-os a dar a volta no quarteirão com um cartaz dizendo: “Acessei pornografia no computador lá de casa.” Esperamos que sejam levadas em consideração por juizes que condenam motoristas bêbados a colocar no carro um adesivo para que todos saibam da infração. Esperamos que essa informação atinja professores que colocam na sala de aula um painel infor­mando quantas vezes uma criança de 6 anos mordeu, lambeu ou bateu num coleguinha. Essas táticas não surtem o efeito desejado, não estimulam as pessoas a ter mais respeito e consideração pelos outros. Os resultados de pesquisas sobre isso são muito claros: quanto mais envergonhadas as pessoas se sentem, mais ansiosas, agressivas e distanciadas elas se tornam. Usar a vergonha como [121] forma de punição tem o trágico efeito paradoxal de acentuar o comportamento que se tenta extinguir.

Se você quiser motivar, escolha a culpa, e não a vergonha. Co­mo diz a dra. June Tangney: “Sentimos culpa porque damos im­portância [às pessoas] - uma mensagem relevante para quem magoamos ou ofendemos.” Atos incorretos não são prova de que você é uma pessoa incorreta. Assuma a responsabilidade por suas ações, sinta a dor de ter magoado uma pessoa, caso aconteça, e volte a atenção para nada mais e nada menos que a ação específica que causou aquele agravo. Sinta, erre, falhe, se aborreça, e então fique mais atento ao bem-estar dos outros na próxima ocasião de interações sociais.

Como escapar da armadilha da vergonha

Supondo que você não desconheça a compaixão, oferecemos as seguintes sugestões para inspirar a culpa em lugar da vergonha.

Tenha em mente o objetivo. Um erro comum ao lidar com a par­te culpada é partir diretamente para o ataque pessoal. É fácil se apressar em associar - até de forma inconsciente - a culpa à au­sência de valores, idiotice, ganância e a tantas outras falhas de caráter. O problema é que ninguém quer ouvir que é uma pessoa má. As pessoas estão mais abertas a ouvir que fizeram algo mau. Você tem maior probabilidade de ser ouvido, se reforçar as virtu­des e pontos fortes da pessoa (se você de fato os reconhece; não invente) ao mesmo tempo em que a responsabiliza por suas ações.

Comece estabelecendo um terreno comum. Se alguém fez algo er­rado, mostre, se possível, que vocês têm os mesmos valores e obje­tivos. Depois mostre como o comportamento da pessoa a afastou desses valores e que há alternativas, comportamentos mais saudáveis [122], mais compatíveis com quem ela é. Outro terreno em comum, como já dissemos, é compartilhar seu desconforto. Essas conver­sas são difíceis, e às vezes parece ser mais fácil desconsiderar o mau comportamento. É tão desconfortável para quem está apon­tando o dedo acusador quanto para quem está se encolhendo de arrependimento. Para que a conversa resulte numa modificação do comportamento do outro, é preciso ter a honestidade de ver por que a conversa lhe causa desconforto.

Em vez de tentar controlar o outro, ofereça autonomia. Ao contrá­rio do que se pensa, as pessoas não se incomodam que lhes digam o que fazer. Por exemplo: você tem boa vontade para levar o lixo para fora quando lhe pedem, você entrega trabalhos com prazo apertado, quando vai ao supermercado e alguém lhe pede que tra­ga algo mais, se for razoável, você acrescenta à lista e traz. As pessoas se incomodam é que lhes digam como fazer alguma coisa. Ninguém quer conselhos sobre a maneira de colocar o saco de li­xo, como formatar o relatório em que você está trabalhando há meses ou como comparar preços no supermercado. Cientistas que estudam a motivação humana sabem que uma de nossas necessidades básicas, na mesma medida da sobrevivência física, é o dese­jo de dirigir a própria vida. Ao conversar com a parte culpada, não lhe dê instruções de como agir no futuro. Deixe que tenha autonomia para fazer as modificações possíveis. As conseqüên­cias das más ações conduzem a melhores resultados quando o pla­nejamento de mudança do comportamento para melhor é visto como um processo criativo entre o culpado e a vítima.

Ansiedade

Muito se tem escrito sobre o valor da ansiedade. Em suma, pouca ansiedade sugere uma situação enfadonha, ausência de estímulos, [123] a mente num estado de hibernação em que a atenção, as motiva­ções prioritárias, a energia e a determinação são deixadas de lado. Como você pode imaginar, patrões e gerentes não apreciam essa condição, pois os empregados se distraem, buscando estímulo em videogames e brincadeiras com os colegas. Ansiedade em excesso sugere uma situação incontrolável, chegando a paralisar efetiva­mente a pessoa. Quando a ansiedade é passageira, o desempenho é afetado, mas no final dá certo e você se sente bem. E sabemos que períodos prolongados de ansiedade são desastrosos para a saúde física e mental. Quem tem ansiedade muito intensa com muita frequência envelhece prematuramente. Podemos constatar isso em nível celular, na deterioração dos telômeros, que formam as extremidades dos cromossomos.30 Por isso, especialistas em desempenho e empresários dão preferência a pessoas que têm a “quantidade certa” de ansiedade, suficiente para despertar a mo­tivação, sem levar a incontroláveis ataques de pânico e a estresse crônico.31 Perfeito. Estamos totalmente de acordo.

Só nos perguntamos por que chegamos a esse ponto. Nossos ancestrais hominídeos, que viviam em pequenas comunidades caçadoras e coletoras na África, sobreviviam graças a um conjunto específico de circuitos de ansiedade. Criado pela seleção natural e desenvolvido no decorrer da história evolucionária da nossa es­pécie, esse programa especializado em ansiedade opera basica­mente fora da nossa consciência, e por isso mesmo é subvalorizado, pois resolve nossos problemas sem um esforço da vontade. Assim como nós, autores, você já deve ter ouvido dizer que as emoções positivas expandem o pensamento e o comportamento em deter­minadas situações e, em contraste, a ansiedade restringe o pensa­mento e o comportamento, levando-nos a “não ter uma visão geral da situação”. A isso, vamos contrapor: o expandido não é melhor [124] que o restringido. O importante é você usar todos os softwares instalados no seu cérebro. O que acontece quando há uma possibilidade de perigo e o programa de ansiedade está ativado?

Consideremos três situações problemáticas que podem iniciar seu programa mental de ansiedade. Você está sendo ridiculariza­do na frente de um grupo de pessoas por alguém que quer aumen­tar o próprio status social perante o grupo, em detrimento do seu. A pessoa com quem você tem um envolvimento romântico está se comportando de modo estranho, chegou atrasada para um jantar, e vocês ficam longos momentos em silêncio, o que não acontecia antes. Você tem palpitações cardíacas enquanto conversa sobre problemas financeiros, e é a primeira vez que isso acontece. Nes­sas situações, e em muitas outras que induzem a pensamentos e sensações de ansiedade, a parte mais antiga do cérebro, associada à sobrevivência, já está considerando três tipos de ação: fugir, lu­tar ou paralisar. Esse processo ocorre sem qualquer contribuição da sua consciência. Na verdade, muito se tem pesquisado sobre o que causa esse estresse indevido, pois a sobrevivência não é mais o problema cotidiano dos tempos em que compartilhávamos o planeta com os tigres-dentes-de-sabre.

Entretanto, ainda há relíquias remanescentes no disco rígido da ansiedade, forças que permanecem ocultas até o momento an­sioso. Nesses momentos você consegue acessar um aumento da percepção, inclusive uma amplificação da visão, sendo capaz de enxergar a uma grande distância, e uma amplificação da audição, e capaz de sintonizar com maior clareza ruídos aleatórios vindos de uma determinada direção. Você tem maior capacidade de solu­cionar problemas. Para citar um exemplo dado pelos psicólogos da evolução John Tooby e Leda Cosmides: “Lugares estranhos, que você não ocupa normalmente - armário do corredor, galhos [125] de árvore podem subitamente se salientar como locais incluídos na categoria lugar seguro ou esconderijo.”32

A utilidade da ansiedade para seu sucesso, o de sua família, de seu parceiro e da sua empresa está ausente de discussões anterio­res. A surpreendente verdade sobre a ansiedade é:

  • Há situações em que você gostaria de ser uma pessoa alta­mente ansiosa.
  • Você precisa de uma pessoa ansiosa em sua equipe.
  • Sem ansiedade, pequenos problemas podem facilmente ir se transformando num desastre.

Já abordamos o fato de que os erros são necessários para a criati­vidade e as inovações. Sem os erros, não aprendemos nem evoluí­mos. Mas não devemos superestimar o valor dos erros; precisamos identificá-los logo no início, a fim de aprendermos a lição sem nin­guém sair prejudicado. É aí que o valor da ansiedade entra em cena.

O que há de especial em ansiosos sempre apavorados com ameaças e perigos potenciais é a sofisticada contribuição que dão aos outros. Quando tomados pela ansiedade, temos a mesma fun­ção que os canários nos túneis das minas: somos sentinelas, rea­gindo rápida e sonoramente ao primeiro sinal de perigo. Isso ocorre em cinco passos:

  • Medo: pessoas ansiosas ficam em estado de alerta à menor mudança no ambiente. São, portanto, extremamente aten­tas a problemas potenciais, especialmente em situações no­vas ou ambíguas. [126]
  • Sobressalto: pessoas ansiosas reagem com rapidez e intensi­dade à menor indicação de presença de perigo (por exem­plo, sons diferentes, ritmos interrompidos).
  • Aviso: pessoas ansiosas são rápidas em advertir os outros so­bre um perigo iminente. Possuem um desejo incomum de vigiar e cuidar; esse ato de “sair de seu caminho para ajudar os outros” as acalma.
  • Patrulha: se os outros não lhe dão atenção imediata, as pes­soas ansiosas vão investigar e coletar mais dados. Reúnem informações com o intuito de ser mais persuasivas, a fim de construir uma aliança com os outros e, juntos, afastarem o perigo.
  • Vigilância: pessoas ansiosas se abstêm de necessidades im­portantes, como dormir ou comer, e perseveram até que o problema seja resolvido.

Sim, você não quer ter ansiedade crônica. Sim, você não quer ter uma família ou uma equipe formada apenas por pessoas an­siosas. Mas, como pode ver, há enormes vantagens em ter um sis­tema de alarme humano. Pessoas não ansiosas não percebem sinais ambíguos que podem significar perigo. Pessoas não ansio­sas tendem mais a ignorar até os sinais óbvios de um perigo em potencial porque não julgam a informação mais premente do que qualquer outra coisa que lhes passa pela cabeça.

Em uma pesquisa fascinante, membros de um grupo foram levados a crer que tinham ativado, acidentalmente, um vírus de computador que infectou rápido todos os arquivos.33 A caminho de comunicar o ocorrido à administração, eles encontraram qua­tro obstáculos, impedindo que comunicassem ou pedissem ajuda a outros. Uma pessoa lhes pediu que respondessem a um pequeno [127] questionário para uma pesquisa, um funcionário disse onde pode­riam encontrar o administrador do prédio, mas lhes pediu o favor de ajudar com umas fotocópias, na porta da sala do administrador havia uma placa pedindo que visitantes aguardassem e, finalmen­te, depois de serem encaminhados a um técnico em computado­res, passaram por um aluno que “acidentalmente” deixou cair no chão uma pilha de papéis. Quatro obstáculos sociais planejados para fazê-los tropeçar. Para superar os obstáculos, eles precisavam ser determinados e insistentes, duas qualidades nem sempre asso­ciadas a pessoas que sofrem de ansiedade. No entanto, diante do perigo, as pessoas mais ansiosas contornaram todos os obstáculos sem perder o foco. Recusando pedidos de ajuda e atos de gentileza, foram mais eficientes do que seus colegas mais tranqüilos e feli­zes para alertar sobre o perigo e conseguir assistência imediata.

Melhor que a positividade

As vantagens de ser uma pessoa ansiosa não estão ao alcance de quem vive tipicamente no reino da positividade. Pesquisadores constataram que ser extrovertido, sociável e dominante não com­bina com a determinação férrea e a concentração das pessoas ansiosas.34 Em zonas de perigo, a ansiedade prevalece sobre a po­sitividade. Nas situações em que há possibilidade de perigo, mas os sinais são obscuros, complicados ou duvidosos, a ansiedade prevalece sobre a positividade. Nesses casos, as pessoas ansiosas descobrem soluções e, tendo gente à sua volta (amigos, família, co­legas), compartilham os problemas e as soluções. Os grupos são mais bem-sucedidos quando formados por uma mistura de tipos de personalidade com pontos fortes variados e pelo menos uma sentinela ansiosa. [128] 

Como aplicar efetivamente à ansiedade

  1. Crie uma atmosfera em que a atitude vigilante das pessoas ansiosas seja encarada como um ponto psicologicamente forte, e não uma neurose a ser curada. Fale claramente, ex­plicando aos outros que o valor inerente à ansiedade traz o equilíbrio necessário a uma cultura, tentando maximizar o prazer, o crescimento e a busca de realização de sonhos e aspirações. Um grupo bem-sucedido mescla pessoas com diversas motivações, desde alcançar objetivos até evitar os perigos.
  2. Estimule sempre a atenção aos problemas. Crie canais de informação, designando para trabalhar no centro do grupo alguém que tenha a medida exata de pontos fortes, isto é, que seja sensível, articulado, persuasivo, socialmente co­nectado e ciente dos diversos pontos fortes das outras pes­soas (a fim de encontrarem as soluções mais rápidas).
  3. Crie uma estrutura de incentivos, com recompensas para formas mais discretas de detectar e neutralizar os proble­mas. Isso significa que uma força antiterrorista que impede a entrada de armas num aeroporto deve ser tão valorizada quanto um agente que agarra um criminoso prestes a explodir uma bomba escondida na mochila. A mídia adora exal­tar um indivíduo como herói porque propicia uma matéria mais fácil, mais continuada, mais romantizada. Organiza­ções devem escrever suas próprias histórias, criando opor­tunidades para as sentinelas ganharem os aplausos quando merecidos. [129]
  4. Em vez de pensar em ameaças como algo presente-ausente, liga-desliga, lembre que as maiores ameaças frequentemen­te começam como sinais de fumaça, fracos, insidiosos, mal perceptíveis, que de repente aumentam muito. Reconheça a qualidade de quem detecta o começo da ameaça. É preciso deixar de estigmatizar esse processo, a fim de ver seu lado saudável, quando as pessoas ficam à vontade para falar de desgaste e desconforto.

Lembretes

  • Quando não evitamos emoções negativas, ganhamos agilida­de emocional, a capacidade de usar todas as nuanças das experiências emocionais.
  • Raiva, culpa, ansiedade e outras emoções negativas têm vá­rias e inesperadas serventias. Servem para nos dar coragem, regular o comportamento, manter-nos alertas ao ambiente e recarregar as energias criativas, além de outras vantagens.
  • Estratégias concretas como diminuir a velocidade podem ser usadas para transformar as emoções consideradas nega­tivas em boas ferramentas.
  • Abandone a ideia de rotular emoções como exclusivamen­te negativas ou positivas. Em vez disso, identifique o que é aconselhável ou não em cada situação.

Quando você era criança, provavelmente imaginava possuir al­gum superpoder (se não imaginou, perdeu uma boa oportunida­de). Talvez imaginasse poder voar, ter uma força descomunal ou ser invulnerável. Quando você pensa à luz dos benefícios associa­dos a todos os sentimentos - positivos e negativos -, se dá conta de [130] que não tem um único superpoder, e sim vários: tem um potenciador de coragem (raiva), um comportamento que mantém a ética nos trilhos (culpa) e um vigilante sempre alerta ao seu lado (an­siedade). No próximo capítulo, vamos examinar seu menospreza­do detector de mentiras (tristeza). Como seus sentimentos vêm e vão, você tem sempre um poder ao seu dispor.

Afinal, muitos preconceitos contra as experiências emocionais negativas surgem porque as pessoas misturam emoções proble­máticas, extremas, arrebatadoras, com suas primas mais benignas. Culpa não é vergonha, raiva não é fúria, ansiedade não é distúrbio de pânico. Em cada caso, o primeiro é uma fonte benéfica de in­formações emocionais que ativa a atenção, o pensamento e o com­portamento que conduzem a resultados desejáveis. [131]

 

 

Psicologia - Psicologia positiva
11/17/2021 1:04:11 PM | Por Robert Biswas-Diener, Todd B. Kashdan
Por que o modo de buscarmos a felicidade não nos fará felizes

Na  Dinamarca do século XVI, Tycho Brahe era tão famoso pelo seu estilo extravagante quanto pelo seu gênio científico. O nariz de Brahe foi cortado num duelo (colocou no lugar um de metal) e ele ia a festas levando seu alce de estimação (que bebia ál­cool exageradamente), mas perpetuou sua fama com a contribuição para a astronomia. Em vez de aceitar as velhas noções filosóficas ou religiosas sobre a natureza do céu, Brahe observou e cartogra­fou todas as estrelas que via. Suas anotações levaram a descobertas extraordinárias, como o nascimento e morte de estrelas, um fe­nômeno em contradição com as antigas teorias de que todos os corpos celestes eram fixos. Nariz artificial e alce bêbado à parte, a obra de Brahe lhe valeu um lugar na história como pai da astro­nomia moderna, ao lançar a base na qual seu assistente, Johannes Kepler, e todos os astrônomos modernos construíram esta ciência.

Hoje a psicologia vive um “momento Brahe”. Até agora mui­tos têm tido sucesso em criar abordagens intuitivas para melhorar a qualidade de vida. Você provavelmente conhece algumas dessas teorias, como a hierarquia de necessidades de Abraham Maslow - a ideia de que as pessoas precisam satisfazer suas necessidades básicas, como comida e segurança, antes de se ocuparem das [19] necessidades de autoestima e realização pessoal. O bom senso não poupa conselhos para a pessoa tornar-se mais feliz: ser gentil, va­lorizar o que tem, não se dedicar totalmente ao trabalho, passar mais tempo com a família e os amigos, ter uma vida frugal e mo­deração em tudo. Boas sugestões, mas haverá motivos para crer que essas dicas são universalmente aplicáveis ou sempre verda­deiras?

Felizmente, estamos vivendo numa era admirável da psicolo­gia, graças à introdução da sofisticada neurociência, aos avanços da estatística, ao computador portátil, que permite comunicação imediata de experiências cotidianas, e a outras conquistas técni­cas e metodológicas. É o nosso momento Brahe, promovendo a mudança do entendimento básico da qualidade de vida. No campo da psicologia em geral, e no tema específico da felicidade, esses novos instrumentos produziram duas descobertas transformado­ras: primeira, nossa abordagem do tema da felicidade está toda errada; segunda, podemos fazer alguma coisa para corrigir isso.

Por que o modo de buscarmos a felicidade não nos fará felizes

Faz muito tempo que os humanos deixaram de viver em socie­dades caçadoras-coletoras. Já que passamos menos tempo nos preocupando com abrigo, períodos de seca e a próxima caça é ra­zoável voltar nossa atenção coletiva para a busca da felicidade. De fato, num estudo com mais de dez mil participantes de 48 países, os psicólogos Ed Diener, da Universidade de Illinois, e Shigehiro Oishi, da Universidade de Virgínia, constataram que pessoas de [20] todos os cantos do mundo consideram a felicidade mais impor­tante do que qualquer outra realização pessoal altamente desejá­vel, como ter uma vida significativa, ficar rico ou ir para o céu.2

A pressa de ser feliz é estimulada, pelo menos em parte, por um crescente campo de pesquisa sugerindo que a felicidade não só faz a gente se sentir bem, mas faz bem para a gente. Pesquisa­ dores da felicidade associaram sentimentos positivos a uma série de vantagens, desde maiores ganhos financeiros ao melhor fun­cionamento do sistema imunológico e a maior predisposição à gentileza.3 Esses resultados positivos desejáveis não só estão rela­cionados à felicidade, mas a ciência indica que emoções positivas são a causa da felicidade. Alguns pesquisadores, como Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte, chegam a afirmar que a felicidade é um direito evolucionário inerente à humanidade.4 Ela argumenta que a felicidade ajuda a criar recursos pessoais e sociais vitais para ter sucesso na vida e - do ponto de vista evolucionário - para a própria sobrevivência.

Mas a pergunta que não quer calar mostra uma face não tão feliz assim: se a felicidade proporciona uma vantagem evolucionária, se a valorizamos tanto e temos milhares de anos de bons conselhos para conquistá-la, por que ela não é mais disseminada? Por que não estamos falando sobre uma epidemia de felicidade, em vez de aumentos astronômicos de casos de ansiedade e depres­são? O pesquisador Corey Keyes, da Universidade de Emory, ana­lisou uma amostra de três mil adultos norte-americanos de idades variadas e fez a constatação alarmante de que apenas 17% estavam progredindo psicologicamente. [21] Como é possível acontecer isso? Verifica-se que, apesar de toda a atenção dada a esse tópico, as pessoas não sabem fazer escolhas que levem à felicidade. Não queremos criticar sua malhação na academia, férias na praia, prática de meditação ou a decisão de pôr seus filhos em quatro atividades diferentes depois da escola. Quando se trata de encontrar a felicidade, somos tão culpados quanto você, pois também não chegamos lá. Na verdade, várias pesquisas recentes mostram que todo mundo está mais ou menos nesse desencontro.

Vamos começar com a pesquisa de Barbara Mellers, da Uni­versidade da Pensilvânia, e seus colegas Tim Wilson e Daniel Gilbert, o autor do best-seller O que nos faz felizes? Esse trio condu­ziu uma série de estudos sobre “erros de previsão emocional”. As­ sim como meteorologistas experientes cometem pequenos erros que podem ter um grande impacto na previsão do tempo de uma semana, as pessoas fazem a mesma coisa ao prever como um even­to as afetará emocionalmente no futuro. Superestimamos, por exemplo, o quanto ficaremos felizes se nosso candidato ganhar as eleições ou nosso time de futebol vencer o jogo.8 E tendemos a subestimar dificuldades que teremos, como mudar para outra cidade.

Tomemos como exemplo o estudo em que Mellers e seus co­ legas investigaram mulheres que fizeram teste de gravidez na instituição de planejamento familiar Planned Parenthood.9 (É im­portante saber que nenhuma das mulheres nesse estudo estava tentando engravidar.) Em termos sucintos, as mulheres caíram em dois grupos: as que temiam ter um filho e gostariam de um resultado negativo, e as que gostariam de um resultado positivo. Os pesquisadores disseram às mulheres que fizessem uma previ­ são do grau de felicidade que teriam se tivessem o resultado [23] desejado. Eles esperavam que as mulheres desejosas do resultado negativo sentissem uma espécie de júbilo ao saber que não estavam grávidas, e que as desejosas de engravidar ficassem muito contentes ao receber o resultado positivo.

Ao final do teste, os pesquisadores ficaram surpresos ao cons­tatar que não houve agonia nem êxtase, mas apenas uma ponti­nha de declínio no equilíbrio emocional das mulheres dos dois grupos. As que desejavam um filho não ficaram abatidas ao rece­ber o resultado negativo; ficaram só um pouquinho desapontadas e voltaram rapidamente ao estado emocional normal (podemos esperar reações diferentes, se essas mulheres tivessem tentando engravidar, sem sucesso, durante meses ou anos). Quanto às mu­lheres que não queriam ter um filho e descobriram que havia um embrião não planejado em seu ventre, o temor previsto não se concretizou, pois tiveram uma reação muito mais tranqüila (e uma pequena minoria teve uma inesperada sensação de prazer). Uma razão pela qual erramos ao prever o que nos fará felizes no futuro é que não avaliamos bem nossa capacidade de tolerar, e até de nos adaptar a, situações incômodas. Tomando outro exemplo: um novo emprego nos intimida na primeira semana, mas pouco depois estamos agindo como se já trabalhássemos lá há anos.

A maior razão para se preocupar com os erros de previsão emocional é que quase todas as decisões que você toma agora se baseiam na suposição de como espera se sentir no futuro. Você compra uma casa espetacular de cinco quartos num condomínio chique, imaginando-se tomando café da manhã na varanda de frente para um belo gramado, minimizando os trinta minutos a mais que levará para ir e voltar do trabalho ou para visitar os ami­gos. Você abre mão de passar muito tempo com a família enquanto [25] tenta conseguir uma boa promoção no trabalho. Você escolhe um/a parceiro/a, decide quando (ou se quer) ter filhos ou escolhe uma região ideal para morar, mas geralmente essas decisões são com­ prometidas pela falta de compreensão do seu mundo emocional. Nisso, você não está só. Todos nós tendemos a exagerar o grau de positividade da reação a eventos positivos, e subestimamos nossa capacidade de tolerar o desconforto. Quando se trata de como va­mos nos sentir no futuro, quase sempre erramos.

O pior de tudo na busca da felicidade é a informação de uma recente série de pesquisas conduzidas por íris Mauss, da Uni­versidade da Califórnia, em Berkeley.10 Mauss é um pouco como Tycho Brahe; em vez de aceitar frequentemente as suposições, do tipo “podemos ser felizes”, prefere mapear os céus metafóricos para descobrir o que está lá no firmamento emocional. Ela chega ao ponto de fazer perguntas desconcertantes, como: “As pessoas devem buscar a felicidade?” Um estudo de Mauss e seus colegas mostrou que as pessoas que valorizam a busca da felicidade são de fato mais solitárias que as demais. Os pesquisadores manipula­ram a importância dada à felicidade, fazendo com que a metade dos participantes lesse um artigo falso de jornal exaltando as mui­ tas vantagens da felicidade. Aqueles que leram o artigo disseram se sentir mais solitários do que os que não leram, e produziam uma taxa menor de progesterona (um hormônio liberado quando nos sentimos ligados a outra pessoa). Portanto, apostar tanto na feli­cidade tem implicações na saúde também!

Em suma: nós, humanos, somos péssimos em supor se sere­mos felizes no futuro e, no entanto, baseamos decisões importan­tes na vida nessas previsões equivocadas. Compramos aparelhos de televisão, fazemos seguro de vida, aceitamos convites para jantar [26], tudo por causa de previsões imperfeitas da felicidade que nos trará. Não é à toa que nos damos mal no departamento da felici­dade, e o tema da felicidade está em alta para escritores, instruto­res e conselheiros. A trabalheira imposta pela noção universal de felicidade - com as pessoas seguindo à risca os passos ditados pe­lo bom senso e supostamente benéficos para todo mundo - não funciona. É um pouco como o nariz postiço de Tycho Brahe: uma imitação razoável, mas não melhora a respiração. O que todos nós precisamos com relação à felicidade é um novo conjunto de estra­tégias. Precisamos de uma percepção mais relevante e completa da abrangência disso.

Num mundo em que rejeição, fracasso, insegurança, hipocri­sia, perdas, tédio, e pessoas chatas e detestáveis são inevitáveis, nós, os autores, rejeitamos a noção de que a positividade é o único lugar para encontrar as respostas. Rejeitamos a crença em que saudável é ter uma vida com a menor dor possível. Na verdade, é somente quando tentamos nos esquivar das inescapáveis dores da vida - seja a morte do parceiro, um divórcio, não conseguir a pro­moção no trabalho - que o sofrimento se torna algo que sentimos como dor. A dor aparece quando damos as costas a um aumento do desconforto emocional, físico ou social.

Em vez de batalhar por mais felicidade, valorizamos a capaci­dade de acessar toda a gama de estados psicológicos, tanto os po­sitivos como os negativos, a fim de aproveitar efetivamente o que a vida oferece. Numa palavra: inteireza. Diante dos desafios ine­vitáveis que a vida nos traz, agimos melhor quando paramos de fazer tentativas ineficazes ou desnecessárias de controlar pensa­mentos e sentimentos negativos. Uma pessoa plena age a serviço daquilo que define como importante, e às vezes isso exige recorrer ao lado obscuro da gama de emoções. [37] 

Pesquisas científicas apoiam a ideia de que, em geral, aquilo que vemos como sentimentos negativos podem ser mais benéficos do que os positivos. Estudos mostram, por exemplo:

  • Alunos que têm dificuldades mas não desanimam, têm me­lhor desempenho nas provas do que seus colegas que “enten­dem tudo” rapidamente.11
  • Pessoas centenárias - as que têm 100 anos ou mais - acham que os sentimentos negativos, e não os positivos, estão asso­ciados à saúde melhor e mais atividade física.12
  • Detetives da polícia que foram vítimas de crimes mostram mais determinação e envolvimento no trabalho com civis vítimas de crimes.13
  • Marido e/ou mulher que perdoam agressões físicas ou ver­bais são mais sujeitos a sofrer outras agressões, mas para os que não perdoam há uma forte diminuição das agressões.14
  • Trabalhadores que têm mau humor de manhã e bom humor à tarde demonstram mais concentração no trabalho do que seus colegas bem-humorados o dia inteiro.15

Quanto à criatividade, os pesquisadores viram que as idéias suge­ridas por pessoas que têm estados de ânimo tanto positivo como negativo são consideradas 9% mais criativas, em comparação com as idéias apresentadas por pessoas contentes. No trabalho, a ten­são associada a desafios parece promover a motivação. Ronald Bedlow e seus colegas, que conduziram um recente estudo sobre envolvimento no trabalho, descreveram suas descobertas assim:

Defendemos que adaptativo é o equilíbrio entre a aptidão pa­ra suportar fases de afeto negativo e conseguir mudar para [28] afetos positivos. Minimizar as experiências negativas e repri­mir as positivas não é funcional para a motivação no trabalho nem para o desenvolvimento pessoal.16

A pesquisa da equipe de Bedlow enfatiza também um ponto vital e frequentemente ignorado sobre os estados psicológicos: são temporários. Quando as pessoas falam em felicidade ou em de­pressão, supõem que são experiências relativamente estáveis. No movimento da psicologia positiva moderna, está na moda falar em felicidade sustentável, como se clicar num botão produzisse um sorriso permanente. A verdade é que alternamos entre estados po­sitivos e negativos. Pessoas que têm inteireza, aquelas que se dis­põem a trocar o positivo pelo negativo a fim de obter os melhores resultados numa dada situação, são mais saudáveis, mais bem-sucedidas, aprendem mais e gozam de maior bem-estar. Chama­mos a isso “20% de vantagem” porque a inteireza abrange os que vivem na positividade cerca de 80% do tempo, mas que também podem se valer dos estados negativos nos outros 20% do tempo. Certamente, não pretendemos sugerir que esses percentuais se­jam exatos, que possam ser usados como valores corretos. Não. Só estamos dizendo que a razão de 80:20 é uma regra de ouro para o entendimento da inteireza.

A maré crescente da ansiedade

A ansiedade é notícia há mais de uma década. Guerras, terroris­mo, impasses políticos, crise do mercado imobiliário, obesidade infantil - tudo isso constitui eventos geopolíticos e econômicos importantes. Mas o insidioso aumento da ansiedade é tão digno [29] de nota quanto os outros. O estresse é epidêmico e, como qualquer vírus, não faz discriminação de classe social, nível de inteligência ou profissão. Segundo o National Institute of Mental Health, em qualquer período de 12 meses, um em cada cinco norte-ameri­canos adultos é acometido de distúrbio de ansiedade.17 Em ado­lescentes, o número é mais alto: 25% sofrem de um distúrbio de ansiedade clinicamente significativo. Levando em conta o tempo de vida de um adulto, os números saltam para a elevadíssima ta­xa de um em cada três norte-americanos sofrendo de ansiedade. E essas estatísticas só mostram as pessoas que lutam contra uma ansiedade diagnosticável. Se acrescentarmos estresses do cotidia­no, medo de viajar de avião, de falar em público, de preocupações financeiras, o número chega a quase 100%.

Paradoxalmente, ficamos cada vez mais estressados porque colocamos muita ênfase no conforto. Temos purificadores de ar, ar-condicionado no carro, óculos polarizados, banhos de espuma, roupas à prova d’água, cobertores elétricos e camas adaptadas à conformação específica de nossa espinha dorsal. É difícil enfati­zar suficientemente esse ponto: enquanto, historicamente, escolhe­mos o prazer em vez da dor - quem não o faria? -, a era moderna traz uma aberração na história humana. Não apenas gozamos do conforto, mas somos viciados em conforto.

Por que o conforto é indicativo de um problema? Os altos ní­veis atuais refletem a tendência a usar sabonetes antibacterianos. Esses sabonetes significam que ficamos menos expostos a bacté­rias e, portanto, menos capazes de resistir a elas. Sim, nos velhos tempos a vida era dura, muito trabalhosa, mas teve o efeito cola­teral positivo de enrijecer mentalmente nossos ancestrais. Prova disso é um anúncio clássico do serviço público britânico de 1939, em plena guerra: “Mantenha a calma e vá em frente.” [Keep calm and carry on.] [30] Em outras palavras, as bombas estão caindo, mas não entre em pânico; continue levando a vida. Hoje, seguimos na direção oposta. Vejamos um popular anúncio do serviço público norte-americano contemporâneo: “Se liga. Não polua.” A ideia central dessa mensagem é que as pessoas têm hoje tantos luxos e acessórios que - espere aí! - não podemos parar de jogar coisas no chão e usar a lata de lixo? Quando o lixo dos cidadãos se torna um problema, é sinal de que a sociedade atingiu um elevado estado de conforto.

Atualmente, com tantos supérfluos à nossa disposição, cria­mos a tendência de evitar o desconforto. Clicamos loucamente no smartphone toda vez que estamos sozinhos - sai fora, tédio! Cor­remos como loucos para pegar a faixa expressa na estrada - frus­tração no trânsito, não! Ligamos a televisão assim que chegamos do trabalho - chega de estresse e confusão! O que muita gente não percebe é que essa aparente atração natural por uma vida mais fácil tem raízes numa fuga ao desconforto. Quem teme a rejeição evita as pessoas; quem teme o fracasso não assume riscos; quem teme a intimidade se refugia na televisão ou na internet quando chega em casa. A fuga é uma atitude básica em nossos dias.

Há dois tipos de fuga que causam problemas: evitar o prazer e evitar o sofrimento. A primeira vista, é difícil acreditar que não se queira ter prazer, mas todos nós conhecemos alguém que não quer se divertir, alegando que tem coisa melhor para fazer. (Você pode ser uma dessas pessoas.) Nessa mesma linha, também há quem ache que alardear a felicidade pode dar azar, que comemorar al­guma coisa boa - o aniversário, uma promoção, atuação perfeita numa aula de kickboxing - vai atrair muita atenção e causar des­peito nas pessoas. Os psicólogos chamam a isso “desqualificar o positivo”.18 Infelizmente, ao desqualificar o positivo, perdemos [31] esses momentos de ouro, magníficos, que fazem parte de uma vi­da bem vivida. Ao privar os outros da oportunidade de comparti­lhar nossas emoções positivas, nossas relações sociais se tornam menos íntimas. Se não saboreamos os detalhes de eventos positi­vos, fica mais difícil acessar as boas lembranças para animar um dia sombrio.

A outra forma de fuga, a mais comum de todas, é recusar os estados psicológicos considerados negativos, como a raiva e a an­siedade. Essa atitude reflete a filosofia dos hedonistas da Grécia Antiga - fortes antagonistas intelectuais dos estoicos - cujo pres­suposto era que o bom da vida está no prazer. O problema com a filosofia hedonista é que as pessoas podem se tornar excessiva­mente céticas a respeito de tudo o que for negativo. Isso é uma grande verdade nos tempos modernos, quando dizemos aos ami­gos “veja o lado bom”, “vamos lá, dê um sorriso”, “anime-se”. Além do famoso estudo de Fritz Strack, que mostra que os parti­cipantes da pesquisa que mantinham o lápis entre os dentes (sem saber que assim ativavam os músculos do sorriso) escreviam com maior clareza e tinham opiniões mais positivas a respeito de si mesmos que os demais pesquisados.19 Numa prática vergonhosa, conselheiros de felicidade têm usado esse estudo como prova de que as pessoas devem “fingir até conseguir”. Em essência, todas essas estratégias tentam convencer as pessoas a sair de um estado negativo. Infelizmente, evitar os problemas significa também evi­tar encontrar as soluções para eles.

Você pode imaginar as lutas históricas pela igualdade racial ou por direitos humanos sem um toque de raiva? Pode imaginar vi­ver num mundo em que ninguém tenha remorsos? Pode imaginar uma viagem a um país exótico em que tudo se passe exatamente como planejado? Ou uma vida em que você nunca se debateu com [32] a grave decisão de desistir de um objetivo e continuou insistindo apesar da pouca chance de sucesso? Existe um mal disfarçado preconceito contra estados negativos, e a conseqüência de evitá-los é inibir, inadvertidamente, o crescimento, a maturidade, a aven­tura e o sentido da vida.

Como a interireza se apresenta

Agora é um momento oportuno para ilustrar como a inteireza se apresenta na vida real. Recorremos ao apoio de cientistas que acre­ditam que a história pessoal é mais significativa do que as escalas de felicidade artificiais dominantes em tantas pesquisas. Se existe algo próximo a um exame de sangue ou raios X para qualidade de vida, são as ricas histórias de nossa experiência diária. As histó­rias que contamos sobre os eventos do dia - um pneu furou, che­guei atrasado para a reunião, conheci uma pessoa interessante, vi um pôr do sol lindo - revelam realizações, fracassos, atitudes, de­sejos e anseios, expõem nossa identidade e aquilo a que aspiramos ser e a fazer. Nesse viés, vamos descrever três pessoas que encar­nam aspectos da qualidade que chamamos de inteireza.

Por trás da síndrome do impostor

Apesar de estar cursando o terceiro ano da faculdade de psicologia clínica na Universidade Pacific, Jennifer ainda abria a correspon­dência esperando receber uma carta com o timbre da universidade. Em sua imaginação, a carta diria: “Jennifer, lamentamos infor­mar que cometemos um erro ao aceitá-la no curso de graduação. Sua solicitação deveria ter sido negada.” Como muita gente, Jennifer [33] tinha o sentimento de inadequação pessoal chamado de “síndrome do impostor”, muito comum quando a pessoa atinge um nível mais alto: promoção no trabalho, mudança de carreira, estu­dos avançados. Esse sentimento de duvidar de si mesmo é descon­fortável, às vezes até doloroso. Em casos extremos, é tão forte que leva a pessoa a rejeitar a oportunidade.

Muita gente não vê que o fato da dúvida, com moderação, tem uma função saudável. A dúvida é um estado psicológico que nos leva a fazer um balanço de nossas competências, e a um esforço para melhorar nas áreas de deficiência. Karl Wheatley, pesquisa­dor da Universidade Estadual de Cleveland, afirma que a dúvida pode ser benéfica - pelo menos no caso de professores primários.20 Ele destaca o fato de que, quando um professor tem incerteza sobre seu desempenho, esse sentimento incita à colaboração com outras pessoas, promove a reflexão, motiva o desenvolvimento pessoal e prepara para aceitar mudanças.

Jennifer, ainda novata, usava a dúvida para tomar boas deci­sões sobre quais pacientes encaminhar para terapeutas mais ex­perientes, e quais ela poderia atender. À medida que adquiria mais conhecimentos, ela usava a dúvida para aprimorar sua com­petência e ajudar seus pacientes. Ao eleger a dúvida como ferra­menta, entre tantas outras, mas sem reprimir ou rejeitar essas outras, Jennifer se tornou uma excelente terapeuta e continua a se aperfeiçoar profissionalmente.

As vantagens de jogar a toalha

Em 1995, um aventureiro sueco chamado Goran Kropp estabele­ceu um novo padrão de extremos para um grupo de peritos em escaladas do monte Everest.21 Ao contrário de seus pares [34] alpinistas, Kropp queria escalar sem cilindros de oxigênio, sem cordas e escadas fixas, sem ajuda de sherpas e sem transporte motorizado de qualquer espécie. Montou numa bicicleta e percorreu os quase 13 mil quilômetros de sua casa na Suécia até Katmandu. De lá, foi carregando grandes fardos nas costas até o acampamento no pé do Everest. Saiu do acampamento antes de qualquer outra expedição, e foi subindo por uma trilha de gelo e neve nas escarpas rochosas. No dia de chegar ao cimo, porém, faltando apenas cem metros para alcançar o ponto mais alto da Terra, Kropp tomou a difícil decisão de voltar atrás. Sua decisão se baseou nas condições do fim de tarde, na situação em que ele teria que descer, com muito frio, cansaço, e na escuridão.

O extraordinário autocontrole de Kropp, a decisão de voltar quando estava tão perto do objetivo, depois de ter investido tanto, foi muito sensata e quase divinatória. Uma semana depois, mem­bros de várias expedições sofreram o que se chama “febre do topo” e ficaram presos no flanco do Everest, fustigados pelas nevascas, porque não voltaram no tempo previsto.22 Os dias que se seguiram ficaram conhecidos como o Desastre de 1996 no Everest, que le­vou oito vidas na temporada mais mortal na história das escaladas do Himalaia. Nesse contexto, a decisão de Kropp talvez tenha sal­vado sua vida. E lança outra luz na suposição comumente aceita de que a perseverança é boa e a desistência é má.

É muito fácil ter um objetivo. Pessoas que têm metas específi­cas usam um padrão de medida para avaliar o êxito, diretrizes para aderir aos seus valores, um alvo definido para motivá-las e uma bússola para tomar decisões.23 O ramo dos negócios tem me­tas para melhorar a produção, e os times de futebol têm gols - li­teralmente - para vencer os jogos. Para muita gente, ter uma meta é sinônimo de compromisso, e compromisso com a meta, por sua [35] vez, é quase sinônimo de sucesso. O lendário boxeador Muham­mad Ali disse, em tom jocoso: “Eu odiava cada minuto de treino, mas dizia: ‘Não desista. Sofra agora e seja campeão pelo resto da vida.”’24 Aí está a clara noção de que apostar tudo nas metas é o caminho mais provável do sucesso. Por outro lado, desistir é re­servado para os moral e fisicamente fracos.

Como você já percebeu, rejeitamos a noção de que desistir (certamente um desconforto psicológico) seja horrível. A fidelida­de cega às metas produziu, entre outras coisas, a “febre do ouro”, frequentemente associada à Corrida do Ouro na Califórnia, em 1859, quando mineradores fizeram enormes investimentos finan­ceiros, físicos e emocionais em busca da fortuna, e resultou em nada. A pesquisadora Eva Pomerantz, da Universidade de Illi­nois, afirma que investir pesadamente na busca de um objetivo pode elevar a ansiedade a ponto de corroer a qualidade de vida psicológica da pessoa.25 Isso é tanto mais verdadeiro quando a pessoa se esforça, mas põe o foco no possível impacto negativo de não atingir a meta, aumentando ainda mais o estresse.

Uma das maiores vantagens de algum desânimo - tipicamente desconfortável e que as pessoas sempre tentam evitar - é que, ao senti-lo, nossa tendência é desistir de atingir a meta. A tristeza, frustração, confusão, e até a culpa, servem ao mesmo propósito. São sinais para você puxar o freio e recuar para dentro de si mes­mo a fim de refletir, de conservar sua energia e seus recursos. Isso é especialmente importante para minimizar nossa tendência de continuar investindo em causas impossíveis ou agir com base em um fundo perdido, em vez de tomar a decisão de diminuir as per­das quando os ganhos parecem cada vez menos prováveis. As pes­soas com inteireza são capazes de ter flexibilidade na busca de objetivos, continuando a investir à medida que há progressos num [36] ritmo aceitável e, quando o fracasso é quase certo, trocando os antigos objetivos por outros.

As vantagens da fantasia

Quando menina, o sonho de Melanie Baumgartner era ser juíza. Na universidade, porém, ela se apaixonou e sua vida tomou um rumo inesperado. Em vez de cursar direito, Melanie encontrou um novo sentido em ser dona de casa e mãe. Às vezes, levando e buscando as crianças da escola, ela se surpreendia devaneando sobre aquela outra vida, batendo o martelo para exigir ordem no tribunal.

Num fenômeno psicológico chamado sehnsucht, não é incomum o fato de o anseio por uma oportunidade perdida ou um objetivo não alcançado despertar uma rica fantasia, em que nos imagina­mos realizados naquela situação.26 Sehnsucht é um bálsamo psico­lógico importante para o tormento da oportunidade perdida. Os participantes de uma pesquisa internacional que tinham sehnsucht foram capazes de aceitar a fantasia e transformá-la em compen­sação emocional. A única exceção digna de nota foram os norte-americanos. Ao contrário dos europeus, os norte-americanos são muito mais propensos a achar que seus sonhos são realizáveis e, portanto, relutam em mantê-los no reino da fantasia, o que ten­dem a considerar uma atitude negativa. Mas a fantasia pode ser um recurso muito valioso.

Hoje, com seus filhos crescidos, Melanie pode voltar à facul­dade de direito. Mas ela já não sente tanto o desejo de ser juíza, em parte porque vivenciou as conquistas emocionais em suas fan­tasias. Sehnsucht é uma das muitas estratégias que as pessoas inteiras [37] usam para administrar as conseqüências de terem tomado outro caminho, para tornar a desistência palatável quando foi sen­sata, e a lidar com o desapontamento.

Sabemos que o sofrimento é terrível. Vamos deixar bem claro que não desejamos que você fique arrasado por objetivos frustrados ou porque seu namorado dormiu com a sua irmã. Não estamos sugerindo que você prenda a respiração embaixo de água gelada sem tremer um músculo. Estamos apenas dizendo que acumular emoções que parecem agradáveis agora e evitar emoções que pa­recem desagradáveis agora não é a melhor estratégia para viver bem. Neste livro, oferecemos a inteireza como alternativa a que­rer tirar proveito somente do positivo. A característica principal das pessoas inteiras é a grande capacidade de negociar com tudo o que a vida lhes apresenta. Elas possuem o que chamamos de agi­lidade emocional. Por quê? Porque sabem tirar o maior proveito possível de uma situação, adequando seu comportamento - do la­do bom ou do lado obscuro - a cada desafio que enfrentam. Elas sabem usar os dois lados de todos os traços de personalidade: sé­rio e brincalhão, passional e objetivo, extrovertido e introvertido, altruísta e egoísta. São bondosas, mas seletivas ao conceder seu tempo e energia. Finalmente, pessoas que têm inteireza se bene­ficiam da relutância em desprezar qualidades que a sociedade menospreza. A seguir, vamos expor o que significa ser emocional, social e mentalmente ágil, para você entender a amplitude, a be­leza e as vantagens da inteireza. [38]

Agilidade emocional

Na inteireza, não se trata de evitar emoções negativas, mas de ti­rar o “negativo” delas. Pode-se ver isso no braço da ciência em que se apoiam as boas psicoterapias. Os psicólogos Jonathan Adler (do Franklin W. Olin College of Engineering) e Hal Hershfield (da Universidade de Nova York), testaram a crença predominante de que a terapia funciona quando livra a pessoa de problemas como a depressão, e ajuda a montar estratégias para estimular a positividade.27 Esses pesquisadores observaram 47 adultos em tratamento terapêutico de ansiedade e depressão, e para aprender a lidar com eventos de maior tensão, como a transição para a paternidade/maternidade. Adler e Hershfield queriam saber o que acontece antes de o cliente resolver seus problemas, antes de sua qualidade de vida melhorar e antes de passar realmente a gostar de si mesmo.

Você pode se surpreender tanto quanto eles ao saber que as pessoas em terapia não têm menos experiências negativas e mais experiências positivas, mas passam a se dizer mais felizes. Na ver­dade, o sucesso da terapia começa quando a pessoa passa a se sen­tir confortável com emoções mistas (tanto alegres quanto tristes) sobre o trabalho, os relacionamentos e qualquer outra situação. Vejamos o relato de um cliente após algumas sessões:28

Foram semanas difíceis. Minha esposa e eu comemoramos a boa notícia de uma gravidez saudável com nove semanas (o tempo em que perdemos a gravidez em janeiro passado). Mas também sinto tristeza por ainda estar procurando emprego, e por minha mulher, cuja avó está morrendo. Sinto assim: “quan­to mais posso aguentar?” Mas ao mesmo tempo me sinto razoavelmente [39] confiante e feliz. Não que não fique abatido, mas agradeço as coisas boas da minha vida, especialmente meu ca­samento.

O ponto crucial aqui é que essa pessoa, e tantas outras que de­monstram a capacidade de vivenciar emoções positivas e negativas, teve, subsequentemente, ganhos maiores em bem-estar. Não é o que acontece no caso oposto: sentir a positividade não melhora a capacidade de ser emocionalmente ágil. Esse estudo sugere que a maior vantagem não está na felicidade, e sim que a maior vanta­gem provém de ser plenamente capaz, de ser inteiro, tolerando o bom e o mau sempre que surgirem.

Agilidade social

Os humanos são primatas e, portanto, criaturas sociais. Assim co­mo nossos primos chimpanzés, temos o cérebro altamente desen­volvido para a interação social. Podemos, por exemplo, interpretar facilmente expressões faciais sutis, enquanto os cães, porcos e fal­cões não podem. Temos também centros de linguagem altamente evoluídos, que nos permitem expressar grandes quantidades de informação complexa, inclusive toda a gama de intenções e dese­jos. De fato, somos tão sociais que muitos pesquisadores afirmam que só podemos sobreviver por meio da interdependência. Dacher Keltner, psicólogo em Berkeley, afirma que a generosidade, a hospitalidade e a benevolência são nossos estados naturais.29 Em­bora possamos citar facilmente exemplos de egoísmo, fraude, ganância e outros males sociais, tendemos a achar que as pessoas são capazes de boas ações extraordinárias. De fato, ensinamos às crianças que a bondade é a virtude suprema. [40]

Os efeitos colaterais da bondade e gentileza são inúmeros: as pessoas bondosas vivem mais, ganham mais, são cidadãos melho­res, e os relacionamentos íntimos que cultivam podem sanar mui­tos danos de uma infância problemática. Mas se olharmos mais de perto o mundo social, teremos que admitir um fato incômodo: se estamos envolvidos no amor, no trabalho, em qualquer recreação, precisamos ser gentis, mas também precisamos ser seletivos. Não podemos nos dar ao luxo de nos entregar completamente a qual­quer pessoa. Tempo e energia são recursos limitados, que precisa­mos empregar com discernimento.

Às vezes, em certas situações, precisamos até agir de maneira diametralmente oposta à gentileza. Quem se dispõe a acessar seu lado obscuro está em posição de vantagem, sejam pais, atletas, soldados, professores ou empresários. E aqui vem a parte mais di­fícil de assimilar: é melhor assim para todo mundo. Mesmo os me­lhores pais têm momentos em que não estão dispostos a se esmerar pelos filhos; paternidade e maternidade, como qualquer emprego, precisam de uma hora de almoço. É quando os pais não se cuidam que os filhos sofrem de formas inesperadas e desnecessárias.

Antes que você jogue este livro pela janela ou venda para um sebo, queremos lhe apresentar uma de nossas heroínas científicas, Esther Kim, socióloga da Universidade de Yale. Kim é uma pessoa singular entre os acadêmicos, pois larga o laboratório e sai para o mundo.30 A fim de observar como pessoas desconhecidas intera­gem, Kim percorreu milhares de quilômetros em ônibus de trans­porte público. Ela ficou particularmente fascinada pelo modo como as pessoas evitam sutilmente que outro passageiro ocupe o assento vago ao lado.

Todos nós já tivemos a experiência de ver um passageiro en­trando no ônibus, trem ou avião, enquanto entoamos [41] silenciosamente o mantra “ao meu lado, não; ao meu lado, não”. Kim observou uma variedade impressionante de táticas criativas para evitar a convivência indesejada: gente no assento do corredor com fones de ouvido para fingir que não ouviam o outro pedir licença; sacola colocada no assento ao lado; cenho franzido, pernas estica­das, fingindo dormir; e a lista se alonga. Esses passageiros não são rudes; são humanos. Estão interessados na própria segurança, na energia gasta para interagir com um desconhecido, no conforto durante uma viagem longa. O estudo de Kim ilustra uma situação em que temos propensão a sair da norma de “ser gentil”.

Agilidade social é a capacidade de reconhecer como uma si­tuação difere de outra e alterar o comportamento de acordo com essas diferenças. A pessoa socialmente ágil é proativa, seleciona e influencia as situações que se apresentam. Dependendo das especificidades da situação, a pessoa socialmente ágil pode ser acolhe­dora, dizer mentiras inofensivas, ou fazer pressão; pode se exibir, flertar, elogiar, oferecer ajuda. Pode até mencionar casualmente que limpou a geladeira recentemente para mostrar ao marido que é boa dona de casa. As pessoas socialmente ágeis não são maquia­vélicas, mas operam com um conjunto de normas sociais mais inclusivo e flexível do que o básico “seja gentil”. É interessante notar que, em muitos casos de infração das regras, não intencionamos obter algum ganho pessoal, e sim fazer com que o outro se sinta bem, fortalecer relacionamentos e alcançar metas signifi­cativas.

Agilidade mental

O conceito psicológico de mindfulness (consciência plena) é famo­síssimo. Tem raízes nas práticas budistas, e é a superstar das [42] estratégias mentais. Uma pessoa mindful é aquela focada em viver o momento presente, em “observar com suavidade” o que está acon­tecendo no momento presente, em oposição a “julgar”. As pessoas mindful são mais conscientes, supostamente mais atentas e mais propensas a apreciar a vida do que as outras. Se você for a uma livraria, verá uma estante inteira de livros sobre comer conscien­te, pais conscientes, liderança consciente e até pôquer consciente. Autoridades no assunto dizem que a hiperconsciência é talvez o estado supremo do funcionamento humano, um lugar em que de­sejamos entrar e lá viver perpetuamente. Em conformidade com o provocativo tema deste livro, queremos ser os primeiros a lhe di­zer que é impossível permanecer em estado mindful constante. Se­ja escovando os dentes, seja levando as crianças à escola no piloto automático, é uma maravilha ter um cérebro que nos permite encontrar atalhos que liberam a energia mental para outros empre­endimentos mais significativos, mais intensos. É essencial ter um sistema inconsciente que processa a informação automaticamente, sem autoconsciência e esforço intencional.

Uma das áreas mais fascinantes da psicologia lida especifica­mente com nossa suscetibilidade a influências dos sinais sutis que existem por baixo da atenção consciente. Num estudo com alunos, conduzido pelo psicólogo holandês Ap Dijksterhuis, por exemplo, os sujeitos deviam cumprir uma tarefa antes de responder a perguntas de um teste.31 Um grupo de alunos devia escrever sobre como seria ser um professor. Esse grupo na “condição de professor” respondeu 60% das questões sobre conhecimento geral corretamente, enquanto o grupo de controle respondeu correta­mente a 50% das questões.

A atuação da mente inconsciente cria uma circunstância privi­legiada para mudanças de comportamento, em geral para melhor, [43] sem o esforço exigido normalmente. Por exemplo: num estudo, os pesquisadores levaram sutilmente alguns participantes - mas não todos - a sentir o cheiro de produtos de limpeza (escondidos num balde num canto do laboratório).32 Em seguida, os participantes comeram biscoitos crocantes, e os que tinham sentido o cheiro dos produtos de limpeza comeram com mais cuidado e limparam os farelos. O inconsciente age também ajudando a processar infor­mações complexas. No fenômeno conhecido como “dormir sobre o assunto”, as pessoas distraídas - e portanto não mindful são mais capazes de chegar a boas decisões de compra do que as pes­soas que “se esforçam” de modo consciente.33 Embora a mentalidade da consciência plena de “estar aqui e agora” tenha de fato suas vantagens, é um erro pensar que é o úni­co estado positivo. Quando nos utilizamos de tudo o que somos, de nosso ser por inteiro, podemos alternar atenção e desatenção de acordo com as circunstâncias. Isso nos ajuda a conservar os recur­sos mentais e nos concentrar nas questões que realmente conside­ramos mais importantes.
 

Psicologia - Psicologia positiva
11/17/2021 1:01:13 PM | Por Robert Biswas-Diener, Todd B. Kashdan
A Intolerância ao desconforto e a ascensão da classe acomodada

Para os cientistas sociais, o Google é mais que uma ferramenta de busca. Em vários aspectos, é um termômetro da socieda­de. O Google pode ser usado para rastrear atitudes coletivas e ma­pear tendências populares. Tomemos como exemplo uma simples busca de imagem das palavras “desconforto” e “conforto”. Clicando em “desconforto”, surgem imagens de pessoas franzindo as sobrancelhas, massageando as têmporas, esfregando um joelho dolorido ou contraindo o estômago. Em contraste, a busca da pa­lavra “conforto” traz imagens de camas macias, poltronas fofas e primeira classe em aviões a jato. A implicação é clara: o des­conforto é interno, um fenômeno subjetivo, uma experiência in­dividual, e seu antídoto, o conforto, é encontrado no exterior, no mundo material que nos cerca.

Essa noção popularizada de desconforto como um estado in­terno, desagradável e frequentemente fora de controle, é tema cen­tral neste livro. Se a inteireza remete à capacidade de vivenciar e utilizar toda a gama de estados psicológicos - emocionais, cogni­tivos e sociais -, nosso mal-estar generalizado com o desconforto deve estar ligado a uma estreiteza da experiência. Evitar estados desconfortáveis, ainda que proveitosos, nos impede de alcançar todo o nosso potencial. É interessante notar que essa relação distanciada [50] com o desconforto é um fenômeno muito ocidental, e especificamente norte-americano. Os norte-americanos são mui­tas coisas: criativos, confiantes, industriosos e famosos por serem irremediáveis otimistas. Acima de tudo, porém, são adeptos do conforto. Apesar dos bolsões de pobreza total e da assombrosa dis­paridade na distribuição de renda, os Estados Unidos são um lu­gar notavelmente organizado, conveniente e confortável para se viver. Os sinais de trânsito funcionam, os cinemas têm temperatura controlada, banheiros completos são tão comuns quanto manguei­ras para regar jardim, todo mundo tem acesso a xampu, e as pes­soas escolhem o colchão conforme o material, tamanho e maciez.

À medida que o mundo enriquece, não são apenas os norte-americanos que estão vivendo com mais conforto. Quanto mais uma sociedade se aproxima da dos Estados Unidos - Austrália, Canadá e o Reino Unido me vêm à mente -, maior é a probabili­dade de ter uma atitude semelhante (mas não idêntica) em rela­ção ao conforto. Quanto mais distante é uma cultura - pense no Zimbábue, China, Paquistão -, maior é a probabilidade de se sen­tir confortável com o desconforto. No entanto, em muitas partes do mundo em fase de desenvolvimento econômico, vemos uma classe média emergente que se distingue pelo conforto na mesma medida em que é separada pela renda.

Se você quiser ter uma noção de quão arraigada é a propensão da sociedade norte-americana ao conforto e a uma atitude positi­va, faça a seguinte pergunta: “Jesus era feliz?” Foi exatamente a pergunta feita pelo psicólogo Shigehiro Oishi e seus colegas da Universidade de Virgínia.1 Esses cientistas estavam menos interes­sados em encontrar uma resposta factual a essa questão do que em usá-la para avaliar as atitudes das pessoas. Os pesquisadores par­tiram do princípio de que, já que existe um único Jesus e uma narrativa [51] geral de sua vida (a narrativa bíblica), as diferenças de opi­nião em larga escala sobre a felicidade dele dariam uma espécie de teste de Rorschach cultural, em que as pessoas projetam suas predisposições mentais. Para essa investigação, eles pediram a de­zenas de pessoas nos Estados Unidos e na Coréia do Sul que escre­vessem tudo o que pensavam sobre Jesus. (O número de cristãos era praticamente o mesmo - cerca de 60% - nos dois grupos.)

Os norte-americanos mostraram acreditar muito mais que os sul-coreanos que Jesus era feliz. Além disso, descreveram Jesus como sendo muito mais extrovertido, aberto e agradável do que os sul-coreanos. Ainda mais interessante, os sul-coreanos menciona­ram mais desconforto com relação a Jesus. Escreveram muito mais - em muitos casos, cinco vezes mais - sobre sofrimento, sa­crifício, crucificação e sangue. Embora eventos desconfortáveis como a perseguição e a crucificação sejam centrais na narrativa da vida de Jesus, os norte-americanos mostraram uma tendência significativa a dizer que Jesus era maravilhoso, bom e gentil.

A tendência dos norte-americanos para o positivo não signifi­ca necessariamente desviar os olhos das adversidades. Será que não? Christie Napa Scollon, pesquisadora na Singapore Manage­ment University, e sua colega Laura King, da Universidade de Missouri, conduziram uma série de estudos inédita.2 Em vez de seguir a metodologia habitual, usando sofisticados modelos esta­tísticos de felicidade para determinar onde as pessoas se situam numa escala, os pesquisadores que colaboravam com elas pergun­taram a várias pessoas em que medida a riqueza, a felicidade, e o trabalho árduo contribuíam para o “bem viver”, que incluía bem-estar e sentido da vida. Os norte-americanos atribuíram maior valor à felicidade, e preferiam uma vida fácil a uma vida de traba­lho árduo, principalmente quando o trabalho árduo foi quantificado [52] em horas de trabalho. Os pesquisadores constataram tam­bém que os norte-americanos tendiam a considerar um relaciona­mento satisfatório mais importante para o bem viver do que um trabalho satisfatório. De fato, constataram que os participantes ti­nham opinião muito severa sobre pessoas, hipotéticas, que não tinham bons relacionamentos e achavam o trabalho compensador; muitos disseram que elas eram imorais e alguns chegaram a classificá-las de amaldiçoadas.

O anseio norte-americano por uma vida feliz e confortável não é apenas um assunto de interesse acadêmico abstrato. Vemos isso claramente em seu comportamento, especialmente enquanto con­sumidores. Desde a Segunda Guerra Mundial, os norte-america­nos têm vivido um período de riqueza sem precedentes. Mesmo no atual contexto econômico, em que vivem à sombra de uma cri­se do mercado imobiliário, de um alto nível de desemprego e falências em larga escala, a maioria está se saindo melhor que nunca em termos materiais. A aquisição de casa própria está ab­surdamente em alta nos Estados Unidos, assim como o consumo de aparelhos eletrônicos, automóveis e aparelhos de ar-condicionado. A população corre em busca de conforto e conveniências.3 Segundo Juliet Schor, autora de The Overspent American, atual­mente as pessoas sonham com viagens de luxo, casas melhores e mais conforto.4 Ela cita um estudo longitudinal da Universidade de Connecticut em que as pessoas deviam indicar os itens básicos que consideram como necessidade. Nos anos 1970, 13% apro­varam ar-condicionado no carro, e 25% precisavam de ar-condicionado em casa. Em meados dos anos 1990, as atitudes tinham mudado para incluir mais conforto pessoal, com 41% precisando de ar-condicionado no carro, e 50% precisando de ar-condiciona­ do em casa. [53]

Esse súbito desejo de ar-condicionado é particularmente inte­ressante no contexto da hierarquia de necessidades de Maslow.5 Lembremos que, em 1954, Maslow sugeriu que as pessoas satisfa­zem primeiro suas necessidades básicas, como alimento e abrigo, depois satisfazem necessidades sociais, e só então passam a se preocupar com autoestima e criatividade. Muitos cometem o en­gano de julgar que Maslow estava dando uma prescrição do bem viver. Sua proposta era descrever o funcionamento básico da mo­tivação humana.

À luz do nosso apego atual ao conforto, é interessante conside­rar o que realmente significa a palavra “básica” na expressão “ne­cessidade básica”. É fácil entender que o acesso à água limpa é uma necessidade básica para a sobrevivência. É ainda mais fácil entender que a termorregulação - a manutenção da temperatura normal da pessoa em todas as circunstâncias - é uma necessidade básica. Mas enquanto os humanos precisam de agasalhos para protegê-los contra o perigo da hipotermia, é difícil justificar que o ar-condicionado no carro seja uma necessidade básica, princi­palmente sabendo-se que um carro já é um luxo de proporções quase miraculosas.

Se o desejo das pessoas continuar a seguir essa trajetória, em breve o ar-condicionado no carro já não será suficiente. Haverá a necessidade de assentos aquecidos ou zonas separadas, aquecidas ou refrigeradas, para motorista e passageiros. Ah, e tem mais, nes­se exato momento, está surgindo um novo padrão nos novos car­ros! Seria interessante saber o número de pessoas que já consideram uma tela de vídeo no carro uma necessidade.

Aqui chegamos à tese deste capítulo. A medida que as pessoas vão se tornando mais capazes de satisfazer o desejo de conforto, mais restrita vai se tornando sua gama de experiências, e elas vão [54] perdendo a prática de lidar com as dificuldades da vida. Colocan­do de maneira mais linear: 1) o conforto material e os artigos de conveniência levam a 2) uma compulsão a usar objetos externos para se sentir bem, o que leva a 3) menor imunidade psicológica a circunstâncias menos confortáveis e mais inconvenientes. Não se engane: o conforto material afeta sua capacidade de se adaptar psicologicamente ao ambiente e lidar com dificuldades. O confor­to associado ao ar-condicionado induz, ao longo do tempo, uma situação em que estados internos como raiva, dúvida, desistência, incerteza e mindlessness se tornam esmagadores, ou vistos como reprováveis. É unicamente o vício do conforto que nos divide en­quanto indivíduos e nos impede de desfrutar de toda a gama de bem-estar psicológico.

Enquanto nossos avós podiam suportar poeira, chuva, sol a pino, as pessoas de hoje parecem ser menos capazes disso. Segun­do estatísticas do US Department of Health and Human Services, a taxa de crianças com alergia a alimentos nos Estados Unidos su­biu mais de 40% entre 1997 e 2011, e a prevalência de alergias de pele subiu quase 70% nesse grupo no mesmo período.6 A asma afeta hoje 17% das crianças norte-americanas, e vale notar que a taxa é mais elevada entre crianças que vivem 200% acima da li­nha de pobreza. Uma possibilidade é a chamada “hipótese de hi­giene”, em que as condições da vida moderna na classe média são limpas demais e dão muito poucas oportunidades de exposição e aquisição de resistência a agentes infecciosos.

O que aconteceu? Como a sociedade norte-americana e, em menor grau, a de seus primos culturais em outras sociedades oci­dentais modernas mudaram tão drasticamente? O que aconteceu entre o tempo dos homens das cavernas, que labutavam diaria­mente para manter uma existência frugal, e hoje, quando comerciais [55] de televisão ou cinco minutos de engarrafamento no trânsito parecem intoleráveis? Quando foi que perdemos a imunidade ao desconforto?

As origens do vício do conforto

Conforto e desconforto são temas tão antigos quanto as pessoas. É fácil imaginar o primeiro homem das cavernas que pegou a pedra que lhe servia de travesseiro dizendo: “Ugh! Quero mais macio!”, e pousando a cabeça sobre um monte de agulhas de pi­nheiro. O mesmo impulso de se manter aquecido (ou de evitar o calor), de relaxar os músculos doloridos, de ter contato com textu­ras macias, tem sido uma motivação universal através dos séculos.

Até a famosa frase de Hamlet: “Ser ou não ser”, da obra de Shakespeare, trata basicamente de tentar ou não superar a adversidade.7 Vejam bem:

Ser ou não ser, eis a questão:

Se ao espírito é mais nobre suportar
O disparo das flechas da fortuna infame
Ou pegar em armas contra um mar de dores.*

A pergunta do jovem príncipe fictício da Dinamarca é seme­lhante à de pessoas deprimidas que vivem hoje em Pensacola, To­ ronto ou Manchester: devo escolher a vida ou a morte? A resposta é baseada em graus de desconforto. Hamlet concluiu pela adesão à vida - apesar de todos os contratempos -, não porque fosse aventuroso [56] ou destemido, mas porque a alternativa - o desconhecido reino do além - causava ainda mais ansiedade do que os percalços da vida cotidiana! Vejamos mais uma vez o príncipe em ação:

Mas o pavor de algo após a morte, Desconhecido reino de cujo rio
Viajante algum retorna, refreia a vontade, E faz preferir sofrer os males que já temos.*

Em 1930, Sigmund Freud, a figura mais importante na histó­ria da psicologia, escreveu sobre o perigo do canto da sereia do conforto. Ele disse: “Isso significa colocar o prazer à frente da realidade e logo receber a punição.” Freud não tinha nada contra o prazer de dormir num travesseiro macio ou de sentir a brisa no rosto, e sim contra o prazer como motivador primário da ação. Ele dizia que a busca do conforto, e não o conforto propriamente dito, pode levar a decisões autocentradas e ter conseqüências sociais negativas.

Ainda mais incisivo foi o filósofo alemão Hegel, que disse: “O que os ingleses chamam de ‘conforto’ é algo inexaurível e ilimitável.” Hegel concluiu que “a necessidade de cada vez mais con­forto não surge diretamente na pessoa, mas é sugerida por aqueles que esperam tirar proveito de sua criação”.9 Vafle notar que, tal como Freud, Hegel enfatizou não o conforto em si, mas a “neces­sidade de conforto”. Hegel sugeriu que a necessidade de conforto é uma ilusão, do tipo alimentado hoje pelos gurus da propaganda das grandes lojas. Assim como o vício de tomar café, por exemplo, *Tradução livre. (N. da T.) [57] para Hegel, um desejo pode ser inócuo, mas não é natural nem saudável.

Em nossa era, mais moderna, a industrialização traz conforto e conveniência em proporções sem precedentes. Em um estudo do ritmo de vida, o psicólogo Robert Levine e seus colegas encontra­ram uma relação entre o PIB e o ritmo de vida acelerado.10 Levine mediu a rapidez com que as pessoas andam, a rapidez com que os carteiros cumprem sua tarefa básica, e o grau de exatidão dos re­lógios públicos para avaliar o ritmo relativo de vida de socieda­des. Não só a riqueza nacional está associada a um ritmo de vida mais rápido, como o ritmo de vida mais rápido está associado a uma taxa mais alta de consumo de energia. Pensemos em carros, eletrodomésticos, aquecedores de água - todos são artigos relacio­nados à conveniência e ao conforto. Mas aí vem o outro lado: um ritmo de vida mais acelerado está relacionado a taxas menores de empreendimentos e poupança financeira. Quanto mais artigos de conveniência as pessoas têm, menos se dão ao trabalho de ter autocontrole nos gastos. Vejamos o exemplo da frustração. Em lu­gares onde tudo é feito com rapidez, as pessoas acham intolerável a espera numa fila ou no trânsito. Em outras palavras, quanto mais confortável é sua vida, menos paciente você é diante do que julga ser um problema.

Embora este livro seja basicamente sobre conforto psicológi­co, vamos nos deter um momento para dizer que existe uma rela­ção direta entre conforto físico básico (em psicologia, chamamos de “sensações confortáveis”) e confortos psicológicos mais com­plexos (que seriam o que chamamos de “estados emocionais”). Afi­nal, estamos todos presos a essa existência física pelo corpo. O corpo é uma membrana, por assim dizer, entre os eventos do mundo e a pessoa que entendemos [58] como “si mesmo”. O corpo age como uma espécie de termos­tato - muitas vezes, literalmente - por meio do qual vivenciamos os confortos e desconfortos do mundo. Pesquisadores observaram que todo mundo tem uma gama específica de adaptação às condi­ções do ambiente, o que inclui odores, ruídos, temperatura. É por isso que você não nota como seu escritório é refrigerado até sair em pleno calor do verão lá fora. O impulso para ter conforto físico é normal, e sua capacidade natural de se adaptar é parte desse impulso.

Talvez você se surpreenda ao saber que a repugnância fornece um exemplo perfeito de como as sensações físicas e psicológicas podem se entrelaçar. O nojo é uma sensação que nos leva a evitar coisas nocivas, como alimentos estragados. Pesquisadores usam testes extremamente criativos para medir a sensibilidade à repug­nância. Já fizeram os participantes assoarem o nariz em um rolo de papel higiênico, tomar suco de laranja num urinol, e obser­varam se conseguiam chegar perto de uma cabeça de porco decepada. Há também um tipo mais psicológico de repugnância, conhecido como “repugnância moral”. As pessoas tendem a evitar se deitar numa cama em que dormiu um assassino, da mesma for­ma que evitam uma poça de vômito. Têm tanta relutância em vestir um suéter que pertenceu a Hitler quanto a comer um cho­colate com formato de cocô de cachorro. Vê-se que a sensibilidade à repugnância está diretamente relacionada ao senso de conforto, principalmente quando se trata do mundo natural.

Os pesquisadores Robert Bixler e Myron Floyd ficaram curio­sos para investigar sua hipótese de que a gama de conforto das pes­soas foi se tornando mais restrita ao longo dos anos.12 Quando perguntaram a centenas de crianças em idade escolar como se sen­tiam em relação à natureza, crianças medrosas e com repugnâncias [59] disseram preferir passar a hora do recreio em ambiente fechado ou, se um adulto detestável as obrigasse a ir para o ar livre, prefe­riam passear em parques bem cuidados. Em seguida, apresenta­ram às crianças frases com uma escala do quanto sentiriam falta de conforto se passassem uma semana inteira ao ar livre, numa “simulação” de acampamento de pioneiros na colonização do Te­xas. “Eu não sentiria nenhuma falta” teve zero na escala. “Eu não poderia viver sem conforto” obteve 4. A média para banho de chu­veiro ou banheira foi 3; descarga no banheiro, 2,63; água quente, 2,69; e ar-condicionado, 2,66. É claro que os verdadeiros colonizadores do Texas viviam muito bem sem ter nada disso. Fomos ficando gradualmente mais frouxos desde o tempo em que os pioneiros atravessavam os Estados Unidos em carroções até o advento de poltronas reclináveis e jogos Playstation. O que consideramos conforto se tornou cada vez mais limitado.

Vale notar que esse estudo das atitudes de crianças com rela­ção ao conforto foi publicado em 1997, e foi nos anos 1990 que o vício do conforto deslanchou. Não se questiona que a geração que enfrentou a Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mun­dial - chamada de Greatest Generation - foi capaz de lidar com adversidades. Apesar do progresso da economia nos anos após a Segunda Guerra Mundial, as décadas de 1950,1960 e 1970 foram definidas basicamente pelo movimento de direitos civis, com hip­pies protestando contra o sistema e questionando a Guerra do Vietnã. Quando Ronald Reagan assumiu a presidência, em 1981, o clima social e econômico amainou, culminando com a passagem do governo para Bill Clinton, em 1990. Aqui começamos a ver o drástico aumento da classe confortável, e ouviu-se pela primeira vez a expressão comfort food, numa indicação óbvia de que nossa relação com as necessidades básicas estava mudando. [60]

Hoje, décadas depois, no contexto da Primavera Árabe e das guerras no Iraque e Afeganistão, é difícil recordar o quanto os anos 1990 foram uma época singular. Para quem viveu os tempos dos movimentos de protesto dos anos 1960, da crise de gasolina e dos reféns nos anos 1970,1980 e especialmente os 1990, foi uma época muito diferente. Havia um sentimento de que o mundo es­tava ficando melhor. Após décadas de injustiça institucionaliza­da, o apartheid na África do Sul ruiu. A União Soviética, rival por excelência dos Estados Unidos no palco mundial, espatifou. Co­mo se fosse preciso ter mais provas de seu poderio militar, os Es­tados Unidos derrubaram a máquina militar de Saddam Hussein em uma semana. A bolsa de valores norte-americana subia à estratosfera, e a internet se tornava um novo motor global da criati­vidade e das finanças. Em suma, tudo parecia muito confortável nos Estados Unidos, como nunca se vira em toda a história da humanidade.

As expectativas subiram na mesma medida da maré econômi­ca e política. A felicidade passou a ser vista, não como um objeti­vo desejável, mas como um imperativo moral. Até Shigehiro Oishi - do estudo sobre Jesus, já mencionado - e seus colegas usaram o Google para buscar exemplos da pessoa feliz em livros norte-ame­ricanos de 1800 a 2008.13 Como se pode imaginar, os autores de 1800 e início de 1900 ignoravam essa expressão. Só depois, nos Loucos Anos 20 (the Roaring Twenties), os livros começaram a fa­lar da pessoa feliz, um fenômeno que veio num crescendo e che­gou ao auge na década de 1990, quando dificilmente alguém saía de uma livraria sem comprar um livro que tivesse essa expressão. Nos anos que se seguiram, o uso do termo pessoa feliz não caiu mui­to. De 1990 a 2008, o número de referências à “pessoa feliz” foi [61] igual ao dos cinqüenta anos precedentes. As normas sociais estavam claramente a caminho.

Foi no início dos anos 1990 que a primeira lei de “morte com dignidade” foi promulgada nos Estados Unidos. Em essência, a lei admite a morte planejada de pessoas com enorme desconforto físico ou perda de dignidade, o que é também uma forma de des­conforto mental. Essa lei, independentemente do que você pensa a respeito, reflete uma sociedade que chegou a tal extremo para satisfazer as necessidades básicas que é possível marcar a hora e o modo da morte de uma pessoa. Foi também no início dos 1990 que ouvimos pela primeira vez a expressão zona de conforto - uma ga­ma de experiências muito familiares, que geram a sensação de estar à vontade - no contexto do mundo dos negócios. Um texto sobre negócios aconselha explicitamente os empresários a manterem seus empregados fora da zona de conforto.

A cereja do bolo de conforto é possivelmente a maior invenção confortável de todos os tempos. Nos anos 1960, cientistas da NA­SA criaram uma tecnologia para diminuir o desconforto dos as­tronautas no lançamento e no espaço. Mas somente em 1991 essa tecnologia foi colocada no mercado, ao alcance dos civis: a espu­ma de memória foi lançada na forma dos colchões, almofadas e travesseiros mais confortáveis na face da Terra. Especialistas em marketing concluíram que, durante os anos 1990, as pessoas estavam dispostas a pagar preços exorbitantes por uma cama que se adaptava perfeitamente às suas dimensões: a última palavra em termos de sono confortável. Como se colchões de mola ou de água não fossem confortáveis o suficiente, tínhamos agora um mate­rial que se amoldava de maneira a nos sentirmos repousados até nos menores contornos do corpo. Após 200 mil anos, os humanos [62] podiam finalmente dormir do modo como - supostamente - me­reciam.

Pesquisadores observam que, à medida que ficamos mais con­fortáveis, há uma queda em nossa saúde psicológica. A ansiedade, especialmente, parecia estar em ascensão. Em 1996, pela primeira vez na história, as clínicas das faculdades começaram a receber alunos queixando-se de ansiedade com maior frequência do que de depressão e problemas relacionados, e essa tendência perma­nece até hoje.14 Em consonância, os anos 1990 viram uma peque­na alta de agressão no trânsito nos Estados Unidos. Em estatísticas coletadas para a AAA Foundation for Traffic Safety, o número de incidentes agressivos no trânsito passou de 1.129 em 1990 para 1.708 em 1995, um aumento de 50%.15 A capacidade dos norte-americanos para tolerar pequenas frustrações nas horas de rush e entender que uma fechada no trânsito não era um insulto pes­soal estava diminuindo. Durante os anos 1990 foram registrados mais de 10 mil incidentes agressivos em que duzentas pessoas morreram e 12 mil foram feridas. Nos anos 1990, a vida era tão boa que as pessoas às vezes não sabiam o que fazer quando algu­ma coisa saía dos trilhos.

Mais importante ainda, em meados dos anos 1990 surgiu um termo agourento relativo ao conforto psicológico. A medida que as pessoas dormiam melhor, desfrutando de mais objetos de con­veniência e contando com uma felicidade cada vez maior, iam se adaptando a uma vida sem muitas provações e dificuldades. Foi então que o termo evitação experiencial entrou no léxico da psico­logia.16 A evitação experiencial pode ser definida como a tentativa de recalcar pensamentos e sentimentos indesejados, de se escon­der deles tão ativamente que sobra pouca energia para estar pre­sente no correr da vida. Sim, foi a primeira vez que as pessoas tiveram [63] escolhas, liberdade e possibilidades suficientes para evi­tar as coisas - muitas coisas. E evitaram. Principalmente as emo­ções. O crescente desconforto diante de dúvidas, tédio e emoções negativas produziu mudanças mensuráveis. Uma estratégia de escape comum, por exemplo, é ver televisão. O entretenimento proporcionado pela televisão é inquestionável, mas se alia à fun­ção de nos afastar das questões do cotidiano. Entre os anos 1950 e 1970, a média de tempo de assistir à televisão numa casa era de cinco a seis horas por dia. Nos anos 1980 e 1990, esse número su­biu para sete horas e meia por dia.17

É possível evitar o que está dentro de você?

O recurso principal de profissionais de saúde mental para diag­nóstico e tratamento é o Diagnostic and Statistical Manual of Men­tal Disorders, mais conhecido como DSM. Em 1980, o DSM era um livro de peso, com 494 páginas e 265 doenças mentais adicio­nadas. Em 1994, era um monstro com o dobro do tamanho, 886 páginas e mais 32 doenças mentais classificadas. Os profissionais de saúde pareciam concordar que sentir muita tristeza, muita an­siedade, raiva muito freqüente ou muito intensa, e se defrontar com pensamentos complicados eram sinais de doença. O DSM classifica muitos problemas legítimos, como a esquizofrenia, mas é difícil aceitar a noção de que sentir tristeza durante duas semanas ou mais num grau que interfere com o trabalho ou os relacionamentos é um problema clinicamente significativo. Mas a população em geral captou a mensagem: o sofrimento é ruim, e os profissionais de saúde mental podem ajudar a evitar. Mas como evitar o que está dentro de você? [64]

Os líderes da American Psychological Association tiveram boas razões para eleger dr. Albert Ellis o “segundo psicólogo mais im­portante no século XX” (um lugar à frente de Sigmund Freud e atrás somente de Carl Rogers).18 Ellis lançou a ideia de que alguns comportamentos não podem ser controlados pelo pensamento racional. Fundador da terapia cognitivo-comportamental (TCB), Ellis identificou três crenças disfuncionais importantes na cons­trução direta do sofrimento e do comportamento destrutivo:

  1.  “Preciso fazer tudo bem e obter a aprovação dos outros para ser aceito. ”
  2. “Os outros precisam fazer ‘o que é certo’, se não, não são bons.”
  3. “A vida tem que ser fácil, sem desconforto e inconveniências.”

Nos anos 1950 e 1960, essas idéias eram revolucionárias. Em vez de atribuir a conflitos não resolvidos na infância ou a eventos traumáticos as causas de dificuldades psicológicas, Ellis propu­nha que os problemas se originam nas crenças adotadas pelas pes­soas sobre si mesmas, os outros e o mundo ao seu redor. Ellis não só articulou o problema, mas criou um sistema em que o terapeu­ta pode ajudar o cliente a identificar e questionar suas crenças pessoais. Seu método é eficaz, reprodutível, e teve grande desta­que na psicoterapia durante décadas. Renomeada em 1990 como “otimismo aprendido” pelo dr. Martin Seligman, fundador da psi­cologia positiva, a ideia de Ellis é ensinar as pessoas a reduzir o sofrimento emocional que sabota a felicidade.19 Apesar de todo o seu mérito, essa é uma extensão lógica do vício do conforto fí­sico. Se as condições físicas não são do nosso agrado, tentamos modificá-las até que o sejam. Da mesma forma, se nosso ânimo [65] e nossas lembranças nos deixam infelizes, devemos modificá-los até que sejam menos incômodos.

Essa ideia enfrentou desafios durante trinta anos. Depois, al­guns hippies expostos ao movimento do potencial humano e a fi­losofias orientais nos anos 1960 cresceram, se tornaram psicólogos e lançaram uma nova forma de terapia conhecida como terapia da aceitação e compromisso, ou ACT20. Os doutores Steven Hayes, Kelly Wilson, Elizabeth Gifford, Victoria Follette e Kirk Strosahl trouxeram questões novas e provocativas. E se os terapeutas esti­vessem usando o critério errado para determinar o que é normal e anormal? E se o foco na intensidade e negatividade dos pensa­mentos, sentimentos e comportamentos não fosse o melhor indi­cador de saúde mental? E se, em vez disso, víssemos o que as pessoas fazem com esses pensamentos, sentimentos e comporta­mentos? Esse grupo de pesquisadores observou que, quando as pessoas têm um sofrimento psicológico, elas agem da mesma for­ma que as pessoas que têm um sofrimento físico. Quando você torce o tornozelo, por exemplo, tende a restringir o uso da perna. O mesmo se aplica a uma adversidade mental. Quando um amigo ou namorado fere seus sentimentos, você restringe a amizade, in­teragindo menos. Quando as emoções se intensificam, você as evi­ta assistindo à televisão, dormindo ou tomando cerveja.

A alternativa a mudar ou evitar pensamentos, lembranças, sensações e sentimentos dolorosos é aprender que você pode su­portar o desconforto psicológico, da mesma maneira que suporta o desconforto físico de dar uma caminhada numa tarde de chuva. Pode não ser a sua preferência, mas não há dúvida de que você po­de. Imagine como será libertador aproveitar a vida sem que pensa­mentos e sentimentos indesejáveis sejam inimigos contra os quais temos que lutar, e conseguir vencer. Imagine que esses pensamentos [66] e sentimentos sejam como uma música de fundo tocando no rádio. Eles estão sempre lá, mas podemos prestar muita ou pouca atenção. A premissa central da ACT é que você carrega os pensa­mentos e sentimentos difíceis lá dentro. Você os observa, mas eles e você não são a mesma coisa.

Vale repetir: você não é suas experiências psicológicas, ainda que elas possam afetar você. Pode soar esquisito - até mesmo ra­dical - sugerir que você não é a mesma coisa que seus pensamen­tos e sentimentos. Você não é os pensamentos desconfortáveis em sua cabeça - nem os sentimentos que eles despertam - justamente porque você pode observá-los. Seja quem ou o que for o observa­dor - o self, a personalidade, a alma, chame como quiser - está, por definição, separado desses sentimentos, e o fato de que você pode observá-los é prova disso. Quando você reconhece que esse observador está separado do sofrimento, pode conseguir tolerar melhor o sofrimento.

A maioria dos nossos problemas não advêm dos pensamentos e sentimentos indesejáveis, como Ellis sugeriu, mas da relutância em abordá-los. Vale dizer que, quando se trata da ansiedade, há um só problema subjacente: a evitação.21 Um rápido olhar no mais recente DSM mostra que existem vários tipos de distúrbios de ansiedade, desde a ansiedade social até a ansiedade pós-traumática e ao distúrbio de pânico. Cada um desses tipos é uma forma legítima de sofrimento, mas todos têm um denominador comum. Quando você acha que está sendo rejeitado ou que suas falhas de caráter poderão ser expostas, é compreensível que tente evitar a ansiedade. Infelizmente, em vez de acalmar, evitação da ansieda­de tem o efeito oposto, e só a intensifica no correr do tempo.

Muitos terapeutas bem sabem que os clientes geralmente têm problemas emocionais secundários. A pessoa pode se sentir culpada, [67] por exemplo, e se culpar por se sentir culpada! Ou se sentir deprimida e ter raiva de estar deprimida. A mesma coisa acontece com a ansiedade. A pessoa se sente ansiosa com certas situações, e a tensão é agravada pelo medo de ficar ansiosa. Imagine como a vida seria mais fácil se a pessoa conseguisse remover essa segunda camada de problema mental simplesmente se sentindo forte o su­ficiente para suportar a ansiedade.

Essa noção, de ter uma atitude mais rija a respeito de estados internos, é importante. Desenvolver a tolerância a estados psico­lógicos mais desafiadores não só nos ajuda enquanto indivíduos, mas também, em longo prazo, é bom para a sociedade. Isso porque o vício do conforto não é um incômodo apenas individual. Em termos coletivos, é um legado para nossos filhos.

Vício do conforto: o legado para nossos filhos 

Na sociedade moderna muito se tem escrito sobre os vários males que podem afetar nossos filhos. Obesidade. Bullying. Videogames. Mensagens eróticas enviadas por celular. Uso de drogas. Gravidez indesejada. Doenças sexualmente transmissíveis. Violência. Não passar de ano. Piruetas de skate. A lista de perigos cai nos ouvidos dos pais como uma avalanche e, num surto de protecionismo bem-intencionado, corremos a salvá-los como nunca antes. Em meados da década de 1980, as pessoas começaram a colocar o ade­sivo de Bebê a Bordo nos carros, como aviso para outros motoris­tas e um modo de evocar um mundo mais seguro. Não vivemos mais numa era centrada nos adultos, em que as crianças deviam ser vistas, mas não ouvidas. Atualmente, as crianças são o ponto [68] focal, e os pais agem como uma espécie de segurança privada para assegurar seu bem-estar.

De fato, nos últimos trinta anos os pais vêm ficando cada vez mais preocupados com segurança. Hoje usamos ameaças e recom­pensas, por exemplo, o que era raro nos anos 1950, 60 e 70 nas relações com os filhos. Pesquisadores de atitudes parentais obser­varam que hoje em dia os pais tendem muito mais a organizar as atividades dos filhos e a direcioná-los para essas atividades. As pesquisadoras australianas Trine Fotel e Thyra Thomsen se inte­ressaram em saber se essas taxas mais altas de direcionamento seriam devidas a outros fatores, como distâncias mais longas para a escola.22 Elas constataram que aproximadamente 55% a 60% do aumento da prática de levar os filhos de carro para a escola estão diretamente relacionados ao receio de riscos. Apesar de estatísti­cas mostrarem uma diminuição de acidentes envolvendo bicicletas de crianças, os pais têm mais medo de deixar os filhos dividirem as ruas com os carros.23 Após se queixar das condições perigosas do trânsito, uma mãe concluiu:

Foi um problema para ele eu não ter ensinado como proceder [de bicicleta] no trânsito. Somente quando vi o quanto os co­legas riam dele porque sempre chegava à escola de carro, foi que percebi como isso o afetava. Precisei tomar uma atitude, e ele se revelou muito bom na bicicleta.24

Uma das mudanças mais óbvias nas atitudes dos pais ocorreu nos playgrounds. Poucas décadas atrás, os playgrounds das esco­las eram cheios de brinquedos de madeira, mas tábuas apodreci­das e farpas em abundância levaram pais e diretores de escolas a trocá-los por brinquedos de metal e plástico.

Em um estudo recente [69] sobre segurança em playgrounds, Anita Bundy e seus cole­gas colocaram na área do play objetos soltos, sem finalidade, como caixas de papelão, tambores de plástico, fardos de feno, pneus de carros e pedaços de canos.25 Na coleta de dados sobre as atitudes das crianças e dos professores-supervisores, os pesquisadores vi­ram que o equipamento menos estruturado provocou uma série de mudanças. Primeiro, as crianças demonstraram um aumento sig­nificativo de atividades físicas vigorosas. Segundo, os supervisores se preocuparam mais. Os professores-supervisores elogiaram mui­to o aumento substancial de brincadeiras criativas, de socializa­ção, e a diminuição da agressividade. Sendo assim, se os materiais dos playgrounds das escolas antigas trouxeram tantos benefícios tangíveis, por que eles ficaram preocupados? Os pesquisadores relataram que a preocupação maior foi com o risco de as crianças se machucarem e eles sentiam ter a responsabilidade de impedir.

O ambiente das escolas parece ser tão aterrorizante que pais adentram as salas de aula para ajudar a proteger os filhos contra perigos psicológicos em potencial, como bullying, problemas de autoestima, de aceitação, ou ficar para trás nos estudos. A isso, a socióloga Catharine Warner chama de “salvaguarda emocional”, mas nós chamamos de “helicóptero parental”.26 É interessante no­tar que essas intromissões são mais comuns entre pais de classe média, ou seja, são mais freqüentes entre aqueles que estão mais confortáveis. Numa análise dessa tendência parental, Warner con­clui que pais bem-intencionados têm desejos conflitantes com rela­ção aos filhos. Por um lado, querem que os filhos tenham desafios intelectuais e, por outro lado, querem que sejam felizes, popu­lares, compreendidos, psicologicamente confortáveis. É como se nós, pais, coletivamente, não pudéssemos ver que esses mesmos desafios, frustrações e fracassos aceitos por nós como estimulantes [70] para o crescimento acadêmico de nossos amados rebentos são também necessários ao desenvolvimento psicológico deles.

Aqui está a atitude de conforto, muito bem resumida num co­mentário feito pela mãe de uma aluna do primeiro ano que parti­cipou do estudo de Warner:

Queremos que ela esteja num lugar onde sinta segurança, on­de sua autoestima seja realmente estimulada, e não espezi­nhada. Penso que essa é nossa maior preocupação. E também, é claro, queremos que ela esteja num lugar em que seja bem acolhida e educada, mas que ao mesmo tempo seja devidamente exposta a desafios.

Se você tem 30 anos ou mais, temos certeza de que seus pais jamais disseram algo parecido com isso numa reunião de pais e professores. Em vez disso, devem ter olhado nos olhos da profes­sora e perguntado algo do tipo: “Como ela está em matemática?” Não que o jeito antigo fosse áspero, ou que somente agora tenha­mos aberto os olhos para o bem-estar das crianças. Acontece que os pais modernos entenderam muito mal a diferença. Vemos peri­go em toda parte. Aqui está o outro lado da história, visto por uma professora do primeiro ano, muito elogiada por pais de alunos, que também participou da pesquisa de Warner:

Os pais vivem dizendo: “Ah, meu filho fica muito ansioso quando vem à escola, ele não quer vir à escola.” Mas, na ver­dade, quando a criança chega aqui, fica ótima. Eu acho que talvez os pais é que fiquem ansiosos quanto a alguma coisa, e a criança adota esse sentimento. [71]

Ela resumiu a situação. O mundo parece perigoso. Sem dúvi­da, existem perigos reais à nossa volta, mas adotamos uma visão de mundo coletiva que amplifica os perigos reais. No que concerne aos nossos filhos, se insistirmos numa criação muito antisséptica, eles estarão mal preparados para as intempéries da adolescência e da idade adulta. Em vários aspectos, os pais modernos estão cegos para os diversos benefícios dos desafios. Não se preocupe, não es­tamos apontando o dedo para você; estamos prontos a reconhecer nossa parte da culpa. Pode ser tão fácil aceitar a ideia de que o de­safio intelectual é uma parte vital da educação quanto pode ser difícil aceitar o fato de que o desafio é igualmente benéfico para o desenvolvimento social e emocional.

Qual é a alternativa?

Para conhecer de perto uma realidade alternativa - um mundo em que estados negativos são tolerados - você tem de viajar para a Ásia. Pessoas de origem asiática são frequentemente chamadas de “coletivistas”, porque sua unidade social básica é o grupo e não o indivíduo.27 Os coletivistas tendem mais a refrear seus próprios desejos, se isso contribuir para o bem do grupo. Tendem mais a querer se adaptar do que se destacar. Tendem mais a se ver como seres de identidade fluida, e não de características estáveis trans­feridas de uma situação a outra. O lendário psicólogo social Ro­bert Wyer resumiu da seguinte maneira:

O individualista acha que, se alguém o convida para jantar, ele deve retribuir, convidando a pessoa para jantar algum tempo [72] depois. O coletivista, por sua vez, pode achar que, se uma pes­soa o convida para jantar, ele deve convidar alguém, qualquer pessoa, para jantar algum tempo depois. [28]

Correndo o risco de certo exagero, dizemos que os asiáticos têm uma relação com suas experiências emocionais de um modo muito diferente do ocidental. Por exemplo: se você perguntar a um caucasiano norte-americano ou canadense “Você está feliz?”, ambos farão um rápido cálculo interno. Provavelmente, estarão vasculhando seu próprio estado de espírito momento a momento, e uma olhadela no estado interior produzirá uma resposta preci­sa. Se essa mesma pergunta for feita a uma mulher sul-coreana, por exemplo, ela provavelmente colocará o mesmo peso em sua experiência interna e nas normas culturais para saber como ela deve se sentir naquela determinada situação. [29]

Pesquisadores descobriram diferenças culturais interessantes no modo como as pessoas preferem se sentir.30 Os asiáticos, por exemplo, tendem mais a desejar emoções positivas de baixa in­tensidade, como paz, harmonia, contentamento e calma. Em con­traste, os ocidentais tendem mais a desejar emoções positivas de alta intensidade, como entusiasmo, alegria e orgulho. Ou seja, os norte-americanos gostam de estar agitados e essa tendência emo­cional é autoestimulante. Num estudo conduzido por nós, exami­namos as experiências emocionais de pessoas de várias culturas.31 Vimos que a intensidade do prazer afeta as recordações que os norte-americanos têm de suas experiências emocionais; eles asso­ciam lembranças de sensações mais prazerosas às ocasiões em que tiveram sensações mais intensas. Essa particularidade não se apli­ca aos japoneses em suas recordações. [73]

As diferenças entre orientais e ocidentais são especialmente pronunciadas quando se trata de experiências psicológicas negati­vas, e a maior diferença entre as relações emocionais se refere à re­pressão. Em termos psicológicos, a repressão tem raízes na teoria freudiana de mecanismos de defesa, uma manobra mental que as pessoas empregam para manter o sofrimento emocional afastado. Reprimir (esquecer) experiências más e recorrer ao humor para rir da adversidade são exemplos de mecanismos de defesa. Re­primir significa recalcar, ou empurrar para baixo, a experiência. Muitos ocidentais se prendem ao estereótipo do asiático reprimi­do porque, tipicamente, é difícil saber o que eles estão pensando. Isso acontece porque, em geral, as culturas coletivistas preconizam o hábito de manter uma expressão impassível para atuar no meio social. Mas se os asiáticos são mais propensos a reprimir a expres­são da emoção, não é assim que reagem à verdadeira experiência da emoção. O fato é que os asiáticos tendem a tolerar muito bem as experiências emocionais desagradáveis. Estudos mostram que, ao contrário dos ocidentais, quando eles têm períodos de tristeza ou rompantes de irritação, não tentam buscar uma distração ou apelar para o humor.

Essa tendência pode ser vista na maneira como os norte-ame­ricanos e as pessoas de cultura asiática diferem quando estão de­primidos. Você, como praticamente todo mundo que conhece, tem uma noção intuitiva do que é a depressão. Talvez você já tenha estado deprimido. Seja como for, você sabe que a depressão inclui tristeza, falta de energia, incapacidade de aproveitar a vida, e às vezes problemas de sono, falta de cuidados corporais e de concen­tração. Em casos extremos pode apresentar pensamentos de suicí­dio e sentimento de desesperança. Muitos ocidentais lidam com esses sentimentos opressivos usando alguma estratégia de amortecimento [74] para evitá-los, que pode incluir abuso de drogas ou exces­so de sono. Os asiáticos não costumam adotar essa estratégia.

Em um estudo, os pesquisadores exibiram um trecho de um filme engraçado a norte-americanos e a descendentes de asiáticos, todos deprimidos.32 Os asiáticos riram e sorriram diante das cenas cômicas, e os norte-americanos, não. Em outro estudo, norte-ame­ricanos deprimidos reagiram apenas com mutismo diante de um filme triste. Os asiáticos deprimidos mostraram mais tendência a chorar. Ao que parece, os norte-americanos desligaram um botão de sentimento, enquanto os asiáticos sentiram fortemente a emo­ção. Em suma, os asiáticos parecem ficar mais confortáveis com sentimentos desagradáveis, e é aqui que talvez possamos nos be­neficiar de examinar mais detidamente esse fenômeno.

Vê-se que a tendência cultural a se aproximar ou se afastar de estados psicológicos negativos é aprendida. É estranho pensar que seus sentimentos lhe foram ensinados da mesma maneira que a língua materna, mas é exatamente o que acontece. Esse ponto foi ilustrado brilhantemente numa série de estudos conduzidos por Jeanne Tsai, da Universidade de Stanford, e seus colegas.33 Os pes­quisadores listaram os livros infantis mais vendidos publicados nos Estados Unidos e em Taiwan em 2005. Uma análise detalhada das ilustrações mostrou que os livros norte-americanos apresenta­vam sorrisos mais largos, expressões faciais mais animadas e mo­vimentos mais exuberantes. Em um estudo de acompanhamento, Tsai e colegas leram separadamente para crianças norte-america­nas e taiwanesas, e logo após as crianças foram escolhidas aleato­riamente para ouvir a versão agitada, americana, de uma história sobre nadar numa piscina (mergulho bala de canhão!) ou a versão mais calma, taiwanesa, da mesma história (boiando suavemente). [75]

Depois, apresentaram às crianças uma série de atividades lú­dicas, cada qual com uma versão agitada e outra mais calma. Uma das perguntas foi: “Você prefere tocar um tambor rápido, BUM-BUM-BUM, ou um tambor lento e suave, tap-tap-tap?” Independentemente da origem cultural, as crianças que haviam sido expostas à história agitada preferiram as atividades mais agita­das. Quantas histórias você leu para seus filhos mostrando a capa­cidade de um personagem tolerar emoções negativas? Devemos reconhecer que o dr. Seuss abordou esse tema em vários livros, in­clusive I Had Trouble in Getting to Solla Sallew, mas ele parece ser exceção. Livros sobre tolerância à negatividade são muito mais comuns na Ásia. Os norte-americanos, em contraste, brindam as crianças com aniversários animados, refeições alegres e finais fe­lizes, mas não há tristeza e pesar nos intervalos. Pais e educadores interessados podem ver aqui uma oportunidade de usar materiais educativos e interações sociais do cotidiano para ensinar os filhos a tolerar o desconforto.

Não pretendemos romantizar a cultura asiática. De fato, várias pesquisas sugerem que os asiáticos tendem a evitar saborear expe­riências positivas.34 Talvez vejam as condições num fluxo contínuo e portanto tenham mais cautela, ao invés da avidez dos norte-ame­ricanos pelos momentos positivos. Seja qual for a dinâmica psi­cológica envolvida, os asiáticos parecem sacrificar um pouquinho da felicidade e tolerar melhor as emoções desagradáveis. Nossa intenção aqui é enfatizar a real possibilidade de que os norte-ame­ricanos e outros povos ocidentais consigam largar o vício do con­forto e a intolerância psicológica que o acompanha.

Se as sociedades ocidentais puderem se abrir para um pouqui­nho mais de perigo, uma lasquinha a mais de risco, um tiquinho a mais de adversidade e até um bocadinho de fracasso, poderão [76] recuperar um pouco da robustez mental que anda de mãos dadas com essas experiências. É claro que não estamos recomendando que você jogue seu ar-condicionado pela janela, atire longe seu smartphone e arranque as descargas dos banheiros. Não estamos encorajando ninguém a deixar os filhos brincarem em lugares pe­rigosos, nem a sair correndo para comprar livrinhos taiwaneses a fim de estimular a tolerância dos filhotes aos estados negativos. Ainda assim, algumas mudanças são necessárias se quisermos criar pessoas mais firmes, mais preparadas psicologicamente. Sa­bendo que é sempre difícil empreender uma mudança importan­te, encorajamos você a dar um pequeno passo de cada vez para conhecer os benefícios do desconforto emocional, os resultados positivos de estados cognitivos complicados, e aprender a expan­dir os horizontes, por meio da tolerância, ao lidar com situações sociais mais exigentes.

O Santo Graal da Psicologia

É tentador pensar na psicologia moderna como sinônimo de psicoterapia. Os filmes que mostram psicólogos geralmente os re­tratam como terapeutas e raramente, se é que alguma vez, como pesquisadores. Existe alguma verdade nesse estereótipo: dos 175 mil psicólogos nos Estados Unidos, bem mais da metade são tera­peutas com mestrado ou doutorado. Os demais são, mais ou menos, pesquisadores, professores ou consultores. Dado que uma parte tão grande da psicologia é hoje voltada para o estudo e tratamento de depressão, ansiedade e outros problemas mentais prevalentes, é fácil ignorar o simples fato de que a ciência da psicologia se con­centra há muito tempo em otimizar o funcionamento humano. [77]

A psicologia é uma ciência relativamente jovem. Em seus primórdios, tentando se firmar como uma ciência empírica legítima, médicos como Hermann von Helmholtz trabalharam no sentido de uma compreensão confiável das funções humanas básicas. Ele conseguiu, por exemplo, computar a velocidade de impulsos elé­tricos nervosos atravessando o corpo (27,43 metros por segundo).35 Na virada do século XX, os psicólogos mudaram o foco: em vez de tentar entender como as pessoas funcionam, passaram a tentar en­tender o que as faz funcionar bem. Muitos dos maiores intelectos do século XX se concentraram em descobrir como o ser humano evolui. Sigmund Freud e William James, para tomar dois exemplos proeminentes, abusaram de palavras como integração, desenvolvi­mento e salutar. Eles acreditavam que os humanos são diferentes dos animais, dado que, coletivamente, podemos transcender nos­sa natureza e fazer planejamentos para um futuro que podemos alcançar (e nos distanciar de situações muito incômodas).

Depois da Segunda Guerra Mundial, a psicologia desviou o foco da saúde psicológica para a doença psicológica. Palavras co­mo “potencial” foram substituídas por “sintoma” e “distúrbio”. Em vista de legiões de soldados retornando do front com depres­são e traumas, era de esperar que a psicologia criasse tratamentos mais eficazes contra esses males. Essa tendência permanece - mais ou menos - até hoje. Mesmo assim, houve quem conduzisse aos aspectos positivos da psicologia, acadêmicos muito enamora­dos de tópicos positivos como generosidade, resiliência, confiança e perdão, em vez de focalizar apenas a doença mental. Nos anos 1950, 60 e 70, Abraham Maslow, Carl Rogers e outros humanistas reacenderam o interesse pelo potencial humano. Mais recente­mente, psicólogos - nós entre eles - voltamos a atenção para aspectos mais solares da natureza humana. [78] O momento de retomada desses tópicos se encaixou muito bem numa nova onda de prosperidade. O desenvolvimento econô­mico dos anos 1970, 80 e 90, como já mencionamos, gerou nos norte-americanos uma mudança de foco, elegendo o conforto e o sucesso. O excesso de conforto debilitou o vigor norte-americano, mas o objetivo geral de ser bem-sucedido impulsionou as crescen­tes pesquisas da psicologia positiva. Sugerimos que esses dois pon­tos do interesse - o potencial humano e o manejo do lado obscuro da humanidade - não precisam ser conflitantes. A fusão desses dois temas nos dá um acesso pleno à complexidade do que significa ser humano.
 

Psicologia - Psicologia positiva
4/2/2021 12:32:55 PM | Por Charles Richard Snyder
Escolarização positiva

Considerando-se que as escolas cumprem um papel central na promoção dos precei­tos da psicologia positiva, incluímos um capítulo inteiro sobre escolarização. A escolarização, uma palavra menos utilizada para “educação”, transmite a importância da comunidade toda no ensino das crian­ças, e por isso a usamos no título deste ca­pítulo. Começamos tratando das visões in­felizmente negativas que algumas pessoas têm sobre os professores e seu trabalho, e investigamos as características daqueles poucos professores que são realmente ruins. A seguir, descrevemos o apoio que se dá (ou se deixa de dar) à educação nos Estados Unidos. Sendo assim, dedicamos grande parte do capítulo a um exame dos seis componentes das escolas eficazes. Após, resumimos a aplicação educacional desenvolvida por Donald Clifton, pioneiro da psicologia positiva, e damos um pano­rama de alguns professores impressionan­tes, que são exemplos de ensino positivo. Por fim, expomos idéias com relação a agra­decer aos professores que fizeram diferen­ças positivas na vida de seus alunos.

"Quem é professor é porque não consegue emprego de verdade"

A própria existência desse sentimen­to sugere que os professores não são reco­nhecidos por seus esforços (Buskist, Benson e Sikorski, 2005). Não apenas os professo­res recebem salários relativamente baixos por seu trabalho profissional, como tam­bém são alvo de comentários depreciati­vos. Sobre esse último aspecto, eu (C.R.S.) estava na fila do correio para comprar se­los quando um senhor na minha frente reclamou com seu amigo, em voz alta: “Es­ses professores preguiçosos”. Sendo um desses “professores preguiçosos”, fiquei quieto, só esperando para pegar os selos. Foi então que esse mesmo homem anun­ciou para que todos que estavam no saguão ouvissem: “Esses professores não estariam lecionando se fossem bons o suficiente para conseguir empregos de verdade!”. E com­pletou com a declaração impressionante: “Todo mundo sabe que quem não conse­gue arrumar emprego de verdade é que [341] acaba lecionando!”. Não consegui mais morder a língua, e se seguiu uma interação ríspida.

Embora não haja mérito nenhum em declarações do tipo “quem não sabe ensi­na” (como “quem sabe faz, quem não sabe ensina” ou “quem não sabe ensinar ensina os professores”), é provável que todos já tenhamos aguentado maus professores. Entretanto, também tivemos alguns profes­sores maravilhosos. Nesse sentido, muitas das idéias deste capítulo vêm de professo­res premiados que usaram princípios da psicologia positiva em suas iniciativas de sala de aula (vide Snyder, 2005b). Esses professores são talentosos..., poderiam se sair bem em muitas esferas da vida, além da sala de aula. Por isso, dedicamos este capítulo aos que “sabem e ensinam”!

Psicologia negativa: "quem não sabe fazer não deveria estar ensinando"

Concordamos que alguns professores são tão ruins que não deveriam chegar per­to de salas de aula. Esses são aqueles que, “quando recebem o privilégio de lecionar, entediam em lugar de inspirar, contentam-se com o mínimo denominador comum em lugar de aspirar ao máximo numerador, consideram o trabalho como algo fácil em lugar de se maravilhar permanentemente com a benção - pecados contra todas as mentes que eles fecharam, desinformaram e alienaram da educação” (Zimbardo, 2005, p. 12).

O fato de que esses maus professores podem causar danos é mais do que espe­culação. As pesquisas sobre o assunto mos­tram repetidamente que os maus profes­sores têm efeitos negativos sobre os alu­nos (para uma visão geral do tema, vide o livro influente de Jennifer King Rice, de 2003, Teacher quality). Na verdade, con­cluiu-se que a baixa qualidade dos profes­sores é o mais influente de todos os fatoresnrelacionados à escola em termos de preju­dicar a aprendizagem dos alunos e suas ati­tudes em relação à educação como um todo (Rice, 2003). Além disso, os efeitos dos maus professores são aditivos e cumulativos com o passar do tempo (Sanders e Rivers, 1996), sendo que a qualidade dos profes­sores responde por 7,5% da variância no desempenho dos estudantes (Hanushek, Kain e Rivkin, como é relatado em Goldhaber, 2002).

Quais os fatores que determinam a qualidade dos professores? Das várias ma­neiras de avaliar as qualidades, a forma­ção escolar de um professor e suas notas são duas das fontes mais influentes quan­do se trata de aumentar a aprendizagem dos estudantes (Monk e King, 1994; Rowan, Chiang e Miller, 1997). Igualmen­te, Darling-Hammond e Youngs (2002) in­formaram que os índices de desempenho e preparação adequada dos professores fo­ram indicadores sólidos do desempenho dos alunos nas áreas de matemática e lei­tura. Para concretizar o impacto da quali­dade dos professores, consideremos a con­clusão de que a diferença entre ter um mau professor e um bom professor reflete todo um nível de notas em termos de desempe­nho dos alunos (Hanushek, 1994). Em ter­mos gerais, portanto, os maus professores deixam atrás de si trilhas de tédio intelec­tual e desrespeito.

Obviamente, há razões legítimas para que alguns professores “saiam ruins”. A mais óbvia é o burnout, ou esgotamento, em que o educador perde entusiasmo após encontrar obstáculos constantes e falta de apoio para seus esforços (vide Maslach, 1999). Entretanto, não há desculpas para um professor que não faz qualquer coisa para tratar desse burnout. É difícil ter sim­patia pelos professores que continuam sim­plesmente “tocando em frente” quando se trata de entusiasmo e preparação de seus alunos. Mais do que não conseguir ensinar mentes jovens em formação quando elas estão mais abertas ao entusiasmo da apren­dizagem, eles também desligaram essas [342] mentes para toda a vida (vide Zimbardo, 1999).

Embora os professores negativos se­jam relativamente raros, só um deles já é demais. Já seria ruim o suficiente se esses maus professores apenas prejudicassem a aprendizagem de seus alunos, mas eles também podem causar sofrimento e dano psicológicos. Tragicamente, os estudantes podem se tornar participantes involun­tários de profecias autorrealizáveis nas quais eles fracassam nas esferas acadêmi­ca e pessoal. Dessa forma, por mais que possamos ser apaixonados por garantir que a psicologia positiva preencha as mentes e as salas de aula de nossos professores e seus alunos, também somos inflexíveis em rela­ção a querer que os maus professores se­jam identificados muito precocemente em suas carreiras e sejam ensinados a mudar ou saiam das salas de aula.

"Nenhuma criança deixada para trás" e além disso

Em uma carta a John Adams (incluí­da em Barber e Battistoni, 1993, p. 41), Thomas Jefferson expôs sua visão sobre a mudança da aristocracia de “privilégio por herança” dos Estados Unidos para um tipo de aristocracia mais baseado no talento. Desde aqueles tempos longínquos, o ideal norte-americano tem sido o de que a edu­cação pública deveria fazer com que o des­fecho da vida das pessoas dependa menos de situação familiar e mais do uso da edu­cação pública. Dessa forma, as escolas fo­ram idealizadas para fazer uma diferença enorme na vida de nossas crianças.

Infelizmente, essa visão romantizada das escolas dos Estados Unidos tem sido mais sonho do que realidade. É irônico que o presidente Lyndon Johnson acreditasse na força das escolas como as “grandes equalizadoras” (uma expressão populari­zada pelo filósofo e líder da educação do século XIX, Horace Mann) das pessoas. Nessa linha, ele encomendou um estudo enorme, cujos resultados ele (e outros) acreditava que mostrariam de uma vez por todas que a qualidade dos recursos esco­lares (como as instalações, os currículos, os livros) era responsável pelos resultados educacionais superiores dos cáucaso-estadunidenses, comparados com os das pes­soas de cor. Ao contrário dessas expectati­vas, contudo, a publicação do Relatório Coleman Report (tecnicamente chamado de Equality of Educational Opportunity Report) em 1966 (Coleman et al., 1966) levou à conclusão de que “as escolas não fazem muita diferença” nos rumos da vida dos estudantes (vide Fritzberg, 2001, 2002).

Essa foi uma referência extrema­mente perturbadora para os educadores, assim como para o presidente Johnson.

As conclusões do relatório de Coleman e colaboradores (1966) significam que nada pode ser feito em termos de ensino escolar para melhorar a aprendizagem dos alunos? Felizmente, a resposta é não, e já mencio­namos o fator que parece, sim, render me­lhor aprendizagem: a qualidade dos profes­sores. Antes de tratarmos do que se pode fazer para melhorar a qualidade de nossos professores, contudo, descrevemos o atual ambiente da educação nos Estados Unidos.

Com a aprovação da lei No child left behind (Nenhum criança deixada para trás), em 2001, a ênfase tem estado cada vez mais nas responsabilidades dos profes­sores e dos sistemas escolares para produ­zir aprendizagem direcionada e objetivos de desempenho. Para um excelente [343] panorama dessa abordagem, sugerimos o volu­me No child left behind? The politics and practice of accountability, de Peterson e West (2003).

Como observamos, a pesquisa mos­tra que a qualidade dos professores é fun­damental para gerar resultados relaciona­dos à aprendizagem (Monk e King, 1994; Rice, 2003; Rowan et al., 1997). De que forma, então, pode-se aumentar o número de professores qualificados em nossas es­colas? Assim como acontece com muitas escolas, o dinheiro parece cumprir um pa­pel importante. Ou seja, a pesquisa rele­vante mostra que os distritos escolares com salários mais altos e melhores instalações provavelmente atrairão e manterão profes­sores de maior qualidade (Hanushek, Kain, O’Brien e Rivkin, 2004). Além disso, uma competição entre escolas eleva a qualida­de dos professores, bem como melhora a qualidade da educação como um todo (Hanushek e Rivkin, 2003). (Deve-se ob­servar, contudo, que os professores não são totalmente movidos por salários e que a raça, ou etnicidade, e o desempenho dos estudantes em determinadas escolas tam­bém são importantes [Hanushek e Rivkin, 2004].)

Parece que a legislação voltada a ele­var impostos para pagar por escolas e pro­fessores não está recebendo muito apoio entre os eleitores dos Estados Unidos. De­tectamos duas implicações negativas nes­sa tendência. Em primeiro lugar, apenas os distritos escolares mais afluentes terão condições de pagar os altos salários necessá­rios para atrair os melhores professores. Obviamente, isso perpetua o problema da falta de professores excelentes nos distri­tos escolares pobres. Em segundo, as famí­lias ricas estão mandando seus filhos para escolas privadas, de forma que as públicas são deixadas para os professores de mais baixa qualidade.

Em função dessas tendências, vislum­bramos importantes desafios às contribui­ções da psicologia positiva à escola do sé­culo XXI nos Estados Unidos, desafios es­ses que são ampliados pelo fato de que aproximadamente 3 milhões de professo­res, desde a educação infantil até o ensino médio, precisarão ser substituídos na pró­xima década por causa de aposentadorias (Goldhaber, 2002). [345]

Os componentes da escolarização positiva

Antes de examinar os componentes da escolarização positiva (que é uma abordagem à educação que consiste em um alicerce de cuidado, confiança e respeito pela diversidade, em que os professores ajustam os objetivos para que cada aluno engendre a aprendizagem e, a seguir, tra­balham com ele para desenvolver os pla­nos e a motivação para atingir esses obje­tivos), citamos brevemente alguns dos prin­cipais educadores que abriram caminho para essa abordagem. Filósofos de desta­que, como Benjamin Franklin, John Stuart Mill, Herbert Spencer e John Dewey, trata­ram dos recursos dos estudantes (Lopez, Janowski e Wells, 2005). Alfred Binet (Binet e Simon, 1916) costuma ser considerado o pai do conceito de idade mental, mas também destacou o aprimoramento das habilidades dos estudantes em lugar de prestar atenção apenas na solução das fragilidades.

Da mesma forma, Elizabeth Hurlock (1925) acentuou o estímulo como sendo mais influente do que a crítica, como determinante dos esforços dos estudantes. Lewis Terman (Terman e Oden, 1947) tam­bém passou toda a sua carreira exploran­do o pensamento de alunos realmente brilhantes, e Arthur Chickering (1969) bus­cou entender a evolução dos talentos dos estudantes. Mais recentemente, Donald Clifton identificou e depois aprofundou os talentos específicos dos estudantes, em lu­gar de se concentrar em suas fragilidades (vide Buckingham e Clifton, 2001; Clifton e Anderson, 2002; Clifton e Nelson, 1992; Rath e Clifton, 2004).

A seguir, tratamos dos principais com­ponentes da escolarização positiva (vide Buskist et al., 2005; Lopez et al., 2005; Ritchel, 2005). Para o leitor interessado em um currículo real de uma semana para in­serir idéias da psicologia positiva no ensi­no médio, recomendamos a unidade de Amy Fineburg (2002), além de detalhes de vários currículos universitários para ensi­no positivo, os quais podem ser acessados em http://www.positivepsychology.org/ teachingpp.htm.

Figura 16.1

A Figura 16.1 é uma representação visual das lições que são comuns na escola­rização positiva. A referida figura mostra o prédio onde funciona a escola da psico­logia positiva construído em seis partes, desde as bases. Começamos com o alicer­ce, onde descrevemos a importância do cuidado, da confiança e da diversidade. A seguir, o primeiro e o segundo andares de nossa escola positiva representam os obje­tivos de ensino, planejamento e motivação dos alunos. O terceiro andar detém a es­perança, e o telhado representa as contri­buições da sociedade e as compensações geradas pelos alunos egressos de nossa es­cola baseada na psicologia positiva.

Cuidado, confiança e respeito pela diversidade

Começamos com um alicerce que en­volve o cuidado, a confiança e o respeito pela diversidade. É absolutamente crucial ter uma atmosfera de apoio, baseada em cuidado e confiança, porque os estudantes prosperam nesse tipo de ambiente. Ao par­ticipar de cerimônias de homenagem para professores de destaque, observamos que tanto os professores quanto seus alunos comentam sobre a importância de uma sen­sação de cuidado. Os estudantes precisam, como modelos de referência, de professo­res que os atendam e estejam disponíveis permanentemente. Esse cuidado e essas emoções positivas por parte dos professo­res proporcionam a base segura que pos­sibilita que os jovens explorem e encontrem formas de atingir seus próprios obje­tivos acadêmicos e de vida (Shorey, Snyder, Yang e Lewin, 2003). [346]

Talvez uma história pessoal ajude a mostrar a importância de os professores cuidarem dos alunos. Eu (C.R.S.) sempre pensei que queria ser professor, e sabia dis­so já quando entrei na universidade. No outono de 1963, eu estava no primeiro se­mestre da Southern Methodist University, e o início de minha carreira universitária estava indo bem. Então, em 22 de novem­ bro de 1963, a menos de 15 quilômetros da minha faculdade, o presidente John F. Kennedy foi assassinado no centro de Dallas, estado do Texas. Como eu havia feito campanha para ele, sua morte foi tão devastadora que disse a meus professores que iria deixar a faculdade. Eu não conse­guia ir às aulas e, quando ia, estava tão perturbado que não conseguia anotar nada. Em resposta a meu anúncio, meus profes­sores passaram um tempo considerável conversando comigo e me disseram que precisava passar pelo luto. Suas reações de cuidado impediram que abandonasse a fa­culdade, e provavelmente eu não teria [347] conseguido me tornar professor universitário anos depois se esses professores não ti­vessem me ajudado naquele momento crucial. Os bons professores sabem quando ser solidários e ajudar alunos que estejam en­frentando crises.

A confiança em sala de aula recebeu atenção considerável entre os educadores, e o consenso é que ela rende benefícios psicológicos e de desempenho para os es­tudantes (Bryk e Schneider, 2002; Collins, 2001). A confiança é fundamental já des­de as primeiras séries. Por exemplo, em seu influente livro de 2003, Learning to trust: transforming difficult elementary classrooms through developmental discipline, Marilyn Watson (psicóloga educacional) e Laura Ecken (professora do ensino fundamental) tratam do espinhoso problema da adminis­tração da sala de aula e da disciplina nas escolas fundamentais. Sua proposta é es­tabelecer relacionamentos de confiança com os alunos mais difíceis, com a lógica de que isso terá efeitos cascata que se es­palharão para o resto da turma.

Watson e Ecken (2003) defendem o que chamam de disciplina do desenvol­vimento. Essa noção deriva dos princípios da teoria do vínculo (vide o Capítulo 13), que defende ajudar aqueles alunos que têm vínculos inseguros com seus cuidadores. As autoras escrevem que “a construção de re­lacionamentos baseados no cuidado e na confiança passa a ser o objetivo mais im­portante na socialização dessas crianças. Obviamente, enquanto estamos construin­do esses relacionamentos, devemos encon­trar formas não-punitivas de impedir que as crianças agressivas e controladoras cau­sem danos a outras e de estimular a auto­nomia e a autoconfiança nas que são re­traídas e dependentes” (p. 12). Para o leitor interessado em como estabelecer a con­fiança em salas de aula de ensino médio com estudantes em situação de risco, tam­bém sugerimos o volume de 1998, Empo­wering discipline, de Vicki Phillips.

Os professores devem se certificar de que há uma sensação de confiança em suas salas de aula. Eles devem evitar se tornar cínicos em relação aos alunos, pois isso so­lapa a confiança que é tão crucial à apren­dizagem. Muitas vezes, os alunos preferem se comportar mal (e sofrer qualquer puni­ção) do que parecer burros na frente dos colegas. Em suas interações com alunos, contudo, os professores positivos tentam encontrar maneiras de fazer que seus pu­pilos acabem parecendo bem. A menos que sintam que há respeito por parte do pro­fessor, os estudantes não correrão os ris­cos que são tão importantes à aprendiza­gem. As vezes, o melhor ensino acontece quando o professor fica em silêncio e es­cuta as visões dos alunos em uma aula. A premiada professora Jeanne Stahl, do Morris Brown College, comentou: “O silên­cio é a melhor postura quando não se sabe de onde um aluno vem ou para onde está indo” (Stahl, 2005, p. 91).

Uma parte importante do cuidado com os alunos está relacionada a passar grandes quantidades de tempo com eles. Quando se perguntou a alunos de gradua­ção o que eles consideravam os aspectos mais importantes de ser professor univer­sitário (por exemplo, pesquisa, preparar aulas e provas, reuniões de comissões), informaram repetidamente que a disposi­ção dos professores de passar tempo com eles foi a característica mais importante (Bjomesen, 2000).

Outro aspecto do alicerce da psicolo­gia positiva para as escolas é a importância da diversidade das origens e das opiniões dos estudantes na sala de aula. Isso come­ça se estimulando que eles sejam sensíveis às idéias de pessoas que não pertencem à sua coorte étnica ou etária, e pode ser obti­do se revelando aos alunos que eles têm muito em comum com os que são diferentes deles. Também é fundamental se certificar de que as visões de todos os públicos em uma turma tenham voz na sala de aula. A premissa da psicologia positiva é estimular um ponto de vista “NÓS/EU”, ou seja, um ambiente apropriado para o coletivo. (A perspectiva “NÓS/EU” é discutida mais [348] profundamente no Capítulo 18.) Um meio visual interessante para ajudar os alunos a pensar além de seus próprios pontos de vista (EU) é fazer com que pensem sobre as visões refletidas de outros (NÓS).

Uma abordagem excelente para de­senvolver uma atmosfera “NÓS/EU” é im­plementar “a sala de aula quebra-cabeça,” projetada pelo professor emérito da Univer­sidade da Califórnia, em Santa Cruz, Elliot Aronson (Aronson e Patnoe, 1997). Nesse enfoque, os estudantes e os professores usam objetivos baseados em grupos, e os alunos que têm origens diferentes são colocados em unidades de trabalho em que devem compartilhar informações para que o gru­po - e, portanto, cada um de seus mem­bros - tenha êxito. Na sala de aula quebra-cabeça, cada aluno tem parte da informa­ção que é vital para o sucesso do grupo como um todo, e assim há uma forte moti­vação para incluir as contribuições de cada um deles. A sala de aula quebra-cabeça en­sina a cooperação em lugar da competi­ção. Pesquisas sobre o tema mostram que os estudantes aprendem o assunto, junto com respeito por seus colegas. Ela também impede que os alunos se tornem “caçadores de notas” que querem ter sucesso por meio de competição hostil e comparações sociais uns com os outros (Aronson, 2000; Aronson, Blaney, Stephin, Sikes e Snapp, 1978).

Antes de sairmos desta seção sobre diversidade, enfatizamos o quanto é fun­damental ter programas compensatórios voltados a estudantes que possam ter difi­culdades de aprendizagem. Discutimos es­ses programas em detalhe no Capítulo 15, sobre interceder para ajudar as pessoas. Uma questão que não foi destacada neste capítulo, e que deve ser parte da escolarização da psicologia positiva, é que deve­mos ter programas para estimular nossos alunos verdadeiramente talentosos. Mui­tas vezes, prevalece uma atitude infeliz de que esses alunos já têm vantagens tão im­pressionantes que deveríamos simplesmen­te “deixá-los em paz”. Aplaudimos as pala­vras de Martin Seligman (1998d):

Antes da Segun­da Guerra Mun­dial, o talento superior era uma missão da psico­logia. À medida que o nosso cam­po se voltou ca­da vez mais para populações clíni­cas, o gênio foi esquecido com­pletamente. No entanto, é fun­damental ao te­ma principal da psicologia positiva - a psicologia dedicada às melhores coisas da vida, bem como a curar as piores - a busca e a construção da expressão integral do talento de alto nível.

Não foi apenas a psicologia que negli­genciou as crianças superdotadas e ta­lentosas. [A negligência] é encontrada em toda a sociedade, mesmo nos mais impor­tantes formuladores de políticas no go­verno. Tive um encontro impressionante com um alto funcionário do Ministério da Educação dos Estados Unidos, em uma reunião do Conselho de Presidentes da Science Society, recentemente. Ele havia feito uma exposição sobre a política do governo Clinton, de difícil implemen­tação, mas elogiável, de tentar elevar as notas médias de todas as crianças do país em ciências e em matemática.

“O futuro das ciências e da matemáti­ca nos Estados Unidos depende não ape­nas de uma cidadania que tenha conheci­mento de ciências, mas, mais fundamentalmente, dessas próprias pessoas de pou­ca idade que irão se tornar nossos futu­ros cientistas e matemáticos”, comentei. “O que vocês estão fazendo para ajudar essas crianças?” “As crianças talentosas sabem se cui­dar”, ele respondeu.

Essa visão, muito difundida é, ao mes­mo tempo, equivocada e perigosa. Ela condena um número muito grande de crianças talentosas a ser deixadas de lado, em desespero e frustração. O talento in­telectual surge em muitas formas, e os pais, colegas e escolas muitas vezes não [349] conseguem reconhecer ou apoiar esses ta­lentos superiores e, o que é pior, rejeitam-nos à mediocridade. Essa negligência não é benigna, ela desperdiça um recurso na­cional precioso e insubstituível sob uma bandeira do “anti-elitismo”. A psicologia deve assumir de novo essa causa (p. 3).

Tendo dito isso, sobre o estímulo aos alunos mais inteligentes, fecharíamos esta seção observando que o alicerce da escolarização da psicologia positiva reside em uma atmosfera na qual professores e estu­dantes têm respeito e cuidado com vários pontos de vista e origens. Esse respeito flui dos professores aos alunos e dos alunos aos professores.

Objetivos (conteúdo)

O componente dos objetivos é re­presentado pelo se­gundo piso do pré­dio escolar baseado nas qualidades (vide a Figura 16.1). Ex­plorando as respostas dos alunos des­de a educação in­fantil até a facul­dade, a professora da Universidade de Stanford, Carol Dweck, montou um programa de pesquisa impres­sionante mostrando que os objetivos proporcionam um meio de tratar dos esforços de aprendizagem dos estudantes. Além dis­so, esses objetivos são especialmente úteis se forem um consenso entre professor e alu­nos (Dweck, 1999; Locke e Latham, 2002). Talvez os alvos mais úteis sejam os objeti­vos ampliados, nos quais o aluno busca um objetivo de aprendizagem um pouco mais difícil do que o atingido anteriormente. Objetivos razoavelmente desafiadores ge­ram aprendizagem, especialmente se puderem ser ajustados a estudantes específi­cos (ou grupos deles).

É importante que os alunos sintam al­guma sensação de contribuição em rela­ção à condução das aulas por parte de seus professores. É claro que estes estabelecem os objetivos da aula, mas, ao fazê-lo, têm a sabedoria de levar em consideração as re­ações de seus alunos anteriores. O sucesso dos objetivos de aula de­manda que se tome, sempre que possível, o material relevante em relação às expe­riências da vida real dos alunos (Snyder e Shorey, 2002). Isso aumenta a probabilida­de de que eles venham a se envolver com o material e aprendê-lo (vide Dweck, 1999).

Não recomendamos dar um destaque muito rígido às notas, uma vez que se te­nham estabelecido os objetivos de apren­dizagem. Cumprir metas, por exemplo, pode transformar os alunos em caçadores de notas, mais fascinados com seus desem­penhos e com se sair melhor do que seus colegas do que com aprender. De fato, esse tipo de cenário já foi associado a níveis mais baixos de esperança (Shorey et al., 2004) e mais ansiedade relacionada a fazer pro­vas (Dweck, 1999).

Também ajuda fazer com que os ob­jetivos sejam compreensíveis e concretos, assim como dividir um objetivo de apren­dizagem mais amplo em subobjetivos que possam ser cumpridos em etapas. Igual­mente, como observamos com relação às questões de diversidade na seção anterior, a definição de objetivos é facilitada quan­do os professores permitem que parte das notas dos alunos seja determinada por ati­vidades coletivas, nas quais a cooperação com outros alunos seja essencial. Mais uma vez, o paradigma da “sala de aula quebra-cabeça” (www.jigsaw.org), de Aronson, é muito útil para estabelecer objetivos.

Planos

Na Figura 16.1, o primeiro andar da escola das qualidades se divide em planos e [350] motivação, ambos interagindo com os ob­jetivos educacionais no segundo andar (e com o conteúdo). Assim como a construção da ciência a partir da acumulação de idéias, o ensino necessita de um processo cuidadoso de planejamento por parte dos educadores. Uma outra abordagem com relação ao planejamento é defendida pelo conhe­cido psicólogo social Robert Cialdini, da Arizona State University (vide Cialdini, 2005). Depois de estabelecer um objetivo de aprendizagem com relação a um deter­minado conteúdo psicológico, o professor Cialdini apresenta histórias de mistério aos alunos. Ao resolver o mistério, o aluno aprendeu o conteúdo específico. (A neces­sidade inerente de fechamento [vide Kruglanksi e Webster, 1996] com relação aos mistérios também motiva os alunos; a motivação é a companheira do planejamen­to, que discutimos na seção seguinte. Da mesma forma, como as estórias de misté­rio têm início, meio e fim, há um interesse inerente por parte dos alunos de chegar à conclusão [vide Green, Strange e Brock, 2002, sobre a motivação para se chegar ao fim de uma narrativa].)

Outro aspecto a ser levado em consi­deração ao se aumentar a motivação dos alunos é tornar o material relevante a eles (Buskist et al., 2005). No nível mais bási­co, quando as informações da disciplina são relevantes, os alunos têm mais probabili­dades de ir à aula, de prestar atenção e de fazer comentários durante as exposições (Lowman, 1995; Lutsky, 1999). Para au­mentar a relevância do material, os educa­dores podem desenvolver demonstrações de sala de aula e trabalhos para fazer em casa com vários fenôme­nos aplicáveis a situações com que os alu­nos se deparam fora da sala de aula.

Alguns educadores fazem levanta­mentos no início do semestre, quando pe­dem que os alunos descrevam os eventos positivos e negativos que aconteceram em suas vidas. Depois, podem utilizar os even­tos citados com mais frequência para construir demons­trações em sala de aula (Snyder, 2004). Ou, quando o educa­dor descreve um fe­nômeno, pode-se pe­dir que os alunos deem exemplos de suas próprias experi­ências. 

Antes de sair do tema da relevância, alertamos os educadores de mais idade para que não tentem cooptar as manifes­tações dos estilos de vida de alunos muito mais jovens. Essa é uma forma certeira de anular a motivação dos alunos. Nas pala­vras de Snyder (2004, p. 17-18),

Você já viu um professor de mais de 50 ou 60 anos de idade que se esforça tudo o que pode para ser tão “bacana” quanto seus alunos de 21? Não sei o que é mais digno de pena nesse fantasma. Seriam as roupas jovens do velho professor que pa­recem tão fora de lugar? É o corte de ca­belo rebelde, deslocado, feito em uma ca­beça com cabelos já insuficientes? Ou são as tentativas desajeitadas do professor gri­salho de tomar emprestada a linguagem dos universitários? É tolice, em minha opi­nião, que um educador de mais idade tente permanecer “na moda” e fazer parte da turma mais jovem. Na verdade, acho que esses professores acabam fazendo um papel ridículo e de mau gosto. Deixem disso, eu lhes digo, pois só quando somos jovens - porque é o que realmente somos nesse momento - é que é adequado. Além disso, a verdade é que nossos alunos não querem um parceiro de rock como pro­fessor.

Motivação (e mais: dando vida ao conteúdo da disciplina para os alunos)

Os professores devem estar entusias­mados em relação a seus conteúdos para [351] que consigam aplicar as aulas que prepa­raram (vide a seta interativa entre planos e motivação, no primeiro piso da Figura 16.1). Os professores são modelos de en­tusiasmo para seus alunos, de modo que, quando tornarem os objetivos e os planos de aula interessantes para si mesmos, os alunos facilmente captarão essa energia.

Os professores motivados são sensí­veis às necessidades e às reações de seus alunos. Professores que se baseiam em qua­lidades também levam muito a sério as perguntas de seus alunos, e fazem todos os esforços para lhes dar as melhores res­postas. Se o professor não sabe a resposta à pergunta de um aluno, será um estímulo para a turma se ela for informada de que, embora o professor não saiba a resposta naquele momento, fará todos os esforços para encontrá-la. A seguir, o professor passa a localizar a resposta à pergunta e a apre­senta na próxima aula.

Os alunos em geral gostam muito dessa capacidade de respon­der às suas demandas.

Os professores também aumentam o nível motivacional quando assumem riscos e experimentam novas abordagens em aula (Halperin e Desrochers, 2005). Quando esses riscos resultam em um exercício de sala de aula que não funciona, o professor pode rir de si mesmo. O humor gera ener­gia para o próximo exercício, junto com o nível de esforço do professor. Um lema do ensino baseado em qualidades é: “Se você não rir de si mes­mo, não entendeu a maior das piadas” (Snyder, 2005a).

Qualquer coi­sa que um professor possa fazer para que os alunos assumam mais responsabili­dade também pode elevar sua motiva­ção (Halperin e Des­ rochers, 2005). Nes­sa mesma linha, os alunos que esperam ser chamados em aula para responder a perguntas geralmente estão preparados para cada aula, tendo lido o material e acompanhado a exposição (McDougall e Granby, 1996).

Lembre-se de que a abordagem discu­tida anteriormente, da sala de aula “que­bra-cabeça”, estimula a aprendizagem e o planejamento de objetivos coletivos e que, ao fazê-lo, também gera motivação dos alunos à medida que eles trabalham jun­tos. De fato, ser parte de uma iniciativa co­letiva pode gerar uma sensação de energia.

Por fim, o elogio é muito motivador, mas é melhor fazê-lo em privado, porque um aluno pode se sentir desconfortável quando é individualizado na frente de seus colegas. O elogio público também pode aumentar a propensão dos alunos a com­petir entre si. Uma visita à sala do profes­sor ou uma reunião com o aluno fora da sala de aula podem ser bons momentos para apontar seu bom trabalho ou seus avanços (ou elogiá-lo por fazer boas per­guntas). Além disso, o correio eletrônico é um veículo adequado para dar feedback po­sitivo em privado, que pode ser motivador. As oportunidades para interagir bem com os alunos e os motivar são muitas, e os pro­fessores da psicologia positiva muitas ve­zes tentam transmitir esse feedback energizante.

Esperança

Se as lições mencionadas antes com relação a objetivos, planejamento e moti­vação forem aplicadas em uma sala de aula, haverá um espírito de investigação que os alunos captarão (Ritschel, 2005). Como disse o premiado professor da Auburn University, William Buskist (2005, p. 116),

Um aspecto essencial de nosso ensino é passar a tocha - compartilhar nossos va­lores acadêmicos, nossas curiosidades e nosso entusiasmo voltado à disciplina, e estimular os alunos a assumir esses [352] valores e qualidades e se apropriar deles. Ensinar não é emitir fatos e números sem nenhuma paixão. Ensinar é influenciar. E se preocupar profundamente com as idéias e com a forma como essas idéias são transmitidas, entendidas e expressa­das. É se preocupar profundamente com o conteúdo e com os alunos a quem o estamos comunicando. E é por meio des­se cuidado apaixonado que inspiramos os alunos.

Quando os alunos adquirem esse es­pírito, sua aprendizagem se amplia para aumentar sua sensação de fortalecimento. Dessa forma, eles são fortalecidos para se tornar solucionadores de problemas para toda a sua vida. Essa “aprendizagem de como aprender” se baseia em pensamento voltado a objetivos, baseado em caminhos, bem como na motivação do tipo “eu sou capaz”. Sendo assim, a escolarização da psicologia positiva não apenas transmite os conteúdos das disciplinas, como também produz uma sensação de esperança nos alunos. (Vide o Capítulo 9 para uma dis­cussão detalhada sobre a esperança.) A esperança é mostrada na cobertura do pré­dio da escola positiva da Figura 16.1. Um estudante esperançoso acredita que conti­nuará aprendendo muito tempo depois que já tiver saído da sala de aula. Ou talvez seja mais acertado dizer que o pensamen­to esperançoso não conhece limites na vida de um estudante que nunca parou de aprender.

Contribuições da sociedade

Uma última lição da psicologia posi­tiva é que os alunos entendam que fazem parte de um esquema social mais amplo, no qual compartilham aquilo que apren­deram com outras pessoas. Como mostra­do na nuvem potencialmente fomentadora acima da escola metafórica da Figura 16.1, essas contribuições da sociedade represen­tam as compensações duradouras que uma pessoa educada dá aos que estão ao seu redor, seja ensinando crianças a pensar positivamente, seja compartilhando visões e entusiasmo com a multidão de outras pessoas com as quais ela tem contato du­rante toda a sua vida. Portanto, a educa­ção positiva transforma os estudantes em professores que continuam a compartilhar aquilo que aprenderam com outras pessoas. Dessa forma, os benefícios do processo de aprendizagem são retransmitidos a uma ampla gama de outras pessoas. Na escolari­zação positiva, contudo, os alunos se tor­nam professores de outros.

Um exemplo de escolarização positiva: O programa StrenghtsQuest

O StrengthsQuest é um programa vol­tado a desenvolver e a engajar estudantes do ensino médio e universitários para que possam ter sucesso em seus empreendimen­tos acadêmicos em particular e em sua vida em geral. Esse programa deve sua existên­cia ao psicólogo positivo Donald Clifton, que começou seu trabalho com esse enfoque da psicologia da educação na Universidade de Nebraska-Lincoln, na década de 1950. An­tes de nos aprofundarmos em sua teoria e no programa educacional relacionado a ela, saudamos esse homem admirável. Don Clifton foi homenageado pela American Psychological Association como o “pai” da abordagem baseada em qualidades na psi­cologia, além de “avô” da psicologia positi­va (McKay e Greengrass, 2003). Ao contrá­rio das correntes intelectuais e aplicadas dos anos de 1950 até os de 1990, que nadaram nas águas turvas da psicologia voltada aos defeitos, o professor Clifton sempre pare­ceu ter uma questão crucial e diferente: “O que aconteceria se estudássemos o que está certo nas pessoas, em lugar de o que há de errado com elas?”.

Essa pergunta está no centro do pro­grama StrengthsQuest (vide Clifton e Anderson, 2002). É claro que esse enfoque [353] contrasta com a abordagem tradicional à educação, na qual os alunos são ensinados explícita e implicitamente que devem “con­sertar” suas deficiências e, se não o fize­rem, são reprovados (Anderson, 2005). Em termos da esperança e das motivações re­lacionadas a ela discutidas na seção ante­rior, o programa StrengthsQuest energiza os alunos. Isso acontece quando eles se dão conta de que são vistos como alguém que tem os talentos cognitivos naturais para ter sucesso na escola.

O programa StrengthsQuest começa fazendo com que os alunos realizem o Clifton StrengthsFinder, uma avaliação computadorizada, via internet, das cinco áreas de seus maiores talentos naturais. A avaliação envolve 180 itens. Em cada um deles, os respondentes selecionam o descritor mais aplicável de um par (por exem­plo, “Leio instruções com atenção” versus “Gosto de passar diretamente para o que interessa”). O aluno também classifica o grau em que a declaração escolhida é me­lhor do que aquela à qual está associada no par. Há 34 temas possíveis. e o estudante aprende quais cinco temas são mais aplicáveis a ele.

Até o momento, mais de 100 estudos já usaram o enfoque de avaliação do StrengthsFinder para predizer com preci­são uma série de indicadores de resulta­dos (Schmidt e Rader, 1999). Além disso, essa técnica passou por uma razoável vali­dação empírica de constructo (Lopez, Hodges e Harter, 2005).

A seguir, os estudantes completam (pela internet ou em formato impresso) o caderno de exercícios StrengthsQuest: discover and develop your strengths in academics, career, and beyond (Clifton e Anderson, 2002). Esse caderno ajuda os estudantes (assim como os professores, orientadores, coordenadores de residências estudantis e outras pessoas que trabalham com os estudantes) a entender e a cons­truir suas qualidades principais naquilo a que estejam se dedicando na escola naque­le momento. Por fim, os estudantes reali­zam uma formação mais profunda se ins­crevendo na página do StrengthsQuest (www. strengthsquest.com).

Na segunda e na terceira etapas des­sa abordagem educacional, os estudantes trabalham em suas qualidades principais, reveladas nos cinco temas mais consisten­tes do StrengthsFinder. Clifton e colabora­dores, incluindo pesquisadores da organi­zação Gallup (propriedade da família Clifton, que a opera), basearam essa se­gunda fase em suas conclusões de pesqui­sa de que as pessoas com os melhores de­sempenhos e os melhores estudantes

  1. claramente reconhecem seus talentos e os desenvolvem;
  2. aplicam qualidades naquelas áreas em que há boas associações com talentos e interesses naturais e
  3. geram formas de aplicar seus recursos na busca de objetivos desejados.

Essa parte do programa é semelhan­te aos elementos de objetivos e caminhos discutidos na seção anterior, sobre escolarização positiva (Anderson, 2005).

Paralelamente a esses três passos na abordagem Clifton, os alunos parecem pas­sar por três etapas distintas (o que se re­flete em artigos escritos por estudantes que participam do programa; Clifton e Harter, 2003). Na primeira etapa, parece que os estudantes identificam seus talentos; na segunda e na terceira etapas, respectiva­mente, eles têm revelações sobre como in­tegrar essas áreas de talento em suas autoconceituações e, após, fazem mudanças de comportamento (Buckingham e Clifton, 2001). À medida que o programa avança, os estudantes participantes observam exem­plos de coisas que estão fazendo que refli­tam suas predileções e talentos naturais (por exemplo, assumir papel de liderança em situações difíceis, dar instruções a ou­tros, aprender determinadas habilidades novas em determinadas áreas, com muita facilidade). Os alunos não apenas [354] reconhecem seus talentos, como também cada vez mais começam a “se apropriar” deles.

O programa StrengthsQuest está re­cebendo mais atenção nas escolas de ensi­no médio e nas faculdades em todos os Estados Unidos. Os estudos de resultados disponíveis sugerem que o programa tem efeitos positivos sobre os estudantes (vide Hodges e Harter, 2005). Por exemplo, em um estudo realizado com 212 alunos da UCLA que passaram pelo programa, por exemplo, eles relataram aumentos impor­tantes em altruísmo, autoconfiança, eficá­cia e esperança (Crabtree, 2002; Rath, 2002). Da mesma forma, um estudo reali­zado em outra grande universidade esta­dual concluiu que a esperança como esta­do dos estudantes (ou seja, motivação [355] voltada a objetivos, vinculada a um determi­nado tempo e situação, vide Snyder et al. [1996]) aumentou em fun­ção de seu envolvimento no programa StrengthsQuest (Hodges e Clifton, 2004). O que vale a pena destacar sobre essas con­clusões, tomadas em seu conjunto, é o grau em que as atividades envolvidas no pro­grama correspondem aos componentes re­lacionados à esperança (agência, caminhos e objetivos) descritos anteriormente neste capítulo e mostrados na Figura 16.1.

O ensino como vocação 

Assim como os professores negativos prejudicaram esse processo, os professores positivos desencadearam o entusiasmo e a alegria de aprender. Esses professores da escolarização positiva consideram seus es­forços como uma vocação em lugar de um trabalho (Wrzesniewski, McCauley, Rozin e Schwartz, 1997). Uma vocação se defi­ne como uma forte motivação na qual a pessoa repetidamente assume uma atitu­de intrinsecamente satisfatória (vide Buskist, Benson e Sikorski, 2005). Quando os preceitos da psicologia positiva são apli­cados ao ensino, acreditamos que os ins­trutores se comportam como se tivessem vocações nas quais demonstram um amor profundo e intenso por ensinar.

Alguns exemplos de mestres do ensi­no podem dar ao leitor uma sensação me­lhor de sua dedicação. Wilbert McKeachie, da Universidade de Michigan, que é muito aclamado por ter escrito o “manual” sobre ensino positivo em nível universitário, está chegando ao seu 60º ano na atividade de lecionar. Sobre sua atividade como professor, Mc­ Keachie (2002, p. 487) declara que o que quer é estar “pre­parando as aulas da semana seguinte, co­ordenando discussões, apresentando de­monstrações, trabalhando com monitores, interagindo com alunos de diversas ori­gens, lendo os diários dos alunos e, inclusive, comentando e dando notas a provas”.

Outro patriarca do ensino universitá­rio é Charles Brewer, da Universidade Fur­man. Ele retrata seu ensino como “praze­roso, revigorante, misterioso, frustrante, apaixonado, precioso e sagrado”. O pro­fessor Brewer (2002, p. 507) chega a ad­mitir que “lecionar proporciona mais diver­são do que a maioria das pessoas deveria ter”.

David Worley (2001, p. 279) retrata sua atividade de professor como “um so­nho que se tornou realidade” que ele dei­xa “viver a cada dia”. Worley também diz a seus alunos: “Eu fiz pós-graduação e pas­sei pelo trabalho difícil e desafiador, por uma única razão: queria estar aqui com vocês, hoje”.

Todos esses mestres do ensino consi­deram sua vocação como um privilégio, isto é, a chance de influenciar positivamente a vida de seus alunos (Buskist et al., 2005). O estudante e o professor, juntos, realizam uma jornada surpreendente, ilustrada na Figura 16.2.

Figura 16.2

Retribuindo aos professores

Nossa observação final com relação à escolarização positiva diz respeito ao pa­pel que você pode cumprir para melhorar [356] os professores. Há várias coisas que você pode fazer para ajudar os professores em particular e o sistema escolar em geral. Em primeiro lugar, pode trabalhar com os pro­fessores para ajudar, de qualquer maneira possível, a melhorar a aprendizagem de seus próprios filhos. A aprendizagem obviamente acontece fora da escola, e recomen­damos que você experimente várias ativi­dades com seus filhos, para reforçar e pra­ticar as lições que são ensinadas na escola. Da mesma forma, ofereça-se como volun­tário para ajudar em várias atividades es­colares. Seus filhos, assim como outras crianças, ficarão impressionados com o fato de que aprender não é uma coisa com a qual só os professores se preocupam.

Você pode também fazer visitas aos professores de suas escolas locais, tanto de nível fundamental quanto de nível médio, e lhes perguntar do que eles precisam para tornar seu ensino mais eficaz. As necessi­dades dos professores podem variar segun­do a disciplina, mas os computadores cos­tumam ser presentes úteis para a maioria das salas de aula. Se forem necessários computadores novos, ou outros materiais escolares, talvez uma atividade promovi­da por pais e membros da comunidade possa arrecadar o dinheiro necessário. Veja de que outros materiais os professores po­dem precisar para suas salas de aula. Tal­vez seus livros velhos possam ser doados para a biblioteca da escola.

Faça o que pu­der para que esses itens ou serviços sejam obtidos. Se você tem habilidades especi­ais, ofereça-se para ir às aulas e fazer de­ monstrações aos alunos. Você pode querer iniciar uma atividade política para elevar os impostos para a educação, com vistas a aumentar os salários dos professores e seus benefícios, ou construir novas salas de aula. Você é parte da solução da psicologia posi­tiva para melhorar as escolas em sua co­munidade.

Se houver professores em seu siste­ma escolar local que fizeram um trabalho maravilhoso quando lhe ensinaram, des­cubra quando esses professores planejam se aposentar. Eles dedicaram suas vidas a educar as crianças de sua comunidade, então por que não se reunir com outros ex-alunos? Ou ajude a organizar uma festa de despedida para o professor estimado. [359]

Psicologia - Psicologia positiva
1/19/2021 5:26:08 PM | Por Charles Richard Snyder
Intercedendo para prevenir o que é ruim e potencializar o que bom

Ávida para começar, uma nova clien­te de psicoterapia anunciou apaixonadamente: “Quero fazer que as coisas ruins parem de acontecer, mas não só isso... que­ro mais coisas boas!”. Suas palavras dão conta das duas categorias amplas de inter­venção que exploramos neste capítulo. A primeira categoria, interromper o que é ruim, envolve esforços para prevenir que coisas negativas ocorram posterior­mente, e pode ser dividida em prevenções primárias e secundárias. As prevenções pri­márias reduzem ou eliminam os problemas físicos ou psicológicos antes que eles sur­jam. As prevenções secundárias reduzem os problemas após seu surgimento. Esse se­gundo processo costuma ser chamado de psicoterapia.

A segunda categoria, produzir mais coisas boas, significa potencializar aquilo que as pessoas querem de suas vidas; ela também pode ser dividida em tipos primá­rio e secundário. As potencializações primá­rias estabelecem um bom funcionamento e uma boa satisfação. As potencializações secundárias vão ainda mais longe, contu­do, partindo de funcionamento e satisfa­ção já bons para chegar a experiências máximas. As potencializações primárias tornam as coisas boas (criam experiências ótimas), ao passo que as secundárias si­tuam as coisas no melhor que elas podem ser (criam experiências máximas).

Se cada uma dessas abordagens pri­márias e secundárias à prevenção e potencialização tivesse que ter um slogan, suge­riríamos os seguintes:

  • Prevenção primária: “parar o que é ruim antes que aconteça”.
  • Prevenção secundária (psicoterapia): “consertar o problema”.
  • Potencialização primária: “tomar a vida boa”.
  • Potencialização secundária: “fazer da vida o melhor possível”.

Prevenção primária: interromper o que é ruim antes que aconteça 

Definição

Como mostrado na extrema esquer­da da Figura 15.1, as prevenções primá­rias refletem as ações que as pessoas rea­lizam para reduzir ou eliminar a probabi­lidade de ter dificuldades psicológicas (Heller, Wyman e Allen, 2000) ou proble­mas físicos (Kaplan, 2000) subsequentes. Com as prevenções primárias, as pessoas ainda não estão manifestando quaisquer problemas, e é só mais tarde que esses [312] problemas vão aparecer, se não forem dados passos para proteção, ou profiláticos (Snyder, Feldman, Taylor, Schroeder e Adams, 2000). Quando a prevenção pri­mária é dirigida à população de uma co­munidade inteira, chama-se de prevenção universal (por exemplo, vacinações em crianças); quando visam a uma determi­nada população em risco, chama-se pre­venção seletiva (como visitas aos domicí­lios em busca de crianças que nascem abai­xo do peso; Munoz e Mendelson, 2004).

Figura 15.1

As atividades de prevenção primária se baseiam na esperança em relação ao futuro. Como expressam Snyder e colabo­radores (2000, p. 256), “sugeriríamos que a prevenção é, em seu âmago, um ato de esperança, uma visão positiva, fortalecida, sobre a capacidade da pessoa de agir com vistas a conquistar melhores amanhãs”. Como um exemplo intrigante (descrito em Munoz e Mendelson, 2004) do fato de que a prevenção não precisa implicar um en­tendimento completo de um determinado problema ou doença, consideremos o sur­to de cólera em Londres, no século XIX. Embora John Snow ainda não soubesse qual era o verdadeiro fator causal em ní­vel bioquímico, ele sabia o suficiente para conseguir interromper a epidemia ao re­mover a alavanca da bomba de água na Rua Broad! O palpite de Snow era de que a cólera era transmitida por alguma coisa na água que vinha da bomba desse local.

De fato, ele conseguiu impedir a difusão da cólera ao cortar essa fonte.

A prevenção primária pode ocorrer em nível governamental. Ao estabelecer e aplicar as leis que permitem que as pesso­as tenham sucesso em função de seus mé­ritos e seus esforços, por exemplo, um go­verno pode reduzir as conseqüências ne­gativas para seus cidadãos (Snyder e Feldman, 2000). Havendo uma legislação contra práticas contratuais danosas, como racismo e sexismo, os cidadãos individuais provavelmente permanecerão satisfeitos porque percebem que têm oportunidades iguais de obter os empregos que desejam. Da mesma forma, quando os cidadãos per­cebem que as leis possibilitam oportunida­des iguais de ir em busca de atividades vol­tadas a objetivos, eles deveriam

  1. sentir-se menos frustrados a agressivos (um aspecto da hipótese de frustração-agressão [Zillman, 1979]);
  2. continuar a fazer esforços em seus am­bientes profissionais e pessoais (o re­sultado negativo, nesse caso, foi cha­mado de desamparo aprendido [Peter­son, Maier e Seligman, 1993]); e
  3. ter menos probabilidades de cometer suicídios (Rodriguez-Hanley e Snyder, 2000).

Sobre esse último aspecto, em um estudo realizado em diversos países, Krauss [313] e Krauss (1968) examinaram o grau em que os cidadãos consideravam que seus governos os bloqueavam em suas diversas atividades voltadas a objetivos. Os pesqui­sadores concluíram que os maiores blo­queios percebidos tinham uma correlação significativa com taxas de suicídio mais ele­vadas entre os diversos países.

O que quer que se possa fazer para aumentar os níveis educacionais, em ter­mos locais e nacionais, servirá a propósi­tos de prevenção primária ao reduzir as chances de que os cidadãos venham a ter má saúde e ser psicologicamente infelizes (Diener, 1984; Veroff, Douvan e Kulka, 1981). Além disso, quaisquer ações reali­zadas para promover o emprego devem impedir que as pessoas incorram em desa­justes psicológicos e físicos (Mathers e Schofield, 1998; Smith, 1987).

Aprevenção primária é eficaz?

Em termos gerais, as intervenções pri­márias são bastante eficazes (Albee e Gullotta, 1997; Durlak, 1995; Durlak e Wells, 1997; Mrazek e Haggerty, 1994; Yoshikawa, 1994). Para entender a magni­tude dos efeitos das iniciativas de preven­ção primária, considere os resultados de uma meta-análise (uma técnica estatística que possibilita que os pesquisadores com­binem resultados de vários estudos para descobrir tendências comuns) realizada por Durlak e Wells (1997). Durlak e Wells examinaram a eficácia dos programas de prevenção para problemas comportamentais e sociais de crianças e adolescentes, concluindo que a prevenção dava resulta­dos eficazes semelhantes em magnitude (e, em alguns casos, superiores) aos procedi­mentos médicos, como quimioterapia para câncer ou cirurgia para implantação de ponte de coronária.

Além disso, os autores observaram que, com relação a participan­tes de grupos de controle, os que partici­param de programas de prevenção estavam em algum ponto entre 59 e 82% melhores em termos de redução de problemas e au­mento de competências.

Componentes das prevenções primárias eficazes

Heller e colaboradores (Heller et al., 2000, p. 663-664) apresentaram cinco su­gestões para implementar prevenções pri­márias com sucesso. Em primeiro lugar, as populações-alvo devem receber informa­ções sobre o comportamento de risco a ser prevenido. Em segundo, o programa deve ser atraente, devendo motivar os partici­pantes potenciais a aumentar os compor­tamentos desejados e reduzir os indesejados. Em terceiro, o programa deve ensi­nar habilidades de solução de problemas e como resistir a retomar aos padrões con­traproducentes anteriores. Quarto, deve mudar quaisquer normas ou estruturas so­ciais que reforcem comportamentos con­traproducentes. Sobre esse último aspecto, são necessários o apoio e a aprovação social para superar as qualidades gratificantes dos comportamentos problemáticos. Quinto, devem-se coletar dados para possibilitar a avaliação das conquistas do programa. Es­ses dados de avaliação podem ser usados posteriormente para argumentar em nome da implementação de programas de pre­venção primária em outros ambientes.

O programa Head Start: um exemplo de prevenção primária

Talvez o exemplo mais destacado de prevenção primária seja o programa Head Start, que teve início na década de 1960, como parte da guerra contra a pobreza, do presidente Lyndon Johnson. O programa foi implementado em resposta a amplas preo­cupações de que crianças pobres dos Esta­dos Unidos não estivessem recebendo [314] estimulação cognitiva e intelectual suficientes para ter os benefícios adequados de seus estudos. Infelizmente, algumas crianças eram reprovadas com frequência, desde o momento em que ingressavam na escola.

O objetivo era dar às crianças pobres um nível de preparação que refletisse aquele de seus colegas economicamente mais privilegiados. Além de seus componentes educacionais, o Head Start acrescentou refeições nutritivas, triagens médicas e for­mação para os pais. Esta se revelou especi­almente eficaz, com os resultados tendo mostrado que, quando as crianças freqüen­tavam o programa por pelo menos três dias por semana, durante dois anos ou mais, e quando os pais estavam envolvidos, os be­nefícios em termos de desempenho esco­lar eram sólidos e duradouros (Ramey e Ramey, 1998). O Head Start também mos­trou a crianças e seus pais que eles não precisavam retomar comportamentos con­traproducentes anteriores; além disso, esse programa mostrou que era possível uma vida melhor para as crianças. Por fim, com­parado a vários outros programas de pre­venção, o Head Start foi testado exaustiva e repetidamente para mostrar que funcio­nava. Talvez o resultado mais fundamental tenha sido que as crianças que participa­ram do programa tiveram melhores resul­tados acadêmicos do que seus colegas que não participaram (Ramey e Ramey, 1998).

Prevenções primárias para minorias étnicas

Em uma versão modificada dos pro­gramas de redução de risco para crianças da área rural, de Bierman (1997), Alvy (1988) desenvolveu um programa eficaz de formação de pais voltado a afro-americanos. Esse programa enfatizava o orgu­lho, as habilidades de estudo e a obediên­cia às autoridades. Da mesma forma, ensi­nou-se aos pais a importância de dar apoio familiar a seus filhos. Alvy teve o cuidado de usar funcionários de diversas origens raciais, tanto em nível local quanto nacio­nal, com especialistas afro-americanos. Um programa igualmente eficaz foi implemen­tado para a formação de mães mexicano-americanas (D. L. Johnson, 1988).

O fato de membros da família e da comunidade terem sido abordados de for­mas culturalmente sensíveis parece ter sido um importante fator para o sucesso desses programas. Além disso, todos os programas destacam que o apoio da comunidade de inserção é crucial para a adoção de novas atitudes (orgulho, estudo, disciplina, etc.) Por fim, embora tenha havido alguma testagem empírica da eficácia desses pro­gramas, devem-se continuar as análises para examinar suas utilidades, dentro e fora das culturas das minorias envolvidas.

Prevenções primárias para crianças

Vários programas de prevenção pri­mária visavam a crianças e jovens em situa­ção de risco. O trabalho de Shure e Spivak (Shure, 1974; Shure e Spivak, 1988; Spivak e Shure, 1974) é exemplar para ensinar ha­bilidades de solução de problemas a crian­ças que tinham probabilidades de usar res­postas impulsivas e inadequadas ao se de­parar com problemas interpessoais. Projetavam-se vidas infelizes para essas crian­ças, nas quais elas recorreriam ao crime e a comportamentos agressivos. Como antí­doto a esses problemas previstos, as crian­ças aprenderam a produzir outras soluções para seus problemas, que não as explosões agressivas. Esses exitosos programas de prevenção primária com base na solução de problemas foram ampliados a turmas de 5a a 8a séries (Elias, Gara, Ubriaco, Rothbaum, Clabby e Schuyler, 1986) e a adolescentes identificados com probabili­dades de usar drogas (Botvin e Torn, 1988), engravidar (Weissberg, Barton e Shriver, 1997) ou contrair o HIV (Jemmot, Jemmot e Fong, 1992).

Discutimos agora um programa que teve bastante êxito em ajudar crianças em [315] risco de depressão. Usando o modelo de otimismo aprendido de Seligman (vide o Capítulo 9), Gillham, Reivich, Jaycox e Seligman (1995) implementaram um pro­grama de prevenção primária de 12 sema­nas, para crianças de 5a a 6a séries. O pro­grama de prevenção ajudou as crianças a identificar visões negativas de si mesmas e a mudar suas atribuições para outras, mais otimistas e realistas. Em relação a um gru­po de controle de crianças que não recebe­ram esse pacote de prevenção, as que par­ticiparam do grupo experimental tiveram depressão significativamente mais baixa. Essas conclusões estavam diretamente liga­das a sua aprendizagem de atribuições mais otimistas. (Para conclusões análogas com estudantes do ensino médio, vide Clarke, Hawkins, Murphy, Sheeber, Lewinsohn e Seeley [1995].) O programa de Seligman é especialmente elogiável porque tem ava­liado sua eficácia permanentemente em termos de resultados positivos das crian­ças participantes que, caso contrário, estariam em risco de depressão grave.

Prevenções primárias para idosos

Os programas de prevenção destina­dos a idosos podem se concentrar em mui­tos objetivos diferentes, incluindo a tria­gem para reduzir a probabilidade de pro­blemas de saúde física e doenças posterio­res (Ory e Cox, 1994), a verificação das condições de moradia para remover riscos físicos que podem levar a quedas e outros acidentes (Stevens et al., 1992) e tentati­vas de maximizar o envolvimento profis­sional, social e interpessoal dos idosos (Payne, 1977). Um desses intrigantes pro­gramas de prevenção, chamado Grandma Please, faz que as crianças telefonem para seus avós depois da escola (Szendre e Jose, 1996). Embora tenham sido variados, os resultados desse programa se baseiam na premissa contundente de que manter os idosos envolvidos e participando ativamen­te em suas famílias os impede de entrar em uma espiral de vida marcada pelo iso­lamento e a depressão. Infelizmente, esses programas para idosos não geraram ne­cessariamente resultados uniformes. Por exemplo, Baumgarten, Thomas, Poulin de Courval e Infante-Rivard (1988) partiram do pressuposto de que fazer com que os adultos mais velhos ajudassem seus vizi­nhos debilitados seria benéfico para os pri­meiros, mas acabaram não encontrando re­sultados positivos. Em relação a essa últi­ma ausência de resultados esperados, pode ser o caso de que passar tempo com a fa­mília seja mais importante para os idosos nessas atividades de prevenção do que passá-lo com novos amigos (Thompson e Heller, 1990). Obviamente, é necessário fa­zer mais pesquisas para entender quais ti­pos de prevenção realmente funcionam para os idosos, e isso se tornará mais importante à medida que a grande coorte de nascidos na explosão demográfica posteri­or à Segunda Guerra Mundial tenha uma idade mais avançada.

Advertências com relação à prevenção primária

Vários fatores dificultam a implemen­tação de programas de prevenção primá­ria. Em primeiro lugar, as pessoas tendem a acreditar que o futuro resultará em coi­sas boas que acontecerão a elas, enquanto as coisas ruins acontecerão aos outros. Esse fenômeno foi chamado de ilusão da sin­gularidade (Snyder e Fromkin, 1980) ou invulnerabilidade singular (Snyder, 1997). Uma forma de redução dessas vi­sões falsas é proporcionar às pessoas in­formações estatísticas sobre o quanto é tí­pico se deparar com problemas. Isso faz que pareça mais “normal” ter o problema, e os receptores dessa informação ficam mais dispostos a buscar ajuda antes que o problema cresça a um tamanho tal que seja difícil de tratar.

Em um teste empírico dessa aborda­gem, Snyder e Ingram (1983) disseram a [316]  estudantes universitários, metade dos quais tinha ansiedade elevada em testes, que havia alta prevalência de ansiedade entre universitários. Os resultados mostraram que apenas os estudantes com alta ansie­dade passaram a percebê-la como normal e tiveram mais probabilidades de procurar tratamento. Uma abordagem parecida é mostrar anúncios de televisão curtos ou es­trelas de filmes contando que buscaram tra­tamento e agora estão melhores (Snyder e Ingram, 2000b). Resumindo, ao normali­zar o problema, as pessoas que o têm po­dem estar mais dispostas a buscar ajuda para tratá-lo.

Outra força que sabota as atividades de prevenção é a dificuldade de convencer as pessoas de que esses programas são efi­cazes e valem o esforço. As pessoas ten­dem a permanecer passivas e a acreditar que “as coisas vão acabar dando certo”. Além disso, as instituições de financiamen­to podem não enxergar o ganho, ou seja, que fazer alguma coisa agora vai ter bene­fícios anos mais tarde. Uma maneira de corrigir essa percepção equivocada é reali­zar pesquisas para mostrar os ganhos dire­tos em termos de aumento de produtivida­de e dinheiro economizado por essas instituições onde se podem ampliar as preven­ções (empresas, organizações governamen­tais, etc.) (Snyder e Ingram, 2000b). Se as pesquisas mostrarem a uma empresa que iniciativas de prevenção primária podem economizar seu dinheiro no longo prazo, ela provavelmente investirá dinheiro nes­sas atividades.

Por fim, ainda que tenha havido avanços na área de prevenção, é necessário um tempo considerável até que essas conclu­sões sejam publicadas e se tornem parte da base de conhecimento da psicologia (Clark, 2004). Embora tenhamos bastante conhecimento sobre como intervir contra as psicopatologias (em função da aplica­ção ampla do modelo anterior de patolo­gias), temos muito menos entendimento de prevenção para promover a saúde e redu­zir futuros problemas entre populações identificadas (Holden e Black, 1999). Mes­mo assim, a prevenção primária pode ser aplicada com eficácia a comportamentos-alvo relacionados à saúde psicológica e fí­sica. A prevenção primária pode ajudar a manter as enfermidades físicas contidas e aumentar a qualidade psicológica da vida nos anos seguintes (Kaplan, 2000; Kaplan, Alcaraz, Anderson e Weisman, 1996; Ka­ plan e Anderson, 1996).

Prevenção secundária (psicoterapia): "consertar o problema"

A prevenção secundária trata de um problema quando ele começa a surgir. Comparada com a prevenção primária, portanto, ela ocorre mais tarde na seqüên­cia temporal do problema que se desen­volve (vide a Figura 15.1). Snyder e cola­boradores (2000, p. 256) descreveram a prevenção secundária como algo que ocorre quando “o indivíduo produz ensina­mentos ou ações para eliminar, reduzir ou conter o problema uma vez que este apa­receu”. Sendo assim, o tempo em relação ao problema é um fator de diferenciação fundamental nesses dois tipos de preven­ção, com a prevenção primária envolven­do ações iniciadas antes do problema se de­senvolver e a secundária, ações realizadas depois que o problema apareceu.

A prevenção secundária é sinônimo de intervenções psicoterápicas. Embora a maioria das pessoas provavelmente se dê conta de que há muitas formas de psicoterapia, muitos se surpreendem ao saber que os profissionais atualmente estão pratican­do mais de 400 tipos diferentes de inter­venção (Roth, Fonagy e Parry, 1996).

Consideramos a psicoterapia como um excelente exemplo de prevenção secun­dária porque as pessoas que vêm a esse tipo de tratamento sabem que têm [317] determinados problemas que estão além de suas ca­pacidades de enfrentamento, e é isso que as leva a buscar ajuda (Snyder e Ingram, 2000a). De fato, a literatura relacionada revela que os problemas específicos dos fatores de estresse na vida desencadeiam a busca de ajuda psicológica (Norcross e Prochaska, 1986; Wills e DePaulo, 1991). É claro que, quando a psicoterapia é bem sucedida, ela também pode produzir a ca­racterística de prevenção primária de re­duzir ou prevenir a recorrência de proble­mas semelhantes no futuro.

A prevenção secundária é eficaz?

Desde as sínteses mais antigas sobre a eficácia da psicoterapia (por exemplo. Smith, Glass e Miller, 1980) às mais con­temporâneas (vide Ingram, Hayes e Scott, 2000), há evidências constantes de que ela melhora a vida de adultos e crianças. Quan­do dizemos que a psicoterapia “funciona”, queremos dizer que há uma redução da gravidade e/ou frequência dos problemas e sintomas do cliente. Em média, por exem­plo, uma pessoa que fez psicoterapia me­lhorou na magnitude de 1 desvio-padrão (ou seja, está cerca de 34% melhor) em vários indicadores de resultado, em rela­ção à que não fez (Landman e Dawes, 1982; Shapiro e Shapiro, 1982). Sendo assim, existe sustentação científica consistente para a eficácia do que chamamos de tratamentos baseados em evidências para adultos (Chambless et al., 1998; Chambless e Hollon, 1998; Chambless et al., 1996), crianças (Casey e Berman, 1985; Kasdin, Siegel e Bass, 1990; Roberts, Vemberg e Jackson, 2000; Weisz, Weiss, Alicke e Klotz, 1987), idosos (Gallagher-Thompson et al., 2000; Woods e Roth, 1996) e para mino­rias étnicas (Malgady, Rogler e Costantino, 1990). Além disso, os clientes que passa­ram por tratamentos psicoterápicos infor­mam estar muito satisfeitos com suas experiências (Seligman, 1995).

Para o leitor interessado em panora­mas de tratamentos eficazes para depres­sões, transtornos bipolares, fobias, trans­tornos de ansiedade generalizada, agorafobias, transtornos obsessivo-compulsivos, transtornos alimentares, esquizofrenia, transtornos de personalidade, dependência e abuso de álcool e disfunções sexuais, recomendamos o livro de 1996, What works for whom? A critical review of psychotherapy research, organizado por Anthony Roth e Peter Fonagy. As intervenções eficazes para problemas específicos são resumidas no Anexo A, dispostas nas páginas 334-335.

Componentes comuns das intervenções secundárias

Sobre a eficácia da psicoterapia, o renomado psiquiatra e estudioso da psico­terapia Jerome Frank (1968, 1973, 1975) sugeriu que a esperança seria o processo subjacente comum a todos os enfoques bem-sucedidos da psicoterapia. Partindo das idéias pioneiras de Frank, Snyder e colaboradores (Snyder, Ilardi, Cheavens, et al., 2000; Snyder, Ilardi, Michael e Chea­ vens, 2000; Snyder, Parenteau, Shorey, Kahle e Berg, 2002) usaram a teoria da es­perança (vide o Capítulo 9) para demons­trar como o pensamento dirigido a objeti­ vos, baseado em caminhos e em agência, facilita os bons resultados na psicoterapia. Aprofundamos, a seguir, a discussão sobre a aplicação desses processos de agência e caminhos a processos de psicoterapia.

Os efeitos placebo na pesquisa em psicoterapia representam o quanto os clien­tes iriam melhorar se fossem motivados a acreditar que as mudanças iriam aconte­cer. Portanto, se o tamanho do efeito de resultado terapêutico do placebo for com­parado com o tamanho do efeito terapêutico para clientes que não recebem ex­pectativas motivacionais, podemos produ­zir aquilo que eqüivale a um efeito-agência (ou motivação). Igualmente, se [318] tomar-mos o efeito de resultado total do trata­mento (incluindo agência e mais os cami­nhos do tratamento) e subtrairmos o efei­to placebo (agência), permanece havendo um efeito de tipo caminhos. Já se mostrou que o tamanho do efeito da agência típico é de 0,47 desvios-padrão em magnitude (isto é, os clientes ficam 16% melhores do que estariam se não tivessem recebido tra­tamento), e o efeito de caminhos foi de 0,55 desvios-padrão em magnitude (isto é, os clientes ficam 19% melhores do que es­tariam se não tivessem recebido tratamen­to; dados de Barker, Funk e Houston, 1988). Somando-se esses efeitos de agência e caminhos, tem-se o tamanho geral do efeito da esperança, de 1,02 desvios-padrão (isto é, os clientes ficam cerca de 35% melhores do que estariam se não tivessem recebido tratamento). Como é mostrado na Figura 15.2, podemos ver que cerca de me­tade do importante efeito de resultado da psicoterapia está relacionado à motivação de agência, e a outra metade do efeito da psicoterapia está relacionada aos caminhos aprendidos em intervenções específicas.

Programas de prevenção secundária para adultos

A maioria dos enfoques de psicote­rapia usou o que Berg e de Shazer (1992) chamam de “discurso do problema” em lugar do “discurso da solução”. Ou seja, o foco tradicional tem estado na redução dos pensamentos e comportamentos negativos em lugar de se concentrar na construção de pensamentos e comportamentos positi­vos (Lopez, Floyd, Ulven e Snyder, 2000). Embora o enfoque do comportamento hu­mano com base na patologia ainda seja o modelo predominante, nos últimos anos muitos terapeutas têm começado a prestar atenção às qualidades dos clientes. Igual­mente, às vezes é necessário que um clien­te desaprenda pensamentos e comporta­mentos negativos antes de aprender os positivos.

Figura 15.2

Antes de tratar de exemplos de abor­dagens terapêuticas mais novas da psico­logia positiva, seria interessante descrever abordagens anteriores que se mostraram eficazes para reduzir os problemas dos [319] clientes. Nesse sentido, algumas interven­ções de psicoterapia envolvem a autogestão (Rokke e Rehm, 2001). Uma delas é o modelo de autoeficácia de Bandura, dis­cutido anteriormente, no Capítulo 9. Se­gundo esse modelo, um cliente pode apren­der visões de eficácia por meio de

  1. conquistas reais em termos de desem­penho na área problemática;
  2. seguir o modelo de outra pessoa que está enfrentando de forma eficaz;
  3. persuasão verbal por parte do profissio­nal da ajuda e
  4. controle de processos cognitivos nega­tivos ao aprender a implementar humo­res positivos (Forgas, Bower e Moylan, 1990).

É importante observar que existem comportamentos-alvo específicos nessas abordagens baseadas na autoeficácia.

Um segundo tipo de autogestão en­volve a formação autodidática de Meichenbaum (1977), que geralmente se destina a tratar problemas de ansiedade. A etapa inicial dessa abordagem é coletar informa­ções sobre o problema, incluindo cognições mal-adaptativas. Isso se consegue quando o profissional pede que o cliente imagine o problema e descreva o diálogo interno que está ocorrendo. Na segunda etapa da abordagem de tratamento de Meichenbaum, ensinam-se diálogos internos mais adaptativos ao cliente. Por fim, o cliente pratica esses novos diálogos de enfrentamento para fortalecer a probabilidade de vir a usá-los de verdade.

Uma terceira abordagem baseada na autogestão é o modelo de autocontrole em três etapas, de Kanfer (1970), que costuma ser usado com problemas de ansiedade. Na primeira etapa, de automonitoramento, o cclente observa o comportamento problemá­tico no contexto de seus antecedentes e con­seqüências. Na segunda, de autoavaliação, o cliente aprende a comparar o comporta­mento problemático atual com o padrão melhorado de desempenho que se deseja, e entende que está ficando abaixo dele. Na terceira etapa, a de autorreforço, o cliente aprende a se reforçar (com recompensas ou punições) para o controle do comportamen­to indesejado. Além disso, o cliente deve es­tar comprometido a mudar e deve perceber que os comportamentos em questão estão sob seu controle.

Não podemos descrever todas as prin­cipais abordagens psicoterapêuticas em detalhes aqui. Para revisões das várias abor­dagens, vide o 2000 handbook of psycholo­gical change: psychotherapy processes & practicesfor the 21stcentury, organizado por C. R. Snyder e R. E. Ingram, e o 2004 handbook of psychotherapy and behavior change, organizado por M. J. Lambert. Os principais modelos de psicoterapia incluí­ram abordagens psicodinâmicas, técnicas comportamentais, estratégias cognitivo-comportamentais, modelos humanistas e abordagens do sistema de família, junto com o possível uso de medicações psicotrópicas (Plante, 2005).

Voltemos agora às abordagens de pre­venção secundária que são descritas den­tro do novo campo da psicologia positiva. Para uma revisão dessas abordagens da psicoterapia, recomendamos 2004 positive psychology in practice, organizado por E A. Linley e S. Joseph.

Seligman usou sua teoria do otimis­mo aprendido como uma estrutura de retreinamento de atribuições para desen­volver uma abordagem terapêutica à de­pressão. Para visões gerais de sua terapia de adultos, sugerimos o livro de 1991 de Seligman, Learned optimism e Authentic happiness, de 2002.

O retreinamento de atribuições para adultos de Seligman começa por ensinar às pessoas os ‘ABCs” relacionados a even­tos negativos em suas vidas. Especificamen­te, A é de adversidade, B para crença (belief) em relação à razão por trás do even­to negativo e C é de conseqüências em ter­mos de sentimentos (geralmente negativos ou deprimidos). A seguir, o autor ensina o adulto a acrescentar o D à seqüência ABC. [320]

Esse D representa a aprendizagem por par­te do cliente de confrontar e questionar a crença anterior, contraproducente e que gera depressão, com evidências contunden­tes e precisas. Por exemplo, na seqüência a seguir, considere um cliente hipotético, cha­mado Jack:

Adversidade = A percepção de Jack de que seu amigo Bob o tem ignorado.
Belief (a crença de Jack) = Bob não gosta dele porque Jack “não é divertido”.
Conseqüência = Jack se sente mal.

Com o treinamento para questionar com vistas a aprender outras explicações para o comportamento de Bob, Jack con­seguirá se sentir melhor consigo mesmo. Por exemplo, observe a seqüência a seguir, na qual se acrescenta o questionamento:

Adversidade = Bob não fala com Jack du­rante toda a tarde, no trabalho.
Belief (a crença de Jack) = Bob não gosta de Jack.
Conseqüência = Jack se sente mal.
Questionamento = Jack invoca a atri­buição mais otimista de que Bob também tem estado silencioso com outras pessoas no trabalho. Jack observa que, na verdade, Bob havia falado com ele no intervalo do café, pela manhã. Sendo assim, tendo feito essas atribuições mais otimistas, Jack con­segue se sentir muito melhor com a situação.

Além de aprender a terapia do oti­mismo, prestou-se um pouco de atenção à implementação do que se chamou de “te­rapia da esperança” em cenários de conta­to individual (Lopez et al., 2000; Lopez et al., 2004; McDermott e Snyder, 1999), com casais (Worthington et al., 1997) e em gru­pos (Klausner et al., 1998). Por exemplo, Klausner e colaboradores (Klausner et al., 1998; Klausner, Snyder e Cheavens, 2000) desenvolveram uma intervenção grupal válida para adultos mais velhos deprimi­dos. Especificamente, em uma série de 10 sessões de grupo, aprender as atividades direcionadas a objetivos que são inerentes à teoria da esperança reduziu a depressão e levantou os níveis de atividade física para pessoas mais velhas deprimidas. Além dis­so, essas melhorias baseadas no tratamen­to por meio da esperança foram superio­res às obtidas por um grupo de compara­ção que se submeteu à terapia grupal das reminiscências de Butler (1974), que im­plica que os idosos relembrem épocas ante­riores de suas vidas, mais prazerosas.

Também usando a teoria da esperan­ça como base, Cheavens e colaboradores (Cheavens, Feldman, Gum, Michael e Snyder, no prelo; Cheavens et al., 2001) desenvol­veram uma intervenção eficaz de oito ses­sões, para adultos deprimidos.

Em mais uma aplicação terapêutica da esperança, pacientes que faziam consultas em um centro de saúde mental comunitá­rio receberam uma preparação terapêutica pré-tratamento com base na teoria da espe­rança (isto é, aprenderam os princípios bá­sicos dessa teoria) e receberam as interven­ções psicoterápicas normais que são aplica­das nessa instituição. Os resultados mostra­ram que as pessoas que receberam instruções pré-tratamento na teoria da esperança melhoraram mais nos tratamentos subse­quentes do que as que não receberam essas preparações prévias (Irving et al., 2004). Deve-se enfatizar que todos os clientes nes­se estudo receberam tratamentos reais com­paráveis, mas o grupo que recebeu forma­ção pré-tratamento na teoria da esperança aproveitou melhor suas intervenções. Em mais uma intervenção com base na espe­rança, Trump (1997) formulou um trata­mento gravado em videoteipe usando nar­rativas esperançosas de mulheres que ha­viam sobrevivido ao incesto na infância. Os resultados mostraram que assistir a essa fita aumentava os níveis de esperança dessas mulheres em relação aos que assistiram a uma fita de controle.

Como mostrado no Anexo B (página 336), que é uma planilha para se usar na implementação da teoria da esperança com adultos, o cliente que passa pela terapia [321] da esperança é investigado em relação a seus objetivos em diferentes áreas da vida. A seguir, pede-se que escolha um domínio da vida específico, para nele trabalhar. Nas sessões seguintes, o terapeuta ajuda o clien­te a esclarecer os objetivos ao apontar referências concretas que sejam visíveis, para avaliar o progresso em atingir esses objeti­vos. Várias vias para se atingir os objetivos são ensinadas a seguir, junto com formas de motivar a pessoa para usar realmente essas vias. Os impedimentos aos objetivos desejados são previstos, e os clientes rece­bem instruções sobre como instituir rotas alternativas para os objetivos. À medida que diferentes objetivos são praticados ao longo do tempo, os clientes aprendem como aplicar a terapia da esperança natu­ralmente, em suas buscas cotidianas de objetivos. O propósito geral é ensiná-los a usar os princípios da terapia da esperança para atingir objetivos de vida atuais, espe­cialmente quando se encontram obstácu­los (Cheavens, Feldman, Woodward e Snyder, no prelo).

Prevenções secundárias para minorias étnicas

Os comentários a seguir, sobre psicoterapia para clientes que sejam membros de minorias étnicas, devem ser considera­ dos à luz do fato de que as pessoas de cor tendem a não buscar tratamento. Por exem­plo, enquanto os membros de grupos minoritários representam cerca de 30% da população dos Estados Unidos, eles perfa­zem apenas 10% dos que buscam psicoterapia (Vessey e Howard, 1993). Esse pro­blema é aumentado pelo fato de que mem­bros de grupos minoritários que entram em psicoterapia têm mais probabilidades do que os caucasianos de encerrar o tratamen­to antes (Gray-Little e Kaplan, 2000).

Mencionamos esses fatos para desta­car que o sistema não é eficaz para chegar às pessoas de cor e ajudá-las. Além disso, foi feita tão pouca pesquisa com clientes de psicoterapia que sejam de origem afri­cana, hispânica ou asiática, que atualmen­te não se podem fazer declarações em re­lação às melhores abordagens para tais tra­tamentos. Ao comentar a falta de amos­tras suficientes de clientes de minorias, Gray-Little e Kaplan (2000, p. 608) escre­veram: “Nossa revisão nos fez sentir como o convidado para jantar que comentou que a comida foi decepcionante e que ‘as por­ções eram muito pequenas!”’. Obviamen­te, uma das missões da psicologia positiva deveria ser entender as razões para a subutilização dos profissionais de saúde mental por membros de grupos minori­tários, bem como aumentar suas propensões a buscar esses serviços e se manter em tratamento.

Prevenção secundária para crianças

Para panoramas de prevenções secun­dárias para crianças, consulte as duas pá­ginas na internet http://www.state.hi.us/ doh/camhd/index.html e http://www.clinicalchildpsychology.org. Trataremos ago­ra de intervenções de psicologia positiva específicas para crianças. Anteriomente, neste capítulo, discutimos a abordagem de Seligman para o otimismo e seu uso como programa de prevenção primária para de­pressão em alunos de 5a série (vide, tam­bém, Jaycox, Reivich, Gillham e Seligman, 1994). Ém seu livro de 1995, The optimistic child, Martin Seligman mostra a professo­res e pais como educar as crianças para atingir as habilidades de vida necessárias de forma a diminuir a depressão. Esse pro­grama também melhora a autoconfiança, o desempenho escolar e a saúde física.

Usando a teoria da esperança como a desenvolveram Snyder e colaboradores, também tem havido programas explora­tórios para elevar a esperança de crianças. Nesses programas de treinamento para a esperança, as crianças aprendem a estabe­lecer objetivos claros e a encontrar várias rotas viáveis para chegar a eles. A seguir, ]322]  aprendem a se motivar para usar as rotas que levem aos objetivos desejados. Em seu livro Hope for the journey, Snyder, McDer­mott, Cook e Rapoff (2004) usam histórias para implantar pensamentos e comporta­mentos esperançosos nas crianças. Além disso, os programas iniciais nas escolas de ensino fundamental (McDermott et al., 1996) e nas de ensino médio (Lopez, 2000) usaram histórias para promover modestos aumentos na esperança. Da mesma forma, McNeal (1998) informou que a esperança das crianças aumentou após seis meses de psicoterapia, e Brown e Roberts (2000) concluíram que uma colônia de férias de seis semanas resultou em melhoras signi­ficativas nos escores de esperanças das cri­anças (essas mudanças se mantiveram após quatro meses). (Para mais um panorama das intervenções com base em esperança voltadas a crianças, leia The great big book of hope, de McDermott e Snyder [2000].)

Prevenções secundárias para idosos

A depressão é o problema mais fre­qüente entre pessoas mais velhas que vêm à psicoterapia. Nas palavras de Blazer (1994), a depressão é como o resfriado na vida psicológica dos idosos. A abordagem terapêutica mais predominante com os ido­sos é a cognitivo-comportamental (Thomp­son, 1996), embora a psicodinâmica (Newton, Brauer, Gutmann e Grimes, 1986), a interpessoal (enfatizar as habilidades de comunicação; Klerman, Weissman, Roun- saville e Chevron, 1984) e a das reminiscências (Butler, 1974) também tenham sido usadas com eficácia. Como os idosos ge­ralmente enfrentam eventos negativos qua­se inevitáveis (redução de renda e saúde, perda de amigos e cônjuge, etc.), o desen­volvimento de visões mais adaptativas em relação às próprias circunstâncias e a si mesmos é especialmente aplicável (Galla- gher-Thompson et al., 2000). Nessa abor­dagem, é importante se certificar de que o cliente idoso:

  1. tem expectativas apropriadas daquilo que virá à tona no tratamento;
  2. consegue ouvir e ver claramente nas sessões; e
  3. tem sessões estruturadas para avançar com a calma necessária para que as lições sejam absorvidas.

Embora a abordagem usual seja con­duzir esse tratamento em um setting indi­vidual, os formatos grupais também podem funcionar. Nesse sentido, a abordagem psicoeducacional com adultos de mais ida­de será cada vez mais importante no futu­ro. (Para um manual sobre como conduzir uma aula dessas, vide Thompson, Gallagher e Lovett, 1992).

Uma advertência sobre intervenções secundárias

Infelizmente, há um estigma relacio­nado a consultar um profissional de saúde mental para fazer psicoterapia. Embora a maioria das pessoas não tenha problemas em consultar outros profissionais de saú­de, como oftalmologistas ou cirurgiões, elas ficam reticentes em relação a ver um psi­quiatra ou um psicólogo profissional. Um exemplo claro desse estigma ocorreu na eleição presidencial de 1972 nos Estados Unidos, quando o candidato democrata George McGovern escolheu o senador Thomas Eagleton como seu candidato a vice-presidente. Quando o público norte- americano descobriu que o senador Eagleton havia feito tratamento para depressão clí­nica com terapia eletroconvulsiva de cho­que, houve uma preocupação de que uma pessoa depressiva pudesse estar a “a um passo da presidência” se alguma coisa acon­tecesse a McGovern (caso ele fosse eleito presidente). O estigma associado à depres­são acabou fazendo que McGovern retiras­se Eagleton da chapa.

Outro exemplo vem da ex-primeira dama Rosalynn Carter (Carter, 1977), que escreveu, [323] 

Quando eu era criança em Plains, no Es­tado da Geórgia, eu não ouvia falar em “saúde mental” e “doença mental”. Com os anos, escutei que um vizinho nosso teve um “colapso nervoso” e outro amigo “não estava muito bem”, e que um primo dis­tante havia sido colocado em uma instituição do Estado na qual, supus, todo mundo era louco. Lembro-me claramen­te de quando meu primo veio para casa uma vez visitar a família. Acho que me lembro da ocasião com tanta clareza por­que ele correu atrás de mim pela rua - e eu nunca me senti tão apavorada. Eu não sabia porque deveria fugir... Como nação, ainda estamos fugindo de pessoas que ti­veram ou ainda têm transtornos mentais e emocionais. E o estigma ligado à sua sina é uma desgraça não merecida... Em suma, a doença mental ainda não é acei­tável em nossa sociedade” (p. D4).

Os meios de comunicação tocam nes­ses assuntos em programas de televisão ocasionais, como The Bob Newhart Show e Frasier, em que rimos do humor inerente ao comportamento de psicoterapeutas es­quisitos. Esse tipo de televisão nada faz para reduzir o estigma, contudo, e pode muito bem alimentar os estereótipos ne­gativos. De fato, restam poucas dúvidas de que esse estigma persiste na sociedade dos Estados Unidos, pois a maioria das pessoas ainda evita falar de seu cuidado com a saú­de mental. A tragédia, nesse caso, é que esse estigma impede muitas pessoas de buscar o tratamento de que necessitam. Além disso, se as pessoas conseguirem pro­curar tratamento nas primeiras fases de seus problemas psicológicos, a probabili­dade de que tenham resultados eficazes no tratamento aumenta. Entretanto, elas po­dem esperar até que o problema psicológi­co se torne tão grave que seja extremamen­ te difícil intervir de forma eficaz. Talvez a psicologia positiva possa trabalhar para re­duzir esse pensamento preconceituoso fa­zendo com que as pessoas pensem em psicoterapia não apenas como uma solução para problemas, mas também como o for­talecimento das qualidades da pessoa e seus talentos, para que ela se torne mais produtiva e mais feliz. Em outras palavras, com o crescimento da psicologia positiva, o estigma associado à psicoterapia pode se reduzir, pois as pessoas passariam a ver o tratamento como algo que envolve proces­sos para aumentar seus recursos.

Potencialização primária: "tornar a vida boa" 

A potencialização primária é o es­forço para estabelecer funcionamento e sa­tisfação ótimos. Como mostrado no lado es­ querdo da Figura 15.3, a potencialização primária envolve tentativas de aumentar o bem-estar hedônico ao maximizar o que é agradável ou aumentar o bem-estar eudaimônico ao estabelecer e atingir objetivos (Ryan e Deci, 2001; Waterman, 1993). En­quanto as potencializações primárias hedônicas visam à indulgência no prazer e à satisfação de apetites e necessidades, as potencializações primárias eudaimônicas enfatizam o funcionamento eficaz e a feli­cidade, como resultado desejável do proces­so de busca de objetivos (Seligman, 2002; Shmotkin, 2005). Nesse aspecto, deve-se observar que a pesquisa de análise fatorial sustentou a distinção entre motivações hu­manas hedônicas e eudaimônicas (Compton, Smith, Cornish e Qualls, 1996; Keyes, Shmotkin e Ryff, 2000).

Figura 15.3

Antes de descrever as várias rotas para a potencialização primária, são necessários alguns comentários sobre o papel da evolu­ção. Em um sentido evolutivo, determina­das atividades são biologicamente predis­postas a produzir satisfação (Buss, 2000; Pinker, 1997). Uma premissa evolutiva é que as pessoas vivenciam o prazer sob circuns­tâncias favoráveis à propagação da espécie humana (Carr, 2004). Assim, a felicidade é resultado de laços interpessoais íntimos, es­pecialmente os que levam ao acasalamento e à proteção da prole. De fato, as pesquisas mostram que a felicidade vem: [324]

  1. de uma unidade de vida segura e que proporcione apoio, com pessoas que tra­balham juntas;
  2. de um ambiente que seja fértil e produ­tor de alimentação;
  3. da ampliação dos limites de nosso cor­po por meio do exercício e da busca de objetivos dotados de senti­do no trabalho (Diener, 2000; Kahne- man, Diener e Schwartz, 1999; Lykken, 1999).

Mais uma advertência cabe aqui. Muitas das experiências que estão na cate­goria de potencialização primária também se encaixam na de potencialização secun­dária, envolvendo experiências de pico. A divisão entre uma experiência ótima e uma experiência de pico pode ser muito sutil.

Potencialização primária: saúde psicológica

Muitas pessoas em seus leitos de mor­te podem pensar: “Eu queria ter passado mais tempo com minha família”. Isso su­gere que nossos relacionamentos são cru­ciais para a satisfação na vida. De fato, para maioria das pessoas, os relacionamentos interpessoais com parceiros amorosos, pa­rentes e bons amigos são as fontes mais poderosas de bem-estar e satisfação na vida (Berscheid e Reis, 1998; Reis e Gable, 2003).

Realizar atividades compartilhadas que sejam agradáveis aumenta o bem-es­tar psicológico (Watson, Clark e Tellegen, 1988), especialmente se essa participação conjunta gera excitação e atividades novas (Aron, Norman, Aron, McKenna e Heyman, 2000). Igualmente, é benéfico para ambas as partes enfrentar atividades intrinsecamente motivadas, nas quais podem com­partilhar aspectos de suas vidas deixando-se absorver pelo flow atual de seus com­portamentos (Csikszentmihalyi, 1990).

Para além do relacionamento com o parceiro amoroso, as satisfações da poten­cialização primária também podem advir de outras relações, por exemplo, com ami­gos e parentes. As circunstâncias de vida para estar em proximidade física com a família também podem produzir os apoios sociais que são tão cruciais para a felicida­de. A rede formada por alguns amigos ín­timos também pode gerar contentamento. Por fim, há argumentos evolutivos contun­dentes (Argyle, 2001) e pesquisa empírica (Diener e Seligman, 2002) para sustentar as razões pelas quais esses relacionamen­tos com parentes e amigos são fundamen­tais para a felicidade.

Outro relacionamento que gera feli­cidade é o envolvimento em questões de [325] religião e espirituais (Myers, 2000; Pied­ mont, 2004). Em parte, isso pode ser um reflexo do fato de que a religiosidade e a oração estão relacionadas à esperança ele­vada (Laird, Snyder, Rapoff e Green, 2004; Snyder, 2004c). Da mesma forma, parte da satisfação com a religião provavelmente provém dos contatos sociais que ela proporciona (Carr, 2004). A felicidade tam­bém pode resultar da espiritualidade oriun­da dos relacionamentos de uma pessoa com uma força superior. Sobre esse aspecto, há evidências de um possível vínculo genéti­co com as necessidades espirituais das pes­soas (vide Hamer, 2004).

O trabalho gratifícante também é uma importante fonte de felicidade (Argyle, 2001). Se as pessoas estiverem satisfeitas com seu tra­balho, elas também ficarão mais felizes (uma correlação geral de 0,4 entre estar empregado e o nível de felicidade; Diener e Lucas, 1999). A razão para essa conclu­são é que, para muitas pessoas, o trabalho proporciona uma rede social e também pos­sibilita testar talentos e habilidades. Para adquirir esse tipo de satisfação no traba­lho, contudo, é fundamental que os em­pregos ofereçam bastante variedade nas atividades realizadas. Além disso, as tare­fas devem ser adequadas às habilidades e aos talentos do trabalhador. Também aju­da ter um chefe que apoie e estimule a au­tonomia (Warr, 1999) e, ao mesmo tem­po, possibilite ao trabalhador individual en­tender e assumir como sendo seus os obje­tivos mais amplos da empresa (Hogan e Kaiser, 2005).

As atividades de lazer também podem gerar prazer (Argyle, 2001). Relaxar, des­cansar e fazer uma boa refeição têm todos o efeito de curto prazo de fazer que as pes­soas se sintam melhor. As atividades recre­ativas, como praticar esportes, dançar e escutar música, possibilitam às pessoas es­tabelecer contatos prazerosos com as ou­tras. Embora possa parecer incoerente com o termo lazer, as pessoas costumam ser muito ativas ao participar de atividades desse tipo. Portanto, às vezes a felicidade vem da estimulação e de uma sensação de excitação positiva, ao passo que, em ou­tras vezes, ela reflete um processo tranqüilo e de repor as energias.

Sejam quais forem as atividades es­pecíficas de potencialização primária, as ações totalmente absorventes são as mais agradáveis. Csikszentmihalyi e colaborado­ res (Csikszentmihalyi, 1990; Nakamura e Csikszentmihalyi, 2002) estudaram as cir­cunstâncias que levam a uma sensação de envolvimento total. Essas atividades cos­tumam ser intrinsecamente fascinantes por levar os talentos a níveis satisfatórios, nos quais as pessoas se deixam levar e perdem a noção do tempo. Esse tipo de potencia­lização primária já foi chamado de expe­riência de flow, e artistas, cirurgiões e ou­tros profissionais relatam ter esse tipo de flow em seu trabalho (vide o Capítulo 11, para mais discussão sobre flow).

Uma outra via para se atingir uma sensação de contentamento é a contempla­ção, no momento presente, do ambiente externo e interno da pessoa. Uma linha comum no pensamento oriental é a de que se tem imenso prazer por meio de “ser” ou vivenciar. Mesmo nas sociedades ociden­tais, contudo, a meditação sobre as expe­riências internas ou pensamentos ganhou muitos seguidores (Shapiro, Schwartz e Santerre, 2002). A meditação foi definida como “uma família de técnicas que têm em comum uma tentativa consciente de con­centrar atenção de forma não analítica e uma tentativa de não se manter no pensa­mento discursivo, ruminativo” (Shapiro, 1980, p. 14). Por exemplo, a meditação mindfulness (Langer, 2002) envolve uma atenção sem julgamento, que possibilita uma sensação de paz, serenidade e prazer. Kabat-Zinn (1990) propôs as sete qualida­des a seguir em relação à meditação mind­fulness: não-julgar, aceitar, abrir-se, não lutar, ter paciência, ter confiança e desvencilhar-se (vide o Capítulo 11). Igualmente, naquilo que se chama de meditação con­centrada, a consciência é restringida por [326]  meio da concentração em um único pen­ samento ou objeto, como um mantra pes­ soal, a própria respiração, uma palavra (Benson e Proctor, 1984), ou mesmo um som (Carrington, 1998).

Outro processo que se assemelha à meditação em sua forma de operação é a apreciação (savoring), que envolve pensa­mentos e ações que visam apreciar e, tal­vez, amplificar, uma experiência positiva de algum tipo (vide Bryant, 2004; Bryant e Veroff, 2006). Segundo Fred Bryant (2005), psicólogo que cunhou esse termo e que produziu as principais pesquisas e teorias a respeito, a apreciação pode assu­mir três formas temporais:

  1. Antecipação, ou o prazer por um even­to positivo vindouro.
  2. Estar no momento, ou pensar e fazer coisas para intensificar e, talvez, pro­longar um evento positivo à medida que ele ocorra.
  3. Reminiscência, ou se lembrar de um evento positivo para resgatar os senti­mentos e pensamentos favoráveis.

Além disso, a apreciação pode assu­mir a forma de:

  • Compartilhar com outras pessoas.
  • Tirar “fotografias mentais” para cons­truir a própria memória.
  • Congratular-se.
  • Comparar com o que se sentiu em ou­tras circunstâncias.
  • Afiar os sentidos por meio da concen­tração.
  • Ser absorvido pelo momento.
  • Expressar-se por intermédio do compor­tamento (rir, gritar, dar socos no ar).
  • Dar-se conta do quão fugaz e preciosa é a experiência.
  • Contar as próprias bênçãos.

Como exemplo de apreciação, veja os comentários (retirados de seu diário), de Bertrand Piccard (1999), quando este con­templava a última noite de sua viagem de balão ao redor do mundo, quando que­brou recordes

Na última noite, saboreei mais uma vez o rela­cionamento ínti­mo que estabele­cemos com nos­so planeta. Sen­tindo calafrios no assento do piloto, tenho a sensação de ter saído da cápsula para voar sob as estrelas que engoliram nosso ba­lão. Sinto-me tão privilegiado que quero desfrutar cada segundo deste mundo aé­reo... Em seguida, ao clarear do dia, [o balão] aterrissará na areia do Egito... [e eu] precisarei imediatamente encontrar palavras para satisfazer a curiosidade do público. Mas agora, silenciado dentro de minha japona, deixo que a mordida fria da noite me lembre de que ainda não ater­rissei, de que ainda estou vivendo um dos momentos mais bonitos da minha vida... a única maneira por meio da qual posso fazer que este instante dure é compar­tilhá-lo com outras pessoas (p. 44).

Ainda há mais que as pessoas podem fazer, para além da apreciação. Nesse sen­tido, a psicóloga Barbara Fredrickson (2002), da Universidade da Carolina do Norte, desenvolveu seu pioneiro modelo “ampliar e potencializar” (vide o Capítulo 7, para uma discussão mais detalhada do modelo) após observar que as emoções negativas, como a raiva e a ansiedade, ten­dem a limitar o repertório de pensamento e ação de uma pessoa. Ou seja, quando sentem emoções negativas, as pessoas se interessam por proteção - e seus pensa­mentos e ações passam a estar limitados a umas poucas opções restritas, que visam a se manter “em segurança”. Por outro lado, Fredrickson propôs que, ao experimentar emoções positivas, as pessoas se abrem e se tornam flexíveis em seus pensamentos e em seus comportamentos. Dessa forma, [327] as emoções positivas ajudam a produzir uma mentalidade voltada a “ampliar e potencializar”, na qual acontece um carros­sel positivo de emoções, pensamentos e ações subsequentes. Portanto, qualquer coisa que a pessoa possa fazer para vivenciar alegria, talvez por meio de diver­são ou outras atividades, pode render be­nefícios psicológicos.

Em sua pesquisa, Fredrickson (1999, 2001, 2002) induziu emoções positivas, fa­zendo que os participantes se lembrassem de um evento alegre, ouvissem uma música favorita, assistissem a um bom filme e rece­bessem avaliações positivas acerca de si mesmos, para citar alguns exemplos. Essas induções emocionais positivas, por sua vez, tornam as pessoas mais felizes, mais perceptivas, melhores na solução de problemas, com mais facilidade nas interações sociais, e assim por diante. O ciclo de “am­pliar e potencializar” é mostrado no Capí­tulo 7, na Figura 7.3. As emoções positivas abrem a pessoa às circunstâncias em que ela está inserida, bem como às importantes pistas que são relevantes às tarefas nessas circunstâncias. Além disso, as emoções po­sitivas lembram a pessoa de outros episódios de sucesso em sua vida, elevando, assim, a possibilidade percebida de se sair bem nas condições atuais. Portanto, o modelo de “ampliar e potencializar”, de Fredrickson, põe em movimento um carrossel positivo.

O psicólogo Steve Ilardi e colabora­dores da Universidade do Kansas, inicia­ram um novo tratamento para a preven­ção da depressão e para o aumento da feli­cidade pessoal, chamado de Mudança te­rapêutica de estilo de vida, Therapeutic Lifestyle Change ([TLC], Ilardi e Karwoski, 2005; para mais informações sobre o programa, consulte a página na internet www.psych.ku.edu/TLC). O preceito básico do TLC é o de que o desenvolvimento de determinadas postu­ras em relação ao estilo de vida, especial­mente as atividades que eram parte natu­ral da vida de nossos ancestrais que vive­ram há muito tempo, gera uma redução da depressão e um aumento da felicidade.

Os componentes do TLC são o exer­cício, suplementos de ácidos graxos ômega- 3, exposição à luz, menos ruminação e pre­ocupações, apoio social e bom sono. Inicial­mente, são recomendados 35 minutos de exercício aeróbico ao menos três vezes por semana. A ideia é fazer que o batimento cardíaco da pessoa chegue entre 120 e 160 por minuto. Segundo, os suplementos de ácidos graxos ômega-3 (óleos de peixe, vendidos sem prescrição médica) podem ser comprados em farmácias. Parece que nossos ancestrais consumiam quantidades mais altas de peixe do que nós consumi­mos hoje. Em terceiro, tente obter pelo menos 30 minutos de luz do sol por dia. Pode-se fazer isso naturalmente, ficando ao sol ou se sentando próximo a uma caixa de luz especial que emite luz muito bri­lhante (10.000 lux). Quarto, pare de rumi­nar. Entre as coisas que funcionam para re­duzir essa preocupação estão telefonar a um amigo, exercitar-se, colocar os pensa­mentos negativos em um diário ou reali­zar outras atividades prazerosas. Em quin­to lugar, certifique-se de estar com outras pessoas. Isso também ajuda a distraí-lo da ruminação. Sexto, durma ao menos 8 ho­ras por noite. Faça isso assumindo um ritu­al para a hora de dormir e evite cafeína e álcool muitas horas antes de deitar. Em sín­tese, o TLC parece ser uma nova aborda­gem promissora (com base em ações hu­manas muito antigas) que pode aumentar nossa felicidade. Além disso, deve-se regis­trar que o TLC envolve inerentemente vá­rios processos já discutidos nesta seção e cobre a potencialização primária da saúde psicológica.

Martin Seligman e colaboradores rea­lizaram um programa de pesquisa voltado a encontrar intervenções que fossem [328] eficazes para potencializações primárias (vide Seligman, Steen, Park e Peterson, 2005). Especificamente, Seligman recrutou 577 adultos que visitaram a página na internet de seu livro Authentic happiness (Seligman, 2002). A maioria dessas pessoas era de origem caucasiana, com alguma instrução universitária, entre 35 e 40 anos de idade, e 58% eram mulheres. Antes e depois de passar pela intervenção de potencialização primária, cada participante realizou medi­das de autoavaliação da felicidade. (Em­bora os participantes tenham sido desig­nados aleatoriamente a condições diversas, tratamos de uma condição de controle e três condições de intervenção para poten­cialização primária.)

A condição de controle para compa­ração era um exercício placebo no qual os participantes escreviam durante uma sema­na sobre suas memórias mais antigas. Os participantes colocados na intervenção de gratidão receberam uma semana para “entregar pessoalmente uma carta de gra­tidão a alguém que tivesse sido especial­mente gentil com eles, mas que nunca hou­vesse recebido os devidos agradecimentos (Seligman et al., 2005, p. 416). Os partici­pantes designados à condição que envol­via três coisas boas na vida deveriam es­crever, durante uma semana, sobre três coisas que foram bem a cada dia, junto com as causas por trás de cada uma delas. Por fim, pediu-se que um grupo de partici­pantes examinasse suas qualidades de ca­ráter de uma nova maneira, durante uma semana.

Os resultados mostraram que cada uma dessas três intervenções de potencia­lização primária teve efeitos positivos consistentes para revelar os níveis de feli­cidade dos participantes em relação aos que estavam na condição de controle/placebo. A visita de gratidão gerou os maiores aumentos em felicidade, mas eles duraram apenas por um mês. Além disso, escrever sobre três coisas boas que tivessem acontecido, junto com o uso de qualidades pessoais aplicados de uma nova maneira, tornou as pessoas mais fe­lizes, e essas mudanças positivas duraram até 6 meses.

Tomadas em seu conjunto, essas con­clusões sugerem que os psicólogos podem ajudar a desenvolver e a implementar in­tervenções de potencialização primária que elevem a felicidade das pessoas. Em seus comentários finais sobre essas descobertas pioneiras, Seligman e colaboradores (2005, p. 421) concluíram que “a psicoterapia é, há muito tempo, o lugar aonde se vai para falar dos problemas... Sugerimos que a psicoterapia do futuro também possa ser o lugar aonde se vai falar das próprias quali­dades”.

Antes de encerrarmos esta seção so­bre potencialização primária na saúde psi­cológica, a observação a seguir pode surpreendê-lo: um objetivo que não parece se adequar à potencialização primária é a busca de saúde financeira pessoal. Além de garantir as necessidades básicas da vida, o dinheiro pouco faz para melhorar o bem-estar (Diener e Biswas-Diener, 2002; Myers, 2000). Pense nas pessoas que você conhe­ce. É provável que as que se dedicam a obter riqueza provavelmente não sejam tão felizes. Na verdade, como apontamos em nosso capítulo anterior sobre os anteceden­tes da felicidade (Capítulo 7), adquirir muito dinheiro não é o caminho das pe­dras para a satisfação na vida.

Potencialização primária: saúde física

O exercício é um caminho comum para se obter uma sensação de condicio­namento físico, boa forma e força. Um as­pecto importante do exercício e da boa for­ma é dar às pessoas maior segurança de suas capacidades de realizar as atividades que formam suas rotinas cotidianas. Mais do que as melhorias fisiológicas que resul­tam dos exercícios, a segurança que eles geram também aumenta a felicidade e o bem-estar (Biddle, Fox e Boutcher, 2000). Embora os exercícios elevem os humores [329] positivos no curto prazo, é no longo prazo que eles produzem maior felicidade (Argyle, 2001; Sarafino, 2002). Nesse sentido, pode-se acrescentar o exercício à seção anterior sobre potencialização primária e saúde psicológica.

Parte da motivação para o exercício pode ser ter boa aparência e obter uma imagem física melhor (Leary, Tchividijian e Kraxberger, 1994). Outra razão por trás disso pode ser o desejo de ter boa saúde física. Sobre isso, algumas pessoas encon­tram prazer em ingerir vitaminas e alimentação nutritiva.

Atividades físicas regulares produzem benefícios psicológicos e físicos. Por exem­plo, a atividade física está relacionada aos seguintes benefícios (de Mutrie e Faulkner, 2004, p. 148):

  1. menores chances de morrer prematu­ramente;
  2. menos probabilidade de morrerprema­turamente de doenças cardíacas;
  3. menos riscos de diabete;
  4. menos probabilidade de desenvolver pressão sanguínea elevada;
  5. menos chances de desenvolver câncer de colo;
  6. perda e controle do peso e 
  7. ossos, músculos e articulações saudáveis.

Uma advertência sobre a potencialização primária

As pessoas devem tomar cuidado, em potencializações primárias, para não exa­gerar nessas atividades. Quando são se­duzidas pelos prazeres que derivam da po­tencialização de suas qualidades, as pes­soas podem perder a noção de equilíbrio nas atividades de sua vida. Assim como ocorre com qualquer atividade, pode ser necessária moderação.

Potencialização secundária: "Fazer da vida o melhor possível"

Em comparação com a potencializa­ção primária - na qual a pessoa busca um desempenho ótimo e uma satisfação por meio da busca de objetivos na potencialização secundária o objetivo é aumen­tar níveis já positivos para chegar ao máximo em termos de desempenho e satisfação (vide o lado direto da Figura 15.3). Em um sentido temporal, as atividades de potencialização secundária acontecem após terem sido atin­gidos níveis básicos de desempenho e satis­fação com a potencialização primária.

Potencialização secundária: saúde psicológica

A potencialização secundária da saú­de psicológica permite que as pessoas ma­ximizem seus prazeres partindo de sua saú­de mental positiva pré-existente. Momen­tos psicológicos de pico muitas vezes en­volvem importantes conexões humanas, como o nascimento de um filho, um casa­mento, a formatura de uma pessoa queri­da ou, talvez, o amor apaixonado e com­panheiro em relação ao parceiro.

Existem experiências psicológicas co­letivas cujo propósito é ajudar as pessoas a atingir prazeres extremos por meio do re­lacionamento profundo com outras. Já na década de 1950, por exemplo, os grupos de treinamento, ou grupos T, como eram chamados (Benne, 1964), enfatizavam a forma como as pessoas poderiam se juntar para vivenciar integralmente suas emoções positivas (Forsyth e Corazinni, 2000). (Por vezes, esses grupos eram chamados de “treinamento para a sensibilidade” [F. Johnson, 1988].)

A contemplação existencialista do sentido da vida é mais uma abordagem [330] para se chegar a uma experiência trans­cendentemente gratificante. Viktor Frankl (1966, 1992), ao analisar a questão de “qual é a natureza do sentido”, concluiu que o máximo em termos de vivenciar o sentido da vida vem de pensar sobre nos­sos objetivos e nossos propósitos. Mais do que isso, especulamos que a satisfação maior vem de contemplar nossos propósi­tos em tempos nos quais estamos sofren­do. Os pesquisadores da psicologia positi­va relataram que esse sentido na vida está relacionado à esperança muito elevada (Feldman e Snyder, 2005). Para o leitor interessado em instrumentos de autoapoio relacionados ao sentido na vida, reco­mendamos o Teste do propósito da vida (Purpose in life test, Crumbaugh e Maholick, 1964; Crumbaugh e Maholick, 1981), o índice de Interesse na Vida (Life Regard Index, Battista e Almond, 1973) e a Escala de sensação de coerência (Sense of cohe­rence scale, Antonovsky e Sagy, 1986).

Às vezes, ocorrem potencializações psicológicas secundárias em contextos em que as pessoas conseguem competir umas com as outras. Essas “competições normais” (vide Snyder e Fromkin, 1980) estão rela­cionadas ao envolvimento em disputas competitivas. Há regras para essas dispu­tas, e com o tempo uma ou mais pessoas surgem como vencedores. O elevado nível de prazer que esses vencedores sentem é descrito muitas vezes como “pura alegria”.

Ocasionalmente, os níveis máximos de prazer são resultado de maior envolvi­mento do que qualquer pessoa pode atin­gir sozinha (Snyder e Feldman, 2000). Tra­balhando juntas, as pessoas conseguem lutar por conquistas que seriam impensá­veis para qualquer indivíduo (vide Lemer, 1996). Depois, como parte dessa unidade coletiva, elas podem experimentar uma sensação de sentido e emoções que fazem parte dessa escala mais grandiosa. A histó­ria está cheia desses casos de triunfo cole­tivo diante da adversidade. Da mesma for­ma, a literatura costuma detalhar o inten­so êxtase vivenciado por pessoas que tra­balharam juntas para superar obstáculos difíceis e desafiadores para atingir seus objetivos coletivos. Alguns psicólogos já deram início a experiências com enfrentamento de ambientes selvagens, nas quais um pequeno grupo de pessoas aprende o júbilo supremo de cooperar como grupo para conseguir realizar diversas tarefas em ambientes difíceis e naturais (mergulho, canoagem, rafting, escaladas, etc.).

Ajudar os outros também faz com que as pessoas se sintam muito bem consigo mesmas. Outra experiência transcendente é ver outra pessoa fazendo algo que seja tão es­pecial que inspire admiração ou eleve. Nes­sas circunstâncias, é como se tivéssemos tido a dádiva de testemunhar o que de melhor há nas pessoas, e assistir a isso pro­duz um estado de profunda admiração (vide Haidt, 2000, 2002). Considere um exemplo real dessa admiração que (C.R.S.) tive o privilégio de testemunhar. O que aconteceu foi o seguinte: eu tinha tido um dia muito ruim. Não apenas as coisas ti­nham ido mal no trabalho (tinham-me dito que minha solicitação de bolsa havia sido negada), como também eu estava me sen­tindo mal fisicamente. Fui almoçar com meus colegas na associação dos estudan­tes apenas para descobrir que eles, tam­bém, não estavam em um bom momento. De repente, um jovem que vestia um abri­go da Universidade do Kansas correu até uma mesa do outro lado do corredor e ad­ministrou a manobra de Heimlich em um homem mais velho que estava se engas­gando. A cantina imediatamente ficou em [331] silêncio enquanto as pessoas assistiam a esse ato heroico que pode ter salvado a vida do homem. Quando a comida foi retirada da garganta dele, rompeu-se o silêncio à medida que as pessoas aplaudiam o ato do jovem. Com uma aparência um pouco constrangida, ele sorriu e foi saindo. Senti uma tremenda elevação que durou o resto do dia (e os vários dias que se seguiram). Foi um dos eventos mais comoventes em [332] que jamais estive envolvido, e meu único papel foi o de testemunhar essa ação im­pressionante e altruísta. Sem sombra de dúvida, observar um ato como esse, ver­dadeiramente excepcional, pode gerar um tipo de potencialização secundária.

Finalmente, por meio das artes, como a música, a dança, o teatro e a pintura, são proporcionados grandes prazeres às mas­sas. Assistir a apresentações artísticas im­portantes pode elevar públicos aos mais altos níveis de satisfação e prazer (Snyder e Feldman, 2000). Podemos estimular adul­tos de mais idade a resgatar algumas das alegrias e prazeres que vêm com a explo­ração e com as conquistas de novas habilidades quando somos mais jovens. 

Potencialização secundária: saúde física

A potencialização secundária da saú­de física diz respeito aos níveis de pico da saúde física, níveis esses que estão além daqueles das pessoas em boa condição. As pessoas que buscam potencialização secun­dária lutam por níveis de condicionamen­to físico que ultrapassam em muito os que geralmente são atingidos por pessoas que simplesmente realizam exercícios. Não per­ca de vista, contudo, que essas pessoas não precisam ser atletas de nível olímpico que competem contra outros atletas de elite com o objetivo de chegar ao máximo de­ sempenho em um esporte. Em lugar disso, os atletas que buscam os níveis mais ele­vados de competição podem ver a forma física como meio de aumentar as probabi­lidades de vencer. Por outro lado, as pes­soas que tipificam a potencialização secun­dária da saúde física são motivadas para atingir os níveis mais altos de proeza física por si só. Esse último nível superior de for­ma física reflete aquilo que Dienstbier (1989) definiu como robustez (toughness').

Advertências com relação à potencialização secundária

Por mais estranho que possa soar, as pessoas podem se tornar quase viciadas nas experiências de pico que refletem a poten­cialização secundária. Há uma força de equilíbrio natural, contudo, no fato de que as atividades mundanas da vida necessi­tam que as pessoas prestem atenção a elas, o que as deixa com pouco tempo para ir em busca de potencialização primária e secundária.

Também temos uma preocupação sé­ria com o desenvolvimento potencial de ins­trutores pessoais para ajudar as pessoas a atingir experiências de pico em termos de potencialização secundária. Nossa preo­cupação é que apenas os ricos tenham con­dições de pagar esses instrutores, o que se­ria antiético em relação ao espírito de igual­dade que acreditamos que deva guiar o cam­po da psicologia positiva. A proliferação de instrutores pessoais de psicologia positiva deve acontecer de tal forma que as pessoas de todos os grupos étnicos e socioeconômicos possam ter acesso a eles. Como já dis­ semos em outros momentos, a psicologia positiva deve ser para muitos, e não para uns poucos (Snyder e Feldman, 2000).

O equilíbrio entre sistemas de prevenção e potencialiação

Neste capítulo, descrevemos separa­damente as intercessões de prevenção e potencialização. As prevenções primárias e secundárias implicam esforços para ga­rantir que os resultados negativos não aconteçam, ao passo que as potencializações primárias e secundárias refletem iniciativas para garantir que os resultados positivos aconteçam. Libertas de seus pro­blemas por meio de prevenções primárias e secundárias, as pessoas podem dar aten­ção a potencializações primárias e secun­dárias com vistas a atingir experiências e [333] satisfação na vida em níveis ótimos ou até mesmo de pico (Snyder, Thompson e Heinze, 2003). Juntas, prevenções e potencializações formam uma díade podero­sa para o enfrentamento e a excelência.

Note-se que a prevenção e a potencialização têm um paralelo com as duas maio­res motivações da psicologia. A prevenção reflete processos voltados a evitar resulta­dos prejudiciais, enquanto a potencialização reflete os processos que tratam de atin­gir resultados benéficos. A justaposição dos sistemas de evitação e aproximação tem uma longa tradição na psicologia, incluin­do as primeiras idéias sobre defesas, na teoria psicanalítica de Freud (1915/1957), a pesquisa comportamental (Miller, 1944), a pesquisa fenomenológica (Lewin, 1951) sobre o tema do conflito humano e, mais recentemente, a psicologia da saúde (Carver e Scheier, 1993, 1994).

Embora o sistema de evitação tenha sido retratado como contraproducente (para uma revisão, vide Snyder e Pulvers, 2001), essas primeiras visões ignoraram a possibilidade de que, por meio do pensa­mento de evitação, as pessoas estejam pen­sando e se comportando de maneira pró-ativa para evitar um resultado ruim mais tarde. Essa última definição está no centro das abordagens de prevenção primária e secundária, as quais têm benefícios eviden­tes. Em lugar de sugerir que a evitação é sempre “ruim”, fechamos este capítulo su­gerindo que os processos de evitação e aproximação (ou, como são chamados às vezes, processos aversivos e apetentes) fun­cionam, ambos, para ajudar a pessoa a enfrentar. Dessa forma, as intercessões de potencialização proporcionam desafios que as pessoas devem equilibrar em suas vidas cotidianas. [334]

Psicologia - Psicologia positiva
12/3/2020 12:19:34 PM | Por Ryan Niemiec
Forças de assinatura, pesquisa e prática

Na publicação Character strengths and virtues (Peterson & Seligman, 2004), que articulou o critério, o desenvolvimento e o enquadramento para a classificação VIA, houve mais de 2 mil referências acadêmicas e 800 páginas de discussão das 24 forças de caráter, porém não mais que duas frases abor­daram o tema das “forças de assinatura”. Entretanto, aquelas poucas palavras foram o suficiente, pois inúmeros estudos sobre forças de assinatura surgiram desde 2004, articulando os benefícios e o valor das forças de assinatura. Os estudos têm examinado a correlação, a causalidade, os mediadores, os mo­deradores, as populações, a avaliação e as intervenções na tentativa de com­preender esse robusto tema. Este capítulo revisa os achados de pesquisas e oferece estratégias práticas para trabalhar com as forças de caráter.

Por que as forças de caráter são importantes?

A importância das forças de assinatura pode ser rapidamente defendida, não apenas pela ciência que surgiu durante as últimas duas décadas, mas também pela perspectiva do problema do desengajamento crônico em muitas organizações, relacionamentos e indivíduos. Eis um resumo de ambos.

  • Desengajamento de indivíduos - falta de florescimento. As pesquisas mos­tram que menos de 25% da população dos EUA está florescendo (Keyes, 2003), e resultados semelhantes são encontrados na Nova Zelândia (Hone, Jarden, Duncan, & Schofield, 2015). Isso significa que as pessoas não estão funcionando com um alto nível de bem-estar, social e psicologicamente. [65]
    • Apoio para as forças Um estudo mostrou que as pessoas que as pessoas que utilizam muito suas forças são 18 vezes mais propensas a florescer do que as quo não as utilizam (Hone et al., 2015). Cada um dos elementos essenciais do florescimento - emoções positivas, engajamento, significado, relacionamentos positivos e realização (Seligman, 2011) - está significativamente associado às forças de caráter.
  • Desengajamento de indivíduos - desconhecimento geral das forças. As pesquisas demonstram que dois terços das pessoas desconhecem suas forças (Linley, 2008). Dessa forma, se as pessoas não sabem quem são e do que são capazes, como se pode esperar que tenham um bom desempenho no trabalho e na vida?
    • Apoio para as forças. Uma amostra representativa de trabalhadores na Nova Zelândia revelou que aqueles que conheciam bem suas forças eram nove vezes mais propensos a florescer do que aqueles que as desconhe ciam (Hone et al., 2015). As forças de caráter têm sido associadas ao engajamento em vários estudos (por exemplo, Peterson et al., 2007).
  • Desengajamento de casais. Os relacionamentos estão sofrendo com altas taxas de divórcio para novos casamentos.
    • Apoio para as forças. Pesquisas crescentes apontam não apenas para o valor da apreciação, mas também em particular para a apreciação das forças. Em estudos com casais, aqueles que relatam que seu parceiro reconhece e aprecia suas forças de assinatura têm maior satisfação no relacionamento, são mais comprometidos com o relacionamento, e re­latam que suas necessidades básicas estão sendo satisfeitas (Kashdan et al., 2017). Diversos estudos fazem conexões entre as forças de cará­ter e a saúde do relacionamento (por exemplo, Lavy, Littman-Ovadia, & Bareli, 2014a, 2014b).
  • Desengajamento de funcionários. As taxas de desengajamento dos trabalha­dores estão acima de 79%, segundo a Organização Gallup, e há um desalinhamento entre as forças de caráter exigidas dos indivíduos e as forças de caráter que são naturais deles (Money, Hillenbrand, & Camara, 2008).
    • Apoio para asforças. A utilização das forças de assinatura está associa­da a engajamento no trabalho, produtividade, satisfação na vida e tra­balho como um chamado (por exemplo, Harzer & Ruch, 2015, 2016; Lavy & Littman-Ovadia, 2016; Littman-Ovadia & Davidovitch, 2010). [66] Uma análise de três anos do engajamento dos funcionários mostrou que as forças de assinatura eram um dos motivadores mais cruciais (Crabb, 2011). A Organização Gallup constatou que os funcionários que têm a oportunidade de utilizar suas forças são seis vezes mais propensos a se engajar em seu trabalho (Sorenson, 2014).

O desengajamento parece ser extremamente alto em muitos domínios de nossa vida. Isso exige uma nova ação. As forças de assinatura estão surgindo em domínios não apenas como uma fonte importante de engajamento, mas também como um caminho central. 

Conceitos centrais

As forças de assinatura são um dos conceitos mais pesquisados e praticados na psicologia positiva. Trabalhar com as forças de assinatura tem muitos dos diferenciais do sucesso:

  • É muito fácil de fazer: os praticantes não precisam mudar seu estilo ou abordagem.
  • Os clientes encontram benefícios imediatos.
  • Há suporte científico.
  • É diferente e único para os clientes que estão acostumados a focar no que está errado com eles.

As forças de assinatura têm sido bastante discutidas em fóruns acadêmicos e de consumidores. A publicação original sobre a classificação VIA, Character Strengths and Virtues, discute as forças de assinatura como traços pessoais po­sitivos que um indivíduo possui, celebra e exercita frequentemente (Peterson [67] & Sclignwn, 2004). Desta forma, as forças de assinatura estão associadas à Identidade da pessoa e ao conceito de quem são, e essas não podem ser con­sideradas à parte do contexto.

Seligman (2002) propôs diversas formas de pensar sobre as forças de as­sinatura, sugerindo que uma força de assinatura satisfaria a maioria, se não a todos esses critérios:

  • Um senso de apropriação e autenticidade (“Este sou eu de verdade”).
  • Um sentimento de entusiasmo ao demonstrar a força.
  • Uma rápida curva de aprendizagem quando a força é primeiramente em­pregada.
  • Um senso de anseio por encontrar novas maneiras de utilizar a força.
  • Um sentimento de inevitabilidade para utilizar a força (“Tente me parar”).
  • Revigoramento, em vez de exaustão após empregar a força.
  • Criação e busca de projetos pessoais que girem em torno da força.
  • Alegria, entusiasmo e até êxtase ao empregar a força.

A convenção entre os pesquisadores da psicologia positiva tem sido focar nas cinco forças do topo do perfil do indivíduo como suas forças de assinatura. Pesquisas iniciais sugerem que os indivíduos têm entre três e sete forças de assinatura (Peterson & Seligman, 2004). O Instituto VIA de Caráter investi­gou o construto com profundidade e conduziu quatro estudos, examinando o conceito inicial conforme discutido nos dois textos anteriores, em uma ten­tativa de compreender a quantidade de forças de assinatura nos indivíduos (Mayerson, 2013). Foram empregadas diferentes estratégias, juntamente com níveis variáveis de rigor no critério utilizado para determinar uma força de assinatura. As forças de assinatura mostraram ter pontuações VIA significati­vamente mais altas que as demais forças, desse modo, destacando as forças de assinatura como uma categoria distinta de forças. Alguns anos mais tarde, Ro­bert McGrath conduziu três estudos para desenvolver e validar o Questionário de Forças de Assinatura (Signature Strenghts Survey, SSS). O primeiro estudo examinou as diferenças da média entre as forças nos dados do Questionário VIA de quase meio milhão de pessoas, e o segundo estudo envolveu admi­nistrar o SSS preliminar e, depois, entrevistar os participantes sobre seus pa­drões de resposta. Quando foi pedido que fornecessem uma justificativa para [68] suas escolhas de forças de assinatura, a resposta mais comum foi que a força é "parte de quem sou". Esses estudos informaram uma iteração final do SSS, que foi administrado (terceiro estudo) em 41.31 pessoas e levou à identifcação de 5,5 forças de assinatura, em média. Esses resultados apoiam o construto das forças de assinatura que as pessoas acham que têm é consistente com o que os pesquisadores de psicologia positiva propuseram anteriormente, embora os critérios sejam mais rigorosos do que originalmente hipotetizados. O critério para determinar uma força de assinatura que parece ser a mais importante, o qual tem sido corroborado por outras pesquisas, é se a força é ou não vista como central ou essencial para quem a pessoa é.

Outra estratégia para pensar as forças de assinatura. que esclarece sua importância central em nossa vida, é engajar-se em um exercício de subtração mental. Considere como seria a vida se você não tivesse uma de suas forças de assinatura. Você pode imaginar como seria sua vida se não pudesse expressar sua força da criatividade? E se a força da curiosidade fosse tirada de você? Ao conduzir esse exercício experimental em milhares de pessoas, descobri que muitos respondem a ele com uma reação de “ah-ha”, e não é incomum ouvir suspiros de choque e horror com o pensamento de eles não terem suas forças centrais. Aqui estão algumas respostas típícas:

  • “Seria como se estivesse sufocado sem minha criatividade. Como se esti­vesse ofegante tentando respirar*.
  • “Prudência e cautela são quem eu sou. Isso é o que faço. Como você tiraria isso de mim?*
  • "Não ter minha curiosidade na vida seria como estar minimamente sobrevivendo".
  • “Sem minha inteligência social, não sei como iria interagir com as pessoas". [68]

As forças são apresentadas e exibidas por toda parte ao nosso redor, especialmente na mídia. Meu colega, Danny Wedding, e eu escrevemos sobre mais de 1.500 exemplos de filmes que exibem cada uma das forças de caráter da classificação VIA (Niemiec & Wedding, 2014). Nos filmes, aprendemos sobre as forças de assinatura de cada personagem, e com frequência vemos nossas próprias forças de assinatura refletidas de volta para nós. Podemos também voltar-nos para livros, shows de televisão, websites, blogs e redes sociais, e observar as forças de assinatura dos indivíduos sendo demonstradas ou fazendo a criação.

Ao ler um livro, pergunte-se: Quais são as forças de assinatura do narrador e dos personagens coadjuvantes? Quais são as forças de assinatura das celebridades na televisão? Dos líderes no governo ou na empresa? Para onde quer que olhemos, podemos identificar forças e nomear as forças de assinatura dos indivíduos ou personagens. Esse tipo de abordagem tem recebido crescente atenção nas escolas (por exemplo, White & Waters, 2014), Considere o ganhador do Oscar de Melhor Filme, O discurso do rei (2010), Este filme apresenta a metáfora perfeita para ilustrar o que as forças de assinatura realmente significam - ser autêntico e expressar nosso verdadeiro eu. No filme o rei George VI, da Grã-Bretanha (Colin Firth), sofre de um severo transtorno de gagueira, sendo incapaz de falar com clareza para ajudar a Informar e amenizar o pânico do povo na iminência da Segunda Guerra Mundial, o rei começa a trabalhar com um treinador de discursos (Geofrey Rush), que utiliza um alto grau de criatividade, curiosidade, bondade e perspectiva para ajuda-Io a encontrar sua voz. O “encontrar sua voz” é uma metáfora para a expressão das forças de assinatura. Lionel encoraja o rei a “ter fé em sua própria voz", e uma interação comovente, na qual o rei supera a gagueira e expressa-se claramente, acontece assim:

Rei: Escute-me!

Lionel: Escutar você? Com que direito?

Rei: Pelo direito divino se quer mesmo saber, eu sou seu rei.

Lionel: Não, você não é, você mesmo disse-me. Você não queria isso, Por que perderia meu tempo escutando?

Rei: Por que tenho o direito de ser ouvido. Eu tenho voz!... [pausa]  

Lionel: Sim, você tem... Você tem tanta perseverança, Bertie, você é o homem mais valente que conheço. [70]

 É nessa conversa que o rei encontra sua voz (seu eu autêntico, essencial); ela é clara, contundente e genuína. Lionel utiliza uma variedade de abordagens no papel de “treinador” - intervenção paradoxal, confrontação, resistência, conselheiro e apoiador - que ajuda o rei a reconhecer que seu verdadeiro eu é importante e que ele pode expressá-lo. No diálogo anterior, o telespectador pode observar a afiada percepção de Lionel para identificar e valorizar duas das forças de assinatura do rei - bravura e perseverança.
Podemos perceber as forças de assinatura dos indivíduos em praticamente qualquer situação. Considere o seguinte obituário:
Infelizmente, a própria Mary sofreu muitas tragédias durante sua vida. tanto exterior como interiormente. Suas forças de caráter foram a determinação e a vontade de supe­rar a adversidade. Com frequência, sua compaixão por outros tinha mais importância que sua doença (Pocono Record, 2012).

Essas três frases no obituário informam que Mary era uma mulher com as forças de assinatura da perseverança e bondade - ela superou obstáculos internos e externos e continuou lutando, além disso, emanava um senso de cuidado pelos outros ao longo do caminho.

Pesquisas sobre forças de assinatura

Forças de assinatura de novas maneiras

Na atual pesquisa sobre intervenção mais citada na psicologia positiva, Seligman et al. (2005) conduziram um estudo duplo-cego, de atribuição randomizada, controlado por placebo - um estudo padrão-ouro em termos de boa pesquisa. O estudo consistiu na participação de 577 adultos distribuídos [71] aleatoriamente em um dos cinco grupos, ou no grupo de placebo. Aqui estão os grupos e a tarefa principal de intervenção:

  • Visita da gratidão. Escreva e entregue em mãos uma carta de gratidão para alguém que foi especial para você, mas a quem você não agradeceu adequadamente.
  • Três coisas boas. Escreva sobre três coisas que foram boas e explique a causa, todas as noites.
  • Você no melhor de si. Escreva a respeito de um momento que você estava expressando o melhor de si e reflita sobre as forças demonstradas na histó­ria; revise essa história e as forças uma vez por dia.
  • Utilizando as forças de assinatura de uma nova maneira. Responda ao Questionário VIA, revise as cinco forças do topo e utilize uma dessas for­ças de uma maneira nova e diferente a cada dia.
  • Identificando as forças. Responda ao Questionário VIA de Forças, revise suas forças do topo e utilize-as mais durante a semana.
  • Placebo. Escreva sobre uma memória antiga a cada noite.

Embora tenha havido benefícios iniciais para cada grupo de intervenção, os benefícios duradouros foram observados em dois grupos: o grupo das “três coisas boas” (também chamado “contando as bênçãos” ou “praticando a grati­dão”), e o grupo de “utilizando as forças de assinatura de uma nova maneira”. Esses dois grupos tiveram aumentos significativos de felicidade e diminuição da depressão com efeitos duradouros por mais de seis meses. Os efeitos não apenas são fantásticos, mas também é impressionante notar que as interven­ções foram realizadas on-line e sem a assessoria pessoal de um praticante oferecendo apoio e orientação. Se essas intervenções fossem pinturas, seriam consideradas “minimalistas”.

As intervenções duraram apenas uma semana; no entanto, Seligman et al. (2005) verificaram que aqueles que apresentaram os resultados mais eficazes decidiram continuar a intervenção por si mesmos por um período de tempo. Isso mostra como pode ser intrinsecamente gratificante trabalhar com as forças de as­sinatura, assim como é preciso tempo e persistência para se criar novos hábitos.

A intervenção de utilizar as forças de assinatura de novas maneiras, com­parada a grupos de controle e a outras intervenções, tem sido replicada ou [72] parcialmente replicada em diversos ambientes, populações e culturas. Os benefícios em longo prazo (seis meses) da utilização das forças de assinatura foram replicados em uma amostra europeia (Gander, Proyer, Ruch, & Wyss, 2013), e benefícios foram encontrados em outros países, como Canadá (Mongrain & Anselmo-Matthews, 2012), Austrália (MHcheft, Stanimtrovíc, Klein, & Vella-Brodrick, 2009), RU (Linley, Nielsen, Gtflett, & Bsfwas-Diener, 2010), e China (Duan & Bu, 2017; Duan, Ho, Tang, Lí, ScZhang, 2013). Outro estudo mostrou que as três intervenções e o placebo tiveram efeitos positivos (por exemplo, elevações significativas de felicidade), com a intervenção em forças de assinatura melhorando o máximo em uma margem substancial, e o grupo de placebo de forma compreensível melhorando o mínimo após seis meses. O estudo, no entanto, sofreu uma alta taxa de desistência, no qual menos de um quarto dos sujeitos que iniciaram o estudo o completou (Woodworth, O’Brien-Malone, Diamond, & Schüz, 2017).

Populações de jovens a adultos mais idosos têm focado nas forças de as­sinatura com sucesso. Por exemplo, jovens que trabalharam suas forças de assinatura juntamente com definição de metas de significado experimentaram um aumento no engajamento e na esperança (Madden et aL, 2011). Em uma população de adultos mais idosos (de 50 a 79 anos), o grupo designado para trabalhar com uma força de assinatura de uma nova maneira teve a interven­ção mais eficiente de forma geral, e isso levou tanto ao aumento da felicidade como à diminuição da depressão. Outras intervenções foram parcialmente
eficazes comparadas ao placebo; por exemplo, conduzir a visita de gratidão e lembrar-se de três coisas boas beneficiaram os níveis de felicidade, enquanto lembrar de três coisas engraçadas reduziram os níveis de depressão (Prover, Gander et al., 2014a).
Outro estudo controlado e randomizado designou indivíduos para (1) um grupo instruído a utilizar duas forças de assinatura, (2) um grupo instruído a utilizar uma força de assinatura e uma força de baixo, ou 3) um grupo de controle. Os resultados revelaram ganhos significativos em satisfação com a vida para ambos os grupos de tratamento (Rust, Diessner, & Reade, 2009). Os participantes dos dois grupos de tratamento escreveram sobre um evento ou ocorrência no passado em que utilizaram suas forças de caráter de maneira bem-sucedida. A cada semana, eles também escreveram sobre um plano ou situação para a semana seguinte, em que poderiam aplicar a força. De [73] maneira semelhante, em um estudo não randomizado, Rashid (2004) observou que os grupos de estudantes que trabalharam com as forças de assinatura ou com ouras forças experimentaram aumento significativo de bem-estar, comparado ao grupo de controle. Uma pesquisa com estudantes de direito mostrou que a utilização das forças do topo levou à diminuição da depressão e do estresse, bem como ao aumento da satisfação dos estudantes (Peterson & Peterson, 2008). Outro experimento randomizado mostrou que o grupo de intervenção que trabalhoucom as forças e outros exercícios de gratidão e bondade melhorou o equilíbrio do afeto positivo e negativo ao longo do tempo, comparado ao grupo de controle (Drozd, Mork, Nielsen, Reader, & Bjiorkli, 2014). Em um estudo longitudinal, a utilização das forças em geral (não as forças VIA de caráter) mostrou ser um importante preditor do bem-estar e levou a menos estresse e aumento do afeto positivo, vitalidade e autoestima aos três meses e aos seis meses de acompanhamento (Wood, Linley, Matlby, Kashdan, & Hurling, 2011).

As forças de assinatura em diversos contextos

As intervenções com torças de assinatura tem sido aplicadas de maneira bem sucedida em uma variedade de contextos psicológicos com efeitos positivos; por exemplo, em uma unidade de internação para pessoas com depressão e comportamentos suicidas (Huffman et al.2014), em uma unidade de neuropsicologia para pessoas com traumatismo cranioencefalico (Andrew Walker. & O'Neill. 2014), em uma unidade ambulatorial para adultos com psicose (Riches, Schrank. Rashid. & Slade. 2016), em uma Administração de Reabilitação de Veteranos em que os veteranos colocaram um aviso para não [75] se esquecerem de utilizar as forças (Kbau et al. 2011), e em um contexto de aconselhamento de carreira (Littman-Ovadia, Lazar-Butbul, & Benjamin, 2014). No último estudo, o aconselhamento de carreira baseado nas forças foi comparado ao aconselhamento de carreira convencional, e os dois grupos de clientes tiveram um aumento na utilização diaria das forças, mas apenas o primeiro teve melhora na autoeatima. Em trés meses de acompanhamcmo, o grupo de aconselhamento de carreira baseado nas lorças teve uma taxa mais alta de emprego (81%) do que o grupo de aconselhamento convencional da carreira (60%).

A psicoterapia positiva é uma abordagem de terapia que foca na construção de emoções positivas, forças e significado na vida dos clientes paia promovera felicidade. Experimentos preliminares constataram que essa abordagem é superior ao tratamento convencional para depressão (Rashld & Anjum, 2008; Seligman, Rashid. & Parks, 2006). Tayyah Rashid notou que bem mais de 50% da psicoterapia positiva gira em torno da utilização e da prática das forças de caráter (Rashid, comunicação pessoal, 2011). As sessões focam nas intervenções gerais de forças de caráter (por exemplo, duas sessões para identificar e cultivar as forças de assinatura; duas sessões sobre a “árvore de forças da família” e “presente do tempo" para promover significado), forças específicas (por exemplo, uma sessão sobre perdão; uma sessão sobre gratidão), e promoção de um tema central da psicologia positiva (por exemplo, amor para cultivar engajamento; esperança para cultivar prazer).

Resultados bem-sucedidos associados ao foco nas forças (não as forças de caráter) têm também sido mostrados nas pesquisas do Minhas (2010) e Cox (2006); o último autor mostrou que a abordagem baseada nas forças (quando também validada e praticada pelo terapeuta) levou à redução na pontuação de vários comportamentos sociais e emocionais problemáticos.

As intervenções com forças de caráter são com frequência integradas em programas mais abrangentes que focam na construção do bem estar, resiliência, realização e outras áreas dentro do campo da psicologia positiva. Com frequência, a abordagem adotada nesses programas envolve ajudar os participantes a identificar suas forças de assinatura e então entrar em ação de alguma maneira com essas forças. Esses programas têm incluído uma variedade de contextos, como o educacional, organizacional e o serviço militar. Embora os resultados dessas iniciativas de programas sejam muito encorajadores e, em [75]  alguns casos, revolucionários e altamente influentes, os pesquisadores geral­mente não separam as contribuições feitas pelas forças de assinatura e outros componentes das forças de caráter de outras intervenções da psicologia posi­tiva. Apesar de as forças de assinatura serem, com frequência, descritas como “centrais” em muitos desses programas, perguntas como as seguintes perma­necem: Qual o elemento mais crucial desses programas abrangentes? Quanto valor os componentes das forças de caráter trazem para esses programas?
O que se segue são domínios comuns em que as forças de caráter, espe­cialmente o trabalho com as forças de assinatura, estão sendo aplicadas. Re­sultados de pesquisas são apresentados aqui e mencionados por todo o livro.

Organização

O contexto organizacional/local de trabalho tem sido um domínio par­ticularmente robusto de estudo para a ciência do caráter (veja Mayerson, 2015). Claudia Harzer e Willibald Ruch têm conduzido vários estudos no ambiente de trabalho. Eles constataram que os funcionários que utilizaram quatro ou mais de suas forças de assinatura no trabalho tiveram mais expe­riências positivas no trabalho e o trabalho como um chamado, do que os que utilizaram menos de quatro forças (Harzer & Ruch, 2012), e que as forças de assinatura estão conectadas às experiências positivas de trabalho, indepen­dentemente de quais sejam as forças mais altas (Harzer & Ruch, 2013). Em outros estudos, eles observaram que as forças de caráter estavam conectadas ao desempenho no trabalho (Harzer & Ruch, 2014), e ao enfrentamento do estresse (Harzer & Ruch, 2015). Finalmente, em um estudo de intervenção, eles descobriram que o alinhamento das forças de caráter dos funcionários com suas tarefas levou ao aumento da visão do trabalho como um chamado (Harzer & Ruch, 2016).

Um estudo sobre apoio supervisionado mostrou que os funcionários que receberam apoio do supervisor (mas não o apoio de colegas) aumentaram a utilização de suas forças no dia seguinte (Lavy, Littman-Ovadia, & Boiman-Meshita, 2016). Esses mesmos pesquisadores publicaram outro estudo sobre o ambiente de trabalho mostrando que a utilização de todos os tipos de forças (forças de assinatura, forças de felicidade, forças menores) estava associada com resultados positivos. Por exemplo, as forças de assinatura foram o maior contribuidor para o desempenho no trabalho, comportamentos de cidadania organizacional, e menos comportamentos contraprodutivos no trabalho; e as forças de felicidade foram o maior contribuidor para o significado, engaja­mento e satisfação no trabalho (Littman-Ovadia, Lavy, & Boiman-Meshita, 2016). Um estudo qualitativo examinou a utilização das forças de caráter por mulheres no local de trabalho e constatou que, em todos os casos, as forças levaram a um círculo virtuoso no qual a utilização das forças as ajudou a superar barreiras que haviam impedido o emprego das forças (Elston & Boniwell, 2011). Todos os sujeitos obtiveram benefícios de valor único utilizando as forças de caráter no trabalho. Outro estudo com funcionários mostrou que empregar as forças de assinatura de novas maneiras combinado a uma reunião estruturada de dez minutos foi benéfico para aumentar a utilização das forças e o número de metas traçadas, comparado ao grupo que utilizou apenas for­ças de assinatura de novas maneiras (Butina, 2016).

Recomenda-se que as organizações encontrem formas de ajudar seus co­laboradores a utilizar suas forças mais frequentemente no trabalho, pois a utilização das forças, em geral (não respondendo ao Questionário VIA), tem sido associada a níveis de autoeficácia e comportamento proativo dos colabo­radores (van Woerkom, Oerlemans, & Bakker, 2016), a afeto positivo e capital psicológico (Meyers & van Woerkom, 2016), e a absentismo reduzido (van Woerkom, Bakker, & Nishii, 2016). O clima de uma organização pode tam­bém apoiar os colaboradores a empregar suas forças. Em um estudo com 442 colaboradores de 39 departamentos em oito organizações, o clima psicológico baseado nas forças estava associado ao afeto positivo e ao desempenho no trabalho (van Woerkom & Meyers, 2014). A Organização Gallup tem focado suas pesquisas nas forças no local de trabalho e constatou que os dois previsores mais importantes da retenção dos colaboradores e da satisfação são; (1) relatar a utilização das forças do topo no trabalho e (2) relatar que um supervi­sor próximo reconheça as forças do topo do funcionário. Infelizmente, o Gal­lup observou que apenas 20% dos colaboradores acham que seus supervisores conhecem suas forças e um terço dos colaboradores diz ter a oportunidade de fazer o que faz melhor todos os dias. Quando a liderança de uma organização não foca nas forças do indivíduo, as chances de o colaborador estar engajado são de 9%; no entanto, quando a liderança foca nas forças do colaborador, essas chances aumentam para 73% (para mais detalhes, ver Asplund et al., 2007; Clifton & Harter, 2003; Hodges & Clifton, 2004). [77]  

Educação

Os achados mostram que as forças de caráter não foram apenas uma importante fonte de bem-estar entre estudantes (Gillham et al., 2011), mas tambem têm sido o grande foco dos programas de educação positiva ao redor do mundo. Em um artigo seminal, que argumenta sobre a integração das forças de caráter na educação, Linkins, Niemiec, Gillham e Mayerson (2015) desta­cam por que as abordagens educacionais tradicionais sobre caráter nos EUA e em outros países deveriam mudar todas as abordagens monilíticas e unifor­mizadas (a autoridade escolar escolhe algumas forças para todos os estudantes construírem), em vez de abordagens individualizadas que funcionam com as forças únicas de assinatura dos estudantes.

Embora as forças de caráter desempenhem um papel importante para criar bem-estar positivo (Oppenheimer, Fialkov, Ecker, & Portnoy, 2014) e resulta­dos positivos na sala de aulas (Weber e Ruch, 2012b; Weber et al., 2016), elas têm sido incorporadas a todos na escola, envolvendo colaboradores, professo­res, estudantes e líderes dos programas. Alguns programas empregam as forças de caráter como o único foco (ver Fox Eades, 2008; Proctor & Fox Eades, 2011), assim como o foco principal (ver Yeager, Fisher, & Shearon, 2011). A Academia das Forças (Strentghs Gym), criada por Carmel Proctor e Jennifer Fox Eades, é um exemplo de programa de intervenção em psicologia positiva baseado nas forças no qual crianças e adolescentes participam de várias atividades envolvendo forças de caráter aplicadas diretamente aos estudantes e Integradas na grade curricular da escola. Um estudo avaliou o impacto da Aca­demia das Forças em adolescentes e descobriu que os que participaram dos exercícios com forças tiveram satisfação na vida significativamente mais alta do que os adolescentes que não participaram (Proctor et al., 2011). Em um contexto educacional chinês, uma intervenção de treinamento com as forças (que envolvia perceber quando, onde e como as forças do topo são utilizadas, e escrever sobre isso), foi eficaz para promover a satisfação na vida em curto e longo prazo. Os pesquisadores excluíram o efeito placedo, informando a alguns participantes o propósito do estudo e não a outros, e saber/não saber o propósito não teve efeito em longo prazo na satisfação com a vida (Duan et al, 2013).

Os programas de educação positiva demonstraram aumentar as notas aca­dêmicas, as habilidades sociais, a apreciação e o engajamento na escola, assim [78] como melhorar as forças de caráter da curiosidade, do amor ao aprendizado e da criatividade (Seligman, Ernst, Gillham, Reivich, & Linkins. 2009). Resultados preliminares de acompanhamento de três anos de um programa de educação positiva (Gillham, 2011) mostraram que a educação positiva teve um impacto no engajamento e realização, mas não no bem-estar subjetivo. Programas extensivos de educação positiva têm sido implementados em diver­sas escolas, como a Escola Primaria Geelong e a Faculdade St. Peter, ambas de muito prestigio na Austrália, e isso têm resultado em muitas descrições de treinamentos, utilização criativa das forças de caráter e outros métodos de im­plementação da psicologia positiva (ver Norrish. 2015; White & Murray, 2015, respectivamente), O trabalho com as forças de caráter é geralmente visto como o fundamento desse programa, em geral ensinado nas primeiras sessões, e envolve identificar as forças de caráter, escrever narrativas sobre momentos do melhor eu, entrevistar membros da família sobre forças, aprender como utilizar as forças para superar desafios, desenvolver as forças mais baixas e identificar professores e líderes no campus, os quais os alunos acreditam ser modelos de uma força específica. O trabalho com as forças de caráter está integrado mais profundamente na grade e atividades escolares, e inclui identificar forças na literatura clássica (por exemplo, A morte de um caxeiro viajante, Macbeth e Me­tamorfose) e infundir as forças nos esportes. White e Waters (2014) descrevem a abordagem na Faculdade St. Peter e detalham exemplos de cinco iniciativas em que as forças de caráter foram integradas nas áreas de esporte, liderança dos estudantes, aconselhamento e grade curricular de inglês.

Trabalhos muito estimulantes estão surgindo também no domínio das escolas públicas. O Instituto VIA fez parceria com a Academia Mayerson, que começou a integrar o programa das forças de caráter em mais de 40 escolas públicas (Bates-Krakoff, McGrath, Graves, & Ochs, 2016), em Cincin­nati, região de Ohio, envolvendo treinamentos de estudantes e professores, aprendizagem com videogames on-line por meio do Happify e coaching dos professores. A avaliação desse programa, chamado Comunidades de Aprendi­zagem do Florescimento (Thriving Learning Communities), mostra resultados preliminares promissores, como aumento da aprendizagem de competências socioemocionais), autoconsciência das forças, capacidade de apreciar a escola, taxas mais baixas de absentismo e disciplina, e ponto médio de classificação mais alto (grade point average, GPA, uma escala de até 4) (Darwish, comuni­cação pessoal, 26 de setembro, 2016). [79]

Serviço militar

As forças de caráter têm sido avaliadas e/ou utilizadas nas várias forças armadas em todo o mundo, como Noruega. Suécia, Argentina, Austrália e índia, entre outras (ver Banth & Singh. 2011; Consentino & Castro, 2012; Gayton & kehoe, 2015; Matthews, Bid, Kelly. Bailey, & Peterson, 2006). O Exército dos EUA é um exemplo de organização que incorporou as forças de caráter como componente central de seu treinamento de psicologia positiva e resiliência, denominado Comprehensive Soldier Fitness Program (Cornum, Matthews, & Seligman, 2011; Reivich, Seligman, & McBride, 2011). As forças de caráter estão entre as principais áreas avaliadas pelo Global Assessment Tool implemen­tado nesse programa (Peterson, Park, & Castro, 2011; Vie, Scheier, Lester, &
Seligman. 2016). Um dos módulos centrais do programa de treinamento inclui a identificação das forças de assinatura, a prática de procurar as forças nos outros e a prática de utilizar as forças individuais e de equipe para superar um desafio ou alcançar uma meta. Após responder ao Questionário VIA, os solda­ dos exploram as seguintes perguntas (Reivich et al., 2011):

  • O que você aprendeu sobre si mesmo?
  • Que forças você desenvolveu durante seu serviço no exército?
  • Como suas forças contribuem para você realizar uma missão e alcançar suas metas?
  • Como você está utilizando suas forças para construir relacionamentos fortes?
  • Quais são os lados obscuros de suas forças e como você pode minimizá-los?

Os soldados engajam-se, então, em exercícios individuais e de equipe envol­vendo revisão das experiências individuais e de equipe sobre superar barreiras e alcançar sucessos, revisar estudo de casos, escrever histórias sobre “força nos desafios” e realizar uma missão em equipe que exige a utilização das forças de caráter de equipe.

Os pesquisadores do serviço militar também têm escrito sobre os benefí­cios de identificar as forças de caráter, como a coragem (Hannah, Sweeney, & Lester, 2007), e sobre a importância do caráter com “C grande” na liderança (Hannah & Jennings, 2013). [80]

Outros domínios e populações

As forças de caráter são importantes em uma infinidade de contextos e em uma variedade de populações. As forças de caráter/forças de assinatura estão sendo estudadas e aplicadas para avaliar e/ou tratar jovens e adultos com va­rias deficiências. Alguns desses incluem jovens com deficiências intelectuais/de desenvolvimento (Biggs & Carter, 2015; Carter et aL, 2015; Shogren, Wehme­yer, Lang, & Níemiec, 2017; Shogren, Wehmeyer, & Niemiec. 2017), interesses vocacionais em adolescentes (Proyer, Stdler, Weber, Sc Ruch, 2012), pais de crianças com deficiências (Fung et al., 2011; Woodard. 2009), adultos com deficiências intelectuais/desenvolvimento (Samson & Antonelli, 2013; Tomasulo, 2014), adultos com deficiências físicas (Chan, Chan, Ditchman, Phillips, & Chou, 2013), pessoas com dislexia (Kannangara, 2015; Kannangara, Griffiths, Carson, & Munasinghe, 2015), e adultos com autismo sem deficiência intelectual (Kirchner, Ruch, & Dziobek, 2016). As aplicações das pesquisas e práticas das pesquisas em forças de caráter têm sido delineadas com adapta­ções sugeridas para pessoas com deficiências intelectuais/de desenvolvimento (Niemiec, Shogren, & Wehmeyer, 2017).

As forças de caráter foram aplicadas ao se examinar as várias dimensões da saúde física, como alimentação saudável, condicionamento físico, higiene pessoal, prevenção do uso de substância e estilo de vida ativo (Proyer, Gander, Wellenzohn, & Ruch, 2013). Em experimentos randomizados e controlados que envolveram milhares de meninas da índia vivendo na pobreza, as meni­nas que receberam uma grade curricular que incorporou as forças de caráter (identificação e utilização das forças de assinatura e exemplos concretos de ou­tras forças) exibiram saúde física significativamente melhor e benefícios de saúde psicossocial, em comparação com aquelas que não receberam nenhuma grade curricular (controles) (Leventhal et aL, 2015,2016).

Uma análise quali­tativa também revelou e explicou como as meninas perceberam que construir as forças de caráter as ajudou a melhorar seu engajamento escolar e evitar matrimônio infantil, violência baseada no gênero, assédio e abandono esco­lar (DeMaria, Andrew, & Leventhal, 2016). Um experimento randomizado e controlado, com crianças gravemente doentes, mostrou que a intervenção de “realizar um desejo” reduziu a náusea e aumentou a satisfação na vida, as emoções positivas e as forças, comparado ao grupo de controle (Chaves, Vazquez, & Hervas, 2016). Em outro estudo, esses pesquisadores constataram [81] que aumentos nas forças de caráter gratidão e amor) e descobertas de benfícios previram satisfação na vida ao longo do tempo em crianças portadoras de doença com risco de morte (Chaves, Hervas, Garcia, & Vasquez, 2016), Com relação a outras populações únicas analisadas, muitos estudos têm examinado as dinâmicas das forças de assinatura e/ou forças de caráter, en­tre as quais: docência (McGovern & Miller, 2008), professores (Chan, 2009; Gradisek, 2012), sobreviventes de abuso (Moore, 2011), moradores de rua (Tweed, Blswas-Diener, & Lehman, 2012), dependências (Krentzman, 2013; Logan, Kilmer, & Marlatt, 2010), tratamento clínico com diferentes populaçóes (Smith & Barros-Gomes, 2015), crianças muito pequenas pela descrição dos pais (Park & Peterson, 2006c), músicos (Güsewell & Ruch, 2015), funcionários de centrais de atendimentos (Moradi, Nima, Ricciardi, Archer, & Garcia, 2014), casais (Goddard, Olson, Galovan, Schramm, & Marshall, 2016; Guo, Wang, & Liu, 2015), experiências de lazer (Coghlan & Filo, 2016), liderança de serviço (Shek & Yu, 2015), adultos que praticam sua religião (Berthold & Ruch, 2014), resultados de torneios esportivos (Proyer, Gander, Wellenzohn, & Ruch, 2014b), pais envolvidos na adaptação escolar dos filhos (Shoshani & ílanit Aviv, 2012), as forças de caráter desejadas em parceiros ro­mânticos adolescentes (Weber & Ruch, 2012a), e estudantes de direito (Kern & Bowling, 2015), para mencionar apenas algumas. 

Amplificar uma força do topo ou remediar uma fraqueza?

O campo da psicologia passou mais de um século focando em remediar deficiências, examinando os problemas e ajudando outros a aliviar o sofrimento. Essa abordagem de “consertar” o que está errado tem permeado muitas [82] disciplinas, incluindo organizações, educação e saúde. Portanto, pedir a um cliente, estudante ou colaborador que passe um tempo refletindo sobre suas forças é uma mudança substancial. É uma pergunta que faz o indiví­duo pensar duas vezes: Você tem certeza? Você não quer que eu fale sobre meu estressor mais recente ou dificuldade? Apesar de décadas de sucessos em pesquisas que apoiam as abordagens baseadas nas deficiências, utilizadas na terapia cognitivo-comportamental (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979), Cheavens et al. (2012) decidiram colocar a noção de “fraquezas versus for­ças” à prova. Eles designaram, de forma randomizada, adultos com depressão grave (transtorno depressivo maior), para terapeutas treinados que focaram em suas “forças únicas de TCC” ou para terapeutas treinados que focaram em suas “fraquezas únicas de TCC” (as duas primeiras forças do topo, ou as duas últimas forças, respectivamente). As áreas das forças ou fraquezas foram avaliadas em quatro aspectos - habilidades comportamentais, habilidades cog­nitivas, habilidades interpessoais e habilidades de atenção plena - todas im­portantes para a gestão dos sintomas da depressão. Os resultados mostraram que o grupo das forças teve mudanças mais rápidas nos sintomas de depressão e manteve melhora por 16 semanas de tratamento. Comparado ao grupo das fraquezas, o grupo das forças teve melhoras maiores e mais duradouras. Esse estudo, embora precise ser replicado, desafia a sabedoria convencional sobre remediar problemas e deficiências. Ele nos desafia a mudar nossa abordagem, aprimorar e focar no que há de melhor no cliente.

Essa abordagem de focar nas forças do cliente é citada nos estudos de Cheavens como “capitalização”, em outras palavras, capitalizar o que já está funcionando. Um estudo de pesquisadores holandeses também mos­trou os benefícios do modelo da capitalização, em que os participantes que focaram no desenvolvimento das forças demonstraram aumentos mais fortes no crescimento pessoal do que aqueles com foco nas deficiências (Meyers, van Woerkom, de Reuver, Bakk, & Oberski, 2015). O grupo do desenvolvimento das forças envolveu os participantes que receberam feedback de cinco a sete pessoas sobre suas forças (mencionado como exer­cício do melhor eu refletido; Spreitzer, Stephens, & Sweetman, 2009) e pensaram sobre suas forças e as discutiram com um pequeno grupo. Além disso, eles desenharam um pôster destacando como utilizam suas forças na vida diária, compararam seus perfis de forças aos perfis de vagas de [83] emprego, consideraram o ajuste entre as forças e a função do trabalho, e desenvolveram uma descrição em 30 segundos, enfatizando suas forças para um trabalho imaginado. Em outro estudo, o apoio organizacional percebido dos colaboradores para a utilização das torças e  o comportamento da utilização das forças estavam significativamente correlacionados à autoclassificação e à classificação do gestor sobre o desempenho do trabalho, enquanto o apoio organizacional percebido para a correção da deficiência e o comportamento de correção da deficiência não estavam relacionados ao desempenho (van Wocrkom Mostert et ah, 2016).

Esses estudos se associam a algumas das perguntas mais comuns formu­ladas pelos praticantes que estão aprendendo sobre forças: Deve ser dada atenção às forças de assinatura ou às forças mais baixas? Embora as forças mais baixas no perfil de forças de caráter do cliente não sejam vistas como fraquezas, a sabedoria desses estudos sobre capitalizar as melhores qualidades
pode ser acatada. Isso não significa que não há valor em se trabalhar as forças mais baixas, pois as pesquisas têm oferecido algum apoio para isso também (por exemplo. Rust et al., 2009), Um estudo examinou mais de perto algumas das diferenças entre os que focam nas forças do topo versus as forças de baixo. Esse experimento randomizado e controlado dividiu os participantes em três grupos: adultos que focaram em suas cinco forças do topo, adultos que focaram em suas cinco forças de baixo e um grupo de placebo. Os dois grupos de intervenções mostraram benefícios em felicidade por até três meses, assim como benefícios em depressão. Aqueles participantes com níveis inicialmente mais altos de forças tenderam a se beneficiar mais trabalhando com as forças mais baixas, ao passo que aqueles com níveis inicialmente mais baixos tende­ram a se beneficiar mais trabalhando com as forças mais altas (Proyer, Gander, Wellenzohn, & Ruch, 2015).

Atualmente, a partir de pesquisas, concluiu-se que trabalhar com qualquer força é benéfico quando o indivíduo pratica ações positivas para melhorar a si mesmo. Embora isso não tenha sido muito estudado, é razoável acreditar que trabalhar com as forças de assinatura seja superior a trabalhar com as forças mais baixas em longo prazo. pois as forças do topo são mais reforçadoras e energizantes e levam o indivíduo a sentir-se mais autêntico do que tentar construir uma força que pode esgotar a energia ou não ser tão motivadora internamente. [84]  

Porque e como as forças de caráter funcionam?

Após determinar o sucesso de uma prática, uma próxima pergunta natural, é adquirir um melhor entendimento das razões pelas quais a prática foi bem-sucedida. Em termos práticos, é provavelmente óbvio para a maioria que, se uma pessoa torna-se impossibilitada de expressar suas forças de assinatura, em breve, sentirá um sentimento de vazio (por exemplo, Escandón, Martinez & Flaskerud, 2016), mas é importante compreender também essa questão da perspectiva científica. Quais são os mecanismos de ação que ajudam a explicar o sucesso da intervenção? Alex Linley e sua equipe levaram adiante essa investigação e encontraram evidência inicial para apoiar as razóes por que a utilização das forças de assinatura está associada ao bem estar (Linley et al, 2010). Eles constataram que empregar as forças de assinatura está relacionado ao progresso das metas da pessoa e à satisfação das necessidades psicológicas básicas de autonomia, afinidade e competência, ou seja, os elementos essen­ciais da teoria da autodeterminação (Deci & Ryan, 2000). Isso cria um sentido bom e prático: as forças de assinatura surgem naturalmente em nós e são a expressão de quem somos. Portanto, quando permitimos que nossa parte es­sencial seja expressa, estamos satisfazendo as necessidades básicas humanas que têm a ver com fazer conexões em nossos relacionamentos e realizar, tanto quanto podemos, nessa vida. O sucesso com as metas flui naturalmente com isso. Como resultado, experimentamos maior felicidade. Essa explicação, en­tretanto, é apenas parcial.

Em outro estudo, a utilização das forças de assinatura elevou os indivíduos a uma “paixão harmoniosa”, que se refere a indivíduos que realizam atividades escolhidas livremente e sem limitações, as quais são altamente importantes e parte da identidade do indivíduo. A paixão harmoniosa levou, então, a maior bem-estar (Forest et al., 2012). A autoestima tem sido outro mecanismo que
vincula as forças de caráter com a satisfação na vida (Douglass & Duffy, 2015). Quinlan, Swain e Vella-Brodrick (2011) sugerem uma variedade de outros mecanismos pelos quais as forças de caráter podem influenciar o bem-estar.

Eles observam a distinção dos efeitos que estão “entre nós” (isto é, sociais), dos que estão “em nós” (isto é, pessoais), e criam hipóteses sobre os seguintes mecanismos:

  • As forças aumentam nosso esforço e perseverança, portanto, aumen­tam o bem-estar (Dweck, 1986). [85]
  • As forças aumentam a satisfação nos relacionamentos (Gable, Reis, impett, & Asher, 2004).
  • As forças ajudam os indivíduos a superar a adaptação hedônica (Diener. Lucas, & Scollon. 2006).

A autoconcordância é outra explicação ou mecanismo envolvido. Os cien­tistas constataram que há muitos benefícios em se traçar e alcançar metas e ter progresso em direção às metas (Miller & Frisch, 2009; Sheldon & Elliot, 1999; Sheldon & Houser-Marko, 2001). Mais especificamente, quando traça­mos uma meta que está alinhada com nossos valores e interesses, isso é cha­mado de metas autoconcordantes. As pesquisas mostram que experimentamos maior felicidade quando alcançamos uma meta autoconcordante, em vez de alcançarmos uma meta que não seja consistente com quem somos (Sheldon & Kasser, 1998). Valorizamos claramente nossas forças de assinatura e senti­mos energia e alegria ao expressá-las, portanto, alinhar metas e forças é uma maneira de ter mais sucesso ao criar a vida que queremos viver.

Em outro estudo, que constatou benefícios significativos para a utilização das forças de assinatura de novas maneiras, comparado ao placebo padrão, Mongrain e Anselmo-Matthews (2012) sugerem que o acesso do indivíduo à informação autorrelevante e positiva pode ser o mecanismo que explica os benefícios dessa intervenção. Wellenzohn, Proyer e Ruch (2016b) examinaram a força de caráter do humor em um estudo de intervenção que mostrou um aumento da felicidade e diminuição da depressão e estudaram alguns mecanis­mos diferentes: eles constataram que houve mudança da atenção em direção ao positivo nas intervenções voltadas para o presente e o futuro, e houve savoring das emoções positivas nas intervenções voltadas para o passado e o presente.

No contexto organizacional, o afeto positivo foi um mediador que explicou a conexão entre a utilização das forças de assinatura e uma variedade de resul­tados no ambiente de trabalho, tais como engajamento, significado, satisfação e desempenho no trabalho, comportamento de cidadania organizacional e comportamentos contraprodutivos no trabalho (Littman-Ovadia et al. 2016). Em outro estudo, o afeto positivo mostrou ser um mediador para a utilização das forças de caráter e bem-estar no trabalho (Meyers & van Woerkom, 2016).

De modo semelhante, em outro estudo, as emoções positivas e o engajamento explicaram a conexão entre a utilização das forças de caráter no trabalho e a [86] produtividade, comportamento de cidadania organizacional e satisfação no trabalho (Lavy & Littman-Ovadia, 2016). Esse mecanismo de afeto positivo, assim como outros mecanismos discutidos anteriormente, como o acesso às qualidades positivas internas e a definição de metas, tem forte associação com a teoria de expandir e construir de Barbara Fredrickson (2001), conforme originalmente aplicada às emoções positivas. Essa teoria afirma que as emo­ções positivas expandem o repertório de potenciais de ações no presente e constroem recursos para o indivíduo no futuro. Esse processo cria uma espiral ascendente de bem-estar (Fredrickson & loiner, 2012). Talvez as forças de caráter, especialmente se vistas pela perspectiva dos traços como distribuições de densidade dos estados emocionais (Fleeson, 2001), possam ser considera­das do ponto de vista da teoria do expandir e construir. Isso significa que as forças estão conectadas ao bem-estar porque expandem as possibilidades para a ação ótima no momento e, simultaneamente, constroem nossos recursos pessoais para ação posterior.

Em um estudo que examinou as relações (moderadores) da utilização das forças de assinatura, nível das forças de assinatura, chamado na vida e satis­fação na vida, os indivíduos com baixo chamado e altos níveis de forças de caráter tiveram a conexão mais forte entre a utilização das forças de assinatura e satisfação na vida (Allan & Duffy, 2013). Um achado-chave nesse estudo foi que o emprego das forças de assinatura é particularmente importante para aqueles com baixo significado e propósito.

No estudo de intervenção mais longo já realizado na psicologia positiva, Proyer, Wellenzohn et al. (2014) examinaram as conexões entre várias inter­venções positivas (por exemplo, forças de assinatura de novas maneiras, três coisas boas) e o tipo de intervenção adequado à pessoa, para predizer felicidade/depressão. Eles pretendiam examinar sob quais condições as forças de assinatura e outras intervenções positivas funcionam melhor em longo prazo. Com base no conceito de Lyubomirsky e Layous (2013) do melhor ajuste en­tre pessoa-atividade, Proyer e colegas constataram que os quatro elementos seguintes foram particularmente importantes como preditores da felicidade/depressão três anos e meio depois da intervenção:

  • Prática continuada. A continuação voluntária da prática além do tem­po designado (como observado de modo fortuito por Seligman et al., 2005). A prática continuada ajuda a facilitar o desenvolvimento de um hábito (Lyubomirksy, Sheldon, & Schkade, 2005). [87] 
  • Esforço. Como as pessoas trabalham com a intervenção, se completam mais, ou se menos, no tempo orientado.
  • Preferência. Se a pessoa gosta ou percebe os benefícios da intervenção (uma importante variável encontrada em um estudo de preferências de Schueller, 2010).
  • Reatividade precoce. Como as pessoas reagem à intervenção. Elas mostram uma resposta rápida, como um aumento imediato das emoções positivas?

Eles constataram que a combinação desses quatro indicadores foi muito bem-sucedida para prever a felicidade e a depressão em longo prazo. Eles explicaram que “a maneira como as pessoas pensam sobre as intervenções de psicologia positiva, a maneira como trabalham com elas, e a maneira como rea­gem a elas desempenha um papel na predição do bem-estar, posteriormente"
(Proyer, Wellenzohn et al., 2014, p. 14). São esses elementos do ajuste entre a pessoa e a intervenção que contribuem para os benefícios em longo prazo.

Como está provavelmente claro, há um número de fatores que explica a relação entre forças de caráter e bem-estar. Cada um desses nos fornece expli­cações mais profundas sobre a razão de a utilização das forças, especialmente das forças de assinatura, ser uma intervenção bem-sucedida. A medida que o mecanismo torna-se mais claramente compreendido, é provável que os achados alinhem-se à tendência natural que os seres humanos têm de desenvolver suas capacidades essenciais, de utilizar seus potenciais naturais e de se tornar tudo aquilo que podem ser (Buckingham & Clifton, 2001; Linley & Harring­ ton, 2006). Linley e Harrington (2006, p. 42), em seus argumentos para pro­moção do coaching baseado nas forças, resumem a base histórica substancial na qual as abordagens baseadas nas forças se apoiam:

E, mais fundamentalmente, uma abordagem baseada nas forças é solidamente alicer­çada no estabelecimento da aprendizagem e abordagens psicológicas que remetem à linhagem de Aristóteles, passando por Carl Jung, Karen Horney e Carl Rogers, até as abordagens do coaching moderno de Whitmore e Gallwey, integrando-se finalmente com a definição da psicologia do coaching, que agora sustenta os desenvolvimentos e a direção dessa nova disciplina.

Questões-chave no trabalho com as forças de assinatura

Esta seção analisa os importantes tópicos que os praticantes devem consi­derar com atenção, que estão relacionados à expressão das forças de caráter, [88] e começa a se aprofundar explorando o "como" do trabalho com as forças de aaainatura. Há multas formas de trabalhar com as forcas de carater, como você lerá a respeito em cada capitulo desta obra. Esta seção destaca algumas ideias essenciais para ajudá-Io a começar a explorar suas próprias forças de assinatura e aquelas de seus clientes.

Tipos do cegueira das forças

A fim de aprofundar a compreensão e apreciação das forças de assinatura, é importante primeiro considerar o conceito e o problema da cegueira das forças. ... Niemiec (2014a) apresentou quatro categorias de cegueira das forças, que são apresentadas em ordem de grau de desconhecimento, começando com o que é mais provável de representar ao menos conhecido.

  1. Desconhecimento geral dos forças

Essa categoria reflete uma falta generalizada de autoconsciência ou desconexão da pessoa com quem ela é (identidade). Muitas pessoas têm dificuldades de reconhecer suas forças (Linley & Harrington, 2006). Não é incomum encontrar  indivíduos que ficam atônitos, como um cervo sob a luz dos faróis, quando lhes perguntam quais são suas forças em uma entrevista de trabalho ou em uma primeira sessão de coaching ou psicoterapia. Alguns desses indivíduos não são reflexivos e não têm compreensão psicológica de si e de outros, enquanto outros simplesmente nunca pensaram sobre o assunto de “suas forças". Pessoalmente, continuo a sentir uma onda de tristeza quando pergunto a um cliente quais são suas forças e ele diz: “Não sei” ou “Não tenho nenhuma” e olha para baixo, para seus sapatos. Infelizmente, essa tem sido uma resposta muito comum.

  1. Desconexão com um significado

Pesquisas com questionários têm mostrado que apenas um terço das pessoas tem consciência significativa de suas forças (Linley, 2008), apesar de haver razões para acreditar que esse número cresça no contexto do trabalho (McQuaid & VIA Institute on Character, 2015). Alguns indivíduos apresentam uma resposta superficial à pergunta geral sobre nomear suas melhores forças, mas a resposta deles não é substanciosa. As respostas são vagas (por exemplo: “Tenho boas qualidades”), ou confundem forças de caráter com outros domínios de [89] forças, como um Interesse (por exemplo, "Gosto de ouvir música”), e talento/ habilidade (por exemplo, *Sou bom em futebol”). Uma pessoa pode dizer que tem desempenho melhor que a média em bascbol recreativo, no entanto, é o caráter que faz a conexão com o significado e a substância. Nesse exemplo, são as forças da perseverança, trabalho em equipe e autocontrole no campo de basebol que começam a nos dizer algo sobre as forças desse indivíduo.

  1. Ver as forças como ordinárias em vez de extraordinárias

As vezes, os indivíduos minimizam ou desvalorizam suas forças, ou são indi­ferentes sobre terem forças (Biswas-Dicner et al., 2011). Nesses casos, o indiví­duo responde ao Questionário VIA e reage com uma resposta do tipo “Sim, eu já sabia disso, não é nada demais”. Esse tipo de indiferença é uma bandeira ver­melha para a cegueira das forças. Pode ser verdade que a pessoa teria um palpite sobre quais são suas forças mais altas, mas esse não é o ponto. É provável que o indivíduo não esteja apreciando seu engajamento em algo que tem o potencial de ser um trampolim para muitos resultados positivos, como conhecer suas pró­prias metas pessoais. Em vez de ter um mindset de crescimento e curiosidade, eles veem a si mesmos com um mindset fixo. Eles passam por cima de seus tra­ços essenciais e não fazem conexões ativas entre as forças e suas experiências, não se engajam na conversa sobre forças no momento, e não fazem brainstorm para buscar ativamente maneiras de crescer com a expressão das forças.

A subutilização das forças é um fenômeno que provavelmente fundamenta cada uma das três categorias mencionadas. Acredito que todas as pessoas uti­lizam pouco suas forças periodicamente. Em outras palavras, 100% de nós te­mos pontos cegos sobre nosso autoconhecimento acerca das forças de caráter. Há sempre novas abordagens, ajustes, utilização e perspectivas que podem ser considerados quando se trata da utilização das forças, especialmente ao se incorporar o mindset de crescimento com as forças de assinatura (Dweck, 2006). Um dado indivíduo pode estar cego para utilizar uma de suas forças em certo contexto ou situação particular, cego a respeito de como uma força pode estar presente, mas disfarçada, ou não estar consciente de como suas forças se apresentam nas rotinas diárias, ao surgirem estressores, ou ao traba­lhar em direção a uma meta específica. Nesse sentido, é provavelmente justo dizer que a maioria das pessoas poderia beneficiar-se de maior mindfulness ao compreender e aplicar suas forças de caráter. [90] 

  1. A superutilizaçâo das forças

A superutilizaçâo das forças de caráter é um quarto tipo especial de ce­gueira. Ela ocorre quando um individuo emprega sua(s) força(s) de maneira muito forte em uma situação específica. Uma pessoa pode expressar tanta curiosidade que se torna intrometida, ou tanta liderança que parece contro­ladora. Frequentemente, a superutilizaçâo das forças tem um impacto nos relacionamentos, e o indivíduo que está superutilizando não está consciente (ou seja, cego) desse impacto ou pelo menos da extensão do impacto. Outras vezes, o indivíduo pode estar cego a respeito do que fazer sobre seu pesado es­forço de prudência no trabalho, ou da superutilizaçâo da humildade que deixa sua individualidade de lado.

Uma maneira de trabalhar com cada um dos tipos de cegueira das forças é integrar mindfulness e forças de caráter. O cultivo de mindfulness para melho­rar a utilização das forças de caráter é chamado de “utilização consciente das forças”, e a utilização das forças de caráter para promover uma prática de mind­fulness é referida como “mindfulness forte” (Niemiec, 2012; Niemiec, Rashid, & Spinella, 2012). O programa personalizado, chamado prática das forças ba­seada em mindfulness (mindfulness-based strengths practice - MBSP), para in­tegrar e melhorar ambos os fenômenos, tem mostrado resultados promissores (Ivtzan, Niemiec, & Briscoe, 2016; Niemiec, 2014a; Niemiec & Lissing, 2016).

A principal ideia desta seção é que a cegueira das forças pode ser disse­minada. Aqui está um exemplo: um de meus filhos apresenta alguns atrasos no desenvolvimento e está muito atrás de seus colegas para engatinhar e an­dar. Ele foi a vários especialistas e praticantes de intervenção precoce para receber auxílio. Passei muitas horas conversando com esses ajudantes, com membros da família e outros sobre o que deveríamos fazer e as estratégias para chegar lá. Expressei preocupação, de forma rotineira, sobre os atrasos no desenvolvimento e o impacto potencial em seu cérebro em desenvolvimento e relacionamentos sociais. Em uma de minhas discussões com a colaboradora de uma creche, a respeito da minha agenda para a equipe manter uma série de estratégias na tentativa de fazê-lo engatinhar, ela fez o seguinte comentário: “Ele está se movimentando para todos os lugares! Ele está conseguindo chegar onde precisa ir. Apesar de não engatinhar, ele está se movendo muito bem! Ele vê um brinquedo ou um grupo de crianças do outro lado da sala onde [91] quer chegar e vai até tá”. Foi aí que percebi. Meu filho já estava expressando diversas forças e enfrentando as dificuldades no desenvolvimento relacionadas a exploração, curiosidade e mobilidade de causa e efeito, indo do ponto A ao ponto B. Eu não estava sabendo - ou pelo menos valorizando - esse fato, que estava bem à minha frente! Estava mais entrincheirado em uma abordagem de deficiência, gastando meu tempo e recursos no que ele não estava fazendo ou no que ele deveria estar fazendo, em vez de estudar e celebrar o que ele estava fazendo (e fazendo muito bem). Seus deslocamentos - embora muito menos tradicionais do que os da maioria das crianças - foi algo que ele construiu. Essa conversa levou-me imediatamente para o modo savoring. Saboreei seus deslocamentos, sabendo que ele iria em breve superar esse estágio interes­sante e maravilhoso. Criei oportunidades para ele praticar esses movimentos, o que encheu meu coração de alegria (e meu celular de vídeos). Não ignorei os aspectos baseados no problema, em vez disso construi sobre eles, em vez de paredes os problemas tornaram-se um trampolim. Naquela situação, essa colaboradora ajudou-me a interromper minha cegueira das forças. [92]

O paradoxo das forças

Existe um paradoxo interessante no trabalho com as forças. Por um lado, os indivíduos tendem a não estar muito sintonizados com suas melhores qua­lidades na maior parte do tempo. Portanto, as forças são facilmente ignoradas, esquecidas e tratadas como comuns. Por outro lado, quando os indivíduos estão dispostos a explorar suas melhores qualidades, rapidamente encontram as forças em suas histórias e conversas com outros. Em geral, é fácil falar sobre forças de caráter e identificar-se com elas, e até mesmo as complexida­des sobre as forças são facilmente compreendidas se aos indivíduos é dada a oportunidade. Isso foi mostrado em um estudo que explorou as forças de caráter VIA com estudantes do ensino médio (Steen, Kachorek, & Peterson, 2003). Até mesmo crianças muito pequenas podem facilmente compreender cada uma das 24 forças quando se dedica tempo para ensiná-las (Fox Eades, 2008). E os praticantes que lideram discussões sobre forças com os clientes - mesmo aqueles muito deprimidos ou desengajados - percebem que esses se interessam e se engajam. É como se uma nova porta fosse aberta, permitindo ao cliente ver as coisas de uma nova maneira.

Denomino essa discrepância, entre o desconhecimento das forças e o alto potencial para sua utilização, de “paradoxo das forças”. Os praticantes po­dem aprender a utilizar o paradoxo das forças em seu favor. Nossas forças de assinatura parecem ser, em grande parte, pré-conscientes (para roubar um termo de Freud de um século atrás). É como se nossas forças de assinatura e as conversas sobre forças estivessem esperando para serem exploradas bem abaixo do conhecimento consciente. Isso significa que há um grande potencial para todo cliente romper com seus pontos cegos, mover-se além da superfície de sua consciência e deixar a qualidade positiva fluir.

Tenho me referido às forças de assinatura como um verdadeiro “divisor de águas”, especialmente quando trabalho com clientes (Niemiec, 2014a). As forças de assinatura ajudam os praticantes a preencher a lacuna do paradoxo das forças. Em todo evento esportivo há, com frequência, um momento em que a dinâmica muda em favor de um time, mobilizando a energia, o traba­lho em equipe, a liderança e impulsionando aquele time rumo à vitória. Isso pode ser um grito arrebatador de um jogador, um roubo defensivo, um gol de placa, ou um esforço abrupto. As forças de assinatura podem ser esse divisor [93] cegos. Portanto, quando as forças são trazidas para a atenção deles, há com frequência uma reação do tipo "Ah sim, é claro!",

Além da consciência dos forças de caráter

Não há praticamente discordância entre nenhum dos líderes da psicologia das forças e do couching de forças de que conhecer as próprias forças de as­sinatura seja importante e necessário para o bem-estar (Biswas-Diener et al., 2011; Buckingham & Clifton, 2001; Cooperrider & Whitney, 2005; Duttro, 2003; Forster, 2009; Kauffman, Silberman, & Sharpley, 2008; Linley, 2008; Lopez, 2008; Madden et al., 2011; Niemiec, 2012; Peterson, 2006a; Proctor & Fox Eades, 2011; Rashid, 2009; Rath, 2007; Seligman et al., 2005). E é notável que alguns têm relatado benefícios em apenas identificar suas forças de caráter com o Questionário VIA, em uma variedade de populações (por exemplo, Kobau et al., 2011; Seligman et al., 2005; Sims, Barker, Price, & Fornells-Ambrojo, 2015).

Todavia, conhecer as próprias forças é provavelmente necessário, mas não é o suficiente para resultados particularmente importantes, tal como o florescimento humano. É a expressão das forças de caráter que parece promover benefícios substanciais. E está se tornando mais claro que as forças de caráter podem ser desenvolvidas deliberadamente (por exemplo, Biswas-Diener et al., 2011; Louis, 2011; Seligman et al., 2005).

As pesquisas têm corroborado importantes benefícios da utilização das forças de caráter como diferentes de apenas ter consciência (Littman-Ova- dia & Steger, 2010). Isso tornou-se mais claro em um estudo que mencionei anteriormente - com uma amostra representativa de colaboradores da Nova Zelândia, de Lucy Hone e colegas (2015), que examinaram a consciência das forças, a utilização das forças e os níveis de florescimento. Esses pesquisa­dores constataram que os colaboradores que estavam altamente conscientes de suas forças foram nove vezes mais propensos a florescer do que os que não estavam conscientes delas, mas aqueles que relataram alta quantidade na utilização das forças foram 18 vezes mais propensos a florescer do que os que relataram quantidade muito baixa na utilização das forças. Embora esses números não signifiquem que o conhecimento ou a utilização das forças cause o florescimento nessas taxas, é interessante ver as distinções não apenas entre a consciência das forças e o desconhecimento das forças, mas também entre a consciência das forças e sua utilização. [94] 

Muitas pessoas que respondem ao Questionário VIA reconhecem isso ao examinar seu perfil de forças de caráter e, ao acumular alguma autoconsciência sobre suas forças, deparam-se com a utilidade prática de seu uso, dizendo: “Tudo bem, respondi ao Questionário VIA, e agora o que faço?"

Muitos praticantes caem na armadilha da abordagem simplista do trabalho com as forças e “pulam” imediatamente do “identificar” para o “utilizar", o que é geralmente insuficiente como abordagem (Biswas-Diener et al., 2011). Niemiec (2013) notou que há um passo básico, mas crucial, que tais pratican­tes perdem, e que ocorre depois de identificar as forças e antes de estabelecer um plano de ação - ajudar o cliente a explorar suas forças.

Dois conceitos gerais são cruciais quando se trabalha com as forças de caráter: a) priorizar as forças de assinatura e b) todas as 24 forças importam. Ajudar o cliente a focar, sintonizar-se e dominar suas forças de assinatura em vários contextos provavelmente lhe dará mais benefícios e mais flexibilidade para alcançar suas metas. Ao mesmo tempo, os clientes preci­sam ser lembrados de que têm muitas forças que podem ser desenvolvidas e utilizadas. Para um cliente novo no mundo das forças ou novo em colocar os “óculos das forças”, pode ser intimidante - se não impossível - tentar focar ou construir todas as 24 forças. Dessa forma, é geralmente melhor começar por onde eles sentem-se energizados e entusiasmados e podem expressar-se natu­ralmente (forças de assinatura), e, depois, partir desse ponto. Considerando isso, muitas pessoas ao longo dos tempos têm sistematicamente passado pelas principais virtudes ou forças tentando construí-las uma a uma. O estadista norte-americano do século XVIII, Benjamin Franklin (1962), escreveu sobre como monitorou, manteve um diário, discutiu e tentou melhorar várias virtu­des, focando em uma virtude diferente a cada semana.

As pessoas às vezes acham surpreendentemente desafiador descobrir novas maneiras de utilizar uma de suas forças de assinatura. Isso acontece porque não temos prática em utilizar nossas forças e, quando as utilizamos, fazemos isso sem muita conscienciosidade. Por exemplo, você tem prestado bastante atenção em sua força de autocontrole enquanto se veste? Em seu nível de prudência ou bondade ao dirigir? Em sua humildade durante uma reunião de equipe? [95]

Como utilizar as forças de assinatura de novas maneiras

À medida que as pesquisas sobre a utilização das forças de assinatura de novas maneiras tornam-se sólidas e continuam a expandir-se, os praticantes e clientes ficam ansiosos para empregá-las. Por isso, apresento aqui quatro estratégias: comportamentos simples, ancoragem, mapeamento dos contextos e mapeamento holistico.

Essas dicas práticas, algumas das quais menciono na obra Character streng­ths matter (Polly & Britton, 2015), ajudarão você e seus clientes a desenvolver suas forças de caráter e tornarão esse exercício mais prático, fácil de fazer e até mesmo revigorante. Os leitores podem desejar retornar à Tabela 1.2 no Capítulo 1 para revisar exemplos de “pequenos" usos das forças no dia a dia que ofereci para cada uma das 24.

 

Comportamentos simples

Para iniciar, muitos praticantes e clientes acham útil começar com uma lista dos comportamentos das forças de assinatura. A Tabela 2.1 inclui duas idéias para a utilização de cada força de caráter de uma nova maneira. [96]

Tabela 2.1 - Utilizando as forças de assinatura de novas maneiras

Ancoragem

Ancore as forças de assinatura a uma atividade diária que você já faz. O que você faz todos os dias que faz parte de sua rotina? Dirigir, preparar o almoço, participar de uma reunião, de escrita criativa, brincar com seus filhos, relaxar com seu cônjuge, enviar e-mails para amigos. Comece escolhendo uma dessas atividades de rotina, e comprometa-se a utilizar uma ou mais de suas forças de assinatura durante aquela atividade. Por exemplo, se você ancorar a imparciali­dade à conversa com seu cônjuge, poderá, conscientemente, assegurar-se de lhe permitir uma quantidade igual de tempo para que ele compartilhe sobre seu dia e que escolha a atividade relaxante para vocês dois realizarem juntos. Se você an­corar a bondade ao dirigir, poderá, de forma deliberada, encontrar uma ou duas maneiras em cada viajem de ser sensível às necessidades potenciais de outros mo­toristas, e sair de seu caminho para sorrir/acenar para eles e dirigir com cuidado.

Mapeamento do contexto

Quando considerar os principais domínios de sua vida - trabalho, escola, família, relacionamentos, comunidade - tome nota do grau em que você ex­pressa, confortavelmente e regularmente, todas as suas forças de caráter em cada domínio. Muitas pessoas acham que há uma lacuna no grau em que expressam uma força em um ou dois domínios, em comparação a outros domí­nios. Gere alguns exemplos da expressão de suas forças de caráter, escrevendo sobre como você utiliza suas forças do topo em cada domínio. Em que domí­nios sua escrita é mais fluida e rica? Em que domínios você tem dificuldades de pensar em exemplos? Permita a cada domínio informar outros ao gerar mais e mais idéias sobre como utilizar suas forças de assinatura de novas maneiras. [99]

Mapeamento holístico

Originalmente baseadas no modelo de dois fatores de Peterson (2006a), as forças de caráter foram mapeadas em duas continuas (VIA Institute. 2014): forças que são do coração (por exemplo, sentimento, corpo, emoção, intuição), ou da cabeça (por exemplo, lógica, análise, raciocínio), e forças que são mais in­terpessoais (com outros), ou intrapessoais (quando se está sozinho). A Figura 2.1 retrata o gráfico circumplexo da classificação VIA, denominado “gráfico do equilíbrio de dois fatores” dos dados analisados por Robert MacGrath, em 2014 (veja também um relatório de amostra com o mapeamento circumplexo em http://www.viacharacter.org/www/ Portals/O/VIA%20Pro%20Report,pdf).

Mapear cada força de assinatura em quatro aspectos é ainda outra maneira de expandir seus pensamentos e ações sobre como você pode utilizar suas forças de assinatura. Isso permite uma visão mais completa e holística de si mesmo e serve para acionar a potencialidade de cada força de caráter. Veja a Tabela 2.2 para um exemplo da utilização da força de gratidão. [100]

Tabela 2.2 - Mapeamento holístico da força de gratidão.

 

Psicologia - Psicologia positiva
11/22/2020 1:43:38 PM | Por Ryan Niemiec
Fundamentos da prática baseada nas forças

Era 2009. Eu havia escrito um livro sobre forças de caráter no ano anterior e era uma das poucas pessoas que tinha se dedicado a tal esforço sobre esse tópico. Mesmo assim, percebi que sabia muito pouco sobre forças de caráter. Havia estudado, minuciosamente, as 24 forças, pesquisas, aplicações existentes e o extenso histórico da classificação VIA, mas a verdadeira profundidade sobre a natureza do caráter e a versatilidade da prática não estavam lá. Teria sido fácil pensar que já sabia tudo quando cheguei ao Instituto VIA, mas isso teria sido um mindset fixo, atitude de especialista, e um trágico erro. Apreciando minhas forças da curiosidade e esperança, estabeleci um processo de estar aberto para novas idéias e visões. Depois de ter tido algumas conversas com Neal Mayerson (Presidente do Instituto VIA), expandi meu pensamento sobre o que realmente significa caráter. Por meio desses diálogos, e por ser desafiado pelo pensamento crítico e criativo da equipe do Instituto VIA, diariamente - com reflexão solitária - comecei a compreender realmente a profundidade desse trabalho. Ficou claro para mim que todos os que trabalham com forças de caráter estão envolvidos no trabalho de uma vida. Essas forças são catalisadoras de ações e narrativas positivas, que utilizamos em qualquer situação para o resto de nossa vida.

Ao ler este capítulo, você construirá uma base de conhecimentos sobre forças de caráter na qual as práticas e as intervenções com forças de caráter (IFC) apresentadas nos capítulos posteriores são baseadas. Destaco sete con­ceitos centrais subjacentes às forças de caráter: uma linguagem comum, dimensionalidade e contexto, pluralidade, todas as forças de caráter importam, diferentes tipos de forças, as forças de caráter podem ser desenvolvidas, e ser e [31] fazer. Embora os conceitos discutidos não sejam exaustivos, servem como um trampolim para os leitores e, especialmente, para os praticantes que trabalham com indivíduos que utilizam uma abordagem baseada nas forças. Com esse propósito, as “dicas para praticantes baseadas nas forças” são oferecidas para o praticante transformar as idéias em ação.

Como complemento deste capítulo, recomendo que você leia o Apêndice A, 1 que oferece um histórico sobre a classificação VIA de forças de caráter e virtudes e sobre os instrumentos de mensuração do Questionário VIA. Muitos pra­ticantes acharão útil explicar esses conceitos para seus clientes. O Resumo 1.1 lista uma variedade de definições de forças de caráter da literatura sobre o tema.

As forças de caráter são características/capacidades positivas que são pes­soalmente enriquecedoras, não diminuem os outros, são universais e valoriza­das em todas as culturas, e alinhadas com diversos resultados positivos para si mesmo e outros. [32]

Linguagem comum

As 24 forças de caráter, como um grupo, são uma linguagem comum que descreve o que há de melhor nos seres humanos. Essa é uma descoberta ino­vadora, pois nunca houve, historicamente, uma linguagem do caráter que atravessasse culturas. As realidades desse princípio estão em toda parte: os coaches e terapeutas utilizam essa “linguagem comum” com seus clientes para ajudá-los a identificar suas melhores qualidades. Os gestores utilizam a “lin­guagem” para ajudar seus colaboradores a se tornarem mais produtivos e felizes no trabalho, e os professores a utilizam para ajudar seus alunos a con­solidar a aprendizagem mais profundamente. As famílias a utilizam para criar
uma cultura positiva em casa e os indivíduos a utilizam para seu autodesenvolvimento. Ter uma linguagem facilmente compreendida por todos permite a cada pessoa estar “na mesma página” que outros ao abordar um desafio, engajar-se em uma conversa e apoiar um ao outro.

E importante compreender que essa linguagem não é uma compilação alea­tória de palavras positivas. Muito pelo contrário, pois ela é o resultado de um projeto de três anos e da colaboração entre cientistas. Sob os auspícios do Instituto VIA de Caráter, organização global sem fins lu­crativos, os cientistas/acadêmicos, Chris Peterson e Martin Seligman, lideraram uma equipe de 55 cientistas bem conhecidos no projeto de anos, que envolveu uma extensa revisão histórica e análise do melhor pensamento sobre o tema do caráter na filosofia, ética das virtudes, educação moral, psicologia e teologia dos últimos 2.500 anos. O resultado foi uma classificação de seis virtudes (sabedo­ria, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência), encontradas universalmente nos seres humanos, em todas as religiões, culturas, nações e sistemas de crenças. Após aplicar vários critérios de forças, surgiram 24 forças que representam fortemente os caminhos para cada uma das seis virtudes. Essa pesquisa, análise e revisão é amplamente discutida em Character strengths and virtues: A handbook and classification (Peterson & Seligman, 2004).  Instrumentos de mensuraçáo também foram desenvolvidos e passa­ram por diversas alterações no decorrer dos anos até serem finalizados com boa psicometria. Foram criadas duas classificações - o Inventário VIA de Forças (VIA-IS; coloquialmente referido como Questionário VIA), para adultos, e o Questionário VIA Youth, para jovens de 10 a 17 anos de idade. [33]

Uma linguagem comum significa portas abertas de comunicação. Significa que os praticantes têm um modelo para pensar e trabalhar com os clientes. Sig­nifica que os clientes têm uma nova maneira de ver a si mesmos; a linguagem serve como um guia para compreender a essência de quem são. Dessa com­preensão mútua, podem germinar intervenções e estratégias, bem como surgir conversas em que o cliente e o praticante identificam as forças um do outro. [34]

Como mencionado anteriormente, o modelo original da conceituação de Character strengths and virtues (Peterson & Seligman, 2004) explicou o nível mais alto da hierarquia como virtudes, seguido pelas 24 forças de caráter que formam cada virtude, as quais são seguidas por temas situacionais em que as forças de caráter são expressas (veja a Figura 1.1). A medida que surgem pesquisas de vários estudos no mundo, níveis adicionais podem ser considerados, pelo menos para os praticantes refletirem. A Figura 1.2 [35] oferece algumas distinções úteis que são relevantes para os praticantes. Note que esse não é um modelo científico, mas conceitual. A relação entre cada um dos elementos na figura não foi explorada com profundidade. Uma das duas adições é o contexto, ou seja, a força de caráter é expressa no trabalho, na escola, em casa, na comunidade, ou em outro contexto em geral? Há muitos estudos específicos para um contexto, tais como a miríade de estudos sobre forças de caráter no contexto do ambiente de trabalho (por exempo, Harzer & Ruch, 2012), e no ambiente escolar (por exemplo, Weber, Wagner, & Ruch, 2016). Esses estudos oferecem ao praticante e cliente sabedoria so­bre quais resultados poderão ocorrer no trabalho ou na escola, em casa ou na comunidade, em geral, caso as forças de caráter sejam empregadas. Isso é distinto do nível com nuances dos temas situacionais, o qual não tem sido explorado tão profundamente. Por exemplo, no contexto do trabalho, como as forças de assinatura poderão ser expressas de maneira diferente em uma situação com seus consumidores ou clientes, em uma situação em que os projetos de trabalho e o estresse estejam se acumulando, em uma situação de interação com o chefe durante uma revisão de colaboradores, ou a situação de um colaborador ficar doente, mas saber que precisa concluir um projeto? A quantidade de temas situacionais potenciais é infinita em cada contexto. Entretanto, esse é o trabalho de exploração no diálogo entre praticante e cliente acerca da utilização das forças.

Outra adição na Figura 1.2 apresenta as três virtudes - cuidado, interesse e autocontrole. McGrath (2015c) estudou mais de 1 milhão de pessoas entre quatro amostras e medidas múltiplas de forças de caráter e encontrou apoio para que as 24 forças de caráter fossem divididas em três fatores. Isso demons­trou consistência com as descrições filosóficas das virtudes, assim como a ex­periência dos líderes nos campos do caráter moral e educação moral. Embora possa ser argumentado que essas três virtudes podem substituir as seis virtu­des originais nessa conceituação prática, essa possibilidade não alcancou um consenso científico para isso ser feito, por isso retive o original para fornecer nais nuances e diálogo entre os praticantes. Poderá haver uma “força mestre” em um nível até mais alto? Alguns pesquisadores, praticantes e teóricos ar­gumentam a esse favor, mais comumente notando a perspectiva/inteligência social (ou seja, sabedoria prática), autorregulação, humildade e gratidão, no entanto, não há consistência entre os cientistas sobre esses argumentos. [36]

Figura 1.1

Figura 1.2

O foco desta obra é, certamente, o nível de forças de caráter; no entanto, os leitores encontrarão intervenções para os níveis mais altos e muita discus­são por toda a obra sobre a aplicação das forças em diferentes contextos e situações específicas.

Dimensionalidade e contexto

Um homem honesto que trabalha arduamente. Uma mulher íntegra que toma boas decisões morais. Uma pessoa de negócios com má reputação. No mundo atual, cada uma dessas pessoas seria, provavelmente, descrita como tendo bom ou mau caráter. Tais concepções representam as visões tradicionais e limitadas sobre o caráter, popularizadas durante décadas. Elas têm a conse­qüência lamentável de refletir as percepções de tudo ou nada do caráter. A [37] rotulação do caráter das pessoas como om/mau, alto/baixo, positivo/negativo está arraigada em muitas culturas e é rapidamente testemunhada, absorvida e mostrada nas visões da sociedade sobre presidentes, líderes, estrelas de cinema e atletas profissionais.

Na realidade, o caráter é mais complexo do que isso. O caráter de uma pessoa, seja ela Tiger Woods ou |. K Rowling, é multidimensional. A dimencionalidade significa que o caráter é visto em graus; em outras palavras, quanto da força de caráter da imparcialidade você está demonstrando? Isso está em contraste com o abordagem categórica utilizada para diagnosticar transtornos psicológicos e médicos, dos quais o indivíduo preenche os critérios para buli­mia, transtorno do pânico, diabetes tipo II, ou não preenche os critérios. Ou a pessoa tem o transtorno, ou não o tem.

A classificação VIA e o Questionário VIA refletem essa abordagem dimen­sional, pois as forças de caráter são expressas em graus - temos graus de cria­tividade, honestidade, entusiasmo, e assim por diante. Isso está alinhado ao conceito dos “traços contínuos", em que qualquer força de caráter pode aparecer em um variado continuum de mais ou menos (Miller, 2013). Explicado de outra maneira, utilizando o exemplo de outros traços de personalidade:

A introversão e extroversão são tipicamente concebidas e mensuradas como dimen­sões (como são as forças de caráter VIA), então, perguntar quantos introvertidos há é como perguntar quantas pessoas altas há. A resposta depende de onde escolhemos fazer o corte na dimensão de interesse. Dito isso, a avaliação psicológica é dimensional e embora amemos respostas simplificadas que nos permitam falar sobre introvertidos, otimistas ou gênios, a questão é que há alguns “tipos” preciosos na psicologia, casos extremos (Chris Peterson, comunicação pessoal, 5 de janeiro de 2010, tradução nossa).

As pesquisas que utilizam o Questionário VIA mostram que essa visão da dimensionalidade é a que melhor descreve as forças de caráter (McGrath, Rashid, Park, & Peterson, 2010), mas isso não exclui inteiramente uma abor­dagem categórica na qual a pessoa tem ou não tem uma força de caráter em uma situação particular, semelhante ao critério da “ausência seletiva” de Pe­terson e Seligman (2004), ao estabelecerem a classificação VIA. Por exemplo, uma criança que está batendo implacavelmente na outra no parquinho pode ter ausência de bondade naquela situação, mas essa mesma criança pode ir para casa e expressar bondade genuína para sua mãe (dessa forma, a bondade não está completamente ausente nela). O mesmo, geralmente, não poderia ser [38] dito de uma pessoa com o "rótulo categórico* de dependente de álcool; O alcoolismo está. categoricamente, presente nela quando está no trabalho, em casa ou com amigos. Desse modo, embora as distinções categóricas de tudo ou nada, como *ou você tem criatividade, ou não tem*, rsejam globalmente menos precisas sobre uma pessoa, elas podem ter úteis em situações particular?!. Alguns acadêmicos do caráter moral têm argumentado que há um limiar mí­nimo ou certos padrões pelos quais um traço de caráter deve primeiramente se qualificar (isto é, traço categórico), antes que possa ser definido como um traço contínuo (Miller 2013).
Considerado de forma mais profunda, há uma multidímensionalidade pata cada força de caráter; por exemplo, a bondade envolve dimensões de compai­xão, generosidade, cuidado, encorajamento, altruísmo e gentileza, cada uma oferecendo um sabor ou dimensão diferente dessa força chamada bondade.

“Não há algoritmo para a vida*, explica Fowers (2005, p. 13), em seu texto sobre a prática da virtude; em outras palavras, sempre haverá subjetividade, fatores individuais únicos e, especialmente, nuances baseadas no contexto.

O grau de expressão das forças de caráter está baseado no contexto em que se está inserido. O contexto é cruciai para se entender e, por fim, utilizar as forças de caráter com sabedoria prática (Fowers, 2005, 2008; Schwartz & Sharpe, 2006). Os indivíduos provavelmente expressarão suas forças de caráter de diferentes maneiras e em maior ou menor extensão com base nas circunstâncias em que se encontram. Por exemplo, o nível ou quantidade de bondade expressa com o companheiro de relacionamento (por exemplo, oferecer-se para fazer o jantar) difere em extensão da força expressa em relação a um morador de rua (por exemplo, dar R$ 15 para a pessoa). Além disso, o indivíduo pode achar muito fácil expressar bondade com os colegas de traba­lho, mas muito difícil em outra situação, como prestar consultoria a um cliente ou comunicar-se com seu supervisor. [39]

As forças de caráter não operam de forma isolada dos ambientes, em vez disso são moldadas pelo contexto em que nos encontramos. Um indivíduo pode potencializar sua bondade ou curiosidade quando está com amigos, uti­lizar o autocontrole e a gratidão ao alimentar-se, empregar a liderança e cria­tividade no trabalho e demonstrar amor e trabalho em equipe com a família.

O grau da força de caráter que a pessoa expressa com a família pode diferir dependendo do contexto - quem está com ela, onde está, o que está fazendo, quais são as expectativas ou demandas da situação, experiências passadas da situação, cultura familiar, e assim por diante. Por exemplo, a força do amor de uma pessoa pode ser expressa em grau diferente com uma mãe comedida versus um pai jovial, e isso também irá variar dependendo da localidade em que aquelas pessoas se encontram - estão todos em um restaurante lotado, em um evento esportivo barulhento, ou em uma sala de cinema? E, há deman­das situacionais que encorajam ou desencorajam certas forças (por exemplo, menos humor em um velório, mais entusiasmo em um parque ao ar livre)? Há histórico familiar de ter passado por aquela situação, ou há expectativas incorporadas de se comportar de certa maneira?

Considere a expressão da(s) força(s) de caráter em resposta a cada per­gunta, quando o contexto é detalhado e as nuances, bem como a complexi­dade, aumentam:

  • Quanta da força de caráter você expressa?
  • Quanta curiosidade você expressa?
  • Quanta curiosidade você expressa no trabalho?
  • Quanta curiosidade você expressa no trabalho quando está com seu chefe?
  • Quanta curiosidade você expressa no trabalho quando está com seu chefe falando sobre assuntos pessoais?
  • Quanta curiosidade você expressa no trabalho quando está com seu chefe falando sobre assuntos pessoais e seu chefe está com um humor positivo?
  • Quanta curiosidade você expressa no trabalho quando está com seu chefe falando sobre assuntos pessoais e seu chefe está com um humor positivo, mas você está atrasado para um evento especial?

Cultura: Um tipo especial de contexto

As forças de caráter VIA são, frequentemente, descritas com o universais, ou onipresentes, em todos os seres humanos, independentemente da nação, [40] cultura ou filiação religiosa. O contexto cultural no qual uma dada força de caráter é expressa oferece, com frequência, uma aparência única da força. Muitas vezes, a força de caráter manifesta-se de uma maneira diferente para um propó­sito diferente, variando de acordo com a cultura; e as normas e os rituais cultu­rais reforçarão, com frequência, as forças que ajudam o indivíduo a manter a família e a comunidade unidas (Rashid, 2012). Em outras palavras, há nuances específicas da cultura sobre como as forças de caráter são demonstradas.

No VIA, sou constantemente abordado por indivíduos de diferentes cul­turas que me dizem algo semelhante ao seguinte: "Em minha cultura, temos ________ , e acho que essa seja uma força também. Por que ela não está na classificação VIA?” Essa importante pergunta precisa de adequada explora­ção da cultura e do significado da palavra em questão. De maneira geral, há diversas possíveis explicações para isso, e embora seja necessária evidência empírica sobre as especificidades, os seguintes pontos podem servir como guia inicial e fornecer insight:

  • A força mencionada é uma expressão cultural de uma força de caráter VIA já existente. Por exemplo, o traço da hospitalidade, comum nas culturas do Oriente Médio, pode ser notado. É provável que essa seja, na maior parte nas circunstâncias, uma variação da força de caráter da bondade. Em outras palavras, a bondade pode ser apresentada de maneira significa­tivamente única como hospitalidade (no entanto, ainda é a bondade que está sendo expressa).
  • A força mencionada é uma força composta. É uma combinação das forças de caráter VIA existentes. Por exemplo, a tolerância é hipotetizada como a combinação da imparcialidade, bondade e discernimento/senso crítico (Peterson, 2006b; Peterson & Seligman, 2004). A força da responsabilida­de pode ser vista como uma mistura da perseverança e trabalho em equipe (Peterson, 2006b)). A força da paciência, por outro lado, é vista como uma combinação da perseverança, autocontrole e discernimento/senso crítico (Peterson & Seligman, 2004), embora outros tenham enfatizado a impar­cialidade e o perdão em suas análises (Schnitker & Emmons, 2007).
  • A força mencionada é uma “força associada à cultura”, vinculada a uma cultura particular e não onipresente - Um importante atributo da classifi­cação VIA é a declaração de não incluirmos nenhuma “força associada a [41] uma cultura** (Peterson & Seligman, 2004). O exemplo da ambição pode ser aplicado aqui como um grande traço ocidental que certamente existe em outras culturas, como em certas partes da África, mas talvez com me­nos prioridade e valor.
  • A força mencionada é uma forma mais intensa da força de caráter VIA já existente. Na cultura finlandesa há o sisu, uma força especial de determi­nação e firmeza para superar grandes adversidades. O sisu é celebrado na Finlândia, e uma maneira de representar isso é uma forma intensa de per­severança e, à medida que essa perseverança é implantada, outras forças de caráter fluem no sisu, incluindo a bravura.

Não estou sugerindo que uma ou mais das razões citadas anteriormente expliquem e captem completamente todas as nuances culturais (ou seja, a imparcialidade, a bondade e o critério não explicam 100% da tolerância), mas talvez essas explicações ofereçam um ponto de partida substancial para se compreender as forças culturais e sua expressão contextual. Por fim, o praticante orientado pelas forças pode fazer perguntas e explorar as nuances da cultura de um indivíduo, em vez de oferecer um ponto de vista autoritário e etnocêntrico.

Há, aparentemente, inúmeros exemplos de qualidades importantes que surgem quando as nuances da cultura de um indivíduo são examinadas. Lomas (2016) conduziu uma busca quase sistemática por palavras “intraduzíveis” relacionadas ao bem-estar, e “caráter” foi uma das três categorias globais em seu enquadramento, o qual ele subdividiu posteriormente em recursos e espiritualidade. Exemplos de recursos incluem sumud e baraka, termos árabes traduzidos como firmeza imperturbável e o dom da energia espiritual transferida de uma pessoa para outra, respectivamente. Também foram incluídos os termos japoneses ikigai e sunao, traduzidos, respectiva­mente, como razão de ser, e uma conotação positiva de humildade exem­plificando o respeito que um estudante demonstra por um professor. Na subcategoria da espiritualidade de Loma, ele oferece uma variedade de palavras intraduzíveis, como smriti, conceito budista para consciência do momento presente. Rashid (2012) sugere palavras adicionais que são espe­cíficas para algumas culturas, como respeito, amabilidade, dever, devoção e savoir-faire (diplomacia). [42]

Pluralidade

Quando solicitaram a Chris Peterson, cientista líder do desenvolvimento da classificação VIA e ex-diretor de ciência do Instituto VIA, para compartilhar seu achado mais importante entre a infinidade de pesquisas e avanços na ciên­cia das forças de caráter, ele respondeu simples e distintamente: “O caráter ê plural" (Peterson, comunicação pessoal, 2010). O que Peterson quis dizer foi que as pessoas não são simplesmente bondosas ou humildes, corajosas, ou esperançosas, ou honestas. Em vez disso, as pessoas têm muitas forças de caráter e essas forças são expressas em combinações, tendo cada pessoa um perfil único de forças de caráter. Essa variação, multiplicidade e singularidade revelam a rica trama do caráter de um indivíduo.

Há uma estrutura em nosso caráter - isso é mais bem descrito como um perfil único de forças de caráter com altas e baixas variáveis (isto é, os indiví­duos têm forças mais altas, forças médias e forças mais baixas). Há mais de 5,1 milhões de possíveis combinações das cinco forças de caráter do topo que um indivíduo pode ter, e entre a ordem completa da classificação de 1 a 24, o nú­mero de perfis de forças de caráter é exponencialmente maior que o número de pessoas que vive no planeta. Embora isso pareça virtualmente infinito, quando se considera que a expressão das forças de caráter de cada pessoa é única (por exemplo, não há duas pessoas com criatividade como força do topo que a expressam de maneira idêntica), a expressão das forças de caráter (ou seja, frequência, duração e intensidade), para qualquer indivíduo, é verdadeiramente “exclusiva”. Dessa maneira, o caráter é necessariamente individualizado e idiossincrático.

As forças de caráter não são expressas isoladamente, mas em combinações ou constelações entre elas (Biswas-Diener, Kashdan, & Minhas, 2011; Niemiec, 2013; Peterson, 2006a). É improvável que um indivíduo expresse somente uma força. Por exemplo, enquanto estou aqui digitando essas frases espero estar expressando alguma criatividade e discernimento/senso crítico, mas há também graus de esperança, perspectiva, liderança, entusiasmo, e assim por diante. Quando expressamos uma força de caráter deliberadamente, muitas outras acompanham a jornada de forma automática e fluida. Tenho observado, repeti­damente, que, quando as situações se tornam crescentemente mais complexas e desafiadoras, o número de forças de caráter sendo expressas aumenta. Por exemplo, um pai que lida com um novo diagnóstico médico para um de seus filhos está na posição de agir fortemente com uma variedade de forças de carater, enquanto o pai que assiste filme com seu filho pode não expressar tantas forças de caráter em termos de quantidade ou intensidade.

Isso leva ao conceito relacional de que as forças de caráter são interdependen­tes - elas "inter-são” (Niemiec, 2012). a partir do conceito budista de inter-ser (Nhat Hanh, 1993). Há dinâmicas que acontecem quando as forças interagem umas com as outras, causam o aumento uma na outra, ou diminuem a expressão entre elas. É difícil ser criativo sem algum nível de curiosidade. Você consegue expressar bondade de maneira forte, sem expressar humildade e talvez uma dose de bravura? Esse conceito de interdependência das virtudes tem sido apontado por grandes filósofos, como Platão, que observou que as quatro virtudes de justiça, sabedoria, temperança e coragem, são interdependentes - se faltar uma
virtude, e especialmente se faltar justiça, então as outras três não podem ser in­ teiramente alcançadas. Para os atenienses da Antiguidade, a contribuição social e o florescimento pessoal estavam envoltos no conceito da virtude. Um princípio fundamental de suas crenças era que as virtudes representavam um todo sem descontinuidades. Ser virtuoso exigia excelência em todas as virtudes, não ape­nas em uma, uma ideia que tem sido chamada de reciprocidade das virtudes. Como concebeu a filósofa moral Susan Wolf (2007) (embora sem refutação filosófica) - ter uma virtude é ter todas elas. E quando os cientistas examinaram as correlações das 24 forças de caráter, umas com as outras (ou seja, criando uma matriz de intercorrelação), eles constataram que todas as forças têm entre elas uma relação em algum grau. Algumas forças se relacionam mais altamente entre si (por exemplo, entusiasmo e esperança), enquanto outras se relacionam minimamente entre si (por exemplo, humildade e amor ao aprendizado). [44]

Todaa as 24 forças de caráter importam

Quando as pessoas respondem ao Questionário VIA e veem seus resultados, às vezes, ficam satisfeitas e orgulhosas, e outras vezes, decepcionadas. Isso está relacionado ao nível de significado e importância que elas atribuem para certas forças e onde esperavam e queriam que essas forças estivessem em seu perfil, em ordem de classificação. Na realidade, não importa se o indivíduo tem alto autocontrole, bondade ou curiosidade. Cada uma das 24 forças é positiva e pode ser utilizada para o bem. Cada uma está associada com diferentes resultados positivos na ciência do caráter. Cada uma é uma capacidade que pode ser melhorada. Portanto, cada uma das 24 forças de caráter é importante.

Algumas forças de caráter têm associações mais diretas com a felicidade; outras possibilitam oportunidades de realização e alcance de metas; já outras parecem mais conectadas a uma melhor saúde física. A Tabela 1.1 mapeia uma variedade de associações positivas para cada uma das 24 forças, conforme originalmente apresentadas na obra de Peterson e Seligman (2004). Algumas atualizações podem ser encontradas em outras fontes (por exemplo, Niemiec, 2013; 2014a; Niemiec & Wedding, 2014).

As forças de caráter têm conseqüências importantes. Essas conseqüências e esses resultados diferem de acordo com a força particular. Por exemplo, entusiasmo e esperança são as forças de caráter que mostram repetidamente estar mais fortemente associadas à felicidade (Park, Peterson, & Seligman, 2004; Peterson; Ruch, Beermann, Park, & Seligman, 2007; Proctor, Maltby, & Linley, 2009; Shimai, Otake, Park, Peterson, & Seligman, 2006), e há evi­dência de que as forças de caráter podem “causar” felicidade (Proyer, Ruch, & Buschor, 2013). A perseverança é uma força de caráter associada à realização acadêmica (Lounsbury, Fisher, Levy & Welsh, 2009; Park & Peterson, 2009). A força de caráter da gratidão tem sido associada com alta emoção positiva, otimismo, satisfação na vida, vitalidade, religiosidade e espiritualidade, e com menos depressão e inveja do que para indivíduos menos agradecidos (Em­ mons & McCullough, 2003). Esses estudos mostram que algumas forças de caráter são mais importantes para resultados específicos. Da mesma forma, algumas forças de caráter podem importar mais em períodos particulares da vida. Por exemplo, em uma amostra representativa de adultos na Suíça, as forças que promoveram filiação e comprometimento estavam entre aquelas [45] mais alinhadas ao bem-estar para adultos com quase 30 até 30 e poucos anos de idade; forças que apoiam a manutenção da família e trabalho para aqueles com quase 40 anos até 45 anos; e forças que facilitam o envolvimento vital com o ambiente para aqueles com quase 50 anos até quase 60 anos (Martinez- •Marti & Ruch. 2014). [46]

Tabela 1.1a

Segundo observação de acadêmicos, pesquisadores e praticantes, cada uma das 24 forças de caráter parece estar presente, em graus variados, nos seres humanos. É fácil ignorar ou presumir os menores graus da utilização das forças. De fato, você provavelmente utilizou todas as 24 forças de caráter nos útimos dois dias. Por exemplo, hoje de manhã você escovou os dentes, tomou banho, vestiu-se e tomou o desjejum? Se você fez uma dessas coisas, estava utilizando algum nível de autocontrole e prudência. Esses são “peque­nos” usos de duas forças que são, consistentemente, as duas forças de caráter menos endossadas em todo o mundo (McGrath, 2015b; Park, Peterson & Seligman, 2006).

Tabela 1.1b

Durante muito tempo, os pesquisadores têm se interessado em estabelecer distinções entre os “grandes” e “pequenos” usos das forças de caráter. Por exemplo, a criatividade com “C grande” (Simonton, 2000) pode ser vista na Nona Sinfonia de Mozart, no filme Amelie de Jean Pierre-Jeunet (2001), e na pintura Noite estrelada de Van Gogh, enquanto a criatividade com “c pequeno” pode ser vista quando temos um lampejo de insight sobre uma dificuldade pessoal e uma nova ideia de arranjo de flores para a mesa da cozinha. Em outros textos, tenho compartilhado diversos exemplos do “grande” e do “pequeno” uso das forças de caráter encontrados na literatura de pesquisa e em outras fontes (Niemiec, 2014a). Para destacar os usos sutis, com frequência, inconscientes dessas forças de caráter, a Tabela 1.2 apresenta exemplos de como cada uma das 24 forças pode aparecer em “pequenas” doses. É claro, a palavra “pequena” não deve ser considerada literalmente em termos de importância, pois pequenas doses das forças de caráter não apenas são ingredientes dos “grandes” usos das forças de caráter, mas também po­dem potencialmente servir como fontes importantes de significado e impacto positivo em si mesmas. [48]

Tabela 1.2

Uma das teorias dominantes na psicologia positiva é a teoria do bem-estar articulada por Seligman (2011), e concebida no acrônimo PERMA, no qual cada letra significa um caminho independente e mensurável para a vida de florescimento - uma vida plena de bem-estar substancial. Seligman (2011, p. 24, tradução nossa) descreve a relação integral que as 24 forças têm com o florescimento dessa forma; “Na teoria do bem-estar as 24 forças sustentam todos os cinco elementos, não apenas o engajamento: empregar suas forças mais altas leva a mais emoção positiva, mais significado, mais realização e á relacionamentos melhores” .

A Tabela 1.3 mostra várias conexões empíricas entre essas cinco áreas do florescimento (ou seja, PERMA), e as forças de caráter. Em termos práticos, isso significa que um indivíduo pode utilizar suas forças de caráter deliberadamente para envolver-se mais no trabalho, encontrar significado na vida, experimentar emoções positivas, melhorar os relacionamentos e alcançar metas. Um estudo (Peterson et al., 2007) observou especificamente a relação entre as forças de caráter e três elementos do PERMA (emoções positivas/prazer, engajamento e os componentes do significado da teoria da felicidade autêntica), e identificou as forças mais correlacionadas com aqueles elementos.

Tabela 1.3

Para esclarecer esse conceito de que todas as 24 forças de carater impor­tam, considere a força que normalmente aparece por último em meu perfil de forças de caráter - o humor. Valorizo imensamente o humor e as brin­cadeiras, e utilizo essa força regularmente. Eu a utilizo para conectar com novas pessoas durante uma conversa, para ser socialmente apropriado, e às vezes deixo o humor fluir conscientemente para lidar com o estresse da vida. Particularmente, aprecio utilizar a ludicidade com meus filhos pequenos. Nesse momento, minhas forças mais baixas realmente brilham. Com base nisso, o humor merece estar no final de meu perfil, porque não o utilizo como estratégia para me conectar com as pessoas logo de inicio em situações [51] sociais, contando piadas e histórias engraçadas que atraem ou cativam o público. Sinto-me constrangido quando uma situação demanda algo engraçado no momento e não tenho um comentário bem-humorado para acrescentar. Ao refletir sobre meu uso dessa força, uma das diferenças-chave entre mim e alguém que tem o humor como força de assinatura é que expresso o humor mais reativamente que proativamente. Com exceção de brincar com meus filhos, em que sou muito proativo com as brincadeiras, sou normalmente reativo com sorrisos e risadas em resposta ao humor de outros, em vez de iniciar piadas ou brindadeiras. Utilizar o humor é importante para me ajudar a ser mais equilibrado, versátil e, em algumas atuações, mais feliz. Poderia treinar minha força do humor e me tornar um comediante? Claro, e pesquisas demonstram que o humor é maleável e pode ser construído com treino (McGhee, 1999; Proyer, Gander, Wellenzohn. &. Ruch. 2014a; Wellenzohn, Proyer, & Ruch, 2016a). Mas, na realidade, o valor para mim, pessoalmente em elevar essa força ao teto é baixo. Deixarei meu humor onde está, apreciado e valorizado, mas no porão.

Diferentes tipos de forças

Um importante caminho na direção da compreensão das forças de é saber o que elas não são. Uma maneira de explorar esse insight é aprender sobre outros tipos de “forças” que os seres humanos term nomeadameme. talentos, habilidades, interesses, recursos e valores. Podemos colocar um microscópio nas forças de caráter e examinar seus subgrupos, como as forças de assinatura, forças fásicas e forças mais baixas. O que se segue são outras categorias gerais de forças e suas conexões com as forças de caráter.

Talentos (o que fazemos bem, naturalmente)

Um estudo sobre competência constatou que desenvolver um talento leva milhares de horas de prática, na verdade 10 mil horas de pratica deliberada durante pelo menos dez anos (Ericsson & Ward, 2007). Como o melhor pia­nista do mundo, o rebatedor superstar de home run, ou o campeão de xadrez [52] poderiam possivelmente desenvolver seus talentos sem a utilização intensa das forças de caráter da perseverança e do autocontrole? Diversas outras forças precisam ser utilizadas, como o entusiasmo, em que o indivíduo despende energia significante, paixão e vitalidade, esforçando-se intensamente nas práticas diariamente. O trabalho líder sobre talentos/habilidades é a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner (1983), um psicólogo de Harvard, que propôs que os humanos não têm apenas uma inteligência, mas  pelo menos sete inteligências essenciais ou talentos: intrapessoal, interpes­soal, lógico-matemática, espacial, corporal-cincstésica, lingüística e musical. Essa teoria manteve-se forte por mais de três décadas. O atleta olímpico uti­liza sua inteligência/talento corporal-cinestésico em grande parte por causa de seu extensivo autocontrole, perseverança, prudência, esperança e muitas outras forças de caráter, enquanto a pessoa que é naturalmente talentosa em
comunicar-se com outros (ou seja, inteligência/talento interpessoal), provavel­mente, utiliza a perspectiva, inteligência social, imparcialidade e criatividade. Considere um jovem que empregou curiosidade e interesse no mundo para construir sua inteligência espacial. Ele fez perguntas sobre seu ambiente, ex­plorou novas vizinhanças onde morava e logo mapeou mentalmente a cidade onde vivia. Ele utilizou curiosidade para aproveitar ao máximo seu talento para o raciocínio espacial.

Habilidades (o que treinamos para fazer)

À medida que os indivíduos constroem uma proficiência, tal como apren­der tarefas e ofícios de trabalho, é provável que sejam motivados pela força de caráter da esperança, no sentido de haver um propósito maior ou razão pela qual estão aprendendo a habilidade. Por exemplo, a pessoa pode tentar receber uma promoção no trabalho aprendendo a utilizar um novo pro­grama de computador ou obtendo uma certificação em alguma habilidade que a ajudará a melhorar seu desempenho no trabalho. Em alguns casos, a força do amor ao aprendizado pode ser um motivador. De forma concebível, qualquer uma das 24 forças de caráter pode levar à construção de uma habi­lidade. Os jovens são, com frequência, treinados em certas habilidades que escolas, pais, coaches e outros profissionais percebem que falta na criança ou no adolescente, como habilidades do controle da raiva ou de comunicação. [53] Nessas situações, constantemente a força do pai ou do profissional impulsiona o interesse na construção da habilidade como a força de caráter do amor ao desejar o melhor para o filho ou a esperança que a criança tenha uma vida melhor.

Interesses (nossas paixões)

As pesquisas mostram que há uma associação importante entre nossas forças de assinatura e nossos interesses; a saber, nossas paixões naturais, har­moniosas na vida (Forest et al. 2012). Nossas forças de caráter mais altas - e não apenas o amor ao aprendizado e a curiosidade - estão intrinsecamente relacionadas com nossos interesses e paixões na vida. Podemos escolher hob­bies e outras áreas de interesse para expressar forças de caráter particulares.

Pratico esportes a dois porque posso expressar minha perseverança e entu­siasmo, esportes em equipe porque posso utilizar as forças do trabalho em equipe e inteligência social, e xadrez on-line para exercitar minhas forças de discernimento/senso crítico e perspectiva juntas. Sem dúvida, minha paixão por colecionar balas Pez me permite utilizar minha força do humor/ludicidade. Em meu trabalho, tenho forte interesse em educar os outros sobre o fenômeno universal nos seres humanos, como forças de caráter, mindfulness, savoring e espiritualidade. Quando meus interesses e paixões são despertados, as forças de caráter os seguem. Ao ensinar, meu entusiasmo eleva-se, e minhas forças de esperança e amor são reavivadas quando vejo o impacto imediato que esses ensinamentos têm na vida das pessoas e as muitas maneiras como isso poderá ser utilizado em nosso futuro. A conexão entre minhas forças de caráter e minhas forças de interesse parece inseparável. É uma sinergia - uma espiral de devoção e entusiasmo.

Recursos (nossos apoios externos)

A única categoria de forças que é externa a nós é os recursos. Os recursos são aqueles apoios importantes para nós, como residir em uma vizinhança segura, ter diversos amigos “chegados”, fazer parte de uma boa comunidade de aprendizagem e ter uma família com que podemos contar. Construir e man­ter nossos recursos sociais e espirituais exige caráter, como as forças que nos ajudam nos relacionamentos (por exemplo, imparcialidade, bondade, perdão), [54] e as que nos ajudam a nos conectarmos com algo fora de nós (por exemplo espiritualidade, gratidao, esperança).

Valores (o que estimamos multo Internamente)

Os valores vivem em nossa mente e dessa forma existem em nossos pen­samentos e emoções; os valores não nos falam sobre nossas ações e com­portamentos. Um indivíduo pode ter um valor sobre família, mas isso reside em seus pensamentos e emoções; passar tempo com a família e demonstrar amor, bondade e imparcialidade a alguém da família exige “caráter” e es­sencialmente é colocar os valores em ação. Portanto, o caráter não é apenas sobre cognição e emoção, também diz respeito a expressar o que está em nossa mente por meio de nossos comportamentos no mundo. É interessante notar que o nome da organização sem fins lucrativos por trás do trabalho da classificação VIA e do Questionário VIA era originalmente “Instituto Valores em Ação”. Depois, o nome foi mudado para representar de forma adequada o que é central a esse trabalho - o caráter - e desde então o nome, por mais de uma década, tem sido Instituto VIA de Caráter.

A força propulsora

As forças de caráter estão distribuídas em cada categoria de forças como uma força propulsora, catalisando ou conectando-se intimamente com outros domínios de forças. Há uma história comovente sobre um jovem chamado Benny, um influente e talentoso palestrante de empresas e programas de edu­cação para jovens. Benny era casado, tinha dois filhos, uma comunidade es­piritual forte e muitos amigos. Ele era um homem carismático e com muitos talentos, recursos e interesses. Infelizmente, o trabalho, o estresse, as dificul­dades financeiras e a pressão dos colegas começaram a ter um impacto sobre Benny e ele começou a vender drogas para aumentar sua renda. Benny perce­beu que seus recursos começaram a diminuir à medida que ele priorizava a turma errada e evitava seus amigos de infância. A situação dele piorou quando mergulhou profundamente nesse perigoso estilo de vida. Um dia, quando ele andava até seu carro em plena luz do dia, levou vários tiros no estômago e braços. Benny passou por 17 cirurgias e perdeu todas as suas economias, não conseguiu manter-se no trabalho, sua esposa o deixou e ele afastou-se dos [55] filhos e de sua comunidade da igreja. Essas circunstâncias foram acompanha­das por sentimentos profundos de depressão, o que quase sempre significa anedonia - uma perda de interesse no que ele previamente tinha interesse. Enquanto esse jovem recontava sua história para mim, também compartilhou um insight comovente que lhe veio um dia enquanto estava deitado em uma cama de hospital olhando para o teto: “Perdi tudo, as pessoas em minha vida, meu dinheiro, meu trabalho e até a função de algumas partes de meu corpo, mas uma coisa que não perdi foi minhas forças centrais. Estas não poderiam ser tiradas de mim.” Ele estava falando da bravura, honestidade, criatividade, inteligência social e esperança.

Em suma, talentos podem ser desperdiçados, recursos podem ser perdidos rapidamente, interesses mudam, habilidades diminuem com o tempo, mas quando tudo parece completamente perdido, ainda temos nossas forças de caráter. Ao focar nas forças, elas são cristalizadas e evoluem, e podem se inte­grar com outras qualidades positivas e contribuir para o bem maior.

Subgrupos das forças de caráter

A maioria desses conceitos é explorada em maior profundidade nos capítu­los posteriores, e, portanto, as seguintes explicações serão breves. Esses con­ceitos estão listados a seguir na ordem dos mais para os menos pesquisados. [56]

Forças de assinatura

Aquelas forças de caráter que sãomais centrais para quem a pessoa é e que melhor captam sua singularidade e essência, Elas também têm maior probabilidade de ser mais energizantes e expressas mais naturalmente que as outras forças do perfil da pessoa.

Forças da felicidade

Em diversos estudos com diferentes culturas, algumas forças do caráter surgem repetidamente como mais correlacionadas à satisfaçáo na vida, um tipo de felicidade. Essas torças, começando (tipicamente) com a correlação mais forte, são entusiasmo, esperança, amor, gratidão e curiosidade (veja, por exemplo, Buschor, Proyer, & Rucli, 2013; Park et al., 2004).

Forças mais baixas

As vezes, chamadas de forças menores ou forças de baixo, essas forças de caráter surgem entre as últimas quatro a sete forças no perfil do indivíduo. Elas não são vistas como fraquezas, em vez disso são forças pouco desen­volvidas, não reconhecidas, não valorizadas como outras forças, ou menos utilizadas, comparadas a outras forças no perfil.

Forças fásicas

As forças “que emergem na ocasião”, o que significa que quando uma dada circunstância demanda a utilização de uma força particular que não seja a força de assinatura do indivíduo, ele não apenas emprega a força em questão, mas o faz fortemente e de maneira adaptativa.

Forças médias

Forças de caráter que provavelmente apoiam ou melhoram a utilização das forças de assinatura de um indivíduo. Às vezes chamadas de “forças apoiadoras”, elas encontram-se no meio do perfil de forças de caráter da pessoa.

Forças perdidas

Essas forças de caráter ficaram adormecidas por um período ou foram mi­nadas pela consciência e utilização do indivíduo. Uma força de caráter pode [57] ter sido suprimida por uma figura de autoridade (por exemplo, pai ou mãe, professor, chefe, treinador, irmão, amigo), ou desencorajada por restrições culturais ou sociais. Uma força perdida pode ser qualquer força de caráter no perfil do indivíduo.

As forças de caráter podem ser desenvolvidas

Recordo-me que uma mulher de meia-idade aproximou-se de mim antes de um workshop que iria iniciar em Sydney, Austrália. Ela se aproximou de mim com entusiasmo, ansiosa para compartilhar sua novidade. Ela me disse que ha­via respondido ao Questionário VIA seis anos antes e descobriu que sua força de caráter do autocontrole era de número 24 na ordem de classificação. Ela sentiu-se infeliz com isso e trabalhou muito para melhorar deliberadamente seu autocontrole durante anos, descobrindo que era fácil para ela fazer isso. Ao responder ao Questionário VIA uma semana antes do workshop, percebeu que essa era a força número 2. Ela compartilhou várias explicações sobre como elevou sua força.

Embora possa haver muitas razões para essa mudança na ordem de classificação e para o que precisamente ajudou na mudança do autocontrole, há razões para acreditar que ela impactou diretamente uma de suas forças de caráter.

Uma crença tradicional comumente mantida durante o último século é que nosso caráter - muito semelhante a uma marca impressa gravada na pedra seria imutável. Novas pesquisas em psicologia da personalidade mos­tram que a personalidade é mais mutável do que se pensou originalmente (Blackie, Roepke, Forgeard, Jayawickreme, & Fleeson, 2014; Harris, Brett, Johnson, & Deary, 2016; Hudson & Fraley, 2015; Roberts et al., 2017), e que a mudança não é necessariamente lenta e gradual, ocorrendo durante muito anos, o que foi outro pressuposto mantido previamente. Além disso, a nova ciência das forças de caráter, introduzida pela classificação VIA, tem lançado luz sobre esse erro. Primeiro, é importante apreciar a estabilidade das forças de caráter. Dados de 11.635 usuários repetidos do Questionário MA, separados por pelo menos seis meses, mostram que menos de 1% dos usuários repetidos não tem sobreposição entre as cinco forças do topo, da primeira para a segunda vez, e 76% dos usuários repetidos têm de três a cinco forças em comum com suas forças do topo, da primeira para a segunda vez (Niemiec, 2009). Além disso, pesquisas longitudinais que examinaram [58] as virtudes da classificação VIA em jovens com idade eatre 12 e 14 anos mostraram estabilidade nas virtudes de caráter por três anos; esses pesquisadores observaram que além de as meninas terem uma classificação mais alta que os meninos nas seis virtudes, houve apenas um pequeno aumento nas virtude de humanidade e justiça por três períodos de classificação (Fêrragut, Blanca, & Ortiz-Tallo, 2014).

Estamos aprendendo que as forças de caráter podem ser desenvolvidas. Pesquisas sobre personalidade têm mostrado que os traços de personalidade podem se alterar por uma série de razões, como mudanças normativas basea­das em nossa genética e mudanças previsíveis no papel social (por exemplo» casar-se, ter um filho), assim como mudanças não normativas. Mudanças não normativas incluem mudanças menos comuns, mas deliberadamente escolhi­das no papel social de uma pessoa (por exemplo, entrar para o serviço militar e eventos de vida atípicos (por exemplo, passar por um trauma) (Borghans. Duckworth, Heckman, & ter WeeI, 2008). Em um estudo sobre o ultimo, gra­tidão, bondade, liderança, amor, espiritualidade e trabalho em equipe aumen­taram em uma amostra dos EUA (mas não na amostra europeia) dois meses após o ataque de 11 de Setembro (2001) no World Trade Center, em Nova York (Peterson & Seligman, 2003). Dez meses mais tarde as forças de caráter ainda estavam elevadas, mas em menor grau.

Outro fator que demonstrou ter impacto sobre a mudança da personali­dade foram as intervenções deliberadas com foco na melhora de uma característica. O último é particularmente empolgante e aplicável aos temas desta obra, pois os praticantes baseados nas forças estão especialmente interessados nas mudanças impactantes de uma parte de nossa personalidade - nossas forças de caráter. Os estudos em intervenções estão mostrando que nossos traços são maleáveis e que as mudanças intencionais podem ter impacto po­sitivo (Hudson & Fraley, 2015; Roberts et al., 2017; Yeager, Johnson et aL, 2014). O teórico em personalidade, Will Fleeson (2001), escreveu vastamente sobre isso em seu “modelo de distribuição de densidade” de traços, que apre­senta uma resolução promissora para o debate de décadas sobre a situação e a pessoa: A personalidade seria mais o resultado das diferenças em traços individuais, ou das mudanças de deixas situacionais/de contexto? De acordo com o modelo de Fleeson, os traços são estáveis por haver uma variação con­fiável entre as pessoas (que são consistentemente distintas umas das outras). [59] e são mutáveis por haver variação significante em uma mesma pessoa (que mostra uma variedade de qualidade), com base na situação (Blackic et al, 2014; Fleeson, 2001, 2004; Fleeson, Malanos, & Achille. 2002). Esse modelo sugere que há uma vasta gama de possibilidades para as pessoas desenvolverem seus traços, especialmente as forças de carater. Quando discute a teoria da virtude, Bright (2016), citando diversos filósofos de muitos séculos, explica que as virtudes são traços de segunda natureza para a pessoa, desenvolviveis e adquiridos pela intenção e esforço.

Em um estudo com milhares de funcionários de 65 países, Michelle McQuaid e o Instituto VIA de Caráter (2015) testaram uma breve intervenção com forças envolvendo três passos para mudança de hábitos - deixa, rotina, recompensa - baseados no trabalho dc McQuaid sobre conectar as forças de caráter com hábitos positivos (McQuaid & Lawn, 2014), e pesquisas sobre a teoria do hábito (Duhigg, 2012). Eles constataram que as forças de carater (não especificadas como forças de caráter propriamente ditas) foram maleá­veis no grau em que houve os seguintes resultados entre essa grande amostra de funcionários:

  • 41% melhoraram a habilidade de nomear suas próprias forças.
  • 60% tornaram-se melhores em traçar metas semanais baseadas nas forças.
  • 41% melhoraram seus sentimentos de ter a oportunidade de fazer o que faziam melhor a cada dia.
  • 39% melhoraram a probabilidade de ter uma conversa significativa sobre forças com seu supervisor.
  • 32% sentiram que sua organização estava mais comprometida em desen­volver suas forças.
  • Benefícios adicionais incluíram: maior florescimento, engajamento, sentir-se valorizado, energizado, e o senso de que estavam fazendo a diferença.

O desenvolvimento do caráter não é um tema novo, nem tampouco o argu­mento de que as intervenções deliberadas ou intencionais podem ser empre­gadas para melhorar uma força de caráter. Muitos séculos atras, Aristóteles (4ºAEC/2000) e São Tomás de Aquino (1265-1273/1989) enfatizaram que a virtude poderia ser adquirida pela prática. Um dos pais fundadores dos EUA, Benjamin Franklin (1962) elaborou um sistema pessoal no qual focava sua [60] atenção em melhorar uma virtude por semana, deixando as outras virtudes em “suas chances comuns”. Franklin alcançou progresso e fez um diário sobre suas experiências. Em sua autobiografia, ele descreve sua abordagem como algo que contribuiu grandemente para sua felicidade e sucessos na vida. As pessoas podem aprender a ser curiosas, mais agradecidas, mais imparciais, ou melhores pensadoras críticas. A chave é criar novos hábitos por meio da prática e esforço ao longo do tempo, o que nos permite romper com rotinas. Muitos outros têm enfatizado a importância de construir as forças de caráter pela prática e criação de hábitos (veja Franklin, 2009; Linley, 2008; McQuaid & Lawn, 2014; Niemiec, 2014a; Peterson, 2006a).

Ser e fazer

A literatura sobre mindfulness tem feito distinção entre ser e fazer (Kabat-Zinn, 1990; Niemiec, 2014a; Segai, Williams, & Teasdale, 2013). Podemos passar o dia como “humanos fazedores”, correndo por aí de tarefa em tarefa, fazendo multitarefas, pensando apenas sobre o que fazer em seguida, sem es­tarmos presentes e conscientes na maior parte de tudo. Ou, podemos suscitar um sentido de estar presente em nosso dia - conectando com o alimento que comemos, percebendo os variados tons de verde nas árvores ao dirigirmos na via expressa, vendo o sorriso no rosto daqueles que amamos, e assim por diante. A prática de mindfulness, de muitas maneiras, diz respeito ao desen­volvimento do “nosso modo de ser”.

Os conceitos de ser e fazer também são relevantes para o trabalho das for­ças de caráter, mas de maneira diferente. O trabalho com as forças de caráter é claro: é ser e fazer. É “ser” porque o trabalho com as forças de caráter tem a ver com nossa identidade, compreender quem somos, e nos ajuda a “ser nós mesmos”. E também sobre “fazer” porque as forças de caráter são sobre expressar essas 24 forças no mundo, praticar ações e fazer o bem que precisa ser feito. Trata-se de colocar nossos valores em ação. [61]

Há apoio para as duas abordagens na literatura: pesquisas sobre forças de assinatura refletem nosso “ser” - nossa identidade, aquelas forças que são mais centrais em nós (por exemplo, Seligman, Steen, Park, & Peterson, 2005). Como observou o pesquisador Rhett Diessner, “Os traços são ontologicamente mais próximos da essência do ser humano do que o pensamento ou o raciocínio” (Diessner, Davis, &. Toney, 2009, p. 255); existência e ser antes do pensamento. Ao mesmo tempo, há uma abundância de pesquisas que associam as forças de caráter a diferentes tipos de desempenho - que podem ser vistos como nosso “fazer” - colocar nossas melhores qualidades em ação (por exemplo, Lounsbury et al„ 2009; Wagner & Ruch, 2015).

Durante a pós-graduação em psicologia, passei grande parte de meu tempo livre escrevendo poesias, bebendo scotch e lendo livros de filosofia. Não estou certo do quanto absorvi de filosofia, mas uma coisa ficou clara - havia um debate intenso sobre a natureza dos humanos como pessoas que essencialmente “são” ou “tornam-se”. De forma simplificada, “ser” refere-se à integralidade e completude do momento, ao passo que “tornar-se” refere-se à natureza constantemente mutável e em desenvolvimento da vida. Extrapo­lando as complexidades e a profundidade da filosofia, apresentarei uma visão simplista. As forças de caráter descrevem nossa natureza essencial - quem somos no mundo (isto é, beingness, qualidade de ser). Por exempo, alguém pode dizer “Defino-me como uma pessoa boa, amorosa, humilde e curiosa”. Ao mesmo tempo, a expressão de nossas forças de caráter reflete o que esta­mos nos “tornando” - não apenas nossas ações e como nos conectamos, mas nossa natureza mutável (isto é, doingness, qualidade de fazer). Por exemplo, expressar amor pelo cônjuge, gratidão ao colega de trabalho e liderança com a equipe.

Nas palavras do acadêmico de virtudes Andre Comte-Sponville (2001, p.3):

A virtude é um jeito de ser, Aristóteles explicou, mas um jeito de ser adquirido e duradouro; é o que somos (e, portanto, o que podemos fazer), e o que somos é o que nos tornamos... é nosso jeito de ser e agir humanamente... nosso poder de agir bem.

Podemos ver a nós mesmos pelas lentes de nossas forças de caráter e ver que nossa verdadeira natureza é sermos fortes sendo nós mesmos (isto é, au­tenticidade), e fazermos o bem empregando uma força para beneficiar outros (isto é, expressando bondade). [62]

Psicologia - Psicologia positiva
11/11/2020 12:43:52 PM | Por Ana Clara Gonçalves Bittencourt
Psicologia positiva e psicoterapias

As fronteiras da Psicologia estão constantemente em um processo de mudança e a sua expansão historicamente, deu-se de forma contundente por época da inserção dessa ciência no mercado de trabalho após a Segunda Guerra Mundial. A Psicologia tinha como um dos seus pilares cuidar das doenças mentais, fazer diagnósticos e estabelecer meios para tratar os transtornos mentais, sendo essa, en­tão, uma das suas três importantes missões. As outras duas missões da Psicologia - tornar boa a vida das pessoas e elencar os talentos superiores dos indivíduos - ficaram negligenciadas por longos anos (SNYDER & LO­ PEZ, 2009).

A Psicologia Positiva instaura um novo paradigma no que se refere ao entendimento sobre as potencialidades humanas, a felicidade e o bem-es­tar. (SELIGMAN, 2011). Esses estudos se encontram em expansão no Brasil e estão ganhando notoriedade cada vez maior ao serem propagados em diversos segmentos nos quais suas aplicabilidades são possíveis. A Psicolo­gia Positiva que é composta portrês pilares - o nível subjetivo, relacionado aos estudos dos conteúdos sobre felicidade e bem-estar; o nível indivi­dual, que diz respeito aos traços e características individuais positivas e o nível coletivo, voltado para as virtudes cívicas e instituições com funciona­mento positivo (SELIGMAN & CSIKSZENTMIHALYI, 2000) - vem ganhando espaço também no contexto da Psicologia Clínica.

Inúmeros estudiosos da Psicologia Positiva apontam os aspectos sau­dáveis - potencialidades, virtudes, forças de caráter, pontos fortes, emoções positivas, felicidade, otimismo, esperança, resiliência, dentre tantos outros aspectos funcionais - como sendo fatores preditivos da saúde mental e física (SNYDER & LOPEZ, 2009), além de serem verdadeiras molas pro­pulsoras para o alcance de mudanças positivas na vida. [59]

O movimento científico da Psicologia Positiva foi retratado na edição especial de 2000 do periódico American Psychologist, mostrando que esse movimento é uma "tentativa de levar os psicólogos contemporâneos a adotarem uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motiva­ções e das capacidades humanas". (SHELDON & KING, 2001, p. 216).

Psicologia Positiva e seu crescimento no Brasil

Encontramos relatos dos avanços da Psicologia Positiva e de suas apli­cações no Brasil quer seja no contexto individual ou coletivo, desenhando um novo panorama onde os psicólogos mostram interesse em conhecer essas abordagens científicas com a intenção de usá-las para tornar melhor a vida das pessoas. No Brasil, a porta de entrada para a Psicologia Positiva, aplicada ao contexto clínico, ocorreu com os estudos sobre resiliência, em função dos fatores de vulnerabilidade e das situações de risco existentes no contexto brasileiro, destacando sua importância para a determinação de novos horizontes para pesquisas nas áreas das ciências humanas e so­ciais. (YUNES, 2003).

A expansão da Psicologia Positiva no Brasil foi retratada através de um estudo realizado por Paludo e Koller no ano de 2007. À época, já conside­ravam que a Psicologia Positiva estava em processo de expansão dentro da ciência psicológica, ganhando mais relevância no Brasil apenas mais recentemente. De acordo com o entendimento dessas estudiosas, acima referenciadas, é importante compreender o surgimento da Psicologia Po­sitiva no Brasil para que exista uma maior e melhor apropriação dos seus princípios pelos psicólogos em âmbito nacional. De acordo com Pureza et al. (2012), foi realizada uma pesquisa de re­visão sistemática da literatura científica em Psicologia Positiva no Brasil. Essa pesquisa considerou o período das primeiras publicações (anos 90) até 2012. Os fundamentos psicológicos que receberam destaque nessa pesquisa foram: o bem-estar, a felicidade, os pontos fortes e as virtudes humanas. O descritor utilizado foi "Psicologia Positiva" e a revisão foi rea­lizada com base nos dados de publicações nacionais SciELO, BVS e BDTD.

Através dessa pesquisa, no que se refere aos construtos teóricos, ob­servou-se que o bem-estar continua sendo o tema central da maioria dos [60] estudos e, também, foram identificados sete diferentes instrumentos de pesquisa utilizados para avaliação de diferentes construtos da Psicologia Positiva. Como o leitor pode perceber, a Psicologia Positiva vem fazendo um caminho promissor no Brasil, a partir de investigações sobre as potencialidades humanas com suas aplicações, também, no contexto da Psicologia Clínica.

Contribuições da Psicologia Positiva e sua interface com a Psicologia Clínica

Entre as principais contribuições da Psicologia Positiva para a Psicolo­gia Clínica destacam-se a construção de instrumentos de avaliação, métodos preventivos, aprimoramento de técnicas de avaliação psicológica destinadas a identificar as virtudes e os aspectos positivos humanos. (SELIGMAN, 2002).

Esse saber científico pode ser estendido a diversas áreas do conheci­mento, tendo em vista que abrange as potencialidades humanas em qual­quer segmento da vida do indivíduo e, por esse motivo, há que se falar da multidisciplinaridade desse saber. Uma multidisciplinaridade legitimada não somente no tocante ao campo da Psicologia, mas, também, em outras tantas áreas. Essa multidisciplinaridade contribuiu para a dimensão da Psi­cologia Positiva tanto no contexto de pesquisa quanto da prática dos seus preceitos, demarcando a proposta de desenvolver um campo da ciência voltado para uma "vida que vale a pena". (CORRÊA, 2016).

E, de acordo com Pureza et al. (2012), as investigações apontam a efe­tividade de intervenções através dos construtos propostos pela Psicologia Positiva, sugerindo a aproximação desta com as áreas da Psicologia Clínica, da Saúde e da Educação. (PUREZA et al, 2012).
No que se refere ao campo da Psicologia Clínica, a Psicologia Positiva pode ser empregada para a prevenção e a promoção de saúde focando a melhora da qualidade de vida. Portanto, as contribuições desse novo sa­ber científico para a Psicologia Clínica são significativas, pois possibilitam a identificação e o desenvolvimento dos aspectos positivos e preservados do indivíduo no contexto psicoterapêutico. Esses aspectos, uma vez potencia­lizados, tornam-se um fator de proteção para o próprio indivíduo e levam à ampliação da sensação de bem-estar e à conquista de uma vida mais feliz. [61]

Em um sentido mais completo, a aplicação da Psicologia Positiva na Psicoterapia tem como objetivos principais: abordar os recursos positivos dos clientes, por exemplo, as emoções positivas; possibilitar a mudança de estruturas cognitivas pessimistas para pensamentos otimistas; estimular o aumento da resiliência para o enfrentamento; desenvolver e fortalecer as forças de caráter, além de tratar as queixas apresentadas pelos clientes (SELIGMAN, RASHID & PARKS). 

Seligman, Rashid e Parks (2006) desenvolveram a Psicoterapia Positiva elaborada a partir de atendimentos para pacientes deprimidos. E de acordo com esses estudos a Psicoterapia Positiva agrada um conjunto de técnicas que possuem mais eficácia se utilizadas assomadamente com os princípios terapêuticos básicos propostos pelas abordagens teóricas da Psicologia (Seligman, 2011). 

Nesse sentido, imbuído do desejo de mostrar aos indivíduos a importância de se viver bem, Seligman (2011) propõe que o bem-estar depende de uma busca constante de viver com mais emoções positivas, ser engajado naquilo que se faz, ter relacionamentos significativos, encontrar sentido na vida e ter realização. A proposta da Teoria de Seligman sobre o Bem-Estar se adequa e pode ser perfeitamente funcional no trabalho psicoterápico, uma vez que conduzir os clientes para a descoberta de suas próprias potencialidades, sem claro, negligenciar as difuncionalidades e fraquezas, favorece experiências positivas e transformadoras uma vez que se cria, nesse sentido, um círculo virtuoso onde a vivência de emoções positivas no Setting terapêutico tende a aumentar o grau de comprometimento do cliente em tornar-se uma pessoa melhor e mais saudável.

De acordo com Paludo & Koller (2007), a Psicoterapia Positiva visa fortalecer os aspectos saudáveis dos indivíduos. Nesse sentido, focar nas virtudes e forças de caráter é uma das propostas que se aplica perfeitamente a esse contexto, pois, segundo esses estudiosos, ao ampliar as forças pessoais dos clientes possibilita a eles a busca por mudanças mais saudáveis na vida. Como se pode perceber, alavancar esses recursos internos positivos nos clientes, no contexto da Psicoterapia, é de total relevância, uma vez que funcionam como fatores de proteção para problemas futuros, para a saúde e o bem-estar (SCORSOLINI-COMIN & POLETTO, 2016). [62]

A relação das descobertas do movimento científico da Psicologia Po­sitiva com a Psicologia Clínica encontra-se no cerne dos objetivos da Parte II desta obra. Objetivamos mostrar aos psicoterapeutas: que os princípios desse "novo olhar" podem ser aplicados no processo de Psicoterapia para ajudar os seus pacientes a se desenvolverem e se fortalecerem para lidar com o momentos adversos da vida tornando-os mais resilientes; que ao identificarem, maperarem e aprimorarem os aspectos positivos dos seus pacientes estão instrumentalizando-os, de forma mais palpável, para que se tornem pessoas mais felizes; que os pacientes ao edificarem uma visão mais positiva de si mesmos estarão facilitando a construção de uma vida com mais sentido; e que estarão proporcionando experiências com maior bem-estar.

Como o leitor pode perceber, o campo investigativo acerca das con­tribuições da Psicologia Positiva para que as pessoas alcancem uma vida melhor vem crescendo e ganhando um espaço que, aos poucos, está con­solidando-se. E, no contexto da Psicoterapia, essas contribuições mostram que são crescentes as possibilidades dessas aplicações com o intuito de ajudar os clientes a se desenvolverem e se fortalecerem não somente para enfrentarem os transtornos pelos quais são acometidos, mas também para buscarem viver com maior bem-estar e ter uma vida mais satisfatória e plena.

O espaço da Psicoterapia é um contexto no qual os princípios da Psicologia Positiva podem ser empregados, de forma contun­dente, contabilizando resultados significativos favorecedores do desen­volvimento de pessoas mais felizes. Mostrar aos clientes que todos nós somos dotados de características positivas que nos tornam mais funcio­nais e proativos, proporciona o aumento do otimismo, da esperança, da motivação e de vários outros sentimentos positivos, além de estimular o comprometimento desses para buscarem os resultados na Psicoterapia e, consequentemente, a evolução satisfatória das queixas. [63]

Psicologia - Psicologia positiva
11/6/2020 2:29:27 PM | Por Mattieu Ricard
Altruism and happiness

This paper will first explain the close connection between altruism and happiness and then consider the scientific evidence pointing out the interdependence of these two important aspects of human society. Altruism is a factor that will determine the quality of the current and future existence of all. It must not be regarded only as a utopian thought created by a few individuals with big hearts. Altruism can be defined as, ―The wish and determination to attain the well-being of others.‖ As far as possible, this state of mind will lead to behavior that strives to realize this objective.

Why happiness cannot be separated from altruism

Modern life confronts us with a number of unique challenges, each with its own temporality and priority. We can view them as three different categories based on preoccupations and time scales: the economy in the short-term, life satisfaction in the mid-term, and the environment in the long-term.

Stock markets soar and crash overnight; the economy and financial world are evolving at an ever-faster pace. Life satisfaction is measured by a life project, a career, a family, or a generation. The evolution of the environment is measured by a century, millennium, or era, even though ecological upheavals are accelerating the rhythm of these changes. We are now in the era called ―anthropocene‖, the first era where humans have a global impact on the earth‘s ecosystem.

How can we work with these three-time scales simultaneously? How do we reconcile them? We know how difficult it is to change our habits. Investors are not prepared to put their money in treasury bonds that will only mature in 100 years. Those who are well off don‘t feel like sacrificing their lifestyle for the benefit of others, much less for the sake of future generations. Those who live in need naturally aspire to more prosperity and economic growth in order to better their own situation and catch up with the richest nations. Those who profit the most from exploiting natural resources do not want to minimize their earnings. Individualism keeps us from adopting a global vision of these problems, from drawing the necessary conclusions, and from implementing the corresponding measures.

There is, however, a vital thread that links these three-time scales and harmonizes their priorities - Altruism. Altruism is not just a noble, somewhat [156] naive ideal or a luxury only the affluent can afford. Now, more than ever, altruism is a necessity for the wellbeing of all.

If we were more altruistic, if we were more considerate of others, we would not indulge in wild speculations with the savings of investors who placed their trust in us.

If we were more considerate of the quality of life of those around us, we would make sure that working conditions, family life, and many other aspects of society were improved.

Finally, if we were more considerate of future generations, we would not blindly sacrifice the environment they are inheriting from us in favor of our short-lived wants and needs.

Altruism is a factor that will determine the quality of the current and future existence of all. It must not be regarded only as a utopian thought created by a few individuals with big hearts. We must have the insight to recognize its essential role and have the audacity to say so.

Economists have based their theories on the assumption that human beings exclusively follow their own personal interests. Although this hypothesis is mistaken, it is the foundation of the current economic systems. They are based on the principle of free exchange of goods and services as posited by Adam Smith. They neglect to take into account the need for each individual to care for the wellbeing of others. This omission created a society that cannot function harmoniously. Adam Smith himself wrote about this need in his The Theory of Moral Sentiments, a work that is often overlooked by economists: ―To restrain our selfish, and to indulge our benevolent affections, constitutes the perfection of human nature; and can alone produce among mankind that harmony of sentiments and passions in which consists their whole grace and propriety (Smith 1759). Modern economists are now increasingly calling for acknowledging the role of altruistic propensities in every aspect of human life, including the economy. For example, Dennis Snower the founder of the GES (Global Economic Symposium) has stressed that along the ―voice of reason, economists, politician, and individuals alike must now also speak with the ―voice of care‖ (Snower 2012).

Evolutionists also remind us that we should not forget the emphasis placed by Darwin on the vital importance of cooperation in the world of living beings. Martin Nowak, among others, reminds us: ―Cooperation is the architect of creativity throughout evolution, from cells to multicellular creatures to anthills to villages to cities. Without cooperation, there can be neither construction nor [157] complexity in evolution. Cooperation—not competition—underpins innovation (Nowak 2011)

Exploring altruism

Altruism can be defined as, ―The wish and determination to attain the well-being of others. As far as possible, this state of mind will lead to behavior that strives to realize this objective. Altruism can be considered to be authentic only if achieving somebody else‘s well-being is the primary motivation and the ultimate aim of a particular behavior.

Goodness is not a doctrine or a principle, It is a way of living, wrote historian Phillip Hallie (Hallie 1978). Altruism can be a momentary state of mind, or grow into a lasting way of being. In its essence, altruism is a benevolent state of mind that is fueled by the feeling of concern for the fate of all those around us and wishing them well strengthened by our determination to act accordingly.

The link with happiness is obvious. In Buddhism altruistic love is defined as ― the wish that all beings find happiness and the causes of happiness. These altruistic wishes must be accompanied by a determination to do everything in our power to make them come true. This determination will drive the activity, but it must be enlightened and empowered by discernment and wisdom.

Compassion is the form altruistic love takes when it is confronted with suffering. Buddhism defines compassion as ― the wish that all beings be freed from suffering and its causes.

Empathy is the capacity to enter into resonance with the other person, to resonate with his feelings and become aware of his situation. The word empathy is a translation of the German word Einfühlung, which means, 'to feel in‘. Psychologist Edward Tichtener used the term for the first time in English at the beginning of the 20th century. Empathy happens spontaneously when we witness other people‘s situations and their emotions as manifested by their facial expressions, looks, the sound of their voices, and their behavior. Empathy conveys to us the nature and the intensity of their suffering. We may consider it as the catalyst that transforms altruistic love into compassion. There are different modalities of empathy, some are emotional, others cognitive.

Psychologist Daniel Batson, one of the most eminent contemporary specialists in altruism, distinguishes up to eight kinds of empathy (Batson, C.D. 2009). In order to be altruistically concerned by another person‘s situation, we have to begin by adopting their point of view. Philosopher Jean-Jacques Rousseau wrote, ― The rich person has only a little compassion for the poor because he [158] cannot imagine himself to be poor. The next step is to value others since it is not enough to merely imagine oneself in someone else‘s place or feel what they feel. Sympathetic joy consists of celebrating and rejoicing from the bottom of one‘s heart in the achievements and virtues of someone else, or in people who shower humanity with good deeds and whose beneficial projects have been successful.

Impartiality is another essential component of altruism. The wish that all beings be delivered from suffering must not depend on our personal biases or on the way others treat us. Impartiality is exemplified by the mindset of a compassionate physician who rejoices when others are in good health and who is concerned with the healing of all sick people, whomever they may be, without being influenced by moral judgments and personal preferences.

Biological altruism is inherited from evolution. It is based on parental care and is inherent to our nature and needs no instruction. But it is limited and partial since it depends on our ties of kinship or on the way others behaved towards us. It is extended to strangers with difficulty, and even more so to enemies. Conversely, extended altruism that is directed to all beings is free from such bias. However, for most of us, this is not instinctive and requires some instruction and training. Though it is based on biological altruism, it transcends its limits.

Momentary states of mind and durable dispositions

Psychologist Daniel Batson defines altruism as: ― a motivational state with the ultimate goal of increasing another‘s welfare. Altruism can be juxtaposed to egoism, which is a motivational state with the ultimate goal of increasing one‘s own welfare. (Batson 2011) For Batson, altruism is not so much a way of being as a motivational force oriented towards a goal that disappears once the goal has been achieved. He prefers to speak of altruism rather than altruists because the same person may have an altruistic motivation at one moment and an egotistic motivation at another moment or with regard to another person.

It seems appropriate, however, to speak also of altruistic or egotistic dispositions, depending on the mindsets habitually prevalent in a person in varying degrees between genuine altruism and blind egoism.

Such an inner disposition seems to go together with a particular world vision. According to Kristen Monroe of Irvin University, ― Altruists simply have a different way of seeing things. Where the rest of us see a stranger, altruists see a fellow human being. While many disparate factors may contribute to the existence and development of what I will identify as an altruistic perspective, it is the perspective itself that constitutes the heart of altruism. (Monroe 2009) [159] Fundamentally, to the extent that altruism permeates our mind, it will express itself as soon as it is faced with another‘s need, be it a need for help, care, or affection. As stated by philosopher Charles Taylor, ― Much contemporary moral philosophy ... has focused on what is right to do rather than on what is good to be (Taylor 1989) This way of seeing things puts altruism in a more vast perspective and allows the possibility of cultivating it as a way of being.

Altruism and happiness: A win-win or a lose-lose situation

According to Buddhism, there is a direct relationship between altruism and happiness. Joy and satisfaction are closely tied to love and affection. Misery, on the contrary, goes hand in hand with selfishness and hostility. Altruistic love and compassion are attuned to reality insofar as they recognize and appreciate the interdependent nature of all beings. This naturally brings more empathic concern for others (Batson 2011) through the recognition that we are all the same in wanting to avoid suffering (Dalai Lama 1999). As they are attuned to reality, altruistic love and compassion are ―functional‖. Someone who sees phenomena as interdependent cultivates compassion and then acts accordingly, will feel a sense of harmony. This is a win-win situation.

The research in neuroscience and psychology also indicates that loving- kindness and compassion are among the most positive of all positive emotions or mental states. As Barbara Fredrickson, a pioneer from the University of Maryland in the field of positive psychology, writes about altruistic love, which she defines as ―positive resonance:

I want to emphasize, though, that love isn‘t simply one of the many positive emotions that sweep through you from time to time. It‘s bigger than joy, amusement, gratitude, or hope. It has special status. I call it our supreme emotion. First, that‘s because any of the other positive emotions – joy, amusement, gratitude, hope, and so on – can be transformed into an instance of love when felt in close connection with another. Yet casting love as shared positive emotion doesn‘t go nearly far enough.Second, whereas all positive emotions provide benefits – each, after all, broadens your mindset and builds your resourcefulness – the benefits of love run far deeper, perhaps exponentially so. Love is our supreme emotion that makes us come most fully alive and feel most fully human. It is perhaps the most essential emotional experience for thriving and health. (Fredrickson 2013)

At the opposite end, a selfish individual who has little regard for another‘s welfare and is primarily, or even exclusively, concerned with the pursuit of his [160] personal interest as an ultimate goal will consider others as a tool to achieving his own wellbeing. The problem is that such a person will usually fail to achieve both his own happiness and that of others.
Psychologist Michael Dambrun and myself (Dambrun and Ricard 2011) have argued that lasting happiness is associated with selflessness rather than self-centeredness. The scientific literature reviewed by these two authors indicates that highly self-centered people are more focused on enjoying hedonic pleasure than on cultivating eudemonic happiness and that, consequently, only a fluctuating well-being will result. Conversely, people who reduce their self-centered tendencies seem to enjoy the quality of a life filled with inner peace, fulfillment, and serenity, as opposed to a life filled with inner conflicts and afflictions.

There are two reasons for this. First, on an emotional level, selfishness is not a pleasant state of mind. By attempting to build happiness within the bubble of self-centeredness while considering that the happiness of others is not our job, we usually make ourselves miserable while making everyone around us miserable as well. Being constantly centered on yourself leads to endless ruminations and hopes and fears that are detrimental to well-being. As the French writer Romain Rolland said, ― If the only goal of your life is selfish happiness, your life will soon be without any goal. (Rolland 1952) It is a lose-lose situation.

Second, such an attempt - ― I will build up my happiness on my side; take care of yours: it‘s none of my business - is by nature dysfunctional since it assumes that the world is made of separate entities which is not the case. All beings and phenomena are by nature interdependent. This was also the view expressed by Einstein:  

A human being is part of a whole, called by us the Universe, a part limited in time and space. He experiences himself, his thoughts and feelings, as something separated from the rest - a kind of optical delusion of his consciousness. The striving to free oneself from this delusion is in the one issue of true religion. Not to nourish the delusion but to try to overcome it is the way to reach the attainable measure of peace of mind (Einstein 1950)

The two-fold accomplishment of the happiness of others and of one‟s own

People often claim that to be truly altruistic an action must imply a ― sacrifice for oneself. One should keep in mind however that what seems like a sacrifice for someone else, might be experienced as deep fulfillment for the person who accomplishes the action. Someone, for instance, who forsakes a promising career to devote himself to a humanitarian cause, might be seen as doing a ― sacrifice by friends and relatives who value a high-flung career above everything else. But for the person who is devoting himself to efficiently removing suffering, [161] activities are much more meaningful and fulfilling than the career he was promised. Such activities actually bring about the two-fold accomplishment of others‘ happiness and one‘s own happiness. It is a win-win situation. An altruistic act is not less altruistic because it also brought happiness as a bonus to the person who performed that deed. As long as the initial motivation and ultimate goal were to benefit others, it can be deemed to be an altruistic action.

Conversely, selfishness cannot be considered to be an efficient way to love oneself since it is one of the main causes of misery. This is a fundamental point according to Buddhist psychology, which is also expressed by psychologist Erich Fromm:

The love of my own self is inseparably connected with the love of any other-self. Selfishness and self-love, far from being identical, are actually opposites. The selfish person does not love himself too much but too little; in fact he hates himself. (Fromm 1947)

Generosity, the natural outcome of altruism, has also been found to accomplish the twofold benefit of others and oneself. Social psychologist Elizabeth Dunn of the University of British Columbia (UBC) in Vancouver, Canada, found that people who reported spending money on others were happier than those who spend all their resources on themselves. (Dunn, 2008 and 2011, Aknin, 2009).

The science of altruism and happiness

Many studies have highlighted the link that exists between altruism and well-being (Myers 2000; Diener & Seligman 2002). Research done by Martin Seligman, in particular, indicates that the joy of undertaking an act of disinterested kindness provides profound satisfaction (Seligman 2002). In this study, some students were given a sum of money and asked to go out and have fun for a few days, while others were told to use this money to help people in need (elderly, sick patients, etc.) All were asked to write a report for the next class. The study has shown that the satisfactions triggered by a pleasant activity, such as going out with friends, seeing a movie, or enjoying a banana split, were largely eclipsed by those derived from performing an act of kindness. When the act was spontaneous and drew on humane qualities, the entire day was improved; the subjects noticed that they were better listeners that day, more friendly, and more appreciated by others.

From a social perspective, altruism is obviously beneficial for others, but there are also benefits for the person expressing them. Several works support the idea that pro-social behavior affects health in a positive way. Various studies (Caprara 2005; Dovidio 2001; Post 2005) have found that generosity toward others is associated with higher levels of well-being. According to McCullough (2002) and Watkins (2003), grateful thinking improves positive affects and well-being. Participating in volunteer activities, membership in non-profit [162] organizations, and the ability to use one‘s skills to help others goes hand in hand with a high level of wellbeing.

Psychologist Allen Luks assessed the subjective wellbeing of thousands of Americans who regularly participated in volunteer activities. He found that they were generally in better health than others of the same age, they showed more enthusiasm and energy, and they were less prone to depression than the average population (Luks A. & Payne 1991and Post 2011) Adolescents who spend part of their time to volunteering are less likely to be involved with substance abuse, teenage pregnancy, and school dropout (Johnston Nicholson 2004). People who are going through periods of depression after tragic events such as loss of a spouse recover faster if they spend time helping others (Brown 2008).

Having reviewed six investigations that have taken into account more carefully other factors that could influence the results, Doug Oman concluded that volunteering not only enhances the quality of life of older people, but also its duration (Oman 2007).

Training altruistic happiness

The collaborative research involving neuroscientists and Buddhist contemplatives began in earnest fifteen years ago. These studies led to numerous publications that have established the credibility of research on meditation and on achieving emotional balance, an area that had not been taken seriously until then. In the words of the American neuroscientist Richard Davidson, ―the research on meditation demonstrates that the brain is capable of being trained and physically modified in ways few people can imagine (Kaufman,2005).

While meditating on loving-kindness and compassion (Lutz 2004), most experienced meditators showed a dramatic increase in the high-frequency brain activity called gamma waves in areas of the brain related with positive emotions and with empathy.

Twenty years ago it was almost universally accepted by neuroscientists that the brain contained all its neurons at birth, and that their number did not change with experience and time. We now know that new neurons are produced up until the moment of death and we speak of neuroplasticity, a term which takes into account the fact that the brain changes continuously in relation to our experience. For example, a particular training such as learning a musical instrument or a sport can bring about a profound change. Mindfulness, altruism, compassion, and other basic human qualities that contribute to [163] happiness can be cultivated through meditation in the same way, and we can acquire the 'know-how' to enable us to do this.

In Buddhism, to meditate means 'to get used to‘ or 'to cultivate‘. Meditation consists of getting used to a new way of being, of perceiving the world and mastering our thoughts. Meditation is a matter not of theory, but of practice. Cultivating loving-kindness and compassion is, according to Buddhism, central to happiness (Ricard 2010).

Barbara Fredrickson tested the effects of learning on self-generated positive emotions through loving kindness meditation. She tested 140 volunteers with no previous experience in meditation and randomly assigned 70 of them to practice loving-kindness meditation 30 minutes a day for seven weeks. She compared the results with the 70 other subjects who did not follow the training. The results were abundantly clear. In her words, ―When people, completely new to meditation, learned to quiet their minds and expand their capacity for love and kindness, they transformed themselves from the inside out. They experienced more love, more engagement, more serenity, more joy, more amusement – more of every positive emotion we measured. And though they typically meditated alone, their biggest boosts in positive emotions came when interacting with others. Their lives spiraled upwards. The kindheartedness they learned to stoke during their meditation practice warmed their connections with others (Fredrickson 2008). Later experiments confirmed that it was these connections that most affected their bodies, making them healthier (Kok 2010).

At Emory University, Atlanta, a team led by Chuck Raison has shown that short-term meditation on loving-kindness reinforces the immune system and diminishes the inflammatory response (Pace 2009).

The contrary forces

Selfishness, excessive self-centeredness, exacerbated individualism, and narcissism are obvious contrary forces to altruism and, consequently, to happiness. Individualism has a constructive aspect that has led to the notion that every person deserves respect and cannot be used as a mere instrument for the interests of others. This concept has led to the recognition of basic human rights and is allowing people to make choices about how they want to spend their lives without being constrained by authoritarian norms imposed upon them.

However, there is another, more harmful aspect of individualism that has increased significantly in the last few generations. It is a form of egocentricity that aims at distancing oneself from any sense of responsibility towards others [164] and encourages the individual to simply follow his desires and inclinations without much consideration for society. Such individualism has led, particularly in highly developed countries, to negative effects described by psychologist Jean Twenge in The Narcissism Epidemic (Twenge 2011). Twenge‘s research has shown that: ―Understanding the narcissism epidemic is important because its long-term consequences are destructive to society According to the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV-TR, 2000) one of the characteristics of narcissism is a lack of empathy.
Individualism and a selfish lack of concern for others and for global issues such as the environment, is a characteristic that American psychologist Tim Kasser found among people who give priority to external values and consumerism. Kasser and his colleague at the University of Rochester discovered through studies spanning two decades and within a representative sample of the population that individuals who focused their lives on wealth, image, social status, and other materialistic values promoted by the consumer society are less satisfied with their lives (Kasser 2003 and 2008).

Consumerist beliefs are not only associated with higher levels of suffering, but also with lower levels of happiness. They report fewer pleasant emotions such as being happy, pleased, joyous, and content. They are more depressed and anxious and prone to headaches and stomach pains. They drink more alcohol and smoke more cigarettes.

They prefer competition to cooperation, contribute less to the public interest as they are primarily focused on themselves, and they give little attention to environmental issues. Their social ties are weakened and they have fewer true friends. They show less empathy and compassion towards those who suffer, are manipulative, and tend to exploit others according to their interests. Even their health is poorer than that of the rest of the population. They are also less interested in solutions that require an overview of problems and a spirit of cooperation.

Similar results have been reported in North America, Europe, and Asia. To summarize, this body of research suggests that a set of beliefs central to consumerism seems to promote, rather than to reduce, personal suffering and works against healthy, compassionate human interactions. For example, the cross-cultural research of Schwartz (1992) reveals that to the extent people value goals such as wealth and status, they tend to care less about values such as 'protecting the environment,‘ 'attaining unity with nature,‘ and having 'a world of beauty.‘
[165]

Conclusion

In this preliminary essay, we have attempted to show that altruism, and its main components, loving-kindness, empathic concern, and compassion, not only promote other‘s happiness, but also is an important cause for flourishing for those who cultivate these values in their minds and express them in their behavior. Altruism, thus, appears to be the most direct way to accomplish both the happiness of others and one‘s own. This concept is not only central to Buddhist philosophy and practice, but has been corroborated in recent years by extensive research in psychology and neurosciences. It, therefore, seems that promoting altruism and compassion not only in one‘s personal life, but also within education and in society at large is a much needed and direct way to address the challenges of the modern world. [166]

Psicologia - Psicologia positiva
11/2/2020 2:36:49 PM | Por Andréa Perez Corrêa
O que é Psicologia positiva?

Falar sobre um campo científico, sem destacar o devido valor que os questionamentos de mentes brilhantes e reflexivas produzem, é simplesmente não falar sobre ciência. A inquie­tação, o incômodo e o descompasso que pesquisadores brilhantes devolvem diante da observação da realidade à sua volta é que dá origem ao desenvolvimento do conhecimento humano ao longo da história da Humanidade. Abrir esta parte da obra com a pergunta de Donald Clifton, na minha concepção, revela o âmago do estudo da Psicologia Positiva, à medida que busca o entendimento dos indivíduos em sua totalidade, res­gatando o olhar sobre nossos aspectos positivos, menos destacados ao longo do tempo, diante de nosso instinto de sobrevivência, que reservou a indiscutível necessidade de relevância de aspectos e emoções negativas.

Partindo dessa premissa, fica mais fácil entender a importância e a premência que o estudo científico da felicidade e das qualidades humanas positivas apresenta. Isso porque estamos vivendo diante de um momen­to social, não apenas no Brasil - que quase se desfigura diante de tantas impropriedades, violência, crise política, desonestidade e desequilíbrio socioeconômico - mas também em muitos outros lugares do mundo, as­solado por conflitos civis desumanos, por desrespeito às circunstâncias de gênero, sexo, idade, religião, condição econômica, raça, entre outros, por violência desmedida, pela fome e pela incompreensão sobre a essencialidade de um olhar sobre o desenvolvimento sustentável para as próximas gerações.

Desde que conheci a Psicologia Positiva, sempre percebi, ou, acima de tudo, senti que, com base em seus estudos científicos sólidos, seria possível favorecer: a compreensão de que podemos produzir mudanças sociais positivas; o desenvolvimento individual a partir do [27] "autoconhecimento para colocá-la em prática e o máximo que ele conseguia chegar próximo era um tema sobre "prevenção". (SELIGMAN, 2009).

Foi quando, num momento com sua filha Nikki de cinco anos, chegou mais próximo da visão do que seria a sua missão e do tema na gestão da APA. E entre vários questionamentos que o envolveram, destaca-se: "Pode haver uma ciência psicológica que se concentre nas melhores coisas da vida?" (SELIGMAN, 2009).

Impulsionado por desvendar a resposta a essa questão, Seligman, num plano audacioso, que emergiu em poucos anos mundialmente, começou a reunir estudiosos que estavam trabalhando com o estudo de forças hu­manas, mais que focando exclusivamente em problemas humanos, o que gerou a atenção de muitos outros pesquisadores. (DIENER, 2011).
Desde essa época, Seligman dedicou intensamente seus esforços para promover conferências e campanhas de financiamento para pesquisas e para as aplicações da Psicologia Positiva, cuja espinha dorsal seria: ser uma boa ciência. (SNYDER & LOPEZ, 2009).

Apesar de Seligman ser considerado o pai da Psicologia Positiva, quem inicialmente cunhou a expressão Psicologia Positiva foi Abraham Maslow, usando-a num título de um dos capítulos de seu livro "Motivação e Perso­nalidade", em 1954. (SNYDER & LOPEZ, 2009; LOPEZ & GALLAGHER, 2011). Contudo, como já afirmado, é a Seligman que é dada a notoriedade sobre o início do uso do termo.

E essa origem da Psicologia Positiva, com ênfase em aspectos positi­vos da vida humana, reflete-se em estudos desenvolvidos por humanis­tas como Maslow, mas que acabaram por tratar as temáticas sem o rigor científico necessário para que a academia reconhecesse a pertinência dos resultados do uso de suas temáticas. (CSIKSZENTMIHALYI & SELIGMAN, 2000).

No ano 2000, em continuidade aos esforços de Seligman, aos quais Snyder e Lopez (2009) afirmam que devemos ter uma dívida de gratidão, é publicada a edição "Special Issue on Happiness, Excellence, and Optimal [29] Human Functioning - da American Psychologist", revista da American Psy­chology Association, tendo como editores convidados Martin E. P. Seligman e Mihaly Csikszentmihalyi e como tema a Psicologia Positiva.

E é nessa edição exemplar que a Psicologia Positiva se configura no campo acadêmico, sendo apresentada com sua definição, proposta, pila­res, situando-a no contexto da Psicologia onde se deu o seu surgimento, o que será apresentado no item a seguir.

Definindo a Psicologia Positiva

Conceituar a Psicologia Positiva, necessariamente, perpassa por um longo caminho e, neste momento, a intenção é oferecer uma exposição clara sobre as missões da ciência da Psicologia, para então compreender como surge esse estudo.

A Psicologia, anteriormente à Segunda Guerra Mundial, tinha três mis­sões distintas, a saber:

  • curar doenças mentais;
  • tornar a vida das pessoas mais produtiva e cheia de satisfação; e
  • identificar e desenvolver talentos. (CSIKSZENTMIHALYI & SELIGMAN, 2000) .

Após a Segunda Guerra Mundial, dois eventos mudaram o cenário da Psicologia: a fundação, em 1946, da Veterans Administration, levando inú­meros psicólogos a se dedicarem ao tratamento de doenças mentais; e a fundação, em 1947, do National Institute of Mental Health, quando os aca­dêmicos consideraram que poderiam obter recursos para suas pesquisas em doenças mentais. (SELIGMAN, 1998; CSIKSZENTMIHALYI & SELIGMAN, 2000).

Essa concentração trouxe um avanço grandioso na reparação dos da­nos das doenças psíquicas e para o entendimento das terapias dos trans­tornos mentais, mas as duas outras missões da Psicologia foram pratica­mente esquecidas (CSIKSZENTMIHALYI & SELIGMAN, 2000) e aspectos sobre o que está certo nas pessoas e do que favorece uma vida boa foram absolutamente negligenciados. (PETERSON, 2006).

Nesse contexto, a Psicologia Positiva surge tendo como intenção [30] coloca ao lado desses três pilares de pesquisa e aplicabilidade apontados como base da Psicologia Positiva, de acordo com o que indicam Solano e Solano e Perugini (2010; 2014), no First World Congress on Positive Psycho­logy em 2009, Seligman propôs em sua apresentação um quarto pilar da Psicologia Positiva: RELACIONAMENTOS POSITIVOS, com origem nas pes­quisas sobre o bem-estar psicológico das pessoas extremamente sociáveis como as mais felizes. Contudo esse pilar apresenta raríssimos estudos e indicações e não está tão sistematizado como os pilares preliminares (SO­LANO & PERUGINI, 2010; 2014).

Como definição, Gable e Haidt (2005, p. 104) afirmam que a Psicolo­gia Positiva é "o estudo das condições e processos que contribuem para o florescimento e o funcionamento ótimo das pessoas, dos grupos e das instituições".

De acordo com o site Authentic Happiness (2013), a Psicologia Positiva é um ramo da Psicologia que foca o estudo empírico de certas coisas, por exemplo: emoções positivas, forças de caráter e instituições saudáveis e é definida como: "O estudo científico das forças e virtudes que permitem aos indivíduos e às comunidades prosperarem".

Acrescentam ainda que:

O campo se fundamenta na crença de que as pessoas querem conduzir uma vida significativa e de realizações, para cultivar o que há de melhor nelas mesmas e para elevar suas experiências de amor, trabalho e diversão. (AUTHENTIC HAPPINESS, 2013).

De forma a concluir este item, considerando que a amplitude da Psi­cologia Positiva extrapola, já no momento, as fronteiras da ciência da Psi­cologia, em função de sua transdisciplinaridade, e inspirada por Linley e colegas (2009), que indicam que restringir a Psicologia Positiva apenas à Psicologia seria restringir a condição de poder mudar o mundo e a vida das pessoas, apresento, a seguir, uma nova definição reformulada da apresen­tada por Corrêa (2013): [32] 

"A Psicologia Positiva é a ciência da felicidade que contempla o estudo das características, aspectos e emoções humanas, com foco em teoria, medição, intervenções e práticas que potencializem, no âmbito individual e coletivo, o bem-estar."

A Psicologia Positiva e sua contribuição nas intervenções de prevenção e de potencialização

Neste item, o leitor será apresentado a duas significativas contribui­ções da Psicologia Positiva, Tratando-se o foco da presente obra a Psicologia Clínica, é essencial destacar as contribuições da Psicologia Positiva na abordagem sobre prevenção de potencialização de Snyder e Lopez (2009).

Para os autores, as prevenções, que afirmam ser "interromper o que é ruim" (SYNDER & LOPEZ, 2009, p. 313), envolvem esforços para prevenir que coisas ruins aconteçam posteriormente. Essas são divididas em:

PREVENÇÃO PRIMÁRIA - "Interromper o que é ruim antes que aconteça" (SNYDER & LOPEZ, 2009, p. 303):
- ações que reduzem ou eliminam os problemas físicos ou psicológi­cos antes que aconteçam. Essas prevenções podem acontecer em nível governamental por meio de campanhas, a exemplo de campanhas de vaci­nação; (SNYDER & LOPEZ, 2009), e

PREVENÇÃO SECUNDÁRIA - "Consertar o Problema" (SNYDER & LO­ PEZ, 2009, p. 303):
- ações que reduzem o problema após já ter surgido, sendo chamado de Psicoterapia. (SNYDER & LOPEZ, 2009)
No campo das prevenções secundárias, temos as abordagens da Psi­cologia Positiva, tais como a teoria do otimismo apreendido de Seligman, uma estrutura de retreinamento de atribuições para desenvolver uma abordagem terapêutica à depressão e a teoria da esperança que se propõe [33] a ensinar a buscar objetivos na vida atual, especialmente quando se encon­tram obstáculos. (SNYDER & LOPEZ, 2009).

De acordo com os autores, a categoria das potencializações, que se­riam "produzir mais coisas boas" (SNYDER & LOPEZ, 2009, p. 303), significa potencializar tudo que as pessoas querem de suas vidas e podem ser divi­didas em:

POTENCIALIZAÇÃO PRIMÁRIA - "Tornar a Vida Boa" (SNYDER & LO­ PEZ, 2009, p. 324):
- ações que geram um bom funcionamento e uma boa satisfação; é o esforço para estabelecer funcionamento e satisfação ótimos; (SNYDER & LOPEZ, 2009), e

POTENCIAUZAÇÃO SECUNDÁRIA - "Fazer da Vida o Melhor Possível" (SNYDER & LOPEZ, 2009, p. 330);
- ações que partem do que já é um funcionamento e satisfação bons para se chegar a experiências máximas. (SNYDER & LOPEZ, 2009).

Constata-se, a partir das prevenções ou potencializações, o enriqueci­mento das intervenções e propostas que podem ser aplicadas para o favorecimento do bem-estar na vida das pessoas. Atualmente, com a Psicologia Positiva, se pode identificar o que gera maior felicidade nas pessoas, a fim de poder colaborar com clientes, no sentido de intensificar as atividades que lhes favoreçam a cura e o bem viver.

Já como dizia Martin Seligman (2002) em seu capítulo Positive Psycho­logy, Positive Prevention, and Positive Therapy: "Como um efeito colateral do estudo dos traços humanos positivos, a ciência vai aprender como tra­tar melhor e prevenir doenças mentais, assim como as físicas" (p. 67) e "Como um efeito principal, nós aprenderemos como construir as qualida­des que ajudam os indivíduos e as comunidades, não apenas a suportar e sobreviver, mas também a florescer" (p. 67). [34]

Só teoria não basta, é preciso aplicar

A prática da Psicologia Positiva é sobre facilitar a boa vida ou sobre possibilitar que as pessoas sejam o seu melhor. É uma abordagem de um determinado domínio de investigação. (LINLEY et ai, 2009).

A Psicologia Positiva tem aplicações que abrangem quase todas as áreas da Psicologia aplicada e outras. Além do alívio da psicopatologia, a Psicologia Positiva aplicada também tem visto o desenvolvimento de feli­cidade por meio do aumento de intervenções específicas. (LINLEY et ai, 2009).

Transitando em áreas e abordagens tais como: Jornalismo, Psiquiatria, Educação, Coaching, organizações, tecnologia, Economia, políticas públi­cas, Psicologia, recursos humanos, mentoria, Medicina, entre tantas ou­tras, a Psicologia Positiva renova-se com resultados de inúmeras pesquisas, o que é extremamente construtivo e favorecedor a toda a sociedade, pois permite atalhos para atingir de forma positiva e significativa a vida de mais pessoas.

Complementando essas indicações iniciais, Warren e Donaldson (2017) destacam a orientação da Psicologia Positiva se estendendo longe da Psi­cologia, em campos díspares como: Sociologia, Filosofia, Ciências Políticas, Engenharia, legislação, criminalidade, Forças Armadas, Oncologia, Farma­cologia, Epidemiologia, religião. Antropologia, Lingüística, design, trabalho social, sem mencionar todos.

Quem, pela primeira vez, depara-se com essa temática da Psicologia Positiva, talvez como você, leitor, espanta-se e com razão diante de tama­nha dimensão de aplicação. E isso considerando um estudo científico que acabou de sair da "maioridade". O que quer dizer isso? Quer dizer que suas temáticas permeiam a nossa vida, quem somos, o que desejamos, o que vislumbramos de significado e sentido em nossa existência, o que fazemos e, acima de tudo, o nosso direito de sermos todos felizes, independente­mente de qualquer aspecto que nos iguale ou diferencie uns dos outros.

Joseph (2014) afirma que, por ter a Psicologia Positiva capturado o interesse sobre o que a Psicologia pode oferecer tanto academicamente [35] como profissionalmente, isso promoveu a atenção sobre as aplicações no "mundo real". Para ele: "Ao contrário de muitas áreas tradicionais da Psico­logia, a Psicologia Positiva tem aplicação clara e direta na vida cotidiana". (JOSEPH, 2015, p. 2).

Apesar de sua origem nos Estados Unidos, vem crescendo e se popu­larizando em trabalhos desenvolvidos por acadêmicos e profissionais em países como Austrália, Canadá, França, Alemanha, Israel, Suécia, Suíça e Reino Unido. (JOSEPH, 2014).

Conforme aponta Corrêa (2016), no segmento de clínica, aconselha­mento, terapia da saúde e Psicoterapia existem práticas com uso da Psico­logia Positiva, a saber: (LINLEY et a i, 2009)

  • Well-being Therapy: é uma Psicoterapia de curto prazo com aproxi­madamente oito sessões de 30 a 50 minutos cada uma, que enfatiza a auto-observação. (LINLEY et a i, 2009).
  • Mindfulness-Based Cognitive Therapy: baseada na abordagem da prática dos mindfulness em função dos benefícios que promove e há cres­cente evidência para apoiar a eficácia dessa abordagem. (LINLEY et ai, 2009).
  • Quality of Life Therapy: fornece uma coleção de técnicas terapêuti­cas cognitivas que o terapeuta pode usar para ajudar os clientes a move­rem-se em direção a uma felicidade maior. Os clientes são encorajados a mudar suas circunstâncias, pensar diferentemente, estabelecer novos pa­drões, mudar suas prioridades sobre o que é importante na vida e pensar sobre outras áreas da vida. (LINLEY et ai, 2009).
  • Positive Psycotherapy: utiliza os principais dogmas e princípio da Psicologia Positiva. Apoia-se na premissa central de que a construção de emoções positivas, forças e significado são eficientes no tratamento psicopatológico. Trabalho preliminar indicou que é ao menos tão eficaz para a depressão como um tratamento farmacológico tradicional. (LINLEY et ai, 2009).

Um ponto interessante ao leitor é destacar que a Psicologia Positiva tem aplicação tanto na Psicoterapia como no Coaching, tendo sido [36] consi derado este último como o processo mais bem casado com a proposta da Psicologia Positiva. (SELIGMAN, 2011).

Dessa forma, destaca-se a prática do Life Coaching com uso da Psico­logia Positiva. Segundo Linley et al. (2009), a área que a Psicologia Positiva achou como uma casa pronta e bem-vinda é o Coaching, destacando algu­mas razões: ambos são explicitamente preocupados com o aprimoramento do bem-estar e da performance; ambos implicitamente desafiaram os pro­fissionais a questionar as premissas fundamentais que detêm sobre a na­tureza humana; a Psicologia Positiva provocou um interesse na Psicologia das forças humanas, uma área que proporciona potencial significativo para coaches em aproveitar o potencial dos clientes a serviço de suas metas e desejos e houve muitas cobranças para uma base de evidências para sus­tentar o Coaching e, nesse sentido, a Psicologia Positiva está bem colocada para fornecer apoio às intervenções do Coaching. (LINLEY et a i, 2009).

Ratificando a multidisciplinaridade da aplicação da Psicologia Positiva, deve-se dar importante destaque a quem é delegável o uso dos estudos e intervenções da Psicologia Positiva. Segundo Linley et al. (2009), a Psico­logia Positiva não é restrita nem deve vir a ser apenas para a Psicologia. Tratando-se de uma abordagem de questões relacionadas ao ser humano e ao bem viver, transpassa por várias outras instâncias.

E isso significa também que as aplicações da Psicologia Positiva não devem restringir-se apenas às esferas acadêmicas ou ficar nas mãos dos profissionais da Psicologia. Preferencialmente, os avanços progressivos das suas aplicações virão por meio da parceria e da colaboração com áreas nas quais possamos ter as maiores diferenças e atingir um grande número de vidas, no trabalho, na educação, por meio da saúde, tanto quanto através da política, e das abordagens populacionais. (LINLEY et al., 2009).

Para concluir este item, destaco o que afirma Corrêa (2013):

Com certeza, muitos são os avanços, integrações e parcerias pelas quais as aplicações da Psicologia Positiva ainda passarão no futuro, conside­rando ainda o alicerçamento necessário de sua maturidade, mas é im­portante que cada pessoa, acadêmica ou não, profissional ou não, da área, mas conhecedora dos benefícios que as intervenções da Psicologia [37] Positiva podem produzir, faça a sua parte, não apenas aplicando-se es­sas intervenções, mas, acima de tudo, vivendo congruentemente com esses princípios, de forma a envolver positivamente nessas práticas ou­tras pessoas pelo mundo afora e gerando benefícios para toda a huma­nidade. (CORRÊA, 2013, p. 60).

Concluída essa exposição sobre a aplicação da Psicologia Positiva de forma breve, destacam-se a seguir as principais teorias produzidas no cam­po, que permitirão uma compreensão das temáticas abordadas pelos au­tores em seus capítulos.

Teorias e estudos principais da Psicologia Positiva

A escolha pelas teorias que serão apresentadas neste item justifica-se pela disseminação que essas concepções apresentam em inúmeros estu­dos e desdobramentos, inclusive em outras ciências, em especial as que se enquadram de forma ajustada à proposta do pilar das instituições posi­tivas, cujas teorias e estudos bebem da fonte dos outros dois pilares, das emoções positivas e das qualidades humanas positivas.

Teoria Ampliar-e-Construir

Publicado em 2009, o livro "Positividade", de Fredrickson, apresenta a Teoria Ampliar-e-Construir ao público, em geral, abordando a temática das emoções positivas. Nesse momento, a teoria recebe uma ampla divul­gação, mas, no contexto acadêmico, porém, para chegar nesse ponto, Fre­drickson já vinha há muitos anos se dedicando aos estudos das emoções positivas, inclusive com diversos artigos publicados, que trazem muitas informações e dados sobre pesquisas, bem como a própria teoria ampliar-e-construir, criada inicialmente por Fredrickson no final de 1998. (FREDRI­CKSON, 2009).

Conforme resume Corrêa (2016), a positividade, segundo Fredrickson (2009), apresenta algumas características importantes de serem [38] destacadas. A positividade é boa; é a centelha de sentir-se bem que desperta a motivação para mudar; ela muda a forma como a sua mente trabalha: ela muda o conteúdo de sua mente trocando pensamentos maus por bons e ainda aumenta o raio de alcance ou os limites da sua mente; a positivi­dade transforma o seu futuro: enquanto as suas emoções se acumulam, elas constroem reservas; a positividade coloca um freio na negatividade: funciona como um botão de "reset" para a negatividade; a positividade obedece a um ponto de equilíbrio: com a sucessão de cada momento bom, você sente-se para cima, para fora, não para baixo e para dentro; você pode aumentar a sua positividade: você pode pender a sua balança e liber­tar seu potencial para florescer.

Fredrickson (2009) afirma que, devido a sua transitoriedade, é preciso gerar sempre mais positividade, destacando a importância do que chama de quociente de positividade, definido como: "O seu quociente de positi­vidade é a frequência de felicidade em um dado espaço de tempo dividida pela frequência de negatividade durante o mesmo espaço de tempo", (p. 23). Partindo de um ponto de equilíbrio que cada pessoa possui, Fredrick­son (2009) aborda as espirais: a espiral descendente, quando a negativida­de puxa o quociente para baixo e do outro, o defendido em sua teoria, a espiral ascendente, quando decolamos numa espiral energizada pela po­sitividade.

Mesmo sendo imensamente respeitado o trabalho de Fredrickson e de sua argumentação teórica sobre as emoções positivas, como aponta­do por ícones como Daniel Gilbert, Daniel Goleman e Martin Seligman, por exemplo (BARLETT, 2013), sua concepção acabou sofrendo críticas (BROWN, SOKAL; FRIEDMAN, 2013; BROWN, SOKAL & FRIEDMAN (2014), consideradas pertinentes, gerando a exclusão - digamos assim, matemá­tica - de um aspecto de sua teoria, o quociente de positividade de 3 para 1, o que quer dizer: para cada emoção negativa que aconteça ou que você viva em sua vida, produza ao menos três emoções positivas sinceras. É esse o quociente de equilíbrio que descobriu ser o ponto de equilíbrio e que demonstra se as pessoas murcham (espirais descendentes) ou florescem (espirais ascendentes). [39]

Fredrickson (2013) mantém sua concepção sobre os benefícios de mais emoções positivas e menos emoções negativas, mesmo descartando a proporção original da razão, e estudos estão sendo realizados para per­mitir que seja identificado o quociente de positividade.

Não se limitando seu trabalho apenas ao quociente de positividade, suas descobertas são amplamente aplicadas em diversos contextos.

Fredrickson (2009) propôs que, ao contrário das emoções negativas que limitam a ideia de ações possíveis, as emoções positivas ampliam o julgamento sobre elas, abrindo nossa consciência para uma ampla gama de pensamentos e ações, surgindo assim o que ela chama de primeira ver­dade: "a positividade nos abre", (p.28). Concluiu que as emoções positivas e negativas eram importantes em momentos diferentes para os nossos an­tepassados. As atitudes oriundas das emoções negativas eram importantes nas situações ameaçadoras à sobrevivência e as atitudes inovadoras e cria­tivas das emoções positivas eram importantes em longo prazo, por cons­truir recursos, encorajando o desenvolvimento da versatilidade, habilida­des e características úteis, funcionando esses como o que a autora chama de reservas. E aí surge a segunda verdade: "a positividade nos transforma para melhor", (p.31). Com esses pressupostos define-se a teoria ampliar- -e-construir de Fredrickson (2009).

Firmada a concepção da teoria sobre a positividade, Fredrickson (2009) discorre sobre as dez formas de positividade: alegria, gratidão, se­renidade, interesse, esperança, orgulho, diversão, inspiração, admiração e amor, tendo sido identificadas para a abordagem em função da quanti­dade de pesquisas sobre cada uma delas. (FREDRICKSON, 2009).
É importante destacar que é bastante relevante a teoria ampliar-e-construir de Fredrickson para o campo da Psicologia Positiva, podendo afirmar que se trata de uma concepção de imensa contribuição para des­dobramento de novos estudos, conceitos, pesquisas e teorias. Isso é per­ceptível claramente nas 11.900 indicações somente do Google Acadêmico que mencionam a temática, ao lado de 61.500 links na plataforma Google em 2017. [40]

A Ciência da Felicidade

Em 2007, a Teoria A Ciência da Felicidade foi divulgada ao público em geral pelo livro "A Ciência da Felicidade - Como atingir a felicidade real e duradoura", de Sonja Lyubomirsky. Contudo, os estudos a respeito dos aspectos em torno dessa teoria já vinham sendo feitos ao longo de vários anos, não apenas por Lyubomirsky, como também por outros estudiosos.
Apesar de constar também no livro publicado em 2007, já em 2005, no artigo Pursuing Happiness: The Architecture of Sustainable Change, Son­ja Lyubomirsky, Ken M. Sheldon e David Schkade identificaram os fatores mais importantes que determinam a felicidade, conforme ilustra a figura abaixo (LYUBOMIRSKY et a i, 2005; LYUBOMIRSKY, 2008).

Figura 10.1

A Teoria da Ciência da Felicidade está alicerçada, se assim podemos dizer, no que a autora chama de Solução dos 40%, como detalhado na ima­gem.

Segundo os autores, as circunstâncias variam nossos níveis de felicidade [41] em apenas 10% e o ponto decisivo, que se refere à nossa carga genética, definirá, num percentual de 50%, o quanto poderemos ser felizes ou não ao longo de nossas vidas. (LYUBOMIRSKY, 2008).

Lyubomirsky (2008) destaca como sendo o melhor é que se chegou à conclusão de que 40% de nossa felicidade está em nossas mãos, por meio da promoção de atividades intencionais que recaem em nosso comporta­mento, na nossa forma de agir e de pensar. (LYUBOMIRSKY, 2008).

No que tange às ações intencionais a serem produzidas com o percen­tual da Solução 40%, a partir de estudos e pesquisas com comportamentos de pessoas felizes, chegou-se à conclusão de que determinadas estratégias são comprovadamente eficazes para o aumento da felicidade para as pes­soas. (LYUBOMIRSKY & LAYOUS, 2013).

Merece destaque que a eficiência dessas estratégias pode variar de pessoa para pessoa e, por isso, torna-se essencial que cada um possa iden­tificar o que funciona melhor para elevar a sua felicidade, levando em con­sideração aqui que cada pessoa tem suas necessidades, interesses, valores, recursos e inclinações singulares que nos predispõem a nos empenharmos mais ou menos em determinadas estratégias de ação. Nesse sentido, um ponto que a autora coloca como uma exigência vital é fazer escolhas sen­satas na hora de formular um programa individual de felicidade. (LYUBO­ MIRSKY, 2008).

No contexto da Psicologia Clínica, foco desta obra, de igual forma, psicoterapeutas devem dar atenção significativamente à identificação de quais práticas geram resultados mais positivos para seus clientes, reser­vando grande atenção sobre o momento de substituição de alguma prática por outra que venha trazer mais melhoria de bem-estar ou remissão de sintomas.

Na proposta apresentada pela autora, a fim de dar início a uma es­tratégia de ações intencionais de sua teoria, Lyubomirsky (2008) apresen­ta como proposta alguns passos: Autoaplicação da Escala de Felicidade Positiva; Análise dos Pontos Possíveis de Ajustes de acordo com o perfil [42] da pessoa; Aplicação de Ajuste de Diagnóstico de Atividades às Pessoas; Questionário Oxford de Felicidade e Aplicação das Ações Intencionais, as quais são as seguintes, e que se relacionam de forma harmoniosa com as indicadas entre parênteses.

  1. Expressar gratidão (4 e 7)
  2. Cultivar o otimismo (9 e 7)
  3. Evitar cismar e fazer comparações sociais (6 e 10)
  4. Praticar gestos de cortesia (9 e 8)
  5. Cultivar as relações sociais (4 e 12)
  6. Desenvolver estratégias de superação de dificuldades (10 e 7)
  7. Aprender a perdoar (6 e 2)
  8. Aumentar as experiências de fluxo (flow12) (9 e 10)
  9. Saborear as alegrias da vida (8 e 10)
  10. Comprometer-se com seus objetivos (9 e 6)
  11. Praticar a religião e a espiritualidade (12 e 6)
  12. Cuidar do corpo e da alma (10 e 9)

Outro artigo com indicações favorecedoras para que psicoterapeutas possam ajustar de forma adequada as ações intencionais a seus clientes foi publicado em 2013, intitulado “How Do Simple Positive Activities Increase Well-being?" de autoria de Lyubomirsky e Layous, no qual são apresenta­ dos estudos e pesquisas recentes sobre a análise de condições ideais sob as quais as atividades intencionais positivas aumentam a felicidade e os mecanismos pelos quais funcionam. (LYUBOMIRSKY & LAYOUS, 2013)

O "Positive-Activity Model" (Modelo de Atividade Positiva), que tem como objetivo explicar como e porque realizar atividades positivas torna as pessoas mais felizes, é apresentado nesse artigo e se baseia em evidências teóricas e empíricas para descrever: uma visão global das características das atividades e das pessoas que tornam uma atividade positiva otimamen­te efetiva; e os mecanismos que fundamentam a melhoria do bem-estar [43] das atividades positivas. Além disso, em que medida que qualquer carac­terística de uma atividade positiva, que gera sucesso, depende da ligação entre a pessoa (exemplo: sua personalidade ou cultura) e as característi­cas da atividade (exemplo: dosagem ou suporte social; que representam ajuste pessoa-atividade). (LYUBOMIRSKY & LAYOUS, 2013). Acrescenta-se ainda que as características de atividades positivas (por exemplo, a dosa­gem e variedade) e da pessoa (por exemplo, de motivação e de esforço) influenciam o grau em que as atividades melhoram o bem-estar. Desta­ca-se ainda a identificação das condições em que as atividades positivas são mais eficazes e os processos pelos quais elas trabalham. Além disso, o modelo também revela lacunas na evidência empírica (por exemplo, sobre o papel do apoio social) e os resultados conflitantes (por exemplo, sobre o papel do próprio estado afetivo inicial) que esperam por novas pesquisas, e ainda pode ser estendido para prever a extensão da persistência dos que praticam atividades positivas para poder continuar a colher os benefícios. (LYUBOMIRSKY & LAYOUS, 2013).

Os autores afirmam também que, como os pesquisadores começam a entender o como, o quê, quando e o porquê das estratégias de aumento de felicidade, eles poderão fornecer conselhos com base empírica para os milhões de pessoas em diversos segmentos que anseiam por serem mais felizes. (LYUBOMIRSKY & LAYOUS, 2013).

Em consonância com a teoria de Lyubomirsky, outro artigo que traz contribuições aos psicoterapeutas é o "Positive Activities as Protective Fac­tors Against Mental Health Conditions", de Kristin Layous, Joseph Chancel­lor e Sonja Lyubomirsky, de 2014, onde os estudiosos propõem que ati­vidades positivas possam servir como fatores de proteção que atenuem fatores de risco, descrevendo exemplos de como elas podem mitigar dois fatores de risco, as ruminações e a solidão, e contrariar desencadeadores ambientais (ou seja, moderadores) que possam ampliá-los. E incluem ain­da a argumentação de que as atividades positivas podem ser ensinadas aos jovens para desenvolver padrões positivos de conceitos, pensamentos e comportamentos que podem vir a servir como fatores de proteção ao longo de suas vidas, além de proporem outras atividades que possam ser adequadas para certos indivíduos e fatores de risco específicos. [44]

Teoria Felicidade Autêntica

Divulgada por meio da publicação do livro "Felicidade Autêntica - Usan­do a Psicologia Positiva para a Realização Permanente" a teoria da Felici­dade Autêntica foi apresentada ao público no ano de 2002, por Martin E. P. Seligman. Toda a investigação nessa teoria concentra-se na felicidade que é feita por meio de três elementos: Emoções Positivas; Engajamento (flow); e Sentido. (SELIGMAN, 2002; SELIGMAN, 2011).

Como critérios para cada um dos três elementos, o autor destaca: es­colhemos cada elemento por eles mesmos e esses podem ser definidos e devidamente medidos.

O primeiro elemento, a emoção positiva, representa o que sentimos, a saber: prazer, entusiasmo, êxtase, calor, conforto e sensações afins. Uma vida conduzida com êxito acerca desse elemento é o que Seligman cha­ma de "vida agradável" (pleasant life). (SELIGMAN, 2011). Estão ligadas ao presente (prazeres físicos, prazeres maiores, como enlevo e conforto), ao passado (satisfação, contentamento, orgulho e serenidade) e ao futuro (otimismo, esperança, confiança e fé).

O segundo elemento, o engajamento, está ligado a uma posição de entrega: entregar-se completamente sem se dar conta do tempo transcor­rido, e ocorre quando se perde a consciência de si mesmo numa atividade envolvente. Seligman (2011) afirma que no engajamento é como se nos fundíssimos com o objeto. Destaca que, para esse engajamento, é essen­cial utilizarmos nossas forças pessoais. As pessoas que vivem com esse objetivo têm o que o autor chama de "vida engajada"(good life). (SELIG­ MAN, 2011).

O terceiro elemento, o sentido, significa que é essencial vivermos com sentido e propósito com vistas a pertencer e servir a algo maior que nós mesmos. Através de algumas instituições criadas pela humanidade pode-se vivenciar isso: a religião, o partido político, a família, movimento ecoló­gico, entre outros. (SELIGMAN, 2011). Nesse sentido, Seligman (2009) defi­ne a "vida significativa" (meaningful life), que considera como a "utilização [45] das suas forças e virtudes pessoais a serviço de algo maior". (SELIGMAN, 2009, p. 384).

Na Teoria Felicidade Autêntica, o tema é a felicidade, o objetivo da Psi­cologia Positiva é aumentar a quantidade de felicidade na vida das pessoas e do planeta e o padrão de mensuração é a satisfação com a vida que é fei­ta a partir de um relato subjetivo e, dessa forma, o seu objetivo é aumentar essa satisfação. (SELIGMAN, 2011).

Teoria do Bem-Estar

A Teoria do Bem-Estar foi divulgada no ano de 2011, com a publicação do livro "Florescer (Flourish) - Uma nova Compreensão sobre a Natureza da Felicidade e do Bem-Estar" de Martin E. P. Seligman. Diferentemente do tema felicidade, foco de sua primeira teoria, na Teoria do Bem-Estar o tema passou a ser o bem-estar (SELIGMAN, 2011) e esse é considerado um construto, sendo composto por diversos elementos, todos eles mensurá­veis. Cada um desses elementos é real e contribuem para o bem-estar, mas não o definem. (SELIGMAN, 2011). O autor utiliza a sigla PERMA, formada pelas iniciais dos nomes dos cinco elementos:

Figura 2

Segundo a Teoria do Bem-Estar, seus elementos, cada um deles, pre­cisam apresentar as seguintes propriedades: contribuição para a [46] formação do bem-estar; os indivíduos buscam o próprio elemento, e não apenas para obter algum dos outros quatro. (SELIGMAN, 2011).

Quanto aos elementos das emoções positivas, do engajamento e do sentido, Seligman (2011) não aponta diferenciações com reiação ao que apresenta na Teoria Felicidade Autêntica.

O quarto e novo elemento, a realização, que é buscada por ela própria, consiste em perseguir o sucesso, a vitória, a conquista e o domínio por eles mesmos, ainda que não gere emoção positiva, sentido ou relacionamentos positivos. Seligman (2011) menciona o termo "vida realizadora" na forma ampliada da realização.

O quinto e novo elemento, os relacionamentos, refere-se ao fato de que "as outras pessoas são o melhor antídoto para os momentos ruins da vida e a fórmula mais confiável de bons momentos". (SELIGMAN, 2011, p. 31).

Na Teoria do Bem-Estar, o tema é o bem-estar, o objetivo é aumentar o florescimento humano pelo aumento das emoções positivas, do enga­jamento, do sentido, dos relacionamentos positivos e das realizações. E o padrão de mensuração é de cada um dos elementos separadamente. (SELIGMAN, 2011).

Neste ponto, destaco que o entendimento preciso da Teoria do Bem-Estar pode possibilitar ao psicoterapeuta a identificação de rotas de florescimento humano e bem-estar de seus clientes, favorecendo a indica­ção e criação de estratégias e ações intencionais que mais sejam produti­vas à potencialização dos elementos que melhor representam a felicidade do cliente.

Flow

Na obra "Flow - The Psychology of Optimal Experience", Mihaly Csikszentmihalyi (1990) define a experiência ótima baseada no conceito de Flow como o estado no qual as pessoas estão envolvidas numa atividade em que nada parece importar; a experiência por ela mesma é tão agradável que as pessoas irão fazer isso mesmo a qualquer custo pelo simples fato de fazer isso. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990). [47]

Segundo o autor, o nosso cotidiano é formado por atividades que rea­lizamos ao longo do dia, e que absorvem toda a nossa energia psíquica, as quais divide em três categorias:

  • Atividades Produtivas: a primeira e maior, que inclui aquelas atividades que objetivam a sobrevivência e o conforto (exemplo: trabalho, estudo);
  • Atividades de Manutenção: manter o corpo em forma (exemplo: comer, descansar, cozinhar, limpar);
  • Atividades de Lazer: o tempo livre estaria enquadrado nestas atividades e seria dividido em três tipos de atividade: 
    • a primeira, o consumo de mí­dia (a maioria em ver televisão, pinceladas no jornal e leitura de revistas);
    • a segunda, a conversa; e
    • a terceira, que é o uso mais ativo do tempo livre, que seriam as atividades como hobbies, fazer música, prática de esportes e exercícios.

O autor destaca que essas atividades fornecem as informações que vão à nossa mente ao longo do dia, dia após dia e que, na essência, nossa vida consiste dessas experiências. (CSIKSZENTMIHALYI, 1997).

Um ponto importante é que Csikszentmihalyi (1997) aponta a concen­tração como essencial para adquirir controle sobre a sua vida psíquica, que é o combustível básico do pensamento e acrescenta que concentrar a atenção é fundamental para executar operações mentais com algum tipo de profundidade. O que é comum nesses momentos de imersão é que a consciência é cheia de experiências e essas estão em harmonia umas com as outras. E é a esses momentos excepcionais que o autor dá a definição de Flow. (CSIKSZENTMIHALYI, 1997). Nesses momentos, nós nos sentimos no controle de nossas ações e mestres de nosso próprio destino; sentimos um senso de hilaridade, um profundo senso de prazer; é a esses momentos excepcionais, a que ele se refere como experiência ótima, que denomina como experiência de Flow. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990; CSIKSZENTMIHALYI, 1997).

As atividades que propiciam o Flow apresentam os seguintes compo­nentes:

  • Metas: o Flow acontece quando as pessoas encaram determinadas me­tas claras e compatíveis que requeiram respostas apropriadas. [48]
  • Feedback: a atividade deve fornecer feedback imediato. Elas deixam cla­ro o quanto você vai bem no que está fazendo; e
  • Habilidade: o Flow tende a acontecer quando as habilidades da pessoa estão inteiramente envolvidas na superação de um desafio. (CSIKSZENTMIHALYI, 1997).

As experiências ótimas usualmente envolvem um bom equilíbrio en­tre a habilidade para agir e as oportunidades disponíveis para a ação, os desafios. E é quando ambos, habilidade e desafios, são altos que se dá a experiência de Flow, conforme demonstra a figura a seguir.

Figura 3

Além disso, trata-se necessariamente de uma experiência compensadora e requer concentração na sua execução. Inclui, ainda, uma perda da consciência do tempo, e a ausência da autoconsciência, com perda [49] momentânea do ego, desaparecendo o autorreconhecimento, transformando a pessoa em parte da atividade. Edurante a atividade dá-se o paradoxo do controle, ou seja, a atividade envolve um senso de controle; existe uma despreocupação com a perda do controle, já que há elementos que podem ou não ser controlados. Acrescenta-se que há a fusão da ação e da consciência, à medida que a pessoa está tão envolvida que a realiza no automá­tico, tornando-se espontânea. (CSIKSZENTMIHALYI, 1997).

As atividades que induzem o estado de Flow são chamadas de ativi­dades de Flow, já que elas favorecem que esse aconteça. (CSIKSZENT­ MIHALYI, 1997). O autor elenca em suas obras diversas atividades que po­dem propiciar o estado de Flow, tais como: fazer música, escaladas, dançar, caminhar, ler, artes, velejar, jogar, entre outras. Destaca que o importante é identificar as atividades que compõem o nosso dia e elencar aquelas que nos colocam em estado de Flow, pois estas elevarão nossas vidas.

Virtudes e Forças de Caráter

A primeira tentativa de definir um conjunto de virtudes humanas está contida nos ensinamentos de Confúcio, que datam de 500 a.e.c. e, até os dias de hoje, ainda nenhuma classificação de qualidades ou resultados positivos humanos conseguiu utilização ou aceitação mundial. (SNYDER & LOPEZ, 2009). Contudo, grandes esforços e resultados já vêm sendo alcançados para se obter um inventário para definir as qualidades humanas. (SNYDER & LOPEZ, 2009). Esses esforços sustentaram-se relevantemente com a iniciativa do dr. Neal H. Mayerson que, em 1999, procurou Martin Seligman com o seguinte questionamento: "Podemos manter a esperança de que a Psicologia Positiva será capaz de ajudar as pessoas a evoluir em direção ao seu maior potencial?" Mayerson e Seligman chegaram rapida­ mente à conclusão de que duas questões prioritárias deveriam ser respon­ didas e essas acabaram por moldar o projeto do início até o final: "Como podemos definir os conceitos de forças e de potencial máximo? Como se pode saber que um programa de desenvolvimento positivo de jovens atin­giu seus objetivos?" (PETERSON & SELIGMAN, 2004).

Figura 4

Para responder a essas perguntas por meio de pesquisas e estudo, em [50] 2001, a Fundação Manuel D. e Rhonda Mayerson criou o Value in Action (VIA) Institute, uma organização sem fins lucrativos dedicada ao desen­volvimento de uma base científica do conhecimento das forças humanas. (PETERSON & SELIGMAN, 2004; VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2013a).

À frente do projeto, Seligman foi designado diretor científico do VIA Institute e convidou Christopher Peterson para ser seu diretor de Projeto. Em três anos, a partir do ano 2000 e com a participação de mais de 150.000 pessoas que participaram das medições, Seligman e Peterson, com a as­sistência de diversos prestigiosos acadêmicos e profissionais, conceberam uma classificação de forças de caráter e virtudes e os meios de medi-las. (PETERSON & SELIGMAN, 2004; VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2013).

Essa classificação foi apresentada no livro "Character Strengths and Virtues - A Handbook and Classification", em 2004, de autoria de Seligman e Peterson, não traduzido para o Português, e o VIA Classification on Cha­racter Strengths serve como antítese do DSM e é promissora para estimu­lar e entender as qualidades psicológicas. A classificação proporciona uma linguagem comum para descrever as qualidades humanas e estimula um enfoque ao diagnóstico e ao tratamento voltados a potencializar as quali­dades. O inventário VIA identificou 24 forças de caráter, organizadas sob seis virtudes. (SNYDER & LOPEZ, 2009). As virtudes, segundo os autores, são as características fundamentais valorizadas por filósofos e religiosos e as forças de caráter são os ingredientes psicológicos que definem as virtu­des. (PETERSON & SELIGMAN, 2004). [51]

Para a medição deste sistema de virtudes e forças de adultos, foi cria­do o Values In Action Inventory of Strengths (VIA-IS) ou VIA Inventory of Strengths, ou ainda conhecido mais popularmente como VIA Survey (In­quérito VIA) que é uma avaliação de forças cientificamente validada. (VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2013b). O VIA Survey foi postado na internet sem nenhum custo para as pessoas, e atualmente já conta com mais de 5 milhões de respondentes ao assessment das forças de caráter. (VIA INS­TITUTE ON CHARACTER, 2017).

Trata-se o VIA-IS do único levantamento de forças no mundo que é gratuito, online e psicometricamente válido, e, além da versão original com 240 itens, dez para cada uma das forças de caráter, na atualidade, encontra-se disponível uma nova versão da avaliação original VIA-IS chamada *New* VIA Survey-120 que leva em torno de 15 minutos para ser preenchi­da com 120 itens apenas. (VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2013b).

Conforme destaca Niemiec (2017), devido a problemas que foram identificados na versão do VIA Survey que vem sendo utilizada, estudos sobre o assessment começaram a ser desenvolvidos desde 2014, para me­lhorar, substancialmente, a medição das forças de caráter e para algumas outras adequações. Isso inclui uma revisão profunda do VIA-IS com análise de todas as escalas, com dois formulários curtos (The Signatures Strengths Survey e o Virtues Survey), e um punhado de outras medições de forças de caráter, num estudo desenvolvido por McGrath (2017), indicados a seguir. A essa série de pesquisas, para atualização do VIA-IS, como parte de um conjunto de assessments, foi dado o nome de VIA Assessment Suite for Adults e o uso desses novos instrumentos são gratuitos e direcionados a uso por pesquisadores com propósito de pesquisas, as quais devem ser submetidas ao VIA formalmente. (MCGRATH, 2017). Além disso, itens das escalas foram adequados de forma a extrair com maior precisão, o que efe­tivamente contemplam as descrições de algumas forças - exemplo: para a Espiritualidade/Senso de Significado foram retirados-os itens relacionados à religiosidade, mantendo apenas itens relacionados a crenças sobre uma realidade não-física. (MCGRATH, 2017).

O VIA-IS tem opções de diferentes tipos de relatórios que podem ser escolhidos pelos respondentes. Ao preencher o questionário, o respondem [53] te tem acesso a uma lista/relatório gratuito com o ranking de suas forças em ordem de classificação. O seu relatório de feedback destaca as cinco forças que são chamadas de forças principais, mas também apresenta as demais forças de caráter em ordem decrescente de pontuação. (SNYDER & LOPEZ, 2009). Já estão disponíveis no site há algum tempo o VIA®Me! Character Strengths Profile, o VIA PRO Character Strengths Profile e o VIA PRO Team Report. Novos relatórios encontram-se disponíveis, atualmente, para aquisição ao lado do VIA PRO Character Strengths Profile, como o Peer Comparison Report, que faz um comparativo do resultado do respondente com o público de características demográficas semelhantes e o Lesser Character Strengths Report, que apresenta uma revisão aprofundada das forças que pontuaram mais baixo, com uma análise de como as pesquisas interpretam esses resutados e que intervenções podem ser favorecedoras para sua potencialização. (VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2017).

Além da versão de inventário para adultos, foi criado o Value In Ac­tion (VIA) Inventory of Strengths For Youth (VIA-Youth), popularmente co­nhecido como Youth Survey VIA, que mede forças do respondente através de uma pesquisa, atualmente com 96 itens. Ele leva aproximadamente 15 minutos para ser concluído e é projetado para jovens entre 11-17 anos de idade, sendo oferecido em 20 línguas e em Português (Portugal). (VIA INS­TITUTE ON CHARACTER, 2017). Assim como o VIA Survey, o VIA-Youth gera uma lista "rank" de suas forças de caráter em ordem de classificação, sen­do gratuito. (VIA® ME, 2013). Só que não para por aí. Ao lado dos relatórios principais (VIA-IS 120 para adultos e VIA-96 para a juventude), oferecidos para o público em geral, o VIA também oferece outros instrumentos dis­ poníveis para pesquisadores como um meio para avançar a ciência sobre as forças de caráter. São eles: o VIA Youth-198; VIA-IS; VIA-72; VIA-IS-R; VIA-IS-M; VIA-IS-P; VIA-IS-V6; VIA-IS-V3, para uso em pesquisas; os Global Assessment of Character Strengths - 24 (GACS-24); Global Assessment of Character Strengths-72 (GACS-72); Signature Strengths Survey (SSS), de domínio público, dos quais pode ser feito o download no site da versão, em Inglês, para aplicação como pesquisa; e o Overuse, o Underuse & Opti­mal-Use (OUOU) of Character Strengths, este último em pesquisas iniciais para uma aplicação específica. (VIA INSTITUTE ON CHARACTER, 2017). [54]

A temática das forças de caráter tem imensa aplicabilidade e é consi­derada a espinha dorsal da Psicologia Positiva. Com a proposta da strengths-opproach, as forças de caráter são utilizadas em contextos organizacio­nais, da Educação, do Coaching e da Psicoterapia.

Considerando a temática desta obra concentrada na Psicologia Clíni­ a, a título de observação, destaco um trabalho inacabado de Christopher Peterson, o qual considero que traria imensa significância à melhoria de diagnósticos e tratamento de clientes no contexto psicoterapêutico. No Terceiro Congresso Mundial da Associação Internacional de Psicologia Po­sitiva de 2013, Seligman lançou um desafio aos presentes, com vistas ao desenvolvimento e conclusão de uma proposta de estudo, não finalizada por Peterson, sobre a teoria de que a saúde psicológica é a presença de resistência e que ser mentalmente doente significa a ausência, o excesso de, ou oposição a uma ou mais das forças de caráter. (NEWS DAILY, 2013).

Nessa proposta de estudo, parte-se da premissa de que as 24 forças de caráter existentes poderiam ter 72 patologias relacionadas. Parte do desafio desse estudo é o de considerar como essas 72 patologias se rela­cionariam com os transtornos e patologias elencados no DSM. Algumas perguntas foram apresentadas que talvez pudessem ser respondidas a par­tir da conclusão do estudo. Por exemplo, o Desespero pode ser tratado com terapia cognitiva? Solidão com o treinamento antitimidez? Será que a compreensão dos transtornos mentais dessa forma pode levar a escolhas mais efetivas de terapias? Poderia o fortalecimento de forças de caráter oferecer proteção contra os transtornos mentais? Seligman concluiu que Peterson havia deixado o seu maior projeto desfeito. (NEWS DAILY, 2013).

Conforme narra Niemiec (2017), em 2009 e 2010, com apoio de Peter­son, foi sugerida por ele uma linguagem sobre essa temática a um grupo de estudiosos e profissionais das forças de caráter, o que foi considera­ do incipiente para a aplicação prática, sendo difícil para usos com alunos, clientes e empregados. Com a ajuda de estudiosos renomados, a partir desse momento, Niemiec (2014), tentando manter-se o mais próximo da concepção de Peterson (2006), concebe uma abordagem para um modelo [55] de um continuum entre overuse (uso em excesso), uso ideal e underuse (subutilização), para cada uma das forças de caráter. Além de ser uma pro­posta abraçada por inúmeros estudiosos, já é considerada uma aborda­ gem útil e apurada para predizer desordens psicológicas, especialmente transtorno de ansiedade social, como apontam Freidlin e colegas (2017), conforme indicado por Niemiec ( 2017).

Considerando as explanações acerca desses estudos, é importante destacar que as forças de caráter, para serem consideradas moralmente apreciáveis, precisam manifestar-se em seu âmago, em sua manifestação ideal e apreciável. Contudo, cada uma delas apresenta significados distin­tos quando se apresentam com overuse (uso excessivo) ou underuse (su­butilização) dessa medida ideal. Fora isso, as forças de caráter apresentam maiores similaridades com algumas das demais forças de caráter. (NIEMIEC, 2017). Destacam-se esses pontos, pois é essencial que o psicoterapeuta que deseje atuar com a Psicologia Positiva aprofunde-se na compreensão da totalidade de aspectos que envolve a temática das forças de caráter, com vista a favorecer o entendimento de seus clientes, quanto a suas qualidades humanas e a como potencializá-las em prol de seu bem-estar ou melhoria de seus quadros emocionais.

Esta explanação apresenta, de forma ínfima, informações sobre essa temática, sem pretender de forma alguma sugerir que um psicoterapeuta possa atuar com forças de caráter apenas a partir desta breve leitura.

Neste ponto, conclui-se a Parte I desta obra, cumprindo sua proposta de subsidiar o entendimento mais claro das temáticas que serão indicadas nos capítulos das Partes II, III e IV. [56]

Psicologia - Psicologia positiva
10/23/2020 3:46:01 PM | Por Martin Seligman
A centralidade das forças de caráter e como usá-las na Psicoterapia positiva

A obra Character strengths and virtues (CSV), de Peterson e Seligman (2004), foi o primeiro esforço abrangente, coerente e sistemático em psicologia para classificar as forças humanas essenciais (veja a Tabela 4.1: Valores em Ação: Classificação das Forças). As forças de caráter são definidas como traços universais que são valorizados por si só e não necessariamente le­vam a resultados instrumentais. Em sua maior parte, as forças de caráter não diminuem; ao contrário, indivíduos com tais forças elevam aqueles que testemunham essa força, produzin­do admiração em vez de ciúme. São tremendas as variações nos padrões das forças que pos­suímos. As instituições sociais tentam cultivar essas forças de caráter por meio de rituais. No entanto, a classificação das CSV é descritiva, e não prescritiva, e as forças de caráter podem ser estudadas como outras variáveis comportamentais.

Tabela 4.1

Forças de Caráter, Valores e Talentos

O que distingue forças (descrições do compor­tamento desejado) de valores (prescrições do comportamento desejado)? Forças de caráter e valores são ambos moralmente desejáveis, po­rém diferem em alguns pontos:

Primeiramente, comparadas a um conjunto mais amplo de valores nucelares, as forças de caráter são atributos do nosso self mais detalhados e sutis. Por exemplo, o valor de ter um bom relacionamento com outras pes­soas é extrapolado a partir de atributos mais específicos (forças de caráter), como capaci­dade de amar e ser amado, gentileza, inteli­gência social, trabalho em equipe e gratidão.

Em segundo lugar, comparados às forças de caráter, os valores frequentemente são culti­vados ativamente por instituições, por meio de práticas parentais, educação e um sistema intricado de recompensas e reconhecimento. Somos considerados bons cidadãos se defen­demos ou demonstramos esses valores. Em outras palavras, os valores são usados como critério para nos avaliar como indivíduos.

Tabela 4.1

Valores e forças são primos próximos, apre­sentando inúmeras semelhanças. Um ou mais valores nucleares podem estar operando subjacentes a várias forças de caráter, e inúmeras forças de caráter podem interseccionar com um ou mais valores nucleares. Tanto os valores quanto as forças de caráter guiam nosso com­portamento. Tanto os valores quanto as forças de caráter nos oferecem uma oportunidade de refletir sobre quem somos e os princípios que orientam nossas ações e decisões. Tanto os valores quanto as forças de caráter estão forte­mente associados a maior satisfação com a vida e bem-estar.

Os valores tendem a ser mais prescritivos do que as forças de caráter. Por exemplo, o valor de ser bem-sucedido é não só desejado em nome do sucesso - há muito mais nisso. Instituições como escolas, empresas, trabalho, política, ar­tes e esportes estabeleceram regras e exigências [39] específicas para medir e ter acesso ao nosso su­cesso. Algumas dessas regras incluem os valo­res de ter bom relacionamento com as pessoas, manter boa higiene, manter-se organizado e ser meticuloso. Esses valores são atributos pratica­mente necessários para a realização pessoal e profissional. Comparativamente, as forças de caráter são consideradas como atributos mais personalizados. Por exemplo, a pessoa A pode ser igualmente bem-sucedida e realizada (valo­res) com as forças de caráter de criatividade, coragem, autenticidade, prudência e ludicidade comparada à pessoa B, com as forças de caráter de curiosidade, imparcialidade, inteligência so­cial, autorregulação e espiritualidade.
Forças de caráter também são distintas de talento. Talentos como habilidade musical, agi­lidade atlética ou destreza manual são mais ina­tos e fixos, enquanto as forças são adquiridas, construídas individualmente e com frequência nutridas por instituições sociais maiores. Os ta­lentos tendem a ser mais automáticos, enquanto as forças podem ser exercidas deliberadamente (p. ex., compreender quando é apropriado usar gentileza versus imparcialidade). Conforme ob­servado, os talentos são mais inatos (p. ex., mu­sical, atlético, destreza manual) e algumas vezes são desperdiçados. Indivíduos cujas forças marcantes são gentileza, curiosidade, gratidão ou otimismo frequentemente encontram manei­ras de usar, e não de desperdiçar, seus talentos. Os talentos tendem a ser moralmente neutros, enquanto as forças e os valores têm uma moral subjacente. Evidências mostram que indivíduos que são gratos, curiosos, atenciosos, otimistas e entusiasmados têm mais probabilidade de [41] ser satisfeitos com suas vidas. Em outras pala­ vras, as forças de caráter melhoram o bem-estar (Peterson, Park, & Seligman, 2005).

Os talentos tendem a ser mais independentes do que as forças ou os valores. A agilidade atlé­tica de uma pessoa tem menos influência em seu funcionamento intelectual, e a habilidade artística de alguém tem menos probabilidade de estar relacionada a sua inteligência prática cotidiana. As forças, comparadas aos talentos, são mais inter-relacionadas e com frequência funcionam em conjunto. Alguém com alta dose de curiosidade provavelmente também terá alta dose de criatividade; autorregulação e prudên­cia andam de mãos dadas, assim como lideran­ça e cidadania.

Terceiro, as forças de caráter são expres­sas em combinações (e não isoladamente) e vistas dentro do contexto em que são usadas. Por exemplo, forças como gentileza e perdão podem consolidar vínculos sociais, mas, se usa­das em excesso, podem ser tomadas por permissividade. Nesse esquema de classificação, forças de caráter (p. ex., gentileza, trabalho em equipe, entusiasmo) são distintas de talentos e habilidades. Destreza atlética, memória foto­gráfica, afinação perfeita, destreza manual e agilidade física são exemplos de talentos e habilidades que são frequentemente valorizados porque levam a outros resultados. As forças têm características morais, enquanto os talentos e habilidades, não.

Incorporando as forças à psicoterapia positiva

No curso da psicoterapia positiva (PPT), o clí­nico procura ativamente acontecimentos, ex­periências e expressões de forças nas vidas de seus clientes. Estas podem se manifestar por meio de habilidades, competências, talentos, capacidades e aptidões que podem ser nutridas para o enfrentamento e potencialmente prote­ger contra transtornos psicológicos. Os psicó­logos positivos com frequência são criticados por minimizarem as fraquezas ou focarem ex­clusivamente nas forças e nos aspectos positi­vos. Reiteramos, como fazemos ao longo deste manual, que explorar as forças de caráter não significa ignorar os sintomas. Acreditamos que os clientes podem passar do mal-estar para o bem-estar se seus sintomas forem integrados às forças, o risco aos recursos e a vulnerabilidade à resiliência para oferecer-lhes um retrato com­plexo, porém realista, do autoconhecimento. No entanto, a integração cuidadosa das forças no perfil global dos clientes é algo geralmente feito na psicoterapia tradicional. Recomenda­mos, portanto, a utilização de três considera­ções para realçar as forças do cliente:

  • Utilizar medidas válidas e confiáveis das forças.
  • Desenvolver uma compreensão matizada e contextualizada das forças.
  • Estruturar as forças em objetivos significa­tivos.

Usando Medidas Válidas e Confiáveis das Forças

As forças em intervenções mais positivas costu­mam ser avaliadas usando-se a medida on-line gratuita Values in Action - Inventory of Strengths (https://www.viacharacter.org/) (VIA-IS; Peterson & Seligman, 2004). Algumas medidas alternativas das forças de caráter também fo­ram desenvolvidas e validadas empiricamente, entre elas Strength Finder (Buckingham & Clif­ ton, 2001), Realise 2 (Linley, 2008), Adult Nee­ds and Strengths Assessment (Nelson & Johns­ ton, 2008) e Quality of Life Inventory (Frisch, 2013). Em geral, os clínicos seguem uma es­tratégia simples de “identificar e usar suas for­ças”, em que os cinco escores principais (de um total de 24) são considerados como forças de assinatura. Os clientes são, então, convidados a encontrar novas formas de usar suas forças de assinatura. Essa abordagem, embora útil e efe­tiva em contextos não clínicos, pode não aten­der a necessidades clínicas essenciais. O foco exclusivo nos escores de forças de maior classi­ficação pode levar os clientes a pensar que suas cinco forças principais têm o maior potencial terapêutico quando, na verdade, esse pode não ser o caso para todos os clientes. Por exemplo, um cliente de meia-idade e bem-sucedido, em nossa prática, disse: "Depois de cada conquista. [42] minha reação instintiva é que outra pessoa fez melhor". Um cliente como esse pode não se be­neficiar de trabalhar em suas forças principais, que incluem persistência, liderança e amor ao aprendizado. Algumas de suas forças inferio­res, como gratidão, espiritualidade e atitude lúdica, podem lhe proporcionar maior efeito te­rapêutico. É importante observar que nem todas as 24 forças têm o mesmo potencial terapêutico em cada caso.

Desenvolvendo uma Compreensão Matizada e Contextualizada das Forças

O aspecto mais crítico da abordagem terapêuti­ca baseada nas forças é um uso contextualizado das forças, o que mantém os problemas e sinto­mas presentes no centro das atenções. O con­texto clínico frequentemente requer uma abor­dagem mais matizada e teoricamente orientada para uso das forças (Biswas-Diener, Kashdan, & Minhas, 2011). Para superar essa dificulda­de, sugerimos a utilização de uma abordagem abrangente de avaliação das forças (Rashid & Seligman, 2013). Nessa abordagem, o clínico fornece aos clientes uma breve descrição de cada força essencial (aproximadamente 20 a 25 palavras por força - com base no CSV) e pede que eles identifiquem (não classifiquem) até cinco forças que melhor ilustram sua perso­nalidade. Além disso, o cliente recolhe dados colaterais obtidos com um amigo ou familiar para compartilhar com o clínico. O clínico, en­tão, sintetiza toda essa informação e fornece ao cliente descrições das forças selecionadas com seus títulos - para identificar cada força com um nome e contexto específico. A seguir, o clí­nico encoraja o cliente a compartilhar lembran­ças, experiências, histórias da vida real, episó­dios, realizações e competências que ilustram o uso dessas forças em situações específicas. O cliente, então, completa uma medida de autorrelato das forças (p. ex., VIA-IS). Em cola­boração com o clínico, os clientes estabelecem objetivos específicos, atingíveis e mensuráveis voltados para suas preocupações presentes e identificam usos adaptativos de suas forças de assinatura. Em um estudo clínico recente, en­tre os clientes com diagnóstico de depressão e ansiedade, as forças de curiosidade, humor e autenticidade foram as mais prováveis de ser identificadas por outras pessoas, enquanto hu­mildade, imparcialidade e perspectiva foram as menos prováveis de ser endossadas por outros (Rashid et al., 2013).

Estruturando as Forças em Objetivos Significativos

É importante que os objetivos sejam pessoal­mente significativos, além de adaptativos no contexto interpessoal dos clientes. Por exem­plo, se o objetivo do cliente for usar mais a curiosidade, o cliente e o clínico discutem qual é o equilíbrio ideal da curiosidade por meio de ações concretas, de modo que o uso de curio­sidade não leve a indiscrição (excesso/uso excessivo) ou aborrecimento (falta/subutilização). Os clientes também são ensinados a usar suas forças de maneira equilibrada e flexível no estabelecimento de objetivos para enfrentar de modo adaptativo os desafios situacionais (Biswas-Diener, Kashdan, & Minhas, 2011; Schwartz & Sharpe, 2010).

Considere o caso a seguir de nossa jovem cliente, Emma, que procurou psicoterapia para lidar com o divórcio depois de um casamento de curta duração.

Como muitos clientes, Emma começou a terapia sentindo-se magoada, prejudicada e traída. Ela se sentia envergonhada por ter escolhido se casar ainda relativamente jovem, contra a vontade de seus pais conservadores, que queriam que continuasse seus estudos. Ela relatou ter pensamentos intrusivos ne­gativos. Nosso foco terapêutico inicial foi no proces­samento do trauma, simplesmente criando de forma mútua um espaço onde Emma conseguisse compar­tilhar seus sentimentos de mágoa, raiva e traição e onde pudesse sentir empatia e validação - ao ser ou­vida. Nessas conversas, o clínico focou nos detalhes do trauma, além de gentilmente apontar alguns dos comportamentos sadios que a cliente demonstrava (como enfrentamento sadio e resiliência). O clínico também demonstrou valorização pelo empenho de Emma em vir para a terapia (reconhecimento), além de conseguir compartilhar seu constrangimento, [43] arrependimentos e medos (coragem) e seu esforço e persistência. Esse apoio ajudou a cliente a expres­sar um desejo de mudança. O clínico, com base nas forças, demonstrou compreensão pelo momento e encorajou Emma a discutir a possibilidade de mudar, compartilhando delicadamente suas forças observa­das em terapia até aquele momento. Embora inicial­mente hesitante em reconhecer suas forças, o simples fato de ouvir o clínico falar sobre elas de forma genuí­na já aumentou a autoeficácia de Emma.

Incorporando forças em Psicoterapia positiva: Competências e estratégias

A avaliação das forças de um cliente propor­ciona uma abertura clínica única para elaborar os objetivos colaborativamente. Os clínicos podem discutir com os clientes o objetivo do tratamento. Por exemplo: “Você quer se livrar de todas as suas preocupações, medos, estressores e dúvidas ou também está interessado em ser feliz, confiante e satisfeito?”. Quase todos os clientes em nossa experiência endossam essa última parte da pergunta, além da primeira.

No entanto, é essencial que os clínicos estejam cientes de que o objetivo da PPT é ajudar os clientes a compreenderem que a ausência de fraquezas não é o único objetivo clínico e que a presença de bem-estar é igualmente importante para o tratamento e a prevenção de transtornos psicológicos (Keyes, 2013). A seguir, apresen­tamos estratégias para a incorporação das for­ças na PPT.

Formas de Avaliar Forças de Caráter

A maioria das medidas de psicopatologia é cara e requer realização em contextos clínicos. Medidas das forças que sejam válidas e confiá­veis, desenvolvidas por profissionais e pesqui­sadores da psicologia positiva, estão facilmente acessíveis on-line e gratuitamente. Por exem­plo, o website Authentic Happiness (www.authentichappiness.org; afiliado à Universidade da Pensilvânia) e o website Values in Action (www.viacharacter.org) oferecem muitas des­sas medidas. Os clientes podem completar as medidas em casa e trazer os resultados impres­sos para a terapia. Conforme mencionado [47] anteriormente, uma das medidas mais amplamente usadas para avaliar as forças é a VIA-IS (Peter­son & Seligman, 2004; www.viacharacter.org). Com base no modelo CSV das forças, a VIA-IS está disponível em duas versões - em 240 e 120 itens. Também com base no modelo CSV, uma versão breve com 72 itens com mecanismo de feedback encontra-se disponível (Rashid et al., 2013, www.tayyabrashid.com). Todos es­ses três websites fornecem, em inglês, medidas gratuitamente e feedback instantâneo sobre as forças e outros atributos positivos.

Além das medidas de autorrelato, entrevis­tas guiadas por pesquisa podem ser usadas para avaliar as forças. Se os clínicos preferirem não usar avaliação formal, podem usar perguntas no começo ou durante a terapia para evocar for­ças, emoções positivas e propósito. Exemplos de perguntas incluem: “O que dá a sua vida um senso de propósito? Vamos fazer uma pausa aqui e falar sobre coisas em que você é bom. Quais são seus pensamentos e sentimentos ini­ciais quando você vê alguém realizando um ato de gentileza ou coragem?”. Flückiger e colabo­radores (2009) usaram uma entrevista clínica para evocar as forças do cliente no processo terapêutico. A seguir, apresentamos várias das suas “perguntas para ativação dos recursos” que podem ser facilmente incorporadas a um questionário sobre a história do paciente ou à entrevista clínica na prática rotineira:

  • De que você mais gosta? Por favor, descreva suas experiências mais prazerosas,
  • Em que você é bom? Por favor, descreva experiências que despertaram o melhor em você.
  • Quais são suas aspirações para o futuro?
  • O que faz com que um dia seja satisfatório para você?
  • Que experiências lhe dão um sentimento de autenticidade?
  • Por favor, descreva uma situação em que você se sentiu “verdadeiramente você”.

Em seu estudo dos psicoterapeutas, Michael Scheel e colaboradores (2012) identificaram cinco temas que podem guiar os clínicos que conduzem PPT ou alguma terapia baseada nas forças para avaliar as forças dos clientes por meio de entrevistas. Esses temas são descritos a seguir, com exemplos de nossa prática clínica.

Amplificação das forças

Este tema ajuda os clientes a ver suas forças no passado, notar os aspectos positivos no que está sendo apresentado e provocar sucessos, mesmo que pequenos.

Exemplos: Um cliente que apresentava sintomas de ansiedade social compartilhou uma história de supe­ração do medo de praticar seu esporte à frente dos "olhos penetrantes" da multidão quando entrou na quadra e jogou por três minutos durante toda a tem­porada e marcou três pontos - mas isso foi suficiente para levar seu time às finais. Uma cliente com sinto­mas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e depressão conseguiu recordar de sua coragem ao enfrentar alguém que estava intimidando sua amiga. Essas histórias oferecem aos clínicos oportunidades de amplificar forças passadas dos clientes.

Considerações contextuais

Para situações que requerem mais do que um foco no problema, o clínico precisa compreen­der a limitação das forças. O trabalho com o tema das considerações contextuais postula que pressionar com muita pressa pode impedir a aceitação futura das forças por parte do cliente.

Exemplos: Clientes com sintomas agudos de trans­torno de pânico ou transtorno obsessivo-compulsivo precisam de protocolos de tratamento específicos bem estabelecidos. Sugerir que um cliente que tem sintomas graves de ansiedade social aprimore espon­taneamente suas competências sociais, ou pedir que um cliente considere o crescimento pós-traumático sem processar seu trauma primeiro, pode afastá-los de uma abordagem futura baseada nas forças.

Processos orientados para as forças

Este tema busca encontrar formas de definir a identidade a partir de um lugar de forças, aju­dando os clientes a transpor sua atenção sele­tiva nos problemas e défícits e tirar partido de bons momentos para discutir as forças.

Exemplo: Durante a fase inicial da terapia, uma cliente comentou que "apesar de fazer aulas de me­ditação, eu me sinto inquieta... Sinto como se minha [48] mente estivesse sempre na via expressa". O clínico guiou essa cliente para a recordação consciente dos últimos três dias, um dia de cada vez, e pediu que ela procurasse pelo menos uma experiência posi­tiva - mesmo que pequena. Ela conseguiu recordar e, então, anotou essas três experiências. O clínico complementou com a força de saborear (reminiscência), além da apreciação da beleza (uma experiência recordada incluía o prazer de uma caminhada de 5 minutos, exatamente quando o sol espreitava entre as nuvens). A experiência de escrever sobre acontecimentos positivos serviu como uma indicação visual para retornar aos momentos positivos. A cliente con­cordou em começar um Diário de Gratidão e, porfim, conseguiu tornar útil sua prática de meditação.

Resultados orientados para as forças

Este tema ajuda os clientes a aumentar a auto­ria das mudanças, formar objetivos usando suas forças e aprender a estabelecer objetivos de encontrar ou aproveitar uma força específica.

Exemplo: Uma cliente tinha inaugurado uma firma de consultoria financeira de sucesso, mas veio para terapia porque sentia falta de propósito e significa­do. Ao compilar o perfil de suas forças, a cliente con­seguiu se dar conta de que o processo de abrir uma empresa a partir do zero e fazer dela um sucesso em um mercado competitivo não teria sido possível sem sua persistência e um constante sentimento de otimismo e resiliência. Durante o processo, ela en­controu muitos obstáculos, mas suportou. Nomear as forças ajudou a cliente a reconhecê-las profunda­mente, pois ela nunca havia tido tempo para si mes­ma e para celebrar suas conquistas. Sempre havia outra meta a ser atingida antes de avançar para a seguinte. Além disso, essa cliente foi capaz de per­ceber que sua firma mantinha muitos empregados e suas famílias - uma percepção que aumentou seu senso de propósito. Para desenvolver ainda mais seu senso de propósito, a cliente decidiu conceder uma bolsa de estudos a um estudante de origem econo­micamente desfavorecida.

Produção de propósito positivo

O clínico utiliza o tema da produção de pro­pósito positivo quando ajuda os clientes a per­ceberem que as forças se desenvolvem com a crescente compreensão de seus problemas, ao ajudar os clientes a equilibrarem seus traços negativos e positivos por meio de perspectiva realista e ajudando-os a compreender o con­texto em que um desafio ou problema pode ser uma força.

Exemplo: Um cliente experimentou traumas duran­te toda a sua vida, entre os quais sobreviver a mui­tos ataques aéreos em sua terra natal, guerra civil constante e luta para obter a condição de refugiado. Em seu novo país, o cliente teve que trabalhar mais de 60 horas por semana e freqüentar o ensino médio e depois a faculdade. No começo da terapia, ele se via como nada mais do que uma coleção de sintomas de TEPT, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, ansiedade e depressão. A identificação das for­ças e sua conceituação por meio de desafios na vida real ajudaram a alterar sua autopercepção. As forças facilitaram e ajudaram o cliente a perceber sua trans­formação de vítima em sobrevivente. Agora ele está ajudando outras vítimas de tortura e trauma como conselheiro - um dos poucos que fala a língua delas e compreende suas nuanças culturais.

Localizando Forças no Ambiente

Alguns clientes terão mais consciência de suas forças do que outros. Os clínicos podem enco­rajar seus clientes a procurarem informações colaterais de familiares, colegas e amigos acer­ca de suas próprias forças, além das forças de indivíduos envolvidos com os clientes. Isso é particularmente útil na avaliação e identifica­ção de moderadores sociais e comunitários. Por exemplo, além de averiguarem problemas com os familiares, os clínicos podem avaliar o ape­go, o amor e a proteção oferecidos pelo grupo de apoio primário, instituições (associações, sociedades, clubes, fraternidades, irmandades) e redes sociais. Os problemas do cliente no tra­balho ou na comunidade devem ser explorados, assim como os benefícios e apoios incluídos nas instituições sociais (Wright & Lopez, 2009).

Exemplos de Força

Para ajudar os clientes a discernirem e identifica­rem as próprias forças, os clínicos podem fazer referência a paradigmas (também denominados exemplos ou ícones). Exemplos incluem Mala-la Yusuf Zai representando bravura; Mahatma Gandhi representando liderança e autorregulação; Madre Teresa representando gentileza e humanidade; Nelson Mandela representando liderança e persistência; Martin Luther King [49] Jr. representando coragem, autorregulação e justiça; Albert Einstein representando curiosi­dade; Charlie Chaplin representando humor e postura lúdica; Bill Gates representando altruís­mo; e Meryl Streep representando criatividade.

O uso de ícones específicos e personagens de filmes para discutir as forças permite discussões concretas de sua aplicação dentro do contexto de conflitos na vida real e apoia o desenvolvimento das forças ao apresentar exemplos com os quais aprender. Os clínicos podem explorar as formas como um cliente se identifica e como não se identifica com os ícones específicos de forças re­levantes e podem fazer referência a esses ícones quando trabalham para resolver dilemas na vida do cliente. Os clínicos podem fornecer ilustra­ções concretas das forças usando recursos como o Positive psychology at the movies (Niemiec & Wedding, 2013), que lista filmes, seus temas e seus personagens associados a cada uma das 24 forças VIA.

Avaliando as Forças no Início da Terapia

As forças podem ser avaliadas logo no início do processo terapêutico. Quando o rapport está sendo construído por meio da escuta empática, o clínico pode começar observando as forças enquanto os clientes revelam suas histórias. Recomendamos a discussão das forças assim que possível na terapia por várias razões. Pri­meiro, conhecer e reconhecer as forças pode ser particularmente benéfico se ocorrer uma crise. Essa compreensão equipa os clínicos com um valioso recurso adicional que potencialmente pode ser ativado, em especial quando é neces­sária resiliência para enfrentar situações difí­ceis. No Health & Wellness Centre, University of Toronto Scaborough, onde um dos autores do manual é psicólogo clínico e pesquisador, a avaliação on-line de forças de caráter faz parte da avaliação de ingresso habitual. Ao comple­tarem uma medida das forças, os clientes rece­bem feedback sobre suas forças de caráter evi­dentes. A seguir, apresentamos três exemplos.

Exemplo 1: Uma jovem que passou por um acidente de automóvel apresentava, na admissão, sintomas graves de depressão, inclusive lentidão cognitiva e motora. O clínico chamou a atenção para uma de suas forças - gratidão - e perguntou como ela a re­presenta. A cliente sorriu relutantemente e, depois de uma longa pausa, disse: "Sou grata por estar viva... Eu achava que as coisas sempre iam estar lá, consi­derava tudo como garantido. Agora nunca mais vou considerar nada como garantido".

Exemplo 2: Um estudante do terceiro ano começou terapia individual depois de ter recebido uma carta de cancelamento da faculdade, devido às suas di­ficuldades acadêmicas. Durante a primeira sessão, ele parecia desalentado e disse que a faculdade não era para ele. O clínico ouviu empaticamente suas preocupações e então lhe pediu que compartilhasse algum episódio que pudesse demonstrar sua força de inteligência social. Apesar das dificuldades acadê­micas, ele sempre se sobressaía no trabalho como re­presentante de vendas em uma grande loja varejista. "Eu podia me conectar com quase todos e convencê-los de que precisavam daquele produto específico. Ao final do meu primeiro ano, para minha absoluta surpresa, o gerente me disse que eu era o número três em todo o país, em termos de produtos vendidos e receita gerada."

Exemplo 3: Uma mulher de meia-idade havia rece­bido diagnóstico de transtorno da personalidade borderline e buscou terapia individual depois de ter participado de um grupo de terapia comportamental dialética em regime ambulatorial. No seu ingresso, quando a cliente e o clínico discutiram as principais forças de caráter da cliente, ela comentou: "Já passei por muitos tratamentos, psicoterapias, grupos de apoio, mas esta é a primeira vez que um tratamento começa me dizendo o que eu sou capaz de fazer, de uma maneira positiva... Sempre ouvi sobre as minhas fraquezas. Isso é muito generoso de sua parte".

A avaliação sistemática das forças de cará­ter, além dos sintomas, irá enriquecer a com­preensão clínica do cliente. Se existe um rastro de sofrimento por trás de cada sintoma, tam­bém existe uma história de resiliência, conexão e realização para cada força. Nomear as for­ças lhe dá a oportunidade de se conectar com o cliente de formas que irão incutir esperança, otimismo, coragem e criatividade. [50]

Psicologia - Psicologia positiva
10/23/2020 1:53:48 PM | Por Tayyab Rashid
Psicopatologia, sintomas e forças

O conceito principal de psicopatologia em psicoterapia positiva (PPT) reside na noção de que os aspectos positivos (p. ex., forças de caráter, emoções positivas, significado, relações posi­tivas e realizações) são tão centrais quanto os sintomas na avaliação e no tratamento da psicopatologia. Este é um afastamento significa­tivo da visão tradicional da psicopatologia, em que os sintomas ocupam a posição central. Um sistema de classificação puramente baseado nos sintomas é inadequado para compreender as vidas ricas e complexas dos clientes. Antes de apresentarmos nossos argumentos, gostaría­mos de esclarecer que compreendemos as ra­zões por trás do foco exclusivo nos sintomas. De fato, sintomas perturbadores se destacam e são mais prontamente abordados e avaliados em um contexto clínico do que os aspectos po­sitivos.

Experiências negativas geralmente são um convite a um discurso clínico mais comple­xo e mais profundo - para clientes e clínicos. Portanto, não é de causar surpresa que os clientes que procuram serviços clínicos facil­mente se recordem de acontecimentos nega­tivos, reveses e fracassos, ou que os clínicos prontamente avaliem, elaborem e interpretem histórias de conflito, ambivalência, engano e déficits pessoais ou interpessoais. Devido ao seu valor informativo aparentemente maior, os clínicos prestam mais atenção aos aspectos negativos e se engajam em processamento cog­nitivo complexo (p. ex., Peeters & Czapinski, 1990). Assim, a avaliação clínica é tipicamente conduzida para explorar sintomas e transtor­nos. Entretanto, um foco quase exclusivo nos sintomas limita a avaliação clínica de formas importantes, conforme será discutido a seguir.

Sintomas

Os Ingredientes Centrais

Os sintomas são avaliados com um pressupos­to subjacente de que são os ingredientes cen­trais do discurso clínico. Assim, os sintomas justificam uma exploração séria, enquanto os aspectos positivos são considerados subprodu­tos do alívio sintomático que não precisam ser avaliados. Esse pressuposto está tão arraigado que atributos tradicionalmente positivos são frequentemente considerados como defesas. Por exemplo, a ansiedade foi teorizada como uma força propulsora por trás de um trabalho ético que caracterizou a Reforma Protestante (Weber, 2002). Foi teorizado que a depressão se desenvolve como um mecanismo de defesa para afastar sentimentos de culpa, e a compai­xão resulta como compensação por esses senti­mentos (McWilliams, 1994). Na PPT, as forças humanas são tão reais quanto os pontos fracos humanos, tão velhas como o tempo, e valoriza­das em todas as culturas (Peterson & Seligman, 2004). As forças são tão essenciais na avaliação e no tratamento da psicopatologia quanto são os sintomas. As forças não são consideradas como defesas, subprodutos ou compensações. Elas são valorizadas e avaliadas independentemente dos pontos fracos no procedimento de avalia­ção. Por exemplo, humildade não é necessaria­mente um traço utilizado para obter coopera­ção de outras pessoas refreando-se a si mesmo. [25]

Ser útil não é necessariamente uma tentativa de dispersar ou neutralizar uma situação estressante, e criatividade não é apenas aproveitar a ansiedade para a inovação.

Perfis Tendenciosos e Estruturação

A tradicional avaliação e abordagem terapêu­tica orientada para o déficit rotula os clientes dentro das categorias artificias do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men­tais (DSM; American Psychiatric Association, 2013). Rotular não é, por si só, algo indesejá­vel; rótulos classificam e organizam o mundo (Maddux, 2008). No entanto, reduzir ou objetificar os clientes com um rótulo de psicopatologia pode despojá-los de sua rica complexidade (Boisvert & Faust, 2002, Szasz, 1961). Quando ocorre esse foco excessivo no diagnóstico, os diagnósticos baseados no DSM produzem um perfil de personalidade do cliente que descre­ve predominantemente déficits, disfunções e transtornos. A avaliação clínica da personalida­de deve ser um processo híbrido que explore as forças e as fraquezas (Suldo & Shaffer, 2008). Depois que a avaliação clínica estrutura a ques­tão presente como um problema, a redução dos problemas apresentados é vista como uma medida do sucesso da intervenção. No entanto, problemas psicológicos são complexos e multidimensionais e frequentemente têm apresenta­ção idiossincrásica (Harris & Thoresen, 2006). Além disso, a melhora dos sintomas psiquiá­tricos não assegura que os clientes atingiram o bem-estar. O real estado clínico, em termos de tempo e recursos alocados, é finito. Se a maior parte desse estado real for ocupada pela me­lhoria dos sintomas, não restará muito tempo e esforço para a amplificação dos pontos fortes, significado ou propósito.

Estigma

A prática clínica atual é, em grande parte, dire­cionada para a descoberta de traumas infantis, a avaliação dos pensamentos distorcidos e a análise das dificuldades interpessoais e do caos emocional. As pessoas evitam procurar serviços clínicos porque temem ser estigmatizadas caso seus problemas sejam formulados dentro de um diagnóstico psiquiátrico (Corrigan, 2004). As representações de indivíduos com doenças mentais na mídia popular mantêm o estigma contra a saúde mental (Bearse, McMinn, See- gobin, & Free, 2013). Além disso, indivíduos cada vez mais diversos e cosmopolitas nem sempre se encaixam nos rótulos diagnósticos eurocêntricos (Zalaquett et al., 2008).

Psicopatologia como desregulação das forças

Judith Johnson e Alex Wood (2017) defende­ram que a maioria dos construtos estudados pela psicologia positiva e clínica existe em contínuos que oscilam entre positivo e negativo (p. ex., gratidão e ingratidão, calma e ansie­dade), e, portanto, não faz sentido falar de um ou outro campo estudando o “positivo” ou o “negativo”. A psicologia tradicional baseada no déficit se beneficiaria com a integração da psicologia positiva porque

  • Construtos da psicologia positiva, como as forças de caráter e emoções positivas, po­dem de forma independente prever o bem-estar quando contabilizam fatores clínicos tradicionais, tanto transversalmente quanto prospectivamente.
  • Os focos principais dos psicólogos positivos, como as forças e as emoções com valência positiva, interagem com fatores de risco para prever os resultados, dessa forma atribuindo resiliência.
  • As intervenções em psicologia positiva (como a PPT) tipicamente usadas para am­pliar o bem-estar também podem ser usadas para aliviar os sintomas.
  • A pesquisa clínica em grande parte eurocêntrica pode ser adaptada para aplicações transculturais por meio da incorporação de construtos da psicologia positiva.

A luz desses argumentos, convidamos os clínicos a reconceitualizar os transtornos psi­cológicos baseados no DSM. Mais de duas décadas atrás, Evans (1993) postulou que comportamentos ou sintomas negativos têm formas positivas alternativas. Até certo ponto, [26]  essa reciprocidade é uma questão de semân­tica. Os sintomas são definidos na linguagem cotidiana, que sempre pode ser traduzida em opostos simples, embora nem todos os sinto­mas ou transtornos se prestem naturalmente a essa reciprocidade. Por exemplo, coragem pode ser conceituada como a antítese de ansiedade, mas nem todos os indivíduos ansiosos não têm coragem. Evans argumentou que a maioria dos construtos em psicopatologia pode ser escalo­nada em duas dimensões paralelas. Primeiro, o atributo patológico ou indesejável partindo do desvio grave, passando por algum ponto neu­tro até sua não ocorrência positiva. Segundo, o atributo antitético partindo da não ocorrência, passando por algum ponto neutro até sua forma desejável.

De acordo com o mesmo princípio, Peterson (2006) propôs que os transtornos psicológicos podem ser considerados como uma Ausência da força, o Oposto da força ou o Excesso da força (AOE). Peterson argumenta que a ausência de forças de caráter não necessariamente se aplica a transtornos como esquizofrenia e transtorno bipolar, os quais apresentam claros marcadores biológicos. Muitos transtornos de base psicológica (p. ex., depressão, ansiedade, problemas de atenção e conduta e transtornos da persona­lidade) podem ser mais compreendidos holisticamente, tanto em termos da presença de sinto­mas quanto da ausência, oposto ou excesso de forças de caráter. Usando a abordagem AOE de Peterson, conformidade se deve à ausência de originalidade, especialmente quando um grupo inteiro adere à conformidade. A ausência de curiosidade seria desinteresse. O desinteresse que impõe limites ao que uma pessoa pode sa­ber é indesejável. O oposto da curiosidade seria o tédio. Curiosidade exagerada pode ser igual­mente prejudicial, especialmente se alguém é curioso em relação a violência, sexo ou drogas ilícitas. Levar em conta as sensibilidades e as sutilezas clínicas, aplicando-se uma abordagem AOE em um contexto clínico, pode ser desa­fiador. Conceituar os clientes com uma total ausência de forças (p. ex., coragem, otimismo ou gentileza), com opostos das forças (p. ex., banalidade para criatividade, falsidade para ho­nestidade ou preconceito para justiça) ou com exagero das forças (promiscuidade emocional para inteligência emocional, chauvinismo1 para cidadania ou bufonaria2 para humor) pode ser desanimador tanto para os clínicos quanto para os clientes e pode até mesmo não ser teorica­mente plausível. Mas é difícil imaginar que al­guém possa não ter um pingo de gentileza ou que lhe falta coragem completamente. Portan­to, propomos uma visão ligeiramente modifica­da de AOE em relação às forças.

Propomos que os transtornos baseados no DSM sejam revisados em termos de falta ou excesso de forças. Por exemplo, a focalização nas faltas pode resultar em depressão, em parte devido à falta de esperança, otimismo ou entusiasmo, entre outras variáveis; da mesma forma, falta de coragem e paciência pode ex­plicar alguns aspectos de ansiedade; e falta de imparcialidade, equidade ou justiça pode estar subjacente a transtornos da conduta. Inúmeros transtornos psicológicos podem plausivelmente ser conceituados como um excesso de forças específicas. Por exemplo, a depressão pode ser, em parte, um excesso de humildade (relutân­cia em mostrar as próprias necessidades), um excesso de gentileza (em relação aos outros, à custa do autocuidado), um excesso de pers­pectiva (uma visão da realidade restritamente construída) e um excesso de significado (o que leva a um foco excessivo e a um comprome­timento inflexível).

A falta de forças isoladamente é insuficiente para justificar um diagnóstico. No entanto, linhas de pesquisa emergentes feitas por Alex Wood, na Universidade de Sterling, Reino Unido, estão mostrando que a ausência ou a falta de aspectos positivos representa um risco para uma condição clínica. Em um estudo longitudinal com 5.500 participantes, Wood e Joseph (2010) constataram [27] que indivíduos com poucas características posi­tivas— como autoaceitação, autonomia, propósi­to na vida, relações positivas com outras pesso­as, domínio do ambiente e crescimento pessoal – tinham até sete vezes mais probabilidade de experimentar sintomas depressivos na diversida­de clínica. A ausência de características positivas consistia, independentemente, em um fator de risco para transtorno psicológico, ultrapassan­do a presença de inúmeros aspectos negativos, inclusive depressão atual e prévia, neuroticismo e doença-saúde física. Além disso, pessoas com alto nível de características positivas estão pro­tegidas do impacto de acontecimentos negativos na vida, inclusive problemas clínicos (Johnson et al, 2010; Johnson, Gooding, Wood, & Tarrier, 2010).

Como, exatamente, uma falta ou excesso de forças pode atuar segundo uma perspectiva da PPT? Consideremos um exemplo clínico. A Escala de Depressão do Centro para Estudos Epidemiológicos (CES-D; Radloff, 1977) é uma das medidas mais frequentemente usadas de sintomas depressivos. Com 16 itens nega­tivos e 4 positivos, acreditava-se amplamente que essa medida examinava dois fatores sepa­rados – depressão e felicidade (Shafer, 2006). Analisando-se os dados de 6.125 adultos, Alex Wood e colaboradores demonstraram que uma estrutura bidimensional da CES-D é, mais pro­vavelmente, um artefato estatístico: depressão e felicidade podem, em grande parte, ser si­nônimos, e a medida existente pode alcançar diferentes extremidades do mesmo continuum (Wood, Taylor, & Joseph, 2010). Ou seja, de­pressão e felicidade fazem parte do mesmo continuum, e estudá-las separadamente duplica de forma desnecessária o esforço da pesquisa. Igualmente, o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Spielberger et al., 1983) pode ser con­ceituado em um continuum de ansiedade até relaxamento.

Diferenças Individuais

Na PPT, nossa escolha dos traços para des­crever uma falta ou excesso de forças é uma mescla de forças definidas e bem pesquisadas (como gratidão, curiosidade e perdão) e tra­ços que são expressos em experiências na vida cotidiana (como despreocupação, serenidade, reflexão e flexibilidade). Uma forma de reconceituar sintomas é considerar seus opostos – isto é, suas forças – como em falta ou em excesso nas experiências cotidianas. Embora os termos cotidianos que utilizamos para des­crever a falta ou o excesso de forças possam ter diferenças individuais discerníveis e men­suráveis, muitos deles não têm sido foco de exame empírico.

Falta e Excesso de Forças

Percebemos que inúmeros termos usados para descrever uma falta ou excesso de forças podem implicar que sua falta ou excesso é indesejável, tornando as forças normativas. Por exemplo, a falta de perspectiva, moderação e coragem é geralmente considerada um estado indesejável, enquanto excesso de entusiasmo, perseveração e assunção de riscos é geralmente considerado um estado desejável. Nossa abordagem e esfor­ço são para oferecer uma compreensão menos [35] subjetiva e mais científica. Evidências mostram que mais quantidade de gratidão, gentileza, curiosidade, amor e esperança está fortemen­te relacionada a satisfação com a vida (Park, Peterson, & Seligman, 2004), enquanto uma falta de inteligência social, moderação, autorre-gulação e perseverança está associada a proble­mas psicológicos (Aldao, Nolen-Hoeksema, & Schweizer, 2010; Bron et al., 2012).

Dinâmica Situacional

Transtornos psicológicos e sintomas relaciona­dos podem ser mais bem percebidos pela com­preensão de situações complexas e meios culturais nos quais os clientes estão inseridos e dos quais eles frequentemente têm pouco controle para mudar essas dinâmicas. Apresentamos dois exemplos:

Um de nossos clientes, Michel, tinha sintomas de an­siedade social. Ele evitava situações sociais porque era excessivamente cauteloso por medo de dizer algo errado ou inapropriado porque inglês não era sua pri­meira língua. Michel tornou-se socialmente ansioso quando inadvertidamente disse algo inapropriado, o que ofendeu um de seus amigos, que o acusou de discriminá-lo. Examinar os sintomas em termos de uma falta ou excesso de pontos fortes também requer compreensão das características contextuais. Michel não mostrava sinais de ansiedade social en­quanto interagia com amigos que falavam sua língua nativa; nessa situação, ele se sentia confiante, fazia piadas e demonstrava empatia. Uma abordagem orientada para o sintoma provavelmente descreveria a situação como:"o cliente não exibe sintomas de an­siedade social quando interage na sua língua nativa". Uma abordagem baseada nas forças provavelmente descreveria a mesma situação como: "o cliente é ale­gre, socialmente à vontade e empático quando inte­rage na sua língua nativa".

Outra cliente, Sharon, tinha dois empregos de meio período - um em uma loja de luxo e o ou­tro em uma clínica psiquiátrica na qual trabalhava com crianças com problemas de desenvolvimento. Na loja, Sharon precisava ser muito profissional e vigi­lante e prestar atenção aos mínimos detalhes na hora de uma venda. Ela dizia que era muito cautelosa em seu trabalho na loja e gradualmente foi ficando preo­cupada com a possibilidade de cometer erros ou se esquecer de alguma coisa. No outro emprego, apesar de ter a tarefa desafiadora de envolver as crianças em atividades terapêuticas, Sharon se percebia relaxada, alegre e social. Uma abordagem voltada para o sin­toma provavelmente descreveria a situação como: "a cliente experimenta níveis moderados de ansie­dade antecipatória em seu trabalho na loja. Ela não experimenta um nível similar de ansiedade em seu trabalho na clínica psiquiátrica". Uma abordagem baseada nas forças provavelmente descreveria a mes­ma situação como: "a cliente na posição de vendedo­ra é cautelosa e vigilante - algumas vezes mais do que deveria. Assim, ela não é capaz de usar algumas de suas outras forças, como criatividade e alegria. Na instituição psiquiátrica, no entanto, ela é mais capaz de usar suas forças. Ela é alegre, relaxada e se conecta genuinamente com os outros".

É importante levar em conta a dinâmica si­tuacional e como as forças desempenham um papel com muitas nuanças na compreensão das vidas complexas e ricas dos clientes.

Ter Forças versus Desenvolver Forças

Ter uma constelação específica de sintomas que causam acentuado sofrimento e deficiência funcional geralmente produz um diagnóstico clínico. Esse foi o caso com uma de nossas clientes, Yasmin, que chegou à terapia depois de ser diagnosticada com transtorno da personalidade borderline por vários profissionais de saúde mental.

Nos primeiros 10 minutos do nosso tempo juntos, Yasmin narrou seus sintomas quase literalmente conforme listado no DSM. Tudo o que ela via em si mesma era desregulação emocional, dificuldades de relacionamento e impulsividade autodestrutiva. Depois de ter concluído uma avaliação abrangen­te das forças, sem desvalorizar seus sintomas, nós a descrevemos como alguém que basicamente é uma pessoa afetuo­sa a quem faltam competências para expressar amor apropriadamente e como alguém que poderia se beneficiar de compreender e então adquirir as com­petências de construção de empatia, gentileza e pru­dência. Embora Yasmin tenha sido capaz de identifi­car muitos domínios nos quais tendia a demonstrar mau julgamento, também conseguia compartilhar momentos em que exercitava um bom julgamento. Ela compartilhou um incidente em que sua reação espontânea e oportuna salvou a vida de um amigo. Uma avaliação de suas forças a fez perceber que tinha [36]  forças específicas e que, embora essas qualidades se­jam de fato forças, um uso excessivo delas a deixou com problemas. Ao mesmo tempo, ela não tem forças específicas, como prudência, autorregulação e uso adaptativo de entusiasmo, as quais poderia usar para resolver seus problemas.

O mero conhecimento dos sintomas ou for­ças, segundo nossa visão, é insuficiente para estimular a mudança. Pode ocorrer mudança terapêutica quando o clínico ajuda o cliente a desenvolver um uso adaptativo e diversificado de suas forças. A mudança acontece quando o clínico destaca sucessos passados do cliente para lidar com as dificuldades presentes, quan­do é suficientemente proficiente para identifi­car mesmo um pequeno ou breve exemplo de uso ou exibição de forças, quando comunica a autovalorização do cliente por meio de exem­plos concretos das forças e quando não desiste de procurar essas forças.

Grau ou Extensão

O clínico deve averiguar se um cliente apresen­ta quantidade suficiente de uma força particular para que possa aplicá-la efetivamente (Ajzen & Sheikh, 2013). Por exemplo, Julia, uma cliente de meia-idade, estava experimentando sintomas de transtorno de ansiedade generalizada marcados por preocupação excessiva, inquietação e dificuldades de concentração. Se seus sintomas pudessem ser tratados pelo desenvolvimento de forças, então em que medida Julia precisaria ter, por exemplo, pensamento crítico, perspectiva e saborear? Existe um pareamento específico ou constelações de forças que poderiam ser terapeuticamente efetivas? Pesquisas demonstraram que trabalhar em nossas forças de assinatura ou trabalhar em menos forças é igualmente efetivo para aumentar a satisfação com a vida (Gelso, Nutt Williams, & Fretz, 2014; Rashid, 2004; Rust, Diessner, & Reade, 2009). [37]

Psicologia - Psicologia positiva
10/22/2020 3:53:45 PM | Por Martin Seligman
Intervenções positivas e pressupostos teóricos

As intervenções psicológicas voltadas para os aspectos positivos são poucas e dispersas. Ini­ciamos este capítulo revisando brevemente as primeiras intervenções e tratamentos relacio­nados, os quais servem como precursores das intervenções em psicologia positiva (IPPs) contemporânea e psicoterapia positiva (PPT).

Uma visão histórica das intervenções psicológicas positivas

Cientistas, filósofos e sábios tentaram descre­ver felicidade, bem-estar e prosperidade segun­do muitas perspectivas. Por exemplo, Confúcio acreditava que o significado da vida residia na existência humana comum combinada com dis­ciplina, educação e relações sociais harmoniosas. Para atingir a felicidade, a busca de uma vida virtuosa é a condição necessária segundo Sócrates, Platão e Aristóteles. Antes da Segun­da Guerra Mundial, a psicologia tinha três mis­sões claras: curar a psicopatologia, tornar as vidas de todas as pessoas mais produtivas e gratificantes e identificar e estimular altos talentos (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). William James observou, em Varieties of religious experiences (1902), que coragem, esperança e confiança podem vencer a dúvida, o medo e a preocupação. John Dewey (1934) sublinhou a necessidade de trocas artísticas e estéticas entre as pessoas e o ambiente. Henry Murray (1938) postulou que o estudo de experiências positivas, prazerosas e fecundas é essencial para a compreensão dos seres humanos.

Imediatamente após a Segunda Guerra Mun­dial, em grande parte devido a exigências eco­nômicas e políticas, a avaliação e o tratamento da psicopatologia se tornaram o foco principal mais restrito da psicologia. No entanto, psicó­logos humanistas como Carl Rogers, Abraham Maslow, Henry Murray, Gordon Allport e Rollo May continuaram a defender abordagens posi­tivas para a psicoterapia. Eles tentaram descre­ver uma boa vida e identificar formas como nossa tendência inerente ao crescimento pode facilitar essa vida. Maslow (1970) apontou:

A ciência da psicologia teve muito mais su­cesso no lado negativo do que no positivo. Ela nos revelou muito acerca das deficiências do homem, sua doença, seus pecados, mas pouco sobre seus potenciais, suas virtudes, suas aspi­rações realizáveis ou sua estatura psicológica plena. É como se a psicologia tivesse volunta­riamente se restringido apenas à metade da sua competência legítima, a metade mais sombria, mais vil. (p. 354)

Marie Jahoda discutiu o conceito de saúde mental positiva na década de 1950 (Jahoda, 1958). Michael Fordyce transformou essas no­ções em algumas intervenções positivas e as testou com estudantes universitários (Fordyce, 1983). A terapia focada na solução, desenvol­vida na década de 1980 por Steve de Shazer e Ing Kim Berg (De Shazer et al, 1986; Hawkes, 2011), foca na geração de soluções e objetivos a partir de opções modificáveis. A terapia do bem-estar integra a terapia cognitivo-compotamental a elementos de bem-estar e [9] demonstrou ser efetiva no tratamento de transtornos afetivos e de ansiedade (Ruini & Fava, 2009). Igualmente, a terapia da qualidade de vida de Frisch integra a terapia cognitiva a ideias da psicologia positiva e provou ser eficaz com clientes depressivos (Frisch, 2013). Entretanto, considerando-se que havia tão poucas interven­ções focadas nos aspectos positivos se compa­radas com o número esmagador de tratamentos orientados para o déficit, os psicoterapeutas aprenderam muito sobre danos, déficits e disfunções e muito pouco sobre os ingredientes para uma boa vida e como estes podem ser cul­tivados.

Intervenções em Psicologia positiva e Psicoterapia positiva

A PPT é uma abordagem terapêutica baseada amplamente nos princípios básicos da psico­logia positiva. Em outras palavras, a PPT é o trabalho clínico e terapêutico dentro da psicolo­gia positiva. A PPT é composta por 14 práticas específicas que foram validadas empiricamente como IPPs, seja isoladamente, seja em conjun­tos de duas ou três práticas (Seligman et al., 2005). Depois da validação empírica, essas práticas foram organizadas em um protocolo coe­so e denominadas psicoterapia positiva (PPT). Nesta seção, avaliamos a posição empírica das IPPs antes de descrevermos a PPT mais deta­lhadamente.

Frequentemente realizadas on-line, as IPPs são estratégias relativamente simples para au­mentar o bem-estar. Martin Seligman e colaboradores validaram empiricamente três IPPs {Três coisas boas, também conhecida como Diário de bênçãos; Utilização das forças de assinatura de uma maneira nova; e Visita de gratidão; Seligman et al., 2005). Linhas de pesquisa independentes replicaram esses acha­dos (Gander et al., 2013; Mitchell et al, 2009; Mongrain, Anselmo-Mathews, 2012; Odou & Vella-Brodrick, 2013; Schueller & Parks, 2012; Duan et al., 2014; Shotanus-Dijkstra et al., 2015; Vella-Brodrick, Park, & Peterson, 2009).

Desde sua validação inicial, as IPPs têm sido amplamente aplicadas (p. ex., Parks et al., 2012; Proyer et al., 2013; Quinlan et al., 2015; Winslow
et al., 2016). Elas deram um novo impulso a tentativas teóricas e clínicas paralelas de fo­mentar o bem-estar e atributos positivos como gratidão (Emmons & McCullough, 2003), per­dão (Worthington & Drinkard, 2000), saborear (Bryant, 1989), forças (Buckingham & Clifton, 2001; Saleebey, 1997), bem-estar psicológico (Ryff & Singer, 1996; Ryff, Singer, & David­ son, 2004) e empatia (Long et al., 1999).

Tanto a estrutura teórica quanto as implica­ções aplicadas das IPPs estão atraindo estudos acadêmicos na forma de obras editadas. The handbook of positive psychology interventions (Parks & Schueller, 2014) oferece uma visão abrangente de IPPs já estabelecidas, novas e emergentes. Alex Wood e Judith Johnson pu­blicaram recentemente um volume editado abrangente. The handbook of positive clinical
psychology
(Wood & Johnson, 2016). Ele ofe­rece uma perspectiva integrada do bem-estar e faz relação com a personalidade, a psicopatologia e os tratamentos psicológicos examinando condições clínicas como depressão, desregulação emocional, ansiedade, transtorno de es­tresse pós-traumático, suicidalidade e psicose. O Handbook também discute tratamentos clí­nicos baseados na psicologia positiva, como a PPT (Rashid & Howes, 2016), a terapia do bem-estar (Fava, 2016) e a terapia da qualidade de vida (Frisch, 2016), e reinterpreta tratamen­tos tradicionais, como a terapia de aceitação e compromisso, a terapia centrada no cliente e a terapia dos esquemas segundo a posição estra­tégica da psicologia positiva.

Essas IPPs focam em problemas clínicos centrais, como depressão, ansiedade, transtornos alimentares, suicidali­dade e problemas de conduta. Essas linhas de pesquisa independentes demonstram de forma clara que as IPPs são efetivas na redução dos sintomas. De forma notável, aparentemente por meio do uso de construtos focados (como gratidão, esperança, gentileza, perdão e pontos  fortes no caráter), as IPPs podem ser usadas no tratamento ativo ou adjunto de uma ampla gama de questões de saúde, como problemas e reabilitação cardíacos, reabilitação após aci­dente vascular cerebral (AVC), lesão cerebral, diabetes tipo II e câncer de mama. As IPPs foram aplicadas transculturalmente em países como Hong Kong, Indonésia, Irã, Coréia, Aus­ trália, Alemanha e Espanha.

Essas informações são particularmente importantes para os clínicos porque demonstram que, em­bora a PPT seja uma modalidade de tratamento nova e em desenvolvimento, tais práticas apre­sentam uma base de evidência.

As bases teóricas das IPPs, seu mecanismo potencial de mudança e seu papel na explica­ção das condições clínicas também têm sido explorados, incluindo gratidão como uma com­pensação para os efeitos perniciosos da depres­são (Wood, Maltby, Gillett, Linley, & Joseph, 2008), esperança como um mecanismo de mu­dança no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (Gilman, Schumm, & Chard, 2012), o papel terapêutico da espiritualidade e seu significado na psicoterapia (Steger & Shin, 2010; Worthington, Hook, Davis, & McDaniel, 2011) e perdão como um processo gradual de exercer o próprio direito de vingar-se ou deixar a raiva passar (Harris et al., 2006; Worthington, 2005). Outros estudos documentaram a relação entre criatividade e transtorno bipolar (Murray & Johnson, 2010), emoções positivas e ansiedade (Kashdan et al., 2006) e relações sociais e depressão (Oksanen et al., 2010). Fitzpatrick e Stalikas (2008) sugerem que as emoções posi­tivas são fortes previsores de mudança terapêu­tica.

Resultados

O grupo de PP relatou melhorias nos períodos de pré e pós-intervenção na intensidade da dor, no controle da dor, na catastrofízação da dor.
na interferência da dor, na satisfação com a vida, no afeto positivo e na depressão. As melhorias em satisfação com a vida, depressão, intensidade da dor, interferência da dor e controle da dor foram mantidas até o follow-up de 2,5 meses.

Outras evidências científicas convergentes mostram que emoções positivas não refletem simplesmente sucesso e saúde; elas também produzem sucesso e saúde ao mudarem adaptativamente atitudes e mentalidades (Fredrickson, 2009).

A eficácia geral e a relevância de IPPs tam­bém foram exploradas em várias revisões. Essas revisões sintetizam vertentes teóricas e oferecem importantes implicações clínicas re­ferentes à aplicação de IPPs.

A primeira metanálise, conduzida por Sin e Lyubomirsky (2009), de 51 intervenções positivas, que in­cluiu amostras clínicas e não clínicas, encon­trou que as intervenções positivas são efetivas, com tamanhos de efeito moderados na redução significativa de sintomas de depressão (mé­dia r = 0,31) e melhoria do bem-estar (média r = 0,29). A segunda metanálise, feita por Bolier e colaboradores (2013), envolveu 6.139 participantes (e incluiu 19 estudos de Sin e Lyubomirsky). Foi relatado que IPPs [16] reduziram a depressão com tamanhos de efeito pe­quenos (média r = 0,23), mas aumentaram o bem-estar com tamanhos de efeito moderados (r = 0,34). Ao explorarem a eficácia de 40 IPPs, Hone, Jarden e Schofield (2015) usaram uma estrutura padronizada, a RE-AIM, avaliando o Alcance (Reach), a Eficácia (Efficacy), a Ado­ção (Adoption), a Implementação (Implemen­tation) e a Manutenção (Maintenance) de uma intervenção (Glasgow, Vogt, & Boles, 1999; National Collaborating Centre for Methods and Tools, 2008). A RE-AIM avalia a representatividade das amostras do estudo e contextos, custos e duração dos efeitos em âmbito indivi­dual e institucional. De acordo com a RE-AIM, os escores em IPP variaram substancialmen­te: Alcance 64%, Eficácia 73%, Adoção 84%, Implementação 58% e Manutenção 16%. Duas metanálises que usaram emoções po­sitivas - uma com ativação comportamental (Mazzucchelli, Kane, & Rees, 2009) e outra com abordagens baseadas em mindfulness (Casellas-Grau & Vives, 2014) - demonstraram que abordagens baseadas nas forças podem me­lhorar o bem-estar.

Outras revisões exploraram a eficácia de atributos positivos específicos, como emoções positivas em regulação emocional (Quoidbach, Mikolajczak, & Gross, 2015), e a eficácia de forças específicas (gratidão e gentileza) na re­dução dos sintomas e na melhoria do bem-estar (D’raven & Pasha-Zaidi, 2014; Drvaric et al., 2015). Outras revisões examinaram como atri­butos positivos afetam o manejo de problemas de saúde físicos (Macaskill, 2016), câncer de mama e gratidão (Ruini & Vescovelli, 2013) e a identificação de medidas robustas dos resul­tados (Stoner, Orrell, & Spector, 2015). A rele­vância das IPPs em situações complexas como trauma e guerra também foi explorada (Al-Krenawi et al., 2011), assim como sua relevância para a neurociência (Kapur et al., 2013).

Louise Lambert D ’raven e Pasha-Zaidi (2016) revisaram a relevância de intervenções positivas utilizando forças de caráter como gra­tidão, saborear, autocompaixão e relações posi­tivas no contexto do aconselhamento. Os auto­res concluem que IPPs são efetivas na geração de afeto e experiência positiva e no alívio da depressão. O que é mais importante, IPPs [19] usadas em um contexto clínico podem mobilizar habilidades inerentes para ajudar a motivar os clientes a fazer as mudanças desejáveis. Além disso, IPPs oferecem estratégias para práticas clínicas em geral para manter e melhorar emo­ções positivas e bem-estar.

As IPPs aplicadas em diversos contextos clínicos, combatendo problemas clínicos com­plexos, estão avançando a base de conhecimen­to da psicoterapia e os resultados em saúde. Fortes evidências empíricas e o trabalho emer­gente em IPPs têm sido essenciais no estabele­cimento de uma base para o desenvolvimento e o refinamento da PPT.

Psicoterapia positiva e a Teoria do bem-estar

A PPT está baseada em duas teorias importan­tes: a conceituação de bem-estar PERMA de Seligman (Seligman, 2002a, 2012) e forças de caráter (Peterson & Seligman, 2004). Come­çamos explicando PERMA, que é um modelo que organiza o bem-estar em cinco compo­nentes cientificamente mensuráveis e manejáveis, conforme descrito na Tabela 2.3: Teoria do Bem-Estar (PERMA): (a) emoções positi­vas (positive), (b) engajamento (engagement), (c) relações (relationships), (d) significado (meaning) e (e) realizações (accomplishment) (Seligman, 2012).

Tabela 2.3

Pesquisas demonstraram que o cumprimento de três dimensões de PERMA (emoções positivas, engajamento e significado) está associado a taxas mais baixas de depres­são e a maior satisfação com a vida (Asebedo & Seay, 2014; Bertisch et al, 2014; Headey, Schupp, Tucci, & Wagner, 2010; Kem et al., 2015; Lambert D’raven & Pasha-Zaidi, 2016; Lamont, 2011; Schueller & Seligman, 2010; Sirgy & Wu, 2009).

Emoções Positivas

As emoções positivas representam a dimensão hedônica da felicidade. Essa dimensão consis­te em experimentar emoções positivas sobre o passado, o presente e o futuro e aprender com­petências para amplificar a intensidade e a du­ração dessas emoções.

  • Emoções positivas sobre o passado incluem satisfação, contentamento, concretização, orgulho e serenidade.
  • Emoções positivas sobre o futuro incluem esperança e otimismo, fé, confiança e segu­rança.
  • Emoções positivas sobre o presente são ex­periências complexas, como saborear e min­dfulness (Seligman, 2002a).

Comparadas com as emoções negativas, as emoções positivas tendem a ser [20] transitorias; no entanto, elas desempenham um papel importante em tomar os processos de pensa­mento mais flexíveis, criativos e eficientes (Fredrickson, 2009). Pesquisas também mos­traram que emoções positivas constroem resiliência ao “desafazerem” os efeitos das emo­ções negativas (Fredrickson, Tugade, Waugh, & Larkin, 2003; Johnson et al., 2009) e estão fortemente associadas a longevidade, satis­fação conjugal, amizade, renda e resiliência (para revisões veja Fredrickson & Branigan, 2005; Lyubomirsky, King, & Diener, 2005). Barry Schwartz e colaboradores (2002) cons­tataram que clientes deprimidos que procuram terapia tendem a experimentar uma relação de menos de 0,5 para 1 de emoção positiva para emoção negativa. Aparentemente, então, essa ausência de emoções positivas é central para a psicopatologia.

Emoções positivas também impactam a saúde física. Por exemplo, agentes de saúde pública mantêm registros de doença cardíaca como causa subjacente de morte. Eles também coletam dados sobre possíveis fatores de risco, como taxas de tabagismo, obesidade, hiper­tensão e falta de exercícios. Esses dados estão disponíveis para cada condado nos Estados Unidos. Uma equipe de pesquisa da Universi­dade da Pensilvânia buscou correlacionar essa epidemiologia física com sua versão digital no Twitter. Com base em um conjunto de tweets feitos entre 2009 e 2010, esses pesquisadores estabeleceram dicionários emocionais para analisar uma amostra aleatória de tweets de indivíduos que haviam disponibilizado suas localizações. Com tweets suficientes e dados de saúde de aproximadamente 1.300 conda­dos americanos, os quais contêm 88% da po­pulação do país, eles constataram que, depois de controlar a renda e o nível educacional, as expressões de emoções negativas como raiva, estresse e fadiga nos tweets das pessoas em um determinado condado foram associadas a risco mais elevado de doença cardíaca naquele condado. Por sua vez, expressões de emoções positivas como entusiasmo e otimismo foram associadas a risco mais baixo (Eichstaedt et al., 2015).

Engajamento

Engajamento é a dimensão do bem-estar rela­cionada à busca de engajamento, envolvimento e absorção no trabalho, relações íntimas e lazer. A noção de engajamento provém do trabalho de Csikszentmihalyi (1990) sobre flow, que é o estado psicológico decorrente de intensa concentração que tipicamente resulta em perda da noção do tempo enquanto se está engajado em uma atividade, como ao se sentir “em comunhão com a música”. Desde que os níveis de competência de uma pessoa sejam suficientes para enfrentar os desafios da tarefa, os indivíduos provavelmente permanecerão profunda­mente absorvidos ou “em comunhão” com a experiência e perderão a noção da passagem do tempo. Seligman (2002a) propôs que uma ma­neira de aumentar o engajamento é identificar as forças de “assinatura” do cliente ... e ajudá-lo a encontrar oportunida­des de usá-las com mais frequência. IPPs que encorajam os indivíduos a usar intencionalmen­te suas forças de assinatura de novas maneiras foram identificadas como particularmente efe­tivas (Azanedo et al., 2014; Berthold & Ruch, 2014: Buschor et al., 2013; Forest et al., 2012; Güsewell & Ruch, 2012; Khumalo et al., 2008; Littman-Ovadia & Lavy, 2012; Martinez-Marti & Ruch, 2014; Peterson et al., 2007; Proyer et al, 2013; Ruch et al., 2007).

Na PPT, os clientes aprendem a realizar atividades que usam suas forças de assinatura para criar engajamento. Essas atividades são relativamente intensivas e podem incluir esca­lada em rocha; xadrez; basquete; dança; cria­ção ou experiência de arte, música ou litera­tura; atividades espirituais; interações sociais; e outras atividades criativas, como cozinhar, fazer jardinagem e brincar com uma criança. Comparadas com prazeres sensoriais, que se dissipam rapidamente, essas atividades de en­gajamento duram mais tempo, envolvem mais pensamento e interpretação e não criam hábito muito facilmente. O engajamento pode ser um antídoto importante para o tédio, a ansiedade e a depressão. [21] Anedonia, apatia, tédio, multitarefas e agi­tação — características de muitos transtornos psicológicos — são em grande parte manifestações de perturbação da atenção (Donaldson, Csikszentmihalyi, & Nakamura, 2011; Mc­ Cormick et al., 2005). O engajamento intenso elimina o tédio e a ruminação —ao se tentar realizar uma tarefa com sucesso, os recursos atencionais precisam ser ativados e direcio­nados para a tarefa em questão, dessa forma deixando menos capacidade para o proces­samento de informações autorrelevantes e relacionadas à ameaça. Além disso, um sen­timento de realização depois de feita a ativi­dade frequentemente nos deixa recordando e relaxados, que são duas formas de ruminação positiva (Feldman, Joormann, & Johnson, 2008). Essas características do engajamento foram aplicadas com sucesso a intervenções terapêuticas (Grafanaki et al., 2007; Nakamu­ra & Csikszentmihalyi, 2002).

Relações

Foi alegado que todos os humanos têm uma “necessidade de pertencer” fundamental que foi moldada pela seleção natural no curso da evolução humana (Baumeister & Leary, 1995). Relações positivas e seguras estão for­temente relacionadas a uma sensação de bem-estar (Wallace, 2013). Segundo a American Time Use Survey, passamos a maior parte das horas em que estamos acordados interagindo de uma maneira ou de outra, ativa ou passiva­mente, o que pode incluir discutir, colaborar e trocar produtos com outras pessoas (Bureau of Labor Statistics, 2015). A qualidade de nos­sas relações é mais importante do que as ca­racterísticas quantitativas, como o número de amigos que temos ou o tempo que passamos juntos. Por exemplo, crianças com amplo su­porte social, incluindo os pais, pares e pro­fessores, apresentam menos psicopatologia (i.e., depressão e ansiedade) e mais bem-estar (satisfação com a vida) do que seus pares sem esses suportes, independentemente de seu de­ sempenho acadêmico (Demir, 2010; Stewart & Suldo, 2011). Além disso, relações positi­vas não só nos protegem da psicopatologia; elas também somam longevidade. Em 148 estudos que envolveram 308.849 participan­tes, aqueles que tinham relações sociais mais fortes apresentaram probabilidade de sobre­vivência aumentada em 50%. Esse achado permaneceu consistente comparando-se ida­de, sexo, condição de saúde inicial, causa da morte e período de follow-up (Holt-Lunstad & Timothy, 2010). Quase todas as práticas de PPT envolviam reflexões internas da pessoa ou recordações que envolvem outros. Em um ensaio randomizado, os pesquisadores cons­tataram que indivíduos que realizavam ativi­dades focadas nas relações relatavam maior satisfação nas relações (O’Connell, O’Shea, & Gallagher, 2016).

Significado

Significado consiste de usar forças de assina­tura para pertencer e servir a alguma coisa que seja maior que a própria pessoa. Victor Frankl (1963), um pioneiro no estudo do significa­do, enfatizou que a felicidade não pode ser atingida simplesmente desejando felicidade. Em vez disso, ela deve acontecer como a con­seqüência não intencional de trabalhar para um objetivo maior do que nós mesmos. As pessoas que buscam com sucesso atividades que as conectam com esses objetivos mais amplos atingem uma “vida significativa”. São inúmeras as formas como isso pode ser obtido: relações interpessoais próximas; busca de ino­vações artísticas, intelectuais ou científicas; contemplação filosófica ou religiosa; e espiritualidade ou outras buscas potencialmente solitárias, como a meditação (p. ex., Stillman & Baumeister, 2009; Wrzesniewski, McCau­ ley, Rozin, & Schwartz, 1997). Independentemente da forma como uma pessoa estabelece uma vida significativa, fazer isso produz um sentimento de satisfação e a crença de que ela viveu bem (Ackerman, Zuroff, & Moskowitz, 2000; Hicks & King, 2009).

Adultos com níveis mais altos de propósito na vida apresentam recuperação mais rápida de danos cerebrais (Ryff et al., 2016). A tera­pia pode ser um investimento útil para auxi­liar os clientes a definirem e estabelecerem objetivos concretos e esclarecerem signifi­cados abrangentes associados a esses [22] objetivos de forma que se aumente a probabilidade de atingi-los (McKnight & Kashdan, 2009). Há boas evidências de que ter um sentimento de significado e propósito ajuda a nos recu­perarmos rapidamente da adversidade e nos protege contra sentimentos de desesperança e falta de controle (Graham, Lobel, Glass, & Lokshina, 2008; Lightsey, 2006). Clientes cujas vidas estão imbuídas de significado têm mais probabilidade de persistir em vez de de­sistir diante de uma situação difícil (McKni­ ght & Kashdan, 2009). A PPT pode ajudar os clientes a estabelecer conexões para lidar com problemas psicológicos.

Realização

Realização pode denotar realizações objetivas e concretas; promoções; medalhas; ou recompen­sas. No entanto, a essência da realização reside na sua busca subjetiva por progresso, avanço e, em última análise, crescimento pessoal e inter­ pessoal. No modelo PERMA de bem-estar, rea­ lização é definida como aproveitar nossas for­ ças, habilidades, talentos e competências para atingir algo que nos dá um sentimento profundo de satisfação e realização.

Realização requer o uso ativo e estratégi­co das forças (i.e., quais forças usar e quan­do) e o monitoramento atento das flutuações situacionais para fazer mudanças oportunas. Juntamente com as mudanças, realização re­quer consistência de comportamentos ou há­bitos específicos. Por fim, a realização pode ter recompensas externas, mas ela estimula o bem-estar quando buscamos e atingimos um objetivo intrinsecamente motivador e signifi­cativo.

Psicoterapia positiva: pressupostos teóricos

A PPT foi desenvolvida sobre as bases empí­ricas de estudos de intervenção positiva e os fundamentos teóricos do modelo PERMA e forças de caráter. No entanto, a PPT também opera segundo três pressupostos referentes a natureza, causa, curso e tratamento de padrões comportamentais específicos, conforme discu­tido a seguir.

Psicoterapia positiva 23 Capacidade Inerente para Crescimento

De modo consistente com a psicologia huma­nista, a PPT postula que a psicopatologia ocorre quando as capacidades inerentes do cliente para crescimento, realização e bem-estar são frustra­das por dificuldades psicossociais prolongadas. A psicoterapia oferece uma oportunidade úni­ca para desencadear ou recuperar o potencial humano por meio do poder transformador da conexão humana. Ela apresenta uma interação inigualável na qual um clínico empático e não crítico compartilha emoções, desejos, aspira­ções, pensamentos, crenças, ações e hábitos mais profundos de um cliente. Se esse acesso exclusivo for usado preponderantemente para processar os aspectos negativos — algo que naturalmente ocorre conosco - e corrigir os piores deles, a oportunidade de estimular o crescimen­to será ofuscada ou, com frequência, completa­mente perdida.

O foco nas forças possibilita que os clientes aprendam competências específicas para que possam ser mais espontâneos, alegres, criativos e agradecidos, em vez de meramente aprende­rem a não ser rígidos, aborrecidos, convencio­nais e queixosos. Evidências mostram que as forças podem desempenhar um papel essencial no crescimento - mesmo em circunstâncias graves na vida. As forças de caráter predizem resiliência, para além de demografia, suporte social, autoestima, satisfação com a vida, afeto positivo, autoeficácia e otimismo (Martínez-Martí & Ruch, 2016). Evidências crescentes estão apoiando esse pressuposto sobre a impor­tância das forças. Por exemplo, Linley e cola­boradores (2010) demonstraram que pessoas que usam suas forças têm maior probabilidade de atingir seus objetivos. Além disso, o uso das forças amortece o impacto das experiências ne­gativas (Johnson, Gooding, Wood, & Tarrier, 2010). Os sintomas depressivos entre adultos idosos foram reduzidos quando eles focaram em suas forças, como otimismo, gratidão, sa­borear, curiosidade, coragem, altruísmo e pro­pósito na vida (Ho, Yeung, & Kwok, 2014). Tomada em conjunto, a PPT assume que os clientes são capazes de crescimento e enfatiza o processo de crescimento, o qual, por sua vez, ajuda a reduzir os sintomas. [23]

As Forças são Tão Autênticas Quanto os Sintomas

A PPT valoriza as forças por direito próprio. Ela considera as emoções positivas e as for­ças tão autênticas e reais quanto os sintomas negativos e os transtornos. As forças não são defesas, ilusões ou subprodutos do alívio dos sintomas que ficam sentados de braços cru­zados na periferia clínica. Se ressentimento, trapaça, competição, ciúme, ganância, preocu­pação e estresse são reais, também são reais atributos como honestidade, cooperação, con­tentamento, gratidão, compaixão e serenidade. Pesquisas demonstraram que a mera ausência de sintomas não corresponde diretamente à presença de bem-estar mental (Bartels et al., 2013; Keyes & Eduardo, 2012; Suldo & Sha­ ffer, 2008). A incorporação das forças aos sin­tomas expande a autopercepção dos clientes e oferece ao clínico rotas adicionais de interven­ção. Cheavens e colaboradores (2012) mostra­ram que focar nas forças relativas dos clientes em psicoterapia, em vez de nos seus pontos fracos, leva a um resultado superior. Igual­mente, Flückiger e Grosse Holtforth (2008) constataram que focar nas forças do clien­te antes de cada sessão de terapia melhorou os resultados da terapia. Quando um clínico trabalha ativamente para recuperar e cultivar coragem, gentileza, modéstia, perseverança e inteligência social, as vidas dos clientes pro­vavelmente se tornarão mais gratifícantes. Contudo, quando o clínico foca na melhoria dos sintomas, as vidas dos clientes podem se tornar menos infelizes.

Relação Terapêutica

O terceiro e último pressuposto da PPT é que relações terapêuticas efetivas podem ser cons­truídas sobre a exploração e a análise de características pessoais e experiências positivas (p. ex., emoções positivas, pontos fortes e virtu­des), e não apenas falando sobre problemas. O estabelecimento de uma aliança terapêutica é um fator central comum para a mudança te­rapêutica (Horvath et a l , 2011; Kazdin, 2009). Scheel, Davis e Henderson (2012) descobriram que focar nas forças ajudava os clínicos a cons­truir relações de confiança com os clientes e motivá-los ao instilarem esperança. Outro estu­do, com base em entrevistas com 26 terapeutas brasileiros, constatou que, quando os clínicos derivam emoções positivas da contribuição de um paciente na terapia, essa contribuição posi­tiva possibilita ao clínico maior conscientiza­ção dos recursos do paciente. Além disso, emo­ções positivas fortalecem a relação terapêutica quando os recursos do cliente são vistos com igual importância, comparados aos seus déficits (Vandenberghe & Silvestre, 2013). Assim, a aliança terapêutica pode ser estimulada por meio de uma relação que incorpora as forças.

Esse processo está em contraste com a abor­dagem tradicional da psicoterapia, em que um clínico analisa e explica para um cliente a constelação de sintomas e problemas na forma de um diagnóstico. Esse papel do clínico é ainda mais reforçado pela representação da psicoterapia na mídia popular, que mostra as relações terapêuticas marcadas pela conversa sobre pro­blemas, exposição de emoções contidas e recu­peração da autoestima perdida ou abalada com a ajuda de um clínico. [24]

Psicologia - Psicologia positiva
10/22/2020 2:09:49 PM | Por Tayyab Rashid
Psicoterapia positiva - o que é e por que precisamos dela?

Por mais de um século, a psicoterapia tem sido o lugar em que os clientes discutem seus pro­blemas. Milhares de pessoas a cada ano participam de palestras motivacionais, workshops, retiros e cursos e ainda compram livros e apli­cativos digitais de autoajuda. O foco dessas iniciativas terapêuticas está baseado no pressu­posto de que a descoberta de traumas infantis, a distorção de pensamentos falhos ou o restabelecimento de relações disfuncionais é curativo. Esse foco nos aspectos negativos faz sentido intuitivamente, mas, como autores deste ma­nual, acreditamos que os clínicos perderam de vista a importância dos aspectos positivos. A psicoterapia faz um bom trabalho ao fazer os clientes se sentirem menos deprimidos e menos ansiosos, mas o bem-estar dos clientes não é um objetivo explícito da terapia. A psicoterapia positiva (PPT), por sua vez, é um esforço tera­pêutico dentro da psicologia positiva (PP) que visa aliviar o estresse sintomático por meio da valorização do bem-estar.

(...)

O que é psicoterapia positiva?

A PPT é uma abordagem terapêutica emergen­te amplamente baseada nos princípios da PP. A PP estuda as condições e os processos que possibilitam que os indivíduos, comunidades e instituições prosperem. Ela explora o que funciona, o que é certo e o que pode ser cul­tivado (Rashid, Summers, & Seligman, 2015). O impacto da PPT em áreas da psicologia pode ser verificado pelos resultados de uma exten­sa revisão sistemática (Donaldson, Dollwet, & Rao, 2015) que apurou 1.336 artigos publica­ dos entre 1999 e 2013. Desses artigos, mais de 750 incluem testes empíricos das teorias, prin­cípios e intervenções da PP.

A PPT é o braço clínico ou terapêutico da PP. A PPT integra os sintomas com as forças, os riscos com os recursos, os pontos fracos com os valores e os pesares com as esperanças, tendo como objetivo compreender as complexidades inerentes da experiência humana de forma equilibrada. Sem ignorar ou minimizar as preocupa­ções do cliente, o clínico em PPT compreende empaticamente, dá atenção à dor associada ao trauma e simultaneamente explora o potencial para crescimento. Não consideramos que a PPT seja um novo gênero de psicoterapia; em vez disso, a consideramos como uma [3] reorientação terapêutica - um modelo para “construir o que é forte” - que complementa a tradicional abordagem de “consertar o que está errado” (Duckworth, Steen, & Seligman, 2005).

A PPT vai mais além dos aspectos positivos. Como clínicos em PPT, não estamos sugerin­do que outras psicoterapias são negativas, e, na verdade, a PPT não pretende substituir as psicoterapias existentes. Em vez disso, a PPT é uma mudança gradual para dar um equilíbrio ao foco terapêutico nos pontos fracos. Clien­tes em sofrimento psicológico podem ser mais bem compreendidos e atendidos se aprende­rem a usar seus mais altos recursos - pessoais e interpessoais - para enfrentar os desafios na vida. Conhecer nossos pontos fortes; aprender as competências necessárias para cultivar emo­ções positivas; fortalecer relações positivas; e incluir significado e propósito em nossas vidas pode ser tremendamente motivador, empoderador e terapêutico. O objetivo final da PPT é ajudar os clientes a aprender competências concretas, aplicáveis, pessoalmente relevantes que melhor utilizem suas forças para lutar por vidas engajadas, satisfatórias e significativas. Ao atingir esse objetivo, a PPT amplia o papel do clínico de uma autoridade prescritiva que diagnostica déficits para uma que também fa­cilita ativamente o crescimento, a resiliência e o bem-estar.

Por que precisamos da Psicoterapia positiva?

A psicoterapia é a atividade central dos pro­fissionais de saúde mental (como psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e conselheiros) e lança mão de um amplo espectro de métodos teóricos (Watkins, 2010). Entre todos os mé­todos, a psicoterapia demonstrou ser eficiente na melhoria do sofrimento psicológico (p. ex., Castonguay, 2013; Seligman, 1995). Ela supera significativamente o placebo e, em muitos ca­sos, tem melhores resultados no longo prazo do que medicação isoladamente (p. ex., Leykin & DeRubeis, 2009; Siddique et al., 2012). De fato, a psicoterapia demonstrou ser tão eficaz quanto muitos tratamentos médicos validados empiricamente, entre os quais quase todas as intervenções em cardiologia (p. ex., betabloqueadores, angioplastia e estatinas), medicina geriátrica e asma (Wampold, 2007). Encontram-se dispo­níveis psicoterapias validadas empiricamente para muitos transtornos psicológicos, como depressão, esquizofrenia, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias, transtorno de pânico e transtornos alimentares (Barlow, 2008; Seligman, 1995). O website Substance Abuse and Mental Health Service Administration (SAMHSA) lista 145 tratamentos manualizados para 84 dos mais de 365 transtornos mentais (SAMHSA, 2015). Aspectos mais sutis da psicoterapia, como aliança terapêutica, nuances da comunicação te­rapêutica, linguagem não verbal, influências do terapeuta, processo de tratamento e processo de feedback para o cliente e do cliente, foram todos estudados (Wampold, 2001; Watkins, 2010).

O foco da terapia tradicional no que saiu er­rado resultou em tratamentos que reduzem os sintomas para muitos transtornos. No entanto, acreditamos que o foco intensivo dos psicoterapeutas no negativo chegou a um impasse: entre 20 e 30% dos clientes experimentam pouca mudança durante a terapia, e de 5 a 10%, na ver­dade, deterioram durante o tratamento (Hansen, Lambert, & Forman, 2002; Lambert, 2013). Assim, a psicoterapia, segundo nosso ponto de vista, enfrenta uma barreira significativa, que chamamos de “barreira dos 65%”, isto é, 65% dos clientes em psicoterapia encontram algum benefício com o tratamento. Acreditamos que uma abordagem baseada nas forças, como a PPT, pode melhorar a eficácia da psicoterapia da seguinte forma:

  • expandindo a abrangência da psicoterapia;
  • ampliando para além do modelo médico;
  • expandindo os resultados da psicoterapia; e
  • atenuando o impacto no clínico

Expandindo a Abrangência da Psicoterapia

A tendência dos clínicos de voltar o foco na direção dos aspectos negativos é compreensí­vel. A evolução nos dotou de cérebros que são orientados e mais fortemente responsivos às ex­periências negativas do que às positivas [4] (p. ex..  Baumeister. Bratslavsky, Finkenauer, & Vohs, 2001; Rozin & Royzman, 2001). Essa propen­são inata para a negatividade nos ajudou a ga­rantir abrigo, alimento e parceria no passado evolucionário. A mente humana consome uma quantidade de tempo desproporcional pensando no que está errado, mas nem de perto um tempo suficiente pensando no que está correndo bem em nossas vidas. Em essência, o negativo defi­ne em grande parte a função da terapia. Embora os aspectos negativos sirvam a uma função im­portante em psicoterapia. eles também limitam sua abrangência.

Como seres humanos, queremos vidas que sejam imbuídas de propósito e significado (Duckworth, Steen. & Seligman, 2005). Com o crescente conhecimento das questões de saú­de mental, as pessoas com doença mental estão tendo mais voz, descrevendo como são suas vidas e o que as ajudaria a ir além do papel de um paciente com um transtorno psiquiátrico (Seeker, Membrey, Grove, & Seebohm. 2002). Esses clientes desejam uma recuperação ple­na, o que inclui esperança, relações positivas e objetivos significativos (Seeker, Membrey, Grove, & Seebohm, 2002; Slade, 2010). A psi­coterapia apresenta uma oportunidade ímpar de apoiar o desenvolvimento pessoal dos clientes por meio do cultivo de suas forças, e esse pro­cesso não deve ser desperdiçado pela atenção exclusiva à melhora dos sintomas ou déficits. Recuperação não é melhorar ou eliminar os problemas; é avaliar e fortalecer os pontos fo­rtes, competências, habilidades, talentos e apti­dões (Crits-Christoph et al., 2008; Le Boutillier et al., 2011: Rapp & Gosha, 2006).

Ampliando para Além do Modelo Médico

A psicoterapia continua a operar segundo um modelo médico em que os transtornos mentais são doenças do cérebro causadas pela desregulação de neurotransmissores, anomalias ge­néticas e defeitos na estrutura e na função ce­rebral (Deacon, 2013; Maddux, 2008). David Elkin (2009) e muitos outros observaram que a sobreposição do modelo médico em psicote­rapia é um problema. No modelo médico, um médico diagnostica uma doença com base nos sintomas e administra o tratamento desenvolvi­do para curar a doença. Em psicoterapia, tanto a doença quanto o tratamento frequentemente dependem de características contextuais inter­pessoais – que têm pouco a ver com medicina —, mas o modelo médico permanece como es­trutura descritiva dominante porque empresta à psicoterapia um nível de respeitabilidade cultu­ral e vantagens econômicas que outros sistemas descritivos não lhe conferem (Elkins, 2009). Entretanto, diferentemente dos distúrbios mé­dicos, os transtornos psiquiátricos não podem ser atribuídos a agentes etiológicos simples.

James Maddux (2008) observou que a influ­ência do modelo médico na psicoterapia pode ser comprovada pelos termos que são mais comumente associados à psicoterapia, entre os quais sintomas, disfunção, diagnósticos, transtorno e tratamento. Essa influência deter­mina desproporcionalmente o foco clínico nos transtornos e nas disfunções, e não na saúde. Em vez de abandonar o modelo médico da psi­coterapia, o qual está totalmente arraigado no treinamento, na pesquisa e nas organizações profissionais, sugerimos a incorporação de uma abordagem baseada nas forças para tornar a psicoterapia mais equilibrada. Evidências mos­tram que as forças podem se tornar ingredientes ativos no tratamento de aflições graves como psicose (Schrank et al., 2016), ideação suici­da (Johnson et al., 2010) e transtorno da per­sonalidade borderline (Uliaszek et al., 2016). Ao fundir e integrar os pontos fortes, o campo da psicoterapia pode enriquecer a experiência dos clientes e dos clínicos. Slade (2010) defen­de que essa expansão também pode oferecer aos clínicos a oportunidade de desafiar o es­tigma e a discriminação, além de promover o bem-estar social. No entanto, expandir o mode­lo psicoterápico do déficit para os pontos fortes irá exigir mudanças tanto na avaliação quanto no tratamento. Essa mudança no papel do clí­nico pode se tornar a norma em vez da exceção no século XXI. Alex Wood e Nicholas Tarrier (2010) sugeriram que a compreensão e o trata­mento dos níveis clínicos de sofrimento devem ser equilibrados com um foco de mesmo peso nos aspectos positivos porque [5] as forças podem servir como defesa contra o efeito de acontecimentos negativos no sofri­mento, potencialmente prevenindo o desenvolvimento de transtorno psicológico (Huta & Hawley, 2008; Marques, Pais-Riberio, & Lopez, 2011).

  • As forças têm sido associadas a vários in­dicadores de bem-estar, como qualidade de vida (Proctor et al., 2011), bem-estar psi­cológico e bem-estar subjetivo (Govindji & Linley, 2007), e quase todas as forças de caráter estão relacionadas a satisfação aca­dêmica, média das notas (Lounsbury et al., 20099) e saúde mental (Littman-Ovadia & Steger, 2010; para uma revisão, veja Quinlan et al., 2012).
  • Intervenções baseadas nas forças produzem inúmeros benefícios. Elas predizem transtor­no psicológico além do poder preditivo da presença de características negativas ou de sintomas (Wood et al., 2009). Intervenções baseadas nas forças conferem inúmeros be­nefícios (para uma revisão, veja Quinlan et al., 2012).
  • O aprimoramento das forças pode ser mais eficiente e aceitável para clientes de diferen­tes origens culturais (Harris, Thoresen, & Lopez, 2007; Pedrotti, 2011).
  • As forças de caráter de inteligência social e gentileza são indicativas de menos estig­ma em relação a pessoas com problemas de saúde mental. Pessoas de mentalidade aberta não consideram os indivíduos com diagnós­tico de transtornos mentais como pessoal­mente responsáveis por adquirir esses trans­tornos (Vertilo & Gibson, 2014).

Expandindo os Resultados da Psicoterapia

Pesquisadores dos resultados da psicoterapia enfatizaram que indicadores de qualidade de vida e bem-estar psicológico devem ser incorporados à definição de recuperação (Fava & Ruini, 2003). Larry Davidson e colaboradores usaram o termo “atendimento orientado para a recuperação” para descrever o tratamento que cultiva os elementos positivos da vida de uma pessoa —como recursos, aspirações, es­peranças e interesses -, pelo menos na medida em que tenta melhorar e reduzir os sintomas (Davidson, Shahar, Lawless, Sells, & Tondo- ra, 2006).

Uma análise temática de 30 documentos internacionais que oferecem um guia prático orientado para a recuperação recomenda que a noção de recuperação seja expandida além da remissão dos sintomas para incluir o bem-estar. A análise sugere que a recuperação inclua a avaliação e a utilização das forças e dos apoios naturais para informar a avaliação, revisões, planos de atendimento e objetivos e que a as­sistência e o tratamento façam uso efetivo des­sas forças (Le Boutillier et al., 2011). Definir e expandir a recuperação também expande o pa­pel do profissional de saúde mental, com maior ênfase na parceria com o cliente (Slade, 2010). Schrank e Slade (2007) conceituam recupera­ção como um processo único profundamente pessoal no qual a atividade, valores, sentimen­tos, objetivos e papéis do indivíduo se modi­ficam.

Recuperação completa significa que, apesar das limitações causadas pelo sofrimen­to psicológico, o indivíduo é capaz de ter uma vida gratificante e satisfatória. Recuperação completa também envolve o desenvolvimento de novo sentido e propósito na vida enquanto o indivíduo se desenvolve e supera os efeitos catastróficos da doença mental.

Atenuando o Impacto no Clínico

A própria natureza da psicoterapia requer que os clínicos em saúde mental escutem descri­ções graficamente detalhadas de acontecimen­tos algumas vezes terríveis e sejam testemu­nhas da repercussão psicológica (e algumas vezes física) de atos de intensa crueldade e/ou violência. Se a psicoterapia em grande parte implica confrontar lembranças negativas e experiências adversas — sutis e severas —, a experiência cumulativa de tal engajamento empático pode ter efeitos negativos nos clíni­cos. Evidências demonstraram que esses efeitos se manifestam por meio da exaustão emocio­nal, despersonalização e falta de realização pes­soal - o que causa burnout e fadiga por compai­xão (Berzoff & Kita, 2010; Deighton, Gurris, & Traue, 2007; Hart, 2014). Ao explorarem o que mantém o bem-estar dos clínicos e o que os torna exemplares, Harrison e Westowood [6]  (2009) encontraram uma orientação positiva abrangente transmitida por uma habilidade de manter a confiança em três atributos: (a) o self como sufícientemente bom - isto é. o clínico tem confiança em sua expertise; (b) o processo de mudança terapêutica; e (c) o mundo como um lugar de beleza e potencial (apesar e além da dor e do sofrimento). Esses três atributos são essenciais para a orientação teórica da PPT e são promovidos durante as práticas.

A barreira dos 65%

Conforme observado anteriormente, alguns clientes não obtêm nenhum benefício com psi­coterapia, e outros (entre 5 e 10%) na verdade deterioram durante a terapia (Lambert, 2007). Vamos discutir essa barreira aplicada à forma mais comum de psicopatologia: a depressão - um transtorno algumas vezes denominado como “o resfriado comum entre as doenças mentais”. Considere dois tratamentos que sa­bemos ser efetivos: terapia cognitivo-comportamental e uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina como Prozac, Zoloft e Lexapro. Cada tratamento produz uma taxa de resposta de aproximadamente 65%, e sabemos que essa resposta incorpora um efeito place­bo que varia de 45 a 55% (p. ex., Rief et al., 2011); quanto mais realista o placebo, maior a resposta ao placebo. Esses números ocor­rem repetidamente. Uma revisão metanalítica recente de 30 anos de ensaios randomizados de antidepressivos controlados com placebo documenta que uma alta porcentagem do efei­to do tratamento pode ser atribuída à resposta ao placebo (Kirsch et al., 2002; Undurraga & Baldessarini, 2017).
Por que existe uma barreira de 65% e por que os efeitos específicos da terapia são tão pe­quenos? Acreditamos que isso ocorra porque a mudança comportamental é difícil para as pessoas em geral e especialmente difícil para os clientes que estão buscando terapia, que po­dem não ter motivação, que têm comorbidades ou que vivem em ambientes insalubres que não são suscetíveis à mudança. Em conseqüência, muitos clientes continuam a se comportar de maneiras arraigadas e mal-adaptativas, e a no­ção de mudança pode ser percebida como ameaçadora e impossível de ser atingida.

Na verdade, muitos clínicos abandonaram a noção de cura. A gestão da saúde e os orçamen­tos limitados para tratamento algumas vezes resultaram em situações em que os profissionais de saúde mental dedicaram seu tempo e talento para apagar incêndio em vez de fazer prevenção de incêndio. Seu foco é quase inteiramente no manejo da crise e na oferta de tratamentos cosméticos. O fato de o tratamento ser com fre­quência apenas cosmético explica parcialmente a barreira dos 65% (Seligman, 2006).

Na psicoterapia tradicional orientada para o déficit, muitos clínicos acreditam que uma for­ma de minimizar as emoções negativas, especialmente a raiva contida, é expressá-las, com a suposição de que, se a raiva não for expressa, ela se manifestará por meio de outros sintomas. A literatura terapêutica está repleta de expres­sões, como “esmurrar a almofada”, “relaxar” e “botar pra fora”, que ilustram esse tipo de pen­samento (Seligman, 2002a). No entanto, essa abordagem deixa a psicoterapia atual em gran­de parte como uma ciência da vitimologia que retrata os clientes como respondentes passivos às circunstâncias. Impulso, instinto e necessi­dade criam conflitos inevitáveis que podem ser aliviados apenas parcialmente por meio do desabafo. Em nossa opinião, desabafar é, na melhor das hipóteses, um remédio cosmético e, na pior das hipóteses, um tratamento que pode desencadear raiva amplificada, ressentimento e doença cardíaca (Chida & Steptoe, 2009).

Alternativas às abordagens psicoterápicas tradicionais

Aprender a funcionar bem em face do sofri­mento psicológico é uma abordagem alternati­ a que é adotada pela PPT. Depressão, ansieda­de e raiva frequentemente resultam de traços de personalidade herdados que podem ser melho­rados, mas não eliminados. Todas as emoções negativas e traços de personalidade negativos têm fortes fronteiras biológicas, e é irrealista esperar que a psicoterapia possa ultrapassar esses limites. O melhor que a terapia tradicio­nal pode fazer com sua abordagem paliativa [7] é ajudar os clientes a viver na parte superior dessas variações de depressão, ansiedade ou raiva. Considere Abraham Lincoln e Winston Churchill, duas figuras históricas que sofreram de doença mental grave (Pediaditakis, 2014). Ambos eram seres humanos com funcionamen­to incrivelmente alto que desempenhavam bem apesar de vivenciarem problemas significativos de saúde mental. Talvez eles funcionassem bem porque utilizavam seus pontos fortes. A psicoterapia precisa desenvolver intervenções que ensinem os clientes a utilizar suas forças para funcionarem bem na presença de sintomas. Es­tamos convencidos de que a PPT pode ajudar os clientes a funcionar bem e possivelmente romper a barreira dos 65%.

Há outra razão essencial para desafiar e mudar as abordagens tradicionais da psicoterapia. Uma boa vida, o objetivo final da psicoterapia, não pode ser plenamente atingida por meio da estrutura tradicional orientada para o déficit. Por exemplo, em um estudo que controlou essas características negativas, os pesquisadores encontraram que pessoas que tinham poucas características positivas (p. ex., esperança e otimismo, autoeficácia e gratidão) tinham risco duas vezes maior de desenvolver depressão (Wood & Joseph, 2010). Da mesma forma, a presença de for­ças de caráter (p. ex., esperança; apreciação da beleza e excelência; e espiritualidade) de­monstrou prestar uma contribuição significa­tiva para recuperação de depressão (Huta & Hawley, 2008). Esperança e otimismo (Carver, Scheier, & Segerstrom, 2010), além de gratidão (Flinchbaugh, Moore, Chang, & May, 2012), demonstraram conduzir a níveis mais baixos de estresse e depressão. [8]

Psicologia - Psicologia positiva
10/21/2020 2:18:45 PM | Por Charles Richard Snyder
Tornando-se positivo

Começamos este capítulo final descreven­do um cliente de psicoterapia com uma agenda que refletia um preceito fundamen­tal da psicologia positiva: o desejo de acen­tuar o bom da vida. A seguir, discutimos um enigma para os psicólogos positivos: por que as informações negativas parecem ter mais poder sobre as pessoas do que as positivas (ou seja, “por que o que é ruim tem mais força do que o que é bom”)? Após, avaliamos as atenções dadas à psicologia positiva na mídia e no campo da própria psicologia, seguido de um chamamento que fazemos para que a psicologia positiva seja um fenômeno de alcance mundial. Afirma­mos que ela deve ser para todos, e não para uns poucos. Também examinamos até onde os jovens foram recrutados para o estudo do tema. Em uma importante seção a seguir, vários líderes nesse novo campo apresentam idéias so­bre o futuro da psicologia positiva. Por fim, encerramos com duas histórias que ilus­tram vividamente o poder de se concen­trar no positivo.

Trocando o que é ruim po rum pouco do que é bom: O caso de Molly

As mudanças que descrevemos como resultado da iniciativa da psicologia posi­tiva são semelhantes aos processos pelos quais as pessoas passam na psicoterapia bem-sucedida, isto é, são capazes de subs­tituir alguns pensamentos e ações negati­vos por outros, mais positivos. Considere­mos, por exemplo, o caso de Molly, uma mulher de 75 anos e de língua afiada, que veio a um dos autores (C.R.S.) em busca de psicoterapia. A declaração inicial de Molly foi: “Eu quero trocar alguns dos meus maus hábitos por outros, melhores!”. No final das contas, esse caso não era tão sim­ples quanto suas palavras sugeriam, mas esse tipo raramente é.

Em primeiro lugar, Molly disse que queria deixar de ser tão desagradável. Quando se perguntou o que ela poderia ganhar sendo tão irritada e difícil, ela pa­recia confusa. “Você quer dizer que eu faço isso por alguma razão?”, perguntou. Pen­sando em suas possíveis motivações para [423] ser irritada, Molly fez uma pausa e depois afirmou: “Eu quero estar mais no contro­le”. Ela também disse que não gostava de como sua família parecia prestar mais aten­ção quando ela reclamava de suas dores e sofrimentos.

Sugeri que ela começasse a fazer tra­balho voluntário em um hospital. Essa ideia tinha várias vantagens, sendo que a mais importante era que seus amigos e paren­tes, em lugar de prestar atenção a suas re­clamações, iriam elogiá-la por ajudar aos outros. Molly gostou desse plano porque lhe proporcionou uma forma positiva de ter uma sensação de controle. Quando co­meçou a fazer o trabalho voluntário, ela também passou a entender que suas dores e seus problemas eram bem menores em relação às dos pacientes internados no hos­pital. Sendo assim, a primeira compensa­ção de Molly foi encontrar uma forma mais positiva de obter uma sensação de contro­le em sua vida.

A segunda troca de Molly envolvia seu desejo de manter o peso. A medida que en­velhecia, ela queria evitar o que chamava de “a marcha da gordura”. Embora Molly adorasse comer, ela estava tão preocupa­ da com ficar gorda que acabava comendo muito pouco. Regulando-se pelo modelo da magricela de 20 anos que aparece nas revistas, Molly não estava gostando de seu sistema de controle do peso baseado em quase passar fome. Após discutir a ques­tão do peso, decidiu que um corpo saudá­ vel, fisicamente em forma, era um objeti­vo mais agradável, que ela queria para seus anos de maturidade. Isso fez que ela co­meçasse a praticar exercícios e se permi­tisse ganhar peso, que era músculo. Sua “troca” positiva foi um peso mais realista que lhe permitia desfrutar de comer, mais um programa de exercícios físicos que a ajudava a se sentir mais forte e mais capaz fisicamente.

Nossa razão para descrever o caso de Molly é mostrar como os objetivos das pes­soas às vezes podem estar distorcidos e acabar gerando mais danos do que benefí­cios. Para essas pessoas, geralmente há outras formas mais positivas de atingir os objetivos. Assim, a psicologia positiva não é radical nas soluções baseadas em quali­dades que oferece às pessoas. Nos muitos casos que apresentamos neste livro, há um padrão semelhante, no qual as pessoas aprendem a trocar seus estilos de vida menos saudáveis por outros, mais positi­vos. Para que Molly e outros como ela se­jam ajudados para aumentar o positivo em suas vidas, deve-se tratar da questão de como as pessoas muitas vezes prestam atenção às coisas ruins em suas vidas, em lugar das boas. O fato de “o que é ruim ter mais força do que o que é bom” é um dile­ma central aos psicólogos positivos, do qual tratamos a seguir.

Enfrentando um dilema fundamental: o que é ruim é mais forte do que o que é bom

No artigo, de 2001, “O que é ruim é mais forte do que o que é bom” (“Bad is stronger than good”)”, o psicólogo social Roy Baumeister e colaboradores apresen­tam um dos problemas mais espinhosos para a psicologia positiva. Como sugere o provocativo título dessa revisão, as coisas na vida que podem ser caracterizadas como “ruins” parecem exercer mais poder sobre a vida humana do que as que são “boas”. Mais especificamente, Baumeister e cola­boradores sugerem que o maior poder do que é ruim em relação ao que é bom pode ser testemunhado em muitas áreas da vida e atividades, incluindo as relações inter­pessoais, os desfechos de relacionamentos íntimos, traumas e vários processos de aprendizagem. Eles revisam a literatura mostrando que o ruim - seja nos pais, nas emoções, seja em avaliações de nós mes­mos - tem mais impacto do que o bom. Para complicar ainda mais as coisas, as in­formações ruins parecem ser processadas mais completamente do que as boas. [424] Também temos mais probabilidades de formar impressões más do que boas; e os estereóti­pos ruins formam-se mais rapidamente e são mais resistentes à refutação. Da mesma forma, podemos ser mais motivados a ficar longe de autoavaliações ruins do que ir em busca das boas. Baumeister e colaborado­res concluem observando que as exceções ao preceito de que “o que é ruim é mais forte do que o que é bom” são muito raras.

Tratamos dessa importante questão usando a esperança como exemplo do que é bom e o medo como exemplo do que é ruim. Como sistemas opostos, a esperança e o medo são análogos a outros processos dialéticos, como aquisição versus proteção, aproximação versus retraimento e ação versus conservação. Ao fazer esses pares de processos opostos, é interessante pensar na esperança como uma atividade um tanto deliberativa, que é acompanhada por emo­ções positivas, enquanto o medo é uma emoção mais automática que aparece em circunstâncias de muito estresse.

O medo e a esperança operam em níveis diferentes no cérebro. Sobre isso, LeDoux (1986) relatou que as excitações límbicas (entre o tálamo e a amígdala) ocorrem com interferência cortical, suge­rindo, portanto, que as cognições da espe­rança são independentes do medo, o qual emana dos sistemas afetivos. LeDoux (1995) também concluiu que a codificação afetiva do medo no cérebro muitas vezes não che­ga à consciência. Assim, como o medo não é necessariamente refletido nas percepções conscientes, ele não tem que passar por qualquer processo de “atualização”. Na mesma linha, LeDoux (1996) sugeriu que há dois caminhos pelos quais os impulsos viajam para evocar emoções. O caminho inferior envolve conexões relativamente curtas entre receptores e o sistema nervo­so central (o tálamo e a amígdala). Esse caminho inferior gera reações de medo a estímulos ameaçadores, e o processo se dá abaixo do nível da consciência. Em segun­do, o caminho superior envolve ligações de pensamento esperançoso (o tálamo e a amígdala com o córtex) que ocorrem den­tro da consciência.

O medo visa proteger a vida e preser­var as coisas da forma que são (homeostase). Além disso, como o medo tem diver­sas conexões a partir do sistema límbico (afetivo) às estruturas corticais, é poten­cialmente mais poderoso do que o pensa­mento direcionado ao futuro. Para aumentar o poder do medo, ele pode ser evocado por várias memórias humanas. As expe­riências prolongadas de medo ampliam as redes mentais associativas, resultando em superestimação de sua prevalência e sua importância. Como tal, o medo limita o processamento cognitivo e geralmente am­plifica nossas tendências humanas a evitar o risco. Dessa forma, o medo é protetor e defensivo, e nos torna menos abertos a novas perspectivas.

Diferentemente do medo, o pensa­mento direcionado ao futuro entra em cena quando formulamos um objetivo concre­to. Esse pensamento acarreta visualizações e expectativas, e as emoções que fluem dele via de regra nos fazem sentir bem. Ao con­trário do medo, no qual as emoções são centrais, no pensamento direcionado ao fu­turo as emoções que são vivenciadas são secundárias no sentido de refletir diagnósticos cognitivos de como estamos nos sain­do em nossas atividades de busca de obje­tivos. Obviamente, então, as emoções po­sitivas cumprem um papel mais importan­te no pensamento direcionado ao futuro do que no medo, no qual o comando é das emoções negativas.
Tanto o pensamento direcionado ao futuro quanto o medo têm implicações para a seleção natural em um sentido evolutivo. Nossa sobrevivência inicial como espécie pode ter dependido mais da transmissão aos filhos dos processos de pensamento baseados no medo do que do pensamento direcionado ao futuro. Com o passar dos anos, contudo, o medo pode ter se torna­do menos essencial, talvez até mesmo irracional e mal-adaptativo em ambientes em que não era justificado. A medida que a [425] evolução humana continua, o pensamen­to direcionado ao futuro pode muito bem ser a abordagem mais racional de enfrentamento e pode ter vantagens em relação ao medo. É aqui que apresentamos nossa res­posta à persuasiva questão de Baumeister e colaboradores, “O que é ruim é mais forte do que o que é bom”, a qual, por razões evolutivas iniciais, fazia sentido. À medida que evoluímos como espécie, nosso progresso de hoje pode demandar uma ênfase diferente, em que alimentemos cuidadosamente a espe­rança em lugar de permitir que o medo go­verne nossa vida. Por analogia, então, de­ vemos promover o que é bom em lugar de deixar que o que é ruim controle nossa vida.

É exatamente aqui que a psicologia positiva oferece uma solução para desatar o nó de “o que é ruim é mais forte do que o que é bom”. Se escolhermos, poderemos pensar e sentir de forma que o que é bom ganhe ascendência sobre o que é ruim em nossa vida. Essa não será uma tarefa fácil, mas os defensores da psicologia positiva nunca afirmaram que essa mudança se daria sem esforço. Pelo contrário, seria di­fícil, mas a psicologia positiva oferece pla­nos para ver que o que é bom triunfa sobre o que é ruim. Parte do sucesso dos proces­sos positivos, tais como a esperança, resi­dirá na maior atenção da sociedade a ques­tões que envolvam as qualidades humanas. Nossa avaliação da questão do reconheci­mento das qualidades humanas é apresen­tada a seguir.

A Psicologia positiva está conquistando atenções

Quanta atenção a mídia está dando às idéias da psicologia positiva? Com que seriedade os jornalistas estão tratando as descobertas psicológicas relacionadas a esse campo? Em um tempo relativamente curto, a psicologia positiva começou a cha­mar mais atenção, dentro e fora da psico­logia (vide Seligman, Steen, Park e Pe­terson, 2005), mas é importante repetir nossas conclusões do primeiro capítulo: os pesquisadores da psicologia positiva não estão denegrindo o campo com seu traba­lho, como alguns lamentaram (por exem­plo, Lazarus, 2003). Parece, contudo, que o trabalho que tem sido feito na psicologia positiva captou a atenção das pessoas dentro e fora da área. Outro sinal estimu­lante é que em janeiro de 2006, o The Journal of Positive Psychology, editado por Robert Emmons, começou a publicar arti­gos que se concentram unicamente no es­tudo das qualidades humanas e das emo­ções positivas.

A atenção da mídia ao positivo vai contra a velha máxima que diz que “as más notícias vendem jornal”. Por essa razão, a disposição da mídia impressa e visual de discutir as conclusões da psicologia positi­va merece ainda mais destaque. Quando os autores deste texto perguntaram a jor­nalistas de jornais impressos, revistas e te­levisão acerca desse fenômeno, eles expres­saram a opinião de que o público está far­to das constantes más notícias. Como tal, a psicologia positiva oferece um antídoto para se sentir bem diante das marcas da tragédia deixadas por atos da natureza e pelas mãos humanas. Esses mesmos jorna­listas também observaram que a base cien­tífica sólida da psicologia positiva torna as conclusões ainda mais relevantes. Isto é importante, e os pesquisadores da psicolo­gia positiva deveriam ser cuidadosos em relação às afirmações que fazem sobre con­clusões de pesquisa. Como escreveu Snyder (2000c),

Ao construirmos uma nova psicologia de como a mente pode funcionar para o bem das pessoas, devemos aderir a práticas corretas de amostragem, delineamentos de pesquisas causais sempre que for pos­sível e aplicações rígidas da inferência es­tatística. Devemos ter critérios para nos­sas afirmações, ter presente que declara­ções superzelosas prejudicam a defesa da psicologia positiva. E devemos ter pa­ciência com o fato de que a ciência da [426] psicologia se constrói sobre evidências acu­muladas. Nesse meio-tempo, os que bus­cam testar vários preceitos da psicologia positiva fariam bem em se manter céticos (p. 24).

Não apenas a mídia tem fome de vi­sões positivas sobre as pessoas, como tam­bém a pessoa média pode ser atraída para a abordagem baseada em qualidades. Du­rante anos, quando viajavam, os autores deste livro se deparavam com a pergunta: “Então, em que você trabalha?”. Nossa re­posta inicial, de que éramos psicoterapeutas de clínica ou aconselhamento, tendia a interromper as conversas, de forma que mudamos nossa resposta para “somos pro­fessores universitários”. Agora, contudo, anunciamos que somos psicólogos positi­vos, e isso desencadeia conversações ani­madas e agradáveis. As pessoas querem aprender sobre o tema, e nós queremos falar dele para outras. Tais reações podem refletir o fato de que as pessoas realmente se cansaram das abordagens anteriores baseadas nas patologias e nos defeitos, ou talvez haja reações intrínsecas favoráveis à abordagem geral das qualidades. Em qualquer um dos casos, indica uma postu­ra aberta por parte das pessoas leigas aos preceitos da psicologia positiva.

A Psicologia positiva como fenômeno mundial 

Como observamos no primeiro capí­tulo, o ímpeto moderno para o surgimento da psicologia positiva veio por intermédio da liderança de Martin Seligman durante seu mandato como presidente da American Psychological Association. O Dr. Seligman conclamava a psico­logia a tratar do positivo nas pessoas. Des­de aquela época, ele tem trabalhado incan­savelmente para ver a psicologia positiva criar raízes.

Como ele é um renomado psicólogo norte-americano, não é de surpreender que, em princípio, suas iniciativas se concentras­sem nos Estados Unidos. Para seu crédito, contudo, ele estabeleceu contato com os muitos estudiosos da psicologia positiva em todo o planeta. Por exemplo, na terceira Cúpula Anual Internacional de Psicologia Positiva (Third Annual International Positi­ve Psychology Summit) em Washington, D. C. (patrocinado pela Organização Gallup e pela Universidade Toyota), participaram psicólogos de 23 países; estudantes e adul­tos de todo o mundo estavam lá, nas con­dições de participantes e palestrantes. Mais do que isso, os lugares para apresentação da pesquisa e aplicações da psicologia po­sitiva estão cada vez mais situados em di­versos países. Em julho de 2004, na Itália, por exemplo, a Rede Européia de Psicolo­gia Positiva promoveu sua segunda confe­rência (Seligman et al., 2005).

A psicologia positiva deve dar conti­nuidade à sua abordagem mundial, pois suas idéias e suas descobertas são funda­mentais para todas as pessoas. É importan­te que os líderes acadêmicos incluam vo­zes de todo o planeta em livros de psicolo­gia positiva. Em nosso levantamento de li­vros importantes recentemente publicados sobre o tema, a porcentagem de estudio­sos de fora dos Estados Unidos variou de meros 7 a elevados 37%, com uma moda de 21%. Se a psicologia positiva quiser se tornar verdadeiramente um fenômeno mundial, devemos conseguir incluir ainda mais pesquisadores e profissionais de todo o mundo em nossos livros principais. O mesmo se aplica a artigos veiculados em nossas publicações acadêmicas. Elas não podem ser um clube com membros de ape­nas alguns países (vide Snyder e Feldman, 2000). Em lugar disso, devem acolher muitas pessoas de diversas culturas e paí­ses em todo o mundo. Discutimos essa questão na próxima seção, na qual sugeri­mos que os benefícios da psicologia positi­va deveriam estar disponíveis às pessoas de todo o mundo. [427] 

Para muitos, e não apenas para uns poucos

Como tem sido o caso da psicologia em geral, a ênfase da psicologia positiva até agora tem estado no indivíduo em vez de na comunidade. Na verdade, o final do século XX tem se caracterizado como a era da geração “eu”. Sendo assim, como geral­mente há ciclos em relação a essas ques­tões, está na hora de o pêndulo oscilar de volta em direção ao coletivo e ao que é bom para muitos, em vez de apenas para um.
Entretanto, determinados eventos po­tenciais podem limitar os efeitos da psico­logia positiva a uns poucos escolhidos, e isso nos preocupa, como cientistas e pro­fissionais. Especificamente, algumas pes­soas acreditam que a psicologia aplicada deveria se transformar em uma profissão de “coaches” pessoais. O problema dessa mudança, em nossa avaliação, é que os ri­cos conseguirão pagar os altos custos dos “coaches” pessoais. Já estamos testemu­nhando uma ampliação em nível mundial do abismo entre os que são financeiramente afluentes e os pobres (Ceei e Papierno, 2005), e parece antitético em relação aos preceitos da psicologia positiva que ela deva contribuir a esse perturbador distan­ciamento entre os que têm e os que não têm. Nas palavras de John F. Kennedy em seu discurso de posse, em 20 de janeiro de 1961, “Se não for capaz de ajudar os mui­tos que são pobres, a sociedade não pode­rá salvar os poucos que são ricos”.

Uma maneira de se garantir que os benefícios da psicologia positiva estejam disponíveis a mais pessoas é valorizar e honrar os diferentes objetivos que existem atualmente em sociedades em todo o mun­do. Da mesma forma, devemos aumentar o número de objetivos que são valorizados dentro de cada uma dessas sociedades. Tra­dicionalmente, entre eles estão o dinhei­ro, as conquistas (intelectuais e atléticas) e a aparência física. Como já afirmamos em outro momento (Snyder e Feldman, 2000, p. 391), deve-se pesar mais em:

  1. preocupar-se com os outros;
  2. produzir produtos duráveis e confiáveis;
  3. inventar novos produtos;
  4. realizar pesquisas básicas e aplicadas; e
  5. promover a segurança no local de tra­balho e em outros lugares.

Ao estimular novas oportunidades pa­ra as pessoas terem objetivos, estamos pos­sibilitando que uma quantidade maior de­las experimente os benefícios relacionados a atingir esses cobiçados objetivos.

Outra forma de aumentar as oportu­nidades de muitos é dar mais ênfase a ob­jetivos de longo prazo. Infelizmente, os objetivos de curto prazo muitas vezes são autocentrados (por exemplo, “O que eu levo nisso?”, vide Lerner [1996]). A psico­logia positiva para muitos também pode auxiliar no adiamento da gratificação em lugar de “receber o que é meu agora”. Além disso, objetivos de longo prazo e grande porte podem precisar de que várias pesso­as se unam em um coletivo.

Uma outra meta da psicologia positi­va para muitos é mudar nossas atitudes e nosso comportamento em relação a pes­soas mais velhas e idosos. Em lugar da vi­são extremamente comum de que as pes­soas mais velhas são como alguém que foi colocado para descansar, devemos dar mais oportunidades para sua contribuição per­manente e suas atividades mentais rigoro­sas. Pensemos nas imensas perdas de ta­lentos que ocorrem quando não usamos as muitas habilidades adquiridas pelas pesso­as mais velhas! Qualquer coisa que se pos­sa fazer para garantir que os mais velhos contribuam, desde o nível social até o fa­miliar, será útil a nós. São necessários pro­gramas nas escolas e talvez, até mesmo, nos meios de comunicação de massa, para mudar os estereótipos negativos em rela­ção ao envelhecimento. Afinal de contas, as pessoas devem se lembrar de que esse é [428] o único grupo minoritário para o qual to­dos entraremos com o passar dos anos. Mais do que tudo, a psicologia positiva para muitos deveria contra-atacar as profecias autorrealizáveis relacionadas à perda per­cebida de capacidades quando se envelhe­ce. Isso preveniria o que se chamou de recessão psicológica, a deterioração desne­cessária das faculdades mentais com a ida­de avançada (vide Snyder, no prólogo a Williamson, Shaffer e Parmalee, 2000).

Para muitos, um último objetivo da psicologia positiva seria o de preservar o que é de todos, o commons, em inglês. Essa noção vem de tempos antigos, nos quais os povoados tinham áreas de pastagem cen­trais que eram compartilhadas por todos os proprietários de gado. Com o passar do tempo, o termo passou a estar relacionado a recursos ambientais, como a água, a ma­deira, o solo, os minerais e o petróleo, que possam beneficiar muitas pessoas. O pro­blema, claro, é que os recursos naturais são limitados, e - se não fizermos algo para limitar os desejos individualistas de usá-los - eles serão esgotados (vide Edney e Harper, 1978). A psicologia positiva ensi­naria as pessoas a como trabalhar conjuntamente e a agir coletivamente para pre­servar nossos recursos naturais. Trabalhan­do juntos em unidades menores, as pesso­as têm mais probabilidades de cooperar e assumir responsabilidades por suas ações individuais (vide Dawes, 1980), garantin­do assim que os preciosos recursos natu­rais ainda estejam disponíveis para nossos filhos.

Os jovens e a educação em Psicologia positiva

Ainda é muito cedo para avaliar se a psicologia positiva está atraindo novas coortes de estudantes para que usem essa abordagem como base de suas carreiras acadêmicas e aplicadas. A educação será crucial para essa futura migração de estu­dantes em direção à abordagem que a psicologia positiva tem da pesquisa e da prá­tica. Os livros-texto e os professores de in­trodução à psicologia já estão incluindo a cobertura do campo. Igualmente, cerca de 100 universidades e faculdades instituíram cursos de graduação e pós-graduação que apresentam aos alunos os princípios da psicologia positiva. A existência deste e de outros livros-texto sobre o tema é um sinal do crescimento desses cursos.

À medida que esses alunos de gradua­ção avançarem na faculdade, também irão ler vários livros com conteúdo de psicolo­gia positiva como parte de disciplinas opcionais nos temas de personalidade, di­ferenças individuais, saúde, psicologia anormal e psicologia clínica, para citar ape­nas alguns. Na verdade, na última década, houve uma explosão de livros dedicados a vários tópicos em psicologia positiva.

Os professores também usarão filmes como recurso auxiliar no ensino de psico­logia positiva. Por exemplo, estão disponí­veis dois filmes de meia hora sobre a ciên­cia das qualidades humanas, nos quais renomados estudiosos da psicologia posi­tiva apresentam suas visões em conversas com leigos que vão desde adolescentes até pessoas de 90 anos. Os filmes se concen­tram em tópicos importantes, como encon­trar as próprias qualidades principais, es­colher trabalhos que sejam adequados aos talentos da pessoa, preservar a saúde e en­velhecer bem. Os títulos dos filmes são Introducing positive psychology: personal well-being, Social support, Health, and aging well e Introducing positive psychology: signature strengths, flow, and aging well.

Em nível de pós-graduação, os prin­cípios da psicologia positiva estão nas ba­ses de todas as ofertas da Universidade Gallup e estão aparecendo em programas de doutorado em orientação, psicologia clínica, saúde, psicologia social, psicologia infantil e educação especial. Mais do que isso, o primeiro programa de pós-gradua­ção voltado totalmente à psicologia positi­va é o mestrado em Psicologia Aplicada, que foi iniciado na Universidade da Pensilvânia. Esse programa aplicado se destina a ajudar as pessoas que estão tra­balhando em tempo integral a aprender a usar a abordagem baseada em qualidades para beneficiar várias clientelas. Se você tem interesse em aprender mais sobre esse programa pioneiro, visite a página na in­ternet www.sas.upenn.edu/CGS/graduate/mapp.

Para aprender mais sobre psicologia positiva, você pode visitar outras páginas na internet. As principais são as seguintes:

  • www.positivepsychology.org/
  • www.apa.org/science/positivepsy.html
  • www. authentichappiness.org
  • www.bus.umich.edu/Positive/
  • www.divl7.org/positivepsychology

Além disso, você pode participar de uma lista de discussão sobre psicologia positiva em http://www.ppc.sas.upenn.edu/listservsignup.htm.
Para os jovens pesquisadores que de­sejam aprender mais sobre a abordagem experimental a partir de líderes experien­tes no setor, o Positive Psychology Institute acontece todos os verões. Além disso, a [431] Positive Psychology Network financia mais de 150 acadêmicos de todo o mundo. Por fim, estão surgindo centros de psicologia positiva, e atualmente já existem nos se­guintes lugares: Filadélfia, Pensilvânia; Urbana-Champaign, Illinois; Claremont, Califórnia e Ann Arbor, Michigan.

Embora as informações discutidas nes­ta seção certamente sugiram que estão apa­recendo novas oportunidades para estudan­tes interessados na psicologia positiva, ain­da não sabemos se o número dos que são atraídos para esse enfoque está crescendo. Pode passar uma década antes que consiga­mos avaliar se há aumentos confiáveis na quantidade de alunos que buscam a psico­logia positiva de uma forma ou de outra.

 

Visões de especialistas sobre a Psicologia positiva do século XXI

Se a psicologia positiva irá verdadei­ramente prosperar no século XXI depen­de, em nossa avaliação, de como ela [433] tratará diversos desafios potenciais, explorados anteriormente neste capítulo. Para apresen­tar outras visões do desafio que temos à nossa espera, contatamos vários especia­listas e lhes pedimos que nos apresentas­sem suas visões sobre questões fundamen­tais. Nesta seção, apresentamos as visões desses especialistas. [434]

A Força da atitude: as histórias de Johnsy e Jerry

Neste livro, mostramos numerosos exemplos da força intensa da mente hu­mana para melhorar a vida das pessoas. No que talvez seja um dos contos mais bo­nitos da literatura inglesa, A última folha, O. Henry (1945) fala dessa força, assim como das muitas páginas de pesquisas que citamos. Na história, uma jovem chamada Johnsy contrai pneumonia, e em pouco tempo a situação piora a ponto de colocar sua vida em risco. É inverno, e Johnsy fica mais doente a cada dia que passa. Fora de seu quarto, ela enxerga pela janela uma hera na parede e se convence de que essa planta vai prever sua morte iminente. Johnsy conclui que, quando a hera perder sua última folha, ela também perecerá e por isso passa as horas em que está acor­dada olhando pela janela, vendo as folhas caírem uma a uma.

Para sua surpresa, uma folha perma­nece na planta mesmo quando o inverno se aprofunda. Certamente, isso é um pressá­gio, um sinal de milagre, pois essa única fo­lha teimosa se agarra à vida. Vendo isso, Johnsy se convence cada dia mais de que ela também foi escolhida para viver. E ela vive, trocando um prognóstico ruim por um bom. Quando está totalmente recuperada, Johnsy descobre que um artista amigo seu havia pintado essa última folha na parede em que a hera cresceu! Mas isso não é im­portante para ela nesse momento, pois ela se dá conta de que foi a força de sua mente que alimentou sua vitória sobre a pneumonia.

O. Henry entendeu o poder das ex­pectativas que podem se formar na mente humana. Da mesma forma, a moderna psi­cologia positiva nos ensina que aquilo que acreditamos que irá acontecer muitas ve­zes acontece. Pense e sinta coisas boas, e essas coisas terão mais probabilidades de acontecer. É claro que isso não significa que você pode simplesmente sentar inerte e esperar pelo que é bom; em lugar disso, você pode ter que trabalhar duro, muito duro. No entanto, ao pensar que pode sobreviver, como Johnsy e sua folha, você tem mais probabilidades de viver, e de vi­ver bem. Não importava que a folha não fosse “real”, pois no lugar mais importan­te, na mente de Johnsy, ela o era. E o amor e o carinho de seu amigo artista também eram reais.

Semelhante à boa atitude de Johnsy, examine a atitude de Jerry [443] (Baltazar Schwartz, http://pr.erau.edu/—madler/atttitude.html). Sempre de bom humor, Jerry conseguia dizer algo positivo em qua­se qualquer situação. Sua resposta favori­ta, quando lhe perguntavam como ele ia, era: “Se melhorar, estraga”.

Para Jerry, a vida era uma questão de escolhas. Sua visão era que é possível op­tar por se sentir bem ou mal. Como geren­te de um restaurante, sua atitude foi testa­da um dia em que ladrões armados entra­ram no restaurante e atiraram nele. Leva­do às pressas ao pronto-socorro, ele viu os rostos sombrios de médicos e enfermeiros. As expressões deles diziam: “Esse cara está morto”. Naquele momento, a enfermeira-chefe perguntou se ele era alérgico a algu­ma coisa. Jerry disse que era, e a sala ficou em silêncio enquanto todos esperavam por uma resposta. Jerry gritou: “Sou alérgico a BALAS!”. As pessoas na sala explodiram em risos, e Jerry lhes disse que estava es­colhendo viver. E, depois de horas de ci­rurgia minuciosa, ele realmente viveu.

As histórias de Johnsy e Jerry mos­tram a força das atitudes positivas. Não apenas podemos viver, como também po­demos viver bem se acreditarmos. Na ver­dade, a história contada pela psicologia positiva e a ciência sobre a qual ela é construída nos deixam com uma atitude fortalecedora: “Podemos!”.

Anexo: Ciências sociais positivas 

Dr. Martin E. P. Seligman

Em sua biografia de Franklin e Eleanor Roosevelt, uma destacada cientista política analisa a busca incansável de Eleanor pela justiça para pobres e negros como uma tentativa de compensar o alcoolismo de seu pai e o narcisismo de sua mãe. A possibili­dade de que Eleanor estivesse simplesmen­te em busca da virtude não é cogitada. As pesquisas em psicologia passaram meio século documentando os muitos efeitos mentais negativos do isolamento, do trau­ma, do abuso, da doença física, da guerra, da pobreza, da discriminação, da morte precoce dos pais e do divórcio. Mas esse foco permanente no negativo deixou a psi­cologia cega para os muitos casos de cres­cimento, superioridade, força e visão que se desenvolvem a partir de eventos inde­ sejáveis e dolorosos.

De que forma as ciências sociais pas­saram a ver as qualidades e as virtudes hu­manas (altruísmo, coragem, honestidade, dever, alegria, saúde, responsabilidade e ânimo) como ilusões reativas, defensivas ou simples enganos, em que os defeitos e as motivações negativas (ansiedade, cobiça, egoísmo, paranoia, raiva, transtorno e tristeza) são considerados autênticos?

Quando enfrenta ameaças militares, pobreza, revolta social ou falta de merca­dorias, uma cultura se preocupa mais com questões relacionadas ao lado negativo da vida. As ciências que ela sustenta estarão ligadas à defesa e ao dano. A psicologia moderna, dessa forma, tem se preocupado com a cura. Em termos gerais, entende o funcionamento dentro de um modelo ba­seado na doença, e seu principal modo de intervenção tem sido consertar o dano. Teoricamente, tem sido uma vitimologia em que os seres humanos são vistos como passivos, “respondendo” a estímulos externos, ou consumidos por conflitos não-resolvidos ditados por traumas de infância, ou movidos por necessidades de pele, pulsões e instintos, ou como vítimas inde­fesas de forças culturais e econômicas opressivas.

Nos poucos momentos na história em que as culturas foram prósperas, viveram [444]  em paz e tiveram estabilidade, algumas delas redirecionaram suas atenções, das preocupações com a defesa e o dano à pro­moção das mais elevadas qualidades na vida. Ao fazê-lo, essas culturas têm dado contribuições monumentais ao progresso humano. A Atenas do século V a.e.c., a In­glaterra vitoriana e a Florença do século XV são exemplos disso.

A prosperidade de Atenas estimulava a filosofia, que fez nascer uma nova forma de política, a democracia. A Inglaterra vitoriana, sustentada por um império ge­neroso, cultuava a honra, a disciplina e o dever. Os negócios de lã e bancos de Flo­rença fizeram dela a cidade-estado mais rica e mais estável da Europa. Florença decidiu dedicar grande parte de seu exce­dente não a se tornar a cidade mais pode­rosa da Europa, e sim à criação da beleza.

Acredito que os Estados Unidos de hoje estão entrando em um momento como esse em termos de história do mundo. Não estou propondo que construamos um mo­numento estético, e sim um monumento científico humano, ou seja, que as ciências sociais, trabalhando em nível individual, assumam como sua missão a definição, medição e promoção da realização e da vontade humanas; trabalhando em nível coletivo, assumam a virtude cívica como seu tema específico. Minha visão é de que as ciências sociais irão finalmente enxer­gar além do corretivo e escapar do sensacionalismo que as tem marcado, que irão se tornar uma força positiva para se en­tenderem e promoverem as mais elevadas qualidades da vida cívica e pessoal.

A psicologia corretiva teve suas vitó­rias, especialmente como ciência da doen­ça mental. Como resultado disso, as cau­sas de pelo menos 10 das principais doen­ças mentais foram esclarecidas e esses transtornos podem ser aliviados em mui­to, atualmente, por meio de intervenções farmacológicas e psicológicas. Todavia, tris­temente, enquanto sondava as profundezas daquilo que a vida tem de pior, a psicolo­gia perdeu a conexão com o lado positivo, isto é, o conhecimento sobre o que faz com que a vida humana valha a pena ser vivi­da, seja mais gratificante, mais agradável e mais produtiva.

Essa ciência é possível. As principais teorias psicológicas mudaram para dar sus­tentação às qualidades humanas e à res­ponsabilidade. Nem todas as teorias domi­nantes continuam vendo o indivíduo como passivo; em vez disso, os indivíduos são considerados agora como tomadores de de­cisões, com opções, preferências e a pos­sibilidade dé se tornarem superiores, efi­cazes ou, em circunstâncias negativas, in­defesos e desesperançosos. Temos um cam­po de medição no qual os estados negati­vos de depressão, medo, anomia, agressão e desespero podem ser avaliados de ma­neira confiável e válida. Temos um campo que é capaz de investigar os estados cere­brais relevantes e a neurofarmacologia.

Nosso campo desenvolve métodos experi­mentais engenhosos e sofisticados mode­los causais para investigar como a expe­riência molda esses estados e como eles se desenvolvem no decorrer da vida. E fomos pioneiros nas intervenções que se mostra­ram eficazes para desfazer esses estados indesejáveis. Agora, podemos nos servir desses mesmos métodos para medir e en­tender como construir qualidades huma­nas e virtudes cívicas.

Esse tipo de atividade científica não é uma quimera. Há corpos empíricos viá­veis de conhecimento sobre o flow e sobre o otimismo, por exemplo, mas eles repre­sentam apenas uma pequena fração do corpus das ciências sociais. A investigação minuciosa das qualidades pessoais e da virtude cívica não acontecerá de forma fácil ou barata. Ela pode ser o “projeto da bom­ba atômica” no campo das ciências sociais, mas, para tanto, serão necessários recur­sos substanciais.

As ciências sociais do século XXI te­rão como efeito colateral útil a possibili­dade de prevenção de doenças mentais [445] graves, pois há um conjunto de qualidades humanas que provavelmente protege con­tra as doenças mentais: coragem, otimis­mo, habilidade interpessoal, ética profissi­onal, esperança, responsabilidade, mente voltada para o futuro, honestidade e per­severança, para citar algumas. E isso terá como efeito direto um entendimento cien­tífico da prática da virtude cívica e da bus­ca pelas melhores coisas na vida. [446]

Psicologia - Psicologia positiva
10/20/2020 2:47:16 PM | Por Charles Richard Snyder
O equilíbrio Eu-Nós - construindo comunidades melhores

Neste capítulo, usamos como base duas motivações humanas importantes. A primeira é o foco individualista, no qual se busca ser especial em relação aos outros. Uma segunda motivação é o foco coletivista, no qual se tenta maximizar o vínculo com os outros (Bellah, Madsen, Sullivan, Swidler e Tipton, 1985, 1988; Snyder e Fromkin, 1980). Inicialmente, exploramos o foco in­dividualista em uma pessoa - o EU - segui­do de um foco coletivista em muitas - o NÓS. Por fim, propomos uma mescla de um com muitos - o NÓS/EU, ou, mais simples­mente, o coletivo. Essa postura representa uma entremescla na qual indivíduo e grupo são considerados essenciais para vidas satisfatórias e produtivas. Em nossa visão, a perspectiva do coletivo reflete uma reso­lução viável, baseada na psicologia positi­va, para o futuro da humanidade.

Individualismo: a Psicologia do Eu

Nesta seção, mencionamos a história dos Estados Unidos, marcada pelo indivi­dualismo bruto (também discutido no Ca­pítulo 2), junto com as ênfases central e secundária que definem uma pessoa como individualista. A seguir, discutimos um as­ pecto do individualismo, a necessidade de singularidade, e mostramos como isso pode ser avaliado e manifestado em diversas ati­ vidades.

Uma breve história do individualismo nos Estados Unidos

Desde a publicação Democracia na América, Alexis de Tocqueville (1835/ 2003), os Estados Unidos têm sido conhe­cidos como a terra do “individualismo ru­de”. A essência dessa visão é que qualquer pessoa com uma boa ideia, por meio do trabalho esforçado, pode atingir seus objetivos pessoais. Nas palavras de Tocque­ ville, os norte-ame­ricanos “formam o hábito de pensar em si mesmos isolada­mente e imaginar seu destino todo em suas próprias mãos” (p. 508). Esse indi­vidualismo estava relacionado à ênfa­se norte-americana [397] em direitos iguais e liberdade (Lukes, 1973), bem como à sua economia de cará­ter capitalista e às suas fronteiras abertas (Curry e Valois, 1991). Desde o estabeleci­mento da independência dos Estados Uni­dos em 1776, esse individualismo rude se transformou na “geração do eu” que do­minou dos anos 1960 até o início dos anos de 1990 (Myers, 2004).

infases do individualismo

Quando a preocupação com o indiví­duo é maior do que a preocupação com o coletivo, diz-se que a cultura é individualista, mas, quando cada pessoa está muito preocupada com o grupo, a sociedade é coletivista. Como se pode ver na Figura 18.1, quando uma pessoa média de uma sociedade está posicionada para a indepen­dência individual, essa sociedade é consi­derada individualista (vide a curva em for­ma de sino, desenhada com uma linha tracejada).

Figura 18.1

Entases centrais

Usamos os termos ênfases centrais e ênfases secundárias para captar os aspec­tos mais ou menos centrais das sociedades individualistas e coletivistas. Também pre­paramos o Quadro 18.1 para ajudar o lei­tor a entender as ênfases centrais e secun­dárias dentro das perspectivas individua­ listas e coletivistas.

Quadro 18,1

Como se vê na parte superior do Qua­dro 18.1, as três ênfases centrais do indi­vidualismo são o sentido de independên­cia, o desejo de se destacar em relação aos outros (uma necessidade de singularida­de) e o uso de si ou do indivíduo como unidade de análise ao pensar sobre a vida. Discutimos cada uma dessas ênfases cen­ trais a seguir.

Subjacente a cada cultura, há um con­junto de expectativas e memórias em rela­ção ao que se considera adequado para os membros de cada sociedade. Em socieda­des individualistas como os Estados Uni­dos, os padrões sociais lembram o de um tecido de trama frouxa, e a norma é que cada pessoa se considere independente do grupo ao seu redor (Triandis, 1995). So­bre isso, as pesquisas que envolvem mui­tos estudos sustentam a conclusão de que o individualismo norte-americano reflete um sentido de independência, em lugar de dependência (vide Oyserman, Coon e Kem- melmeier, 2002).

Uma segunda ênfase central do indi­vidualismo é o fato de a pessoa querer se [398] destacar da população como um todo. Em sociedades individualistas, portanto, as pessoas seguem suas próprias motivações e preferências em lugar de ajustar seus de­sejos para acomodá-los em relação aos do grupo (às vezes chamado de conformar-se'). Sendo assim, a pessoa individualista esta­belece objetivos pessoais que podem não estar em sintonia com os do grupo ao qual pertence (Schwartz, 1994; Triandis, 1988, 1990). Em função da propensão individu­alista a manifestar o caráter especial da pessoa, acoplada com apoio social a ações que demonstrem essa individualidade, os cidadãos das sociedades individualistas como os Estados Unidos têm uma grande necessidade de singularidade. As pesqui­sas relacionadas a essa questão sustentam a consistência dos pensamentos e ações em busca da singularidade entre os norte-ame­ricanos (por exemplo, Snyder e Fromkin, 1977, 1980).

Investigamos mais essa mo­tivação fascinante em maiores detalhes, posteriormente. Uma terceira ênfase central do indivi­dualismo é que o próprio eu, ou a pessoa, é a unidade de análise para se entender como as pessoas pensam e agem em uma sociedade. Ou seja, as explicações para os eventos provavelmente estarão relaciona­das à pessoa em lugar de ao grupo. Por­ tanto, as várias definições de individualis­mo se baseiam em visões de mundo nas quais os fatores pessoais são enfatizados em detrimento de forças sociais (Bellah et al., 1985; Kagitcibasi, 1994; Triandis, 1995).

Ênfases secundárias

Várias ênfases secundárias fluem do foco individualista no eu em vez de no gru­po. Elas estão listadas no Quadro 18.1. Os objetivos estabelecidos pelos cidadãos para uma sociedade individualista geralmente estão voltados à própria pessoa, e o suces­so e as satisfações relacionadas a ele tam­bém funcionam em nível individual. Dito [399] de forma simples, as compensações acon­tecem no plano pessoal em lugar do cole­tivo. A pessoa individualista busca aquilo que lhe agrada, em contraste com a pes­soa coletivista, que deriva seus prazeres de coisas que promovam o bem-estar do gru­po. É claro que o individualista, às vezes, pode seguir normas coletivas, mas isso ge­ralmente acontece quando ele deduziu que é pessoalmente vantajoso.

Como já pode ter ficado óbvio, os in­dividualistas se concentram no prazer e em sua própria autoestima quando se trata de relacionamentos interpessoais e em outras áreas. Eles também pesam as desvantagens e as vantagens dos relacionamentos antes de decidir se investem neles (Kim, Sharkey e Singelis, 1994). A pessoa individualista realiza análises de benefícios para deter­minar o que pode lucrar a partir deles, ao passo que os coletivistas têm mais proba­bilidades de dar seu apoio incondicional a seu grupo e pensar, acima de tudo, em seus deveres para com ele. Ao contrário dos in­dividualistas, os coletivistas têm menos pro­babilidades de se comportar de forma es­pontânea em função de suas preocupações com seu grupo de pares. Os individualistas tendem a ter um pensamento de curto prazo, ao passo que os coletivistas têm padrões de mais longo prazo. Por fim, como mos­trado no Quadro 18.1, as pessoas nas so­ciedades individualistas muitas vezes são um tanto informais em suas interações com as outras, enquanto as das sociedades cole­tivistas são mais formais, já que seguem normas esperadas e importantes que de­terminam esses comportamentos. (Para uma discussão minuciosa de todas essas ênfases secundárias, recomendamos o ar­tigo de Oyserman et al., 2002.)

Exemplos pessoais de individualismo

Em algum ponto de minha caminha­da rumo à vida adulta, eu (C.R.S.) assumi o individualismo rude e passei a acreditar que pedir ajuda não era uma boa opção.

Durante a minha infância, devo ter recebi­do o conselho de não recorrer aos outros. Por alguma razão, eu estava pensando so­bre essa minha máxima orientadora en­quanto escrevia este capítulo hoje, domin­go, 26 de dezembro de 2004, quando com­pleto 60 anos.

A medida que vamos crescendo, todos recebemos muitas mensagens da comu­nidade em que estamos inseridos. Algumas têm sentido, mas muitas não o têm. Embo­ra essa lição que diz para não pedir ajuda esteja na segunda categoria, entendo seu poder de sedução. Talvez ela possa estar relacionada a nosso enraizamento no indi­vidualismo rude, no qual aprendemos as recompensas de realizar alguma coisa to­talmente por conta própria. Entretanto, isso pode ser realmente absurdo, pois, mesmo quando pensamos que estamos fazendo alguma coisa totalmente “por conta pró­pria”, na verdade estamos usando idéias e invenções de nossos ancestrais para che­gar a nossos objetivos. Outras vezes, é simplesmente tolo não se dirigir aos demais e fazer a simples pergunta: “Você pode me dar uma mão aqui, por favor?”.

Há muitos exemplos de minha tola adesão a essa regra de não pedir ajuda, mas um será suficiente. Quando fazia pós-gra­duação, eu me orgulhava de carregar o maior número de sacolas de compras que conseguia agarrar. Com duas sacolas de papel em cada braço, caminhava com difi­culdades até a porta do meu edifício. Nes­se momento, eu me deparava com um di­lema: como destrancar e depois abrir a enorme porta de entrada enquanto segu­rava as quatro sacolas. Embora vários vizi­nhos passassem por mim, e alguns até se oferecessem para ajudar, eu não aceitava. Colocar as sacolas no chão também repre­sentava uma outra violação distorcida da regra de não pedir ajuda. Em lugar disso, passava por uma sessão de equilíbrio na qual tentava tirar as chaves do bolso das calças, achar a chave certa, colocá-la na fechadura e abrir a porta, tudo isso enquan­to equilibrava as sacolas de compras. [400] 

É claro que você consegue imaginar o que acontecia, às vezes: eu derrubava as sacolas. Outras vezes, os sacos de papel se rasgavam e as coisas caíam no chão. Uma vez, isso aconteceu durante uma rara tem­ pestade de neve em Nashville. Depois de cair de costas, com minhas compras espa­lhadas à minha volta, fiquei na neve, rin­do. Foi então que mudei minha política de não pedir ajuda e desde então não me arrependi. Nem uma única vez.

Desde aqueles tempos de pós-gradua­ção, descobri que as pessoas estão mais do que dispostas a ajudar quando peço. Ajudar os outros faz que as pessoas se sintam bem.

Uma síntese do individualismo

A perspectiva individualista parece estar centrada nos três elementos funda­mentais mostrados no Quadro 18.1 - in­dependência, singularidade e o eu como unidade de análise. Em relação a se os nor­te-americanos têm elevado individualismo, a conclusão baseada no corpo de pesquisa reunido parece ser um sim qualificado. Na análise mais sofisticada dessa questão ge­ral, Oyserman e colaboradores (2002) con­cluíram que os euro-americanos eram mais individualistas do que os membros de ou­tros países, no sentido de valorizar a inde­pendência pessoal. Oyserman e colabora­dores também concluíram, contudo, que os euro-americanos não eram mais individua­listas do que os afro-americanos ou os nor­te-americanos de origem latino-americana.

A necessidade de singularidade

Olhemos mais uma vez a Figura 18.1. Embora seja verdade que as normas das sociedades individualistas enfatizam a pes­soa (vide a linha tracejada com uma seta na parte de baixo), você observará que al­gumas pessoas se situam mais próximas ao extremo coletivo do contínuo e outras se aproximam do extremo individual. A esse respeito, examinamos agora o desejo de manifestar um caráter especial em relação a outras pessoas.

A busca de objetivos individualistas para produzir uma sensação de ser espe­cial foi chamada de necessidade de sin­gularidade (vide Lynn e Snyder, 2002; Snyder e Fromkin, 1977,1980). Diz-se que essa necessidade teria algum apelo univer­sal, à medida que as pessoas buscam man­ter algum grau de diferenciação em rela­ção às outras (assim como manter um laço com outras pessoas). Na década de 1970, os pesquisadores Howard Fromkin e C. R. Snyder (vide Snyder e Fromkin, 1977, 1980) participaram de um programa de pesquisa baseado na premissa de que a maioria das pessoas tem um desejo de ser especial em relação às demais. Eles cha­maram essa motivação humana de necessi­dade de singularidade. Mais do que estabe­lecer que a maioria das pessoas em suas amostras de norte-americanos desejava ser especial de alguma forma, tais pesquisa­dores também argumentaram que algumas pessoas têm uma elevada necessidade de singularidade, ao passo que outras a têm baixa. Resumindo, há diferenças indivi­duais na necessidade de singularidade.

Codificação da informação sobre semelhança

As pessoas definem a si mesmas se­gundo uma série de dimensões de identi­dade. Uma dimensão de identidade é “um conjunto de atributos da pessoa que têm em comum um núcleo de sentido” (Miller, 1963, p. 676). Em sua teoria da singulari­dade, Snyder e Fromkin (1980) propuse­ram que as pessoas pensam sobre sua se­melhança percebida com outras e usam uma dimensão (em suas mentes) na qual elas avaliam o quanto qualquer feedback em relação a sua semelhança com outras pessoas parece correto (tecnicamente, isso é codificado em um esquema de identidade da singularidade). Em poucas palavras, as pessoas avaliam a aceitabilidade de ter graus variados de semelhança com outras pessoas. Essas codificações hipotéticas da dimensão de identidade de singularidade são mostradas na Figura 18.2.

Figura 18.2

Como se pode ver na Figura 18.2, a informação sobre semelhança é codificada cada vez mais alta em termos de aceitabi­lidade, desde a muito leve, passando por leve, até a moderada a altos níveis de [403] semelhança percebida com outros. Dessa forma, a sensação de semelhança moderada a alta é classificada como a mais confortável e mais precisa para as pessoas, porque elas enten­dem que a maioria das outras é, em algum grau, semelhante a elas (vide Brown, 1991) e que as pessoas desejam ser especiais de alguma forma. Em outras palavras, em ter­mos da realidade como as pessoas realmente aperceberam e como elas queriam que fosse, elas preferem a faixa moderada a alta em termos de semelhança (os pontos C e D na Figura 18.2). Por fim, as pessoas não ficam confortáveis com os extremos de baixa se­melhança (ponto A da Figura 18.2) ou alta (ponto E da Figura 18.2).

Reações emocionais e comportamentais às informações sobre semelhança

Quando lhe são apresentados os di­versos graus de semelhança percebida que produzem as codificações de aceitabilidade da Figura 18.2, as pessoas devem ter as reações emocionais mais positivas quando percebem que são altamente semelhantes às outras (o ponto D da Figura 18.2). Coe­rente com essa hipótese, a pesquisa de Bryne (1969,1971; Bryne e Clore, 1970) e as iniciativas de Snyder e Fromkin (1980;vide, também, Lynn e Snyder, 2002) deram sustentação às reações emocionais mostra­ das na Figura 18.3. Mais especificamente, as reações emocionais das pessoas se tor­nam mais e mais positivas à medida que os níveis de semelhança aumentam de muito leve a leve, chegando a moderado e a alto, tomando-se negativos quando o ní­vel de semelhança entra na faixa de muito alto. (Para predições e conclusões seme­lhantes, vide as pesquisas da psicóloga Marilyn Brewer [1991], da Universidade Estadual de Ohio, e de Brewer e Weber[1994].) Observe que as reações emocio­nais mais positivas ocorrem quando as pes­soas percebem que têm um grau de seme­lhança relativamente moderado a alto, [404] mostrando assim, o prazer maior que deri­va dos laços humanos.

Figura 18.3

Pode ser interessante dar um exem­plo de como a semelhança moderada com outra pessoa é emocionalmente satisfató­ria. O autor principal (C.R.S.) trabalhou certa vez com uma jovem chamada Molly, que estava tendo dificuldades em seus na­moros na faculdade. Inicialmente, ela disse que seria muito divertido e excitante que os rapazes fossem muito diferentes dela em termos de interesses. Ela era filha de pro­fessores universitários e, rebelando-se con­tra a formação de seus pais, suas primei­ras tentativas de namoro na faculdade fo­ram o que ela depois chamou, pejorativa­mente, de “fase da caminhonete” (ou seja, ela saía com gente que as possuía). Esses rapazes não levavam a faculdade a sério e passavam muito tempo bebendo e mexen­do no motor de suas caminhonetes. Depois de um ano na faculdade, ela se estabele­ceu em um padrão - passou a sair com homens que compartilhassem alguns de seus interesses e valores com relação a um bom desempenho na faculdade, mas que estavam estudando outras coisas. Esses jo­vens deram a ela uma sensação de seme­lhança moderada a alta, e ela contou estar muito mais feliz do que havia sido com os “caras das caminhonetes”, os quais não se pareciam muito com ela.

A aceitabilidade das reações que re­sultam do grau de semelhança percebida com outras pessoas (vide a Figura 18.2) também podem fazer que se mudem os comportamentos reais para se tornar mais ou menos semelhantes a outra pessoa. Mais especificamente, a aceitabilidade mais positiva (ou seja, alta semelhança) não [405] apenas produz as reações emocionais mais positivas, mas também deve resultar na inexistência de necessidades de quaisquer mudanças comportamentais em relação a outras pessoas. Por outro lado, o nível de semelhança muito leve com outros gera bai­xa aceitabilidade, e as pessoas deveriam mu­dar para se tornar mais parecidas. Além dis­so, o nível muito alto de semelhança com outras pessoas é baixo em aceitabilidade, de forma que as pessoas devem mudar para se tornar menos semelhantes às outras. Nesse último sentido, como a necessidade que as pessoas têm de singularidade não está sendo satisfeita, elas precisam se esfor­çar para restabelecer suas diferenças.

Coe­rente com essas reações comportamentais previstas, os resultados de vários estudos (vide a Figura 18.4) sustentaram esse pa­drão proposto (Snyder e Fromkin, 1980). Para ilustrar como as pessoas podem realmente mudar em função do feedback de que são extremamente semelhantes a outras, veja as reações de uma jovem cha­mada Shandra. Depois de entrar para uma irmandade no início da faculdade, ela de­veria usar as mesmas roupas de suas irmãs sempre que participava de viagens coleti­vas. Desde o início, Shandra reagiu negati­vamente ao que chamava de “requisitos de uniforme” que lhe estavam sendo impostos.

Figura 18.4

Em uma tentativa ousada de romper e afirmar sua singularidade, Shandra co­meçou a usar roupas que diferiam de suas colegas de irmandade. As “irmãs” tentavam fazer com que ela se enquadrasse, mas ela resistiu em seu desejo de se vestir de for­ma distinta. Na verdade, ela acabou se desligando dessa irmandade em função da re­ação delas a seu desejo de se vestir de ma­neira diferente.

Tomadas em seu conjunto, essas con­clusões sugerem que as pessoas são atraí­das por níveis moderados a altos de [406] semelhança percebida com os outros seres hu­manos, mas há limites máximos para esse desejo de vínculo humano. Além disso, parece haver um desejo de equilibrar a se­melhança percebida, de forma que ela se mantenha em nível elevado. As pesquisas mostram que as pessoas são motivadas por uma necessidade de singularidade quan­do se sentem muito semelhantes, e que lutarão por semelhança quando se senti­rem diferentes demais. A maioria de nós tem um equilíbrio entre as motivações do “eu” e do “nós”, de forma que, assim como um desejo extremo de singularidade pode levar a uma disfunção no relacionamento com outros e à potencial exclusão social, um desejo extremo de semelhança pode le­var a uma tal imersão em “estar sozinho” que se perca a força nos relacionamentos interpessoais.

O desenvolvimento da escala da necessidade de singularidade

Com base nas predições teóricas e nas descobertas discutidas anteriormente so­bre o comportamento relacionado à singu­laridade, Snyder e Fromkin (1977) propu­seram que deve haver diferenças individu­ais na necessidade de singularidade medi­da por autoavaliação. Portanto, eles desen­volveram e validaram a Escala da Necessi­dade de Singularidade (Need for Uniqueness Scale, Snyder e Fromkin, 1977). Essa esca­la de autoavaliação consta do Anexo, e - se você quiser ter uma ideia de seu próprio desejo de ser especial por meio da escala - consulte esse anexo.
A escala de necessidade de singulari­dade já foi traduzida em várias línguas e administrada a milhares de pessoas ao lon­go dos anos. Um escore médio está em torno de 100; os escores mais altos do que isso refletem níveis cada vez mais elevados de necessidades de singularidade (Snyder e Fromkin, 1977, 1980). As pessoas com escore mais alto nessa escala também têm autoestima mais elevada e menos ansieda­de, especialmente em relação a questões interpessoais.

Ao pensar sobre a escala de necessi­dade de singularidade, contudo, é impor­tante ter em mente que esses escores ava­liam a necessidade de ser especial, mas, em muitos casos, essa necessidade se tra­duz em comportamentos e ações concre­tos que representam essa especialidade. Por exemplo, em discussões subsequentes so­bre atributos de singularidade, você sabe­rá que as pessoas com alta necessidade de singularidade, medida por seus escores nessa escala, realmente manifestam com­portamentos que representam esse caráter especial.

Atributos da singularidade

Tendo explorado a necessidade pes­soal de singularidade, descrevemos agora os processos sociais aceitáveis pelos quais nossas necessidades de singularidade são atendidas. As pessoas são punidas quando se desviam dos comportamentos normais ou esperados em uma sociedade (Goffman, 1963; Schachter, 1951). Sendo assim, os comportamentos incomuns podem rapida­mente gerar desaprovações e rejeições por parte da sociedade (vide Becker, 1963; Freedman e Doob, 1968; Goffman, 1963; Palmer, 1970; Schur, 1969). Por outra pers­pectiva, seguir as regras (comportamento normal) geralmente não gera muitas rea­ções em outras pessoas.

De que forma, portanto, as pessoas vão demonstrar seu caráter especial? Felizmen­te, cada sociedade tem alguns atributos acei­táveis por meio dos quais os cidadãos po­dem mostrar suas diferenças, que são chamados de atributos de singularidade. Sobre isso, Snyder e Fromkin (1980, p. 107) es­ creveram: “Há uma série de atributos (físi­cos, materiais, informacionais, vivenciais, etc.) que são valorizados porque definem a pessoa em sua diferença com relação a seu grupo de referência e que, ao mesmo tem­po, não desencadeiam as forças da rejeição [407] e isolamento em função do desvio. Apre­sentamos exemplos desses atributos de sin­gularidade nas seções que seguem.

As mercadorias como atributos de singularidade

William James (1890), um dos primei­ros e mais famosos psicólogos, afirmou que as pessoas muitas vezes definem a si mes­mas segundo o que possuem. Portanto, não deve ser surpre­sa saber que somos atraídos por mer­cadorias incomuns. É por isso que consi­deramos o anúncio “corra enquanto du­ra o estoque” tão se­dutor. Especialmente importante, contu­do, é o fato de que as pessoas com alta necessidade de singularidade (e não baixa), medida pela escala da necessidade de sin­gularidade, são mais atraídas por mercado­rias raras (vide Lynn e Snyder, 2002).

Várias mercadorias podem ser usadas para definir uma pessoa como singular, como roupas, carros, joias, férias e até par­ceiros especiais (vide Walster, Walster, Pi- liavin e Schmidt, 1973). É claro que os anun­ciantes estão cientes do apelo das merca­dorias especiais, já que o promovem em suas iniciativas para vender produtos. Por exem­plo, uma agência de viagens usa a mensa­gem “cada macaco não precisa estar no seu galho” para seduzir clientes potenciais a ti­rar um determinado tipo de férias; uma em­presa que produz sapatos anuncia que “as botas não vão chegar para todos os clien­tes” e um perfume é anunciado como “uma flagrância tão individual quanto você”.

Naquilo que se chamou de “catch-22 carousel”, uma situação em que “se correr o bicho pega, se ficar, o bicho come” (Snyder, 1992), os anunciantes usam os apelos da singularidade para persuadir as pessoas a comprar produtos e, depois, fazendo mu­danças anuais neles (estilos de roupas, car­ros, etc.), motivam os clientes a comprar a versão mais recente. A ironia é que, após o último anúncio baseado em singularidade ter persuadido as pessoas a comprar, elas observam que o que compraram agora é bastante comum, e outras pessoas o têm. É claro que as mudanças anuais no estilo mantêm as pessoas no impasse”.

O papel dos produtos como atributos de singularidade tem recebido atenção e sus­tentação suficiente para que os pesquisado­res desenvolvessem e validassem medidas específicas de autoavaliação voltadas a me­dir a necessidade de singularidade das pes­soas quando elas compram produtos. Por exemplo, Lynn e Harris (1997a, 1997b) ela­boraram a Escala do Desejo de Produtos Únicos (Desire for Unique Products Scale) e Tian, Bearden e Hunter (2001; vide Tian e McKenzie, 2001) validaram a Escala da Ne­cessidade de Singularidade dos Consumido­res (Consumer’s Need for Uniqueness Scale).

Os nomes próprios como atributos de singularidade

O renomado psicólogo da personali­dade Gordon Allport (1961, p. 117) escre­veu que o nome próprio pode ser “a ânco­ra mais importante de nossa identidade”. Nosso nome define nossa individualidade em um oceano de outras pessoas. Nesse sentido, você já observou que as pessoas geralmente ficam incomodadas se alguém não se lembra de seu nome após terem sido apresentadas? Da mesma forma, as pessoas se incomodam de descobrir que outra pes­soa tem o mesmo nome que elas.

Nos grandes centros urbanos, onde as pessoas se sentem desindividualizadas por­ que muita gente mora próximo, faz senti­do que os grafítes com nomes proliferem nas laterais de prédios e trens. É como se as pessoas estivessem atacando para afir­mar que são especiais ao escrever seus [408] apelidos em letras imensas. Coerente com isso, Snyder, Omens e Bloom (1977) afirmaram que pessoas com uma necessidade de singularidade mais alta devem ter um desejo maior de “mostrar seus nomes”. Sendo as­sim, esses pesquisadores fizeram que as pessoas passassem pela escala da necessi­dade de singularidade e depois assinassem seus nomes. Confirmando a hipótese, as que tinham escores mais elevados de ne­cessidade de singularidade escreveram seus nomes em tamanho maior (ou seja, a área de assinatura medida nas dimensões de comprimento e altura, controlando o nú­mero de letras em seus nomes). Em um estudo similar, Zweigenhaft (relatado em Snyder e Fromkin, 1980) submeteu a es­cala de necessidade de singularidade a um grande número de universitárias e concluiu que as que tinham escores mais elevados também tinham nomes que eram estatisti­camente incomuns.

Atitudes e crenças como atributos de singularidade

As atitudes e as crenças também ofe­recem meios para definir o self especial de uma pessoa. Na verdade, os universitários muitas vezes percebem suas atitudes e suas crenças como sendo suas características mais especiais e seus comportamentos como muito menos especiais (Fromkin e Demming, 1967, relatado em Snyder e Fromkin, 1980). Além disso, as pesquisas mostram que, quanto mais quisermos que nossas atitudes sejam diferentes, mais pen­saremos que elas realmente são diferentes (Weir, 1971). Ironicamente, contudo, quan­do se verifica se tais atitudes realmente diferem das dos pares, as pesquisas mos­tram que as atitudes supostamente espe­ciais das pessoas não são diferentes (Brandt e Fromkin, 1974, relatado em Snyder e Fromkin, 1980). Essa conclusão é análoga a um fenômeno anterior chamado de ig­norância pluralista, ou seja, a noção equi­vocada que as pessoas têm de que suas pró­prias crenças são não-conformistas (Katz e Schanck, 1938).

Obviamente, há algo satisfatório em se pensar que as atitudes e crenças são especiais, mesmo que isso seja uma ilusão (para uma demonstração des­sa ilusão, vide Snyder, 1997, 1999b).

Desempenhos como atributos de singularidade

Nossos desempenhos na sociedade também podem servir como atributos de singularidade. Nesse sentido, a busca indi­vidualista de singularidade por meio do desempenho geralmente assume uma en­tre três formas, que discutimos a seguir (vide o Capítulo 9 de Snyder e Fromkin [1980], para uma exposição completa so­bre esses tipos de desempenho).

Um primeiro tipo de desempenho é o que chamamos de competição individualis­ta normal, ou “entrar no jogo”. Como se pode ver na Figura 18.5, a pessoa inicialmente começa em um grupo no qual há regras para competir. Jogando segundo as regras, surge um vencedor, que vende mais carros, tira notas melhores, arremessa o dardo mais longe ou algo do tipo. Em ge­ral, esse vencedor deve passar a outro gru­po, no qual a competição é mais acirrada. Essa “competição normal” é muito difun­dida em sociedades ocidentais, espe­cialmente as individualistas e capitalistas. Se você é estudante universitário, por exemplo, com que frequência suas notas se basearam em uma curva (ou seja, al­guns A, B, C, D e F)?

Figura 18.5

Um segundo tipo de desempenho é a diferenciação individualista bem-sucedida, ou “virar o jogo”. As vezes, a pessoa se en­contra em um grupo em que há regras ou enunciados claramente definidos sobre a natureza da realidade. Como mostrado na Figura 18.6, a pessoa tem uma nova ideia ou maneira de jogar e decide se separar do grupo e assumir uma nova perspectiva ou ideia. Se tem êxito, com o tempo essa pes­soa poderá atrair seguidores, junto com [409] grupos contrários que podem combater essa perspectiva. É provável que cada ideia que atualmente consideramos estabelecida reflita o esforço de alguém que, em algum momento do passado, rompeu com um mo­delo ou perspectiva mais antigo.

Figura 18.6

Portanto, seja a invenção da lâmpada elétrica, a des­coberta do DNA ou a visão de que o mun­do é redondo, a civilização tem uma dívi­da de gratidão para com esses diferenciadores bem-sucedidos, porque eles nos de­ram idéias novas e melhoradas. [410] Um terceiro tipo de desempenho é o desvio individualista, ou “você não pode jo­gar”. Como mostra a Figura 18.7, isso re­sulta quando uma pessoa poderosa no grupo decide excluir um determinado mem­bro e o expulsa. Tendo sido retirada do grupo, essa pessoa é diferente, mas não de maneira positiva, como é o caso de diferenciadores bem-sucedidos que têm suas vi­sões especiais aceitas. Em lugar disso, o desviante perde o respeito dos outros, e - mesmo que possam ter alguns seguidores - a história mostra que essas pessoas são marginalizadas, sem qualquer impacto so­bre o pensamento da maioria das pessoas. Não podemos dar um exemplo histórico de pessoas que sejam exemplos de “você não pode jogar”, porque elas não tiveram qual­quer impacto com suas visões e não foram lembradas. Esse tipo de sucesso em ser re­conhecido sugere que as visões dessas pessoas não atraem muitos seguidores.

Figura 18.7

Analisamos a teoria e a medida da ne­cessidade de singularidade, que talvez seja a quintessência da motivação norte-ame­ricana. Tratamos agora de uma motivação diferente: o coletivismo.

Coletivismo: a Psicologia do nós

Nesta seção, comentamos a história do coletivismo (vide o Capítulo 3) e depois descrevemos suas ênfases principal e se­cundária. Um comentário sobre o histórico do coletivismo: agrupamo-nos por necessidade.

Há milhares de anos, nossos ances­trais caçadores-coletores se deram conta de que havia vantagens, em termos de [411] sobrevivência, em ser originários de gru­pos que se juntam com objetivos e inte­resses comuns (Chency, Seyforth e Smuts, 1986; Panter- Brick, Rowley-Conwy e Layton, 2001). Es­ses grupos contribu­íram para um senti­do de pertencimento, estimularam as identidades pessoais e os papéis de seus membros (McMillan e Chavis, 1986) e ofereceram laços emoci­onais compartilhados (Bess, Fisher, Sonn e Bishop, 2002). Além disso, os recursos de pessoas em grupos as ajudaram a re­chaçar ameaças por parte de outros seres humanos e animais. Dito de forma simples, os grupos proporcionaram po­der a seus membros (Heller, 1989). As pessoas nesses gru­pos se protegiam, cuidavam umas das outras e formavam unidades sociais que eram contextos efe­tivos para a propa­gação e a criação dos filhos. Reunidos em grupos, os seres humanos colheram os benefícios da co­munidade (Sarason, 1974).

Pelos padrões de hoje, nossos pa­rentes caçadores-coletores eram mais primitivos em suas necessidades e aspirações, mas será que eram tão diferentes das pessoas em termos das satisfações e dos benefícios que deri­vam de seu pertencimento a grupos? Acre­ditamos que não, porque os seres huma­nos sempre tiveram as características com­partilhadas daquilo que o psicólogo Elliot Aronson (2003) chamou de “animais so­ciais”. A respeito disso, uma de nossas mo­tivações humanas mais fortes é pertencer, isto é, sentir que temos conexoes dotadas de sentido com outras pessoas (Baumeister e Leary, 1995). Os psicólogos sociais Roy Baumeister e Mark Leary (1995) e Donelson Forsyth (1999; Forsyth e Corazzini, 2000) afirmaram que as pessoas prosperam quando se juntam em unidades sociais e vão em busca de objetivos compartilhados.

Ênfases do coletivismo

Voltemos à Figura 18.1, na página 398. Como mostrado ali, quando a pessoa média em uma sociedade tem uma dispo­sição favorável à interdependência grupal, essa sociedade é chamada de “coletivista” (vide a curva em forma de sino desenhada com uma linha contínua). A essas alturas, você pode estar curioso sobre qual país adere mais marcadamente a valores coletivistas. Em resposta a essa pergunta, os pesquisadores sugerem que a China é o mais coletivista de todos os países do mun­do (vide Oyserman et al., 2002).

Ênfases principais

Como é mostrado no Quadro 18.1, na página 399, as três ênfases principais do coletivismo são a dependência, a confor­midade, ou o desejo de se enquadrar, e a percepção do grupo como unidade funda­mental de análise. Em primeiro lugar, a de­pendência dentro do coletivismo reflete uma tendência verdadeira a derivar o pró­prio sentido e a própria existência do fato de ser parte de um importante grupo de [412] pessoas. No coletivismo, a pessoa segue com as expectativas de grupo, está muito preocupada com o bem-estar desse grupo e é muito dependente dos outros membros do grupo ao qual pertence (Markus e Kitayama, 1991; Reykowski, 1994).

Com relação ao desejo de se enqua­drar, Oyserman e colaboradores (2002, p. 5) escreveram: “O elemento central do co­letivismo é o pressuposto de que os grupos ligam e obrigam mutuamente os indiví­duos”. Como tal, o coletivismo é uma abor­dagem inerentemente social, na qual o movimento se dá em direção a grupos aos quais se pertence e para longe daqueles aos quais não se pertence (Oyserman, 1993).

Sobre a terceira ênfase central, o gru­po como unidade percebida de análise, os padrões sociais das sociedades coletivistas refletem ligações muito próximas nas quais as pessoas se veem como parte de um todo mais amplo e mais importante. Resumin­do, a preocupação coletivista é com o gru­po, com o todo e não com seus membros (Hofstede, 1980).

Ênfases secundárias

O coletivista se define em termos das características dos grupos aos quais perten­ce. Sendo assim, as pessoas de orientação coletivista prestam muita atenção às regras e aos objetivos do grupo, e muitas vezes podem submeter suas necessidades pesso­ais às dele. O sucesso e a satisfação tam­bém vêm de o grupo atingir seus objetivos e de a pessoa sentir que cumpriu os deveres socialmente prescritos como membro daquele esforço coletivo voltado a objeti­vos (Kim, 1994).

As pessoas coletivistas obviamente se envolvem muito nas atividades e objetivos de seu grupo, e pensam cuidadosamente sobre as obrigações e os deveres dos grupos aos quais pertencem (Davidson, Jaccard, Triandis, Morales e Diaz-Guerrero, 1976; Miller, 1994). As interações entre as pes­soas dentro da perspectiva coletivista são caracterizadas por generosidade mútua e equidade (Sayle, 1998). Para essas pessoas, as relações interpessoais podem ser busca­das mesmo quando não há benefícios ób­vios nelas (vide Triandis, 1995). Na verda­de, em função da grande ênfase que os coletivistas dão aos relacionamentos, eles podem querê-los mesmo quando essas interações são contraproducentes.

Por causa de suas atenções às diretri­zes estabelecidas pelo grupo, os membros individuais de uma perspectiva coletivista podem ser bastante formais em suas in­terações. Ou seja, há maneiras de se com­portar, seguidas cuidadosamente e defini­das por papéis. Além disso, as pessoas den­tro da perspectiva coletivista monitoram o contexto social cuidadosamente para for­mar impressões de outros e tomar decisões (Morris e Peng, 1994).

Lembre-se de nossa discussão anterior sobre a necessidade de singularidade re­fletindo o individualismo. Sobre isso, Kim e Markus (1999) afirmaram que os anún­cios de propaganda na Coréia devem acen­tuar temas coletivistas relacionados à con­formidade, ao passo que os dos Estados Unidos devem ser mais baseados em temas de singularidade. Coerente com essa pro­posta, as pesquisas de Kim e Markus mos­tram que a necessidade de singularidade é menor em sociedades coletivistas do que nas individualistas (Yamaguchi, Kuhlman e Sugimori,1995).

As sociedades coletivistas parecem ter elementos centrais de dependência, con­formidade (baixa necessidade de singula­ridade) e definição da existência em ter­mos do grupo importante ao qual se per­tence. A pesquisa também corrobora o fato de que o coletivismo se baseia em um sentido fundamental de dependência, assim como uma obrigação ou um dever para com o grupo ao qual se pertence e um de­sejo de manter a harmonia entre as pesso­as (Oyserman et al., 2002). Antes de fina­lizar esta seção, parabenizamos Daphne Oyserman e colaboradores do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de [413] Michigan por sua revisão acadêmica seminal das características do individualismo e do coletivismo.
Aspectos demográficos relacionados ao coletivismo.

Os psicólogos positivos devem levar em consideração o que o futuro trará em relação ao coletivismo. Por exemplo, pes­quisas sobre isso sugerem que o abismo entre ricos e pobres em sociedades de todo o mundo está se ampliando à medida que avançamos no século XXI (vide Ceei e Papierno, 2005). As pesquisas revelam que as pessoas em classes sociais mais baixas, comparadas com as mais altas, têm mais probabilidades de ser coletivistas em suas perspectivas (Daab, 1991; Kohn, 1969; Marjoribanks, 1991). Com relação ao pa­pel do envelhecimento como mais uma questão demográfica relacionada ao cole­tivismo, parece que as pessoas se tomam mais coletivistas à medida que envelhecem (Gudykunst, 1993; Noricks et al., 1987).

Equilíbrio eu/nós: a Psicologia do coletivo

Tanto a perspectiva individualista quanto a coletivista são válidas.

Os cientistas sociais muitas vezes con­ceituam o individualismo e o coletivismo como opostos (Hui, 1988; Oyserman et al., 2002), e essa polaridade via de regra tem sido aplicada quando se compara o indivi­dualismo dos euro-americanos com o co­letivismo de pessoas com origem no Leste da Ásia (Chan, 1994; Kitayama, Markus, Matsumoto e Norasakkunkit, 1997). Essa visão baseada na polaridade não nos pare­ce boa ciência, nem uma estratégia neces­sariamente produtiva para estimular inte­rações saudáveis entre pessoas de etnicidades variadas dentro de sociedades e entre elas. Na revisão geral desse tópico, Oyserman e colaboradores (2002) concluí­ram que os norte-americanos tinham individualismo realmente alto, mas não tinham coletivismo necessariamente mais baixo do que outras pessoas. Sendo assim, encon­trou-se sustentação apenas para metade do estereótipo.

Ver o individualismo e o coletivismo como opostos tem potencial para provocar disputas nas quais os membros de cada campo tentem demonstrar a superiorida­de de sua visão. Esse conflito entre as duas perspectivas parece especialmente proble­mático devido ao fato de não se ter comprovado distinções com limites claros en­tre individualismo e coletivismo. Por exem­plo, Vandello e Cohen (1999) concluíram que, mesmo dentro das sociedades indivi­dualistas como os Estados Unidos, a forma do individualismo difere na região nordes­te, no Meio-Oeste, no Sul profundo e no Oeste. As culturas também são extrema­mente diversificadas, cada uma com seus sistemas dinâmicos e variáveis, que estão longe das simplicidades monolíticas suge­ridas pelos rótulos “individualista” e “cole­tivista” (Bandura, 2000). Da mesma for­ma, pode haver diferenças geracionais no grau em que se manifestam o individualis­mo e o coletivismo (por exemplo, Matsu­ moto, Kudoh e Takeuchi, 1996). E, quan­do diferentes grupos de referência ganham mais destaque, as propensões a uma ou outra postura variam (Freeman e Bordia, 2001). Ademais, uma inclinação aparen­temente individualista pode, na verdade, contribuir para o coletivismo. Por exem­plo, consideremos que um sentido de efi­cácia pessoal forte pode contribuir para a eficácia coletiva de uma sociedade (Femandez-Ballesteros, Diez-Nicolas, Caprara, Barbaranelli e Bandura, 2002).

Baseando-se em conclusões como es­sas, Oyserman e colaboradores (2002) su­geriram que deveríamos avançar para além da visão bastante estática de individualis­mo e coletivismo como categorias [414] separadas, e assumir visões mais dinâmicas em relação à cultura para saber quando, onde e por que essas configurações mentais ope­ram. Eles defenderam um entendimento de como o individualismo e o coletivismo podem operar juntos para beneficiar as pes­soas. Nós também acreditamos que tanto a perspectiva individualista quanto a coletivista tem vantagens para as pessoas, e que a melhor solução é aprender a assu­mir aspectos de ambas.

Uma característica de uma vida feliz e produtiva é uma sensação de equilíbrio en­tre opiniões e ações. Acreditamos que uma postura psicológica positiva em relação a essa questão equilibra as ênfases em EU e NÓS. A perspectiva EU/NÓS possibilita que a pes­soa preste atenção a ela mesma e ao grupo. De fato, é isso que se descobriu caracterizar as perspectivas de pessoas de alta esperan­ça em relação a suas vidas e suas interações com outros (Snyder, 1994/2000, 2000b). Ou seja, em sua criação, as crianças de alta esperança aprenderam a importância de outras pessoas e de suas perspectivas, e o papel da consideração pelos outros na bus­ca eficaz de objetivos pessoais. Assim como os portadores de altas esperanças pensam em objetivos do tipo “EU”, eles simultanea­mente conseguem vislumbrar os objetivos do tipo “NÓS” de outras pessoas. Dessa for­ma, EU e NÓS se tomam reflexos um do outro. As pessoas com alta esperança, portanto, pensam automa­ticamente nos objetivos EU e nos objetivos NÓS. Lembre-se, também, de que são os muito esperançosos que parecem colher as maiores recompensas em termos de desem­penhos exitosos e satisfações na vida.

Pensando em sua própria vida

Agora que você explorou várias ques­tões relacionadas às perspectivas indivi­dualista e coletivista, pode ser instrutivo dar uma olhada mais de perto em sua pró­pria vida. Você alguma vez já pensou so­bre todas as atividades que realiza, para ver se preferiria fazê-las por contra pró­pria ou com outras pessoas? As vezes, avan­çamos em nossa vida no “piloto automáti­co” e não pensamos muito sobre como gos­taríamos de passar nosso tempo. O que que­remos aqui é ajudá-lo a formular uma ideia melhor de suas preferências por fazer as coisas sozinho ou com outros. Por isso, de­senvolvemos um exercício curto para aju­dá-lo a entender melhor seus próprios de­sejos de ir em busca de objetivos indivi­dualmente ou em grupo.

Na verdade, outras pessoas podem ser muito úteis quando se trata dos objeti­vos que consideramos mais importantes. Muitos de nós, sobretudo se somos [415] individualistas, consideramos a nós mesmos ra­zoavelmente independentes ao lidar com nossa vida. Mas será que é mesmo assim? Ao ir em busca de nossos objetivos, tam­bém podemos estar implícita e explicita­mente interligados com outras pessoas que nos ajudam a atingi-los. Sendo assim, nos­sas tendências coletivistas podem ser mui­to mais fortes do que pensamos. Uma con­clusão a que geralmente chegam as pes­soas ... é de que são coletivistas e indivi­dualistas. Esses pensamentos e ações coleti­vistas e individualistas também podem variar segundo as circunstâncias e as pessoas à nossa volta.

Sugestões para pessoas do tipo "nós" (coletivistas)

Agora você já deve ter idéias melho­res acerca de suas tendências individualis­tas e coletivistas. Nesta seção e nas seguin­tes, portanto, apresentamos algumas suges­tões para ajudá-lo a navegar de forma mais eficaz em ambientes em que as pessoas têm perspectivas que diferem daquelas indivi­dualistas ou coletivistas que você geralmen­te tem. Nesta seção, oferecemos orienta­ções para coletivistas que vão interagir com individualistas de vez em quando. (Para uma análise profunda de como os indivi­dualistas e coletivistas podem se integrar de forma mais eficaz, recomendamos o artigo de 1988 de Triandis, Brislin e Hui, “Cross-cultural training across the individua­lism-collectivism divide”.)
Os coletivistas muitas vezes conside­ram os individualistas demasiado compe­titivos. Uma lição interessante nesse caso é entender que os individualistas enxergam seu status com base em realizações pes­soais, em lugar de seu pertencimento a gru­pos. Além disso, quanto mais recentes fo­rem as realizações, mais poder elas dão em termos de status. Sendo assim, os coleti­vistas não devem se chocar quando os individualistas não parecerem se impressio­nar com sucessos coletivos que são basea­dos em linhagem, nomes de família, ida­de, sexo. Pode ser interessante ao coletivista usar realizações recentes para ganhar status aos olhos dos individualistas com quem interage.

Os coletivistas também consideram seu relacionamento com outros membros de seus grupos como algo dado, natural, de forma que provavelmente não agrade­cerão ou cumprimentarão outras pessoas por suas contribuições relevantes. Sendo assim, para proporcionar um “lubrificante social” para as interações entre as pessoas (Triandis, 1995), os coletivistas devem se lembrar de que os individualistas têm uma necessidade considerável de elogios.

A dependência que os coletivistas têm de soluções conjuntas para os dilemas pode não funcionar quando eles estão lidando com individualistas. Na verdade, o coleti­vista deve ser capaz de levar em conta a perspectiva baseada em “o que ele tem a ganhar” do individualista para entender as reações deste durante negociações. Da mesma forma, a argumentação normal dos individualistas não deve ser interpretada pelos coletivistas como um comportamen­to com intenção de prejudicar, e sim ape­nas como os individualistas fazem as coi­sas. Portanto, enquanto um coletivista in­teragindo com outro coletivista pode inter­pretar a expressão “vamos almoçar” como um convite verdadeiro, muitas vezes ela é simples interação social quando enuncia­ da pelo individualista.

As pessoas de culturas coletivistas que se mudam para sociedades mais individua­listas podem ter dificuldades com contra­tos e acordos entre as pessoas. O proble­ma, nesse caso, é que os coletivistas po­dem assumir uma postura mais informal em relação aos contratos. Por exemplo, um estudante de outro país diz ao proprietá­rio de um imóvel de uma cidade universi­tária dos Estados Unidos que está pensan­do em alugar um apartamento. O estudante de fora dos Estados Unidos vê essa [416] declaração ao proprietário como algo que lhe dá tempo de contatar seus parentes em seu país de origem e discutir o assunto. Infelizmente, para o proprietário norte-ameri­cano, o estudante pode ter dito a mesma coisa a vários proprietários diferentes. É claro que o locador pensa que fez negócio, enquanto o estudante de outro país não pensa assim.

Sugestões para pessoas do tipo "eu" (individualistas)

Nesta seção, oferecemos aconselha­mento para individualistas interagirem de forma mais eficaz com os coletivistas. Para começar, os individualistas muitas vezes percebem os coletivistas como demasiado “relaxados” e sem competitividade. Nesse sentido, ajuda entender que os coletivistas derivam seu sentido de status de seu pertencimento a grupos e não de suas realiza­ções pessoais.

Os individualistas devem entender que os coletivistas tendem a considerar como dados os seus relacionamentos com outros membros de seus grupos e, assim, não veem necessidade de elogiar os outros. Os individualistas que rotineiramente espe­ram agradecimentos quando interagem com outros individualistas devem aprender a não interpretar a ausência desse tipo de cortesia por parte dos coletivistas como si­nais de desrespeito. Apesar de os coletivis­tas não praticarem os agradecimentos so­ciais, os individualistas devem levar em conta as normas coletivistas para fazer ne­gócios. Ou seja, enquanto um individua­lista pode querer ir imediatamente ao pon­to quando está negociando, os coletivistas muitas vezes esperam alguma brincadeira de aquecimento para preparar o terreno. Nesse sentido, os coletivistas querem res­peito e paciência entre as pessoas (Cohen, 1991). Quando é necessário resolver pro­blemas, os coletivistas preferem que isso seja feito em nível de grupo, ao passo que os individualistas desejam mais uma ne­gociação entre duas pessoas. Obviamente, há diferenças sutis, incluindo importantes gestos e sinais não-verbais, que devem ser honrados quando individualistas e coleti­vistas interagem.

Os individualistas devem entender que os coletivistas querem harmonia pes­soal e, portanto, esforçam-se muito para evitar situações que envolvam conflitos (Ting-Toomey, 1994). Nessas circunstân­cias, os individualistas podem considerar os conflitos como meios úteis de limpar o terreno de forma que as pessoas avancem para outras questões, mas devem se dar conta de que os coletivistas estão muito preocupados com preservar sua imagem após esse conflitos. Dessa forma, os indivi­dualistas podem ajudar resolvendo os pro­blemas antes que eles cresçam e se tornem enormes confrontos. Do mesmo modo, o individualista não deveria pressionar o coletivista querendo saber “os porquês” conflitivos diante dos quais o coletivista terá que defender sua posição. Além disso, se o conflito for necessário, o individualis­ta deve tentar, sempre que for possível, aju­dar o coletivista a manter seu orgulho.

Considerações finais

Recuando um pouco e visualizando o quadro mais amplo de como as pessoas de várias partes de nosso planeta se relacio­nam umas com as outras, fica óbvio que nosso histórico não é dos melhores. Pense na ironia do fato de que os historiadores tendem a considerar os períodos de paz como anomalias entre grandes conflitos de culturas. Até onde o período bélico ante­rior entre nações teria refletido as dificul­dades de individualistas e coletivistas de se entender e se relacionar bem (vide Hun­ tington, 1993)?

Há uma lição cada vez mais impor­tante nesse ponto para cidadãos dos Esta­dos Unidos. A saber, os que têm perspecti­vas individualistas devem entender que suas visões não são amplamente [417] compartilhadas no mundo. Estímou-se que 70% dos atuais cerca de 5,6 bilhões de habitantes sobre a Terra assumem uma visão coletivista das pessoas e de suas interações (Triandis, 1995). Façamos as contas: isso significa cerca de 4,5 bilhões de coletivistas e 2 bilhões de individualistas. Por mais que os cidadãos dos Estados Unidos prezem a perspectiva individualista, os norte-ameri­canos individualistas são a minoria em um mundo habitado por coletivistas.

O entendimento de que as pessoas fa­zem parte de um todo mais amplo pode cres­cer no século XXI. Estamos nos tomando cada vez mais interdependentes, e o lugar onde isso é mais visível é na operação dos mercados globais que influenciam muitos países (Keohane, 1993). A rápida mudança em nossas tecnologias de telecomunicações também levou a uma globalização que au­mentou nossa consciência sobre outros po­vos no planeta (Friedman, 2005; Holton, 2000; Robey, Khoo e Powers, 2000).

Ao pensar sobre relacionamentos uns com os outros, nossos futuros residirão so­bre uma disposição de cooperarmos e nos unirmos. Embora a busca da felicidade cer­tamente possa produzir benefícios para a humanidade, se uma quantidade exagera­da de pessoas age na busca de sua própria individualidade, perderemos nossa chance de trabalhar juntos para construir culturas compartilhadas. Como afirmou Baumeister (2005) de forma contundente em seu livro, The cultural animal, há uma necessidade fundamental de diretrizes morais compar­tilhadas para que nossas sociedades pos­sam funcionar efetivamente. Essas moralidades compartilhadas no futuro irão limi­tar o grau em que as pessoas são contraproducentes ao seguir seus caprichos pes­soais. Sendo assim, a moralidade pode ser­vir como o próprio meio pelo qual a cultura consiga afirmar sua precedência em relação a individualismo extremo (Baumeister).

Estamos no topo de uma grande mu­dança no equilíbrio entre individualismo e coletivismo, um equilíbrio entre as neces­sidades do indivíduo e do coletivo (Newbrough, 1995; Snyder e Feldman, 2000). Como tal, a psicologia positiva do NóS pode estar dobrando a esquina. [418]

Psicologia - Psicologia positiva
10/18/2020 12:48:44 PM | Por Charles Richard Snyder
Bom trabalho, a psicologia do emprego gratificante

Essas linhas de abertura foram escri­tas pelo autor principal deste livro (C.R.S.) em meu primeiro mês na função de pro­fessor assistente. Naquela época, como hoje, cerca de 33 anos mais tarde, sentia-me bastante privilegiado e feliz de ter esse meio de vida (essa expressão parece sem­pre tão adequada). Esse sentimento posi­tivo capta a essência do emprego gratifi­cante, que exploramos neste capítulo.
Sigmund Freud foi o primeiro a fazer a forte declaração de que vida saudável é aquela na qual a pessoa consegue amar e trabalhar (O’Brien, 2003). Nas muitas dé­cadas desde que Freud apresentou essas idéias, a literatura psicológica reforçou a importância dos relacionamentos interpes­soais e do emprego positivos. Após revisar um corpus crescente de literatura sobre o trabalho das pessoas para gerar uma vida saudável, procuramos uma frase que cap­tasse a essência dos muitos benefícios que podem fluir do trabalho. Acabamos [364] decidindo usar a expressão emprego gratificante.

Embora muitas pessoas despertem apavoradas por terem que sair da cama e ir trabalhar, quem está empregado de for­ma gratificante quer de fato que chegue a hora. O emprego gratificante é o traba­lho que se caracteriza pelos oito benefícios a seguir:

  1. Variedade de tarefas realizadas.
  2. Ambiente de trabalho seguro.
  3. Renda para a família e para a própria pessoa.
  4. Propósito derivado do fato de fornecer um produto ou prestar um serviço.
  5. Felicidade e satisfação.
  6. Engajamento e envolvimento positivos.
  7. Sensação de estar desempenhando bem e atingindo objetivos.
  8. Companheirismo e lealdade de colegas de trabalho, chefes e empresas.

Neste capítulo, exploramos o crescen­te corpo de conclusões da psicologia posi­tiva e examinamos o emprego proveitoso da perspectiva do empregado, do chefe e da empresa. Começamos com a perspecti­va de uma funcionária, no caso Jenny.

"Há vaga": Jenny perde um emprego e encontra uma profissão

Na primeira vez que eu (C.R.S.) vi Jenny, ela tinha vindo fazer tratamento psi­cológico porque estava deprimida. Como mulher solteira de 32 anos, ela havia feito o primeiro ano e meio de faculdade antes de desistir. Sendo normalmente uma pes­soa expansiva, ela informava que seu hu­mor havia mudado para pior quando per­deu o emprego de assistente-executiva do presidente do Departamento de Inglês na universidade estadual local. Cortes de ver­bas na universidade haviam feito que ela perdesse o emprego. Ela passava a maior parte de seus dias e noites na cama, con­templando “o quanto aquilo tudo era in­justo”.

Os amigos de Jenny trabalhavam no Departamento de Inglês ou eram estudan­tes de pós-graduação ali. Foi somente quan­do perdeu o emprego que ela se deu conta do quanto seu mundo estava relacionado a esse ambiente de trabalho. Pouco depois de ser demitida, ela costumava aparecer no Departamento e tentar engrenar con­versas com os colegas. Contava que era muito estranho, e que simplesmente não era a mesma coisa do que quando ela tra­ balhava lá. Após algumas visitas, Jenny parou de voltar àquele lugar. Sua estraté­gia de enfrentamento inicial foi encontrar outro trabalho. Embora nunca se cansasse de se candidatar a empregos semelhantes ao seu antigo cargo, essas posições de as­sistente com alto salário eram praticamen­te inexistentes porque toda a universidade estava sofrendo com problemas financei­ros. Em nossas sessões, discutimos como todos os amigos de Jenny eram de seu ambiente de trabalho, o que aprofundava sua sensação de desespero à medida que ela se dava conta de como havia ficado sem amigos. Seus pensamentos ruminativos tampouco ajudavam a melhorar as coisas. Ela estava preocupada com a possibilida­de de que seus antigos amigos só gostas­sem dela porque ela era assistente do pre­sidente. Será que eles estavam tentando se aproximar do chefe por intermédio dela? Jenny tinha um talento evidente, contudo, sobre o qual todos concordavam: as pessoas apreciavam sua capacidade de se lembrar delas depois de terem sido apresentadas.

No início de uma sessão, Jenny con­tava um sonho que havia tido por três noi­tes consecutivas na semana anterior. Nele, os professores que chefiavam as várias uni­dades da universidade lhe telefonavam e imploravam que ela se candidatasse a car­gos em seus departamentos. No início de cada telefonema, o chefe de departamen­to anunciava entusiasmado: “Temos uma [365] vaga em nosso departamento que é perfei­ta para você!”. Pasma por estar recebendo toda essa atenção de uma hora para outra, Jenny (ainda em seu sonho) perguntava aos chefes por que eles estavam ligando. Eles respondiam: “Você não sabe?”. A isso, Jenny dizia que não tinha ideia. Cada um dizia, então, como adorava o fato de ela se lembrar de seus nomes. Nesse momento do sonho, Jenny acordava.

Esse sonho proporcionou uma vira­da para Jenny. Sua interpretação era que essa capacidade de se lembrar de nomes era um recurso importante que ela deve­ria colocar a seu serviço ao buscar um novo emprego. Quando lhe foi pergunta­do, na sessão, como ela poderia fazer isso, seguiu-se uma discussão produtiva sobre empregos que não de secretária. Outra parte de sua descoberta foi que ela come­çou a olhar empregos com salários iniciais mais baixos que o de seu antigo cargo de assistente executiva.

Como você já deve ter imaginado a essas alturas, essa história tem final feliz. Seguindo seu palpite sobre usar suas habi­lidades de se lembrar de nomes das pes­soas, Jenny decidiu aceitar um emprego de salário bastante baixo, atendendo no bal­cão de uma lavanderia. Os clientes só pre­cisavam ir à lavanderia uma vez para que Jenny se lembrasse de seus nomes. Sem­pre que o cliente voltava à lavanderia, Jenny o cumprimentava pelo nome: “Bom dia, seu Parker”, “Como vai, dona Davis”, “Alice Marshall..., tudo bem?”. A dona da lavanderia adorava que Jenny conseguisse se lembrar dos nomes de todo e qualquer cliente. Na verdade, os clientes lhe disse­ram que essa era a razão pela qual gosta­vam de fazer o serviço ali. O negócio da lavanderia também prosperou. Como re­compensa por esse imenso aumento de novos clientes, o proprietário aumentou o salário de Jenny. Assim ela também cres­ceu nesse emprego, e sua depressão aca­bou. Resumindo, ela ficou extremamente feliz com seu novo trabalho e com sua vida em geral.

A lição que se tira da história de Jenny

O caso de Jenny tem diversas implica­ções para este capítulo sobre o papel do tra­balho na vida das pessoas. Talvez mais im­portante, ele nos dá uma ideia do imenso poder do trabalho na vida de uma pessoa. Mais especificamente, mostra a importân­cia do trabalho para determinar como uma pessoa se sente consigo mesma. Ele revela uma necessidade de envolver os talentos do trabalhador no ambiente do emprego e nos conta como os amigos de uma pessoa mui­tas vezes vêm do local de trabalho. Embora o novo emprego de Jenny proporcionasse uma renda, sua história também ilustra como estar “atrás do dinheiro” e querer um alto salário inicial podem ser um tiro pela culatra. Seu novo trabalho também lhe deu um ambiente no qual pudesse ampliar seus talentos e sua capacidade ao trabalhar com pessoas, sendo essa uma de suas qualida­des principais. Junto com seu crescimento em áreas de talento, seu trabalho fazia que se lembrasse todos os dias de que estava ajudando as pessoas ao prestar um serviço. Por fim, como havia acontecido com o em­prego no Departamento de Inglês, a nova profissão de Jenny lhe deu uma sensação de vínculo, companheirismo e lealdade para com seus clientes, seus colegas de trabalho e seu chefe. A questão fundamental era que ela estava se sentindo muito produtiva e sa­tisfeita em sua profissão nova. Essa e outras mensagens de emprego gratificante surgem da história de Jenny. Trabalharemos com es­ses vários temas durante o transcorrer do capítulo.

Emprego gratificante: felicidade, satisfação e algo mais

Como se vê na Figura 17.1, oito be­nefícios derivam do emprego gratificante. Situamos felicidade e satisfação no centro [366] em função de seu papel fundamental (vide Amick et al., 2002; Kelloway e Barling, 1991).

A centralidade que o trabalho tem para o bem-estar não surpreende quando você pensa no número de benefícios que ele oferece, especialmente: uma identidade, oportunidades para interação e apoio so­ciais, propósito, preenchimento do tem­po, desafios envolventes e possibilidade de status, além de proporcionar renda (p. 270).

Não surpreende que haja uma enor­me literatura sobre satisfação no emprego. Consideremos, por exemplo, a estimativa de Locke, feita em 1976, de que haviam sido publicados mais de 3.330 artigos sobre o tema. Além disso, uma busca feita em PsycINFO, entre 1976 e 2000, resultou em 7.855 artigos sobre satisfação no emprego (Harter, Schmidt e Hayes, 2002).

Se uma pessoa está feliz com seu tra­balho, é provável que sua satisfação geral com a vida também seja maior (Hart, 1999; Judge e Watanabe, 1993). A correlação entre satisfação no trabalho com felicida­de geral é de cerca de 0,40 (Diener e Lucas, 1999). Pessoas empregadas informam cons­tantemente ser mais felizes do que as que estão sem emprego (Argyle, 2001; Warr, 1987, 1999).

Por que o trabalho, a felicidade e a satisfação deveriam andar de mãos dadas? Nas seções seguintes, examinamos os vá­rios fatores relacionados ao trabalho que parecem estar ligados à maior felicidade. Embora reconheçamos o forte papel que a [367] felicidade e a satisfação cumprem no em­prego gratificante em geral, urge acrescen­tar que muitas vezes há uma relação recí­proca, no sentido de que um ou mais fatores podem se influenciar para produzir uma sensação de emprego proveitoso. Por exem­plo, como explicaremos na próxima seção, um bom desempenho no trabalho aumen­ta a sensação de satisfação, mas a sensa­ção de satisfação também contribui para um melhor desempenho de um emprega­do na área profissional.

Ter bom desempenho e atingir objetivos

Com que frequência um amigo seu ou seu parceiro já comentou: “Você está de mau humor. Teve um dia ruim no traba­lho?”. Ou pode ser o contrário: “Puxa, você está de ótimo humor. As coisas estavam boas no escritório?” Sem dúvida, isso acon­tece à medida que o trabalho influencia vários outros aspectos de nossa vida.

Relacionado às interações hipotéticas anteriores, uma linha de pensamento so­bre o trabalhador feliz diz que esse empre­gado tem um sentido de eficácia e eficiên­cia ao realizar suas atividades profissionais (Hertzog, 1966). Para testar a noção de que o desempenho no trabalho está relaciona­do à satisfação, Judge, Thoresen, Bono e Patton (2001) realizaram uma meta-análise (um procedimento estatístico para tes­tar a consistência de resultados entre mui­tos estudos) de 300 amostras (cerca de 55 mil trabalhadores) e encontraram um re­lacionamento estável de cerca de 0,30 en­tre desempenho e satisfação geral.

De longe, a maior parte da pesquisa relacionada à sensação de bom desempe­nho surgiu do influente constructo de autoeficácia de Bandura (vide o Capítulo 9; para uma revisão sobre o papel da autoeficácia na promoção da felicidade no traba­lho, vide O’Brien [2003]; vide, também, Bandura, Barbaranelli, Vittorio Caprara e Pastorelli [2001]). A autoeficácia profis­sional, que é definida como a segurança que a pessoa sente para dar conta de ativi­dades de desenvolvimento profissional e objetivos relacionados ao trabalho, tem sido relacionada ao sucesso e à satisfação com os esforços e as decisões profissionais da pessoa (Betz e Luzzo, 1996; Donnay e Borgen, 1999).

O bom desempenho no trabalho tem mais probabilidades de ocorrer quando os trabalhadores têm objetivos claros. Como mostra a literatura sobre o tema (como Emmons, 1992; Snyder, 1994/2000), os objetivos lúcidos oferecem satisfação quan­do são atingidos. Nessa linha, quando os objetivos profissionais são definidos clara­mente e os empregados conseguem atin­gir padrões estabelecidos, os resultados são mais prazer pessoal e uma sensação de rea­lização. Nesse sentido, quando o líder com altas esperanças estabelece objetivos cla­ros e tem uma comunicação fluida, têm-se objetivos lúcidos para o grupo, de curto e longo prazos. Um chefe desse tipo também consegue proporcionar mais satisfação no trabalho. A seqüência se desenrola da se­guinte maneira: o chefe com esperanças elevadas identifica claramente subobjetivos de trabalho viáveis, o que aumenta a moti­vação dos trabalhadores e suas chances de atingir objetivos maiores, em nível organi­zacional (Snyder e Shorey 2004). Nesse processo, o líder esperançoso também fa­cilita a disposição dos trabalhadores de assumir os objetivos gerais da empresa (Hogan e Kaiser, 2005).

Derivando propósito a partir do fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço

O trabalho é uma importante fonte potencial de propósito na vida de uma pes­soa. Uma grande força subjacente que move esse propósito é a sensação de for­necer produtos ou prestar serviços neces­sários aos clientes. Os trabalhadores [368] querem, às vezes de formas muito triviais, sen­tir que estão dando uma contribuição a outras pessoas e à sociedade.

Embora falemos sobre sua importan­te pesquisa em um momento posterior des­te capítulo, observamos aqui que Amy Wrzesniewski e colaboradores (como Wrzesniewski, McCauley, Rozin e Schwartz, 1997) descreveram como os trabalhadores, do mais elevado status organizacional ao mais inferior, podem perceber seu traba­lho como uma vocação à qual o emprega­do traz paixão, um compromisso com o trabalho em si.

Engajamento e envolvimento

O engajamento é o envolvimento do empregado com seu trabalho, ao passo que a satisfação é o que podemos chamar de entusiasmo do empregado no trabalho (Harter et al., 2002). Diz-se que o engaja­mento ocorre quando os empregados con­cluem que suas necessidades estão sendo atendidas. Especificamente, o engajamento reflete aquelas circunstâncias na vida em que os empregados “sabem o que se espe­ra deles, dispõem do que precisam para fa­zer seu trabalho, têm oportunidades de sentir algo importante com colegas de tra­balho em quem confiam e têm chances de melhorar e se desenvolver” (Harter et al., 2002, p. 269). Da mesma forma, Warr (1999) relatou que os empregos que mais engajam são aqueles que têm tarefas espe­ciais e nos quais há um bom equilíbrio das atividades demandadas com as habilidades e a personalidade dos empregados. Por exemplo, uma meta-análise de cerca de 300.000 empregados em mais de 50 em­presas, que responderam positivamente à questão sobre engajamento (“Tenho opor­tunidade de fazer aquilo que faço melhor”), apresentou uma relação confiável com pro­dutividade e sucesso no trabalho (Harter e Schmidt, 2002). Além disso, em sua análi­se geral, Harter e colaboradores (2002) en­contraram uma correlação confiável de 0,37 entre desempenho de empregados e várias questões que mediam engajamento no trabalho.

O envolvimento engajado no traba­lho tem semelhanças com o conceito de flow, que acarreta quaisquer circunstânci­as nas quais as habilidades de uma pessoa facilitam o sucesso em tarefas desafiado­ras (Csikszentmihalyi, 1990; Csikszentmihalyi e Csikszentmihalyi, 1988; vide o Ca­pítulo 11). No estado de fluxo, o trabalha­dor pode ficar tão absorto e envolvido nas tarefas de trabalho que perde a noção do tempo. O que é especialmente importante para nossa discussão atual é que essas ex­periências de flow têm mais probabilida­des de acontecer no trabalho do que du­rante atividades de lazer ou relaxamento em casa (Haworth, 1997). (Isso não impli­ca, contudo, que o flow não possa ocorrer em áreas de fora do trabalho, já que as pes­quisas mostram que isso pode acontecer [Delle Fave, 2001].)

Variedade nas tarefas de trabalho

Se as tarefas realizadas no trabalho fo­rem suficientemente variadas, as satisfações vêm com mais facilidade. Na verdade, o té­dio no trabalho pode ser um elemento negativo. As pessoas devem manter o máxi­mo possível de variedade e estimulação em suas atividades profissionais (Hackman e Oldham, 1980). Uma prática bastante co­mum para se manter a variedade nas tare­fas dos trabalhadores em ambientes indus­triais e tecnológicos é a célula de produção. Nesse sistema, grupos de trabalhadores com múltiplas habilidades assumem responsabi­lidade por toda uma seqüência no processo de produção (Henry, 2004). A seguir, essas equipes de trabalho colocam suas insígnias identificadoras no produto ou na parte em questão. A célula de produção vem sendo usada com algum sucesso na construção de automóveis por equipes de trabalho (mas têm havido preocupações com a possibili­dade de esse sistema custar mais, o que tem [369] reduzido sua popularidade entre algumas empresas).

Ao faltar variabilidade no trabalho, o empregado pode cair naquilo que se cha­mou recentemente de presenteísmo (em contraste com absenteísmo). No presen­teísmo, o empregado pode estar fisicamen­te no trabalho, mas, em função de proble­mas de saúde mental que muitas vezes são resultado de experiências profissionais aversivas ou repetitivas, é improdutivo ou infeliz (como relatado por Dittmann [2005] ao citar as visões de Daniel Conti, diretor para atendimento aos funcionários do ban­co J. R Morgan Chase). Diante de tarefas repetitivas e tediosas e horários inflexíveis, os empregados podem perder o ânimo e a motivação.

Ao procurar um emprego novo, pode ser aconselhável assumir um cargo que ofe­reça mais variedade com salário menor, em lugar de uma posição bem paga que en­volva atividades imutáveis e repetitivas. Sendo assim, a velha máxima que diz que “a variedade é o tempero da vida” é mais aplicável em ambientes de trabalho do que em qualquer outro cenário.

Renda para si e para a família

Sem dúvida, um mínimo de renda é necessário para atender às necessidades da pessoa e de sua família, mas, como se dis­cutiu no Capítulo 7, o dinheiro é superesti­mado como fonte de felicidade. De fato, dois estudos mostram que as pessoas pare­cem entender que a felicidade e o sentido da vida não estão muito relacionados à quantidade de dinheiro que elas ganham (King e Napa, 1998).

Resta saber se essa abordagem “racio­nal” em relação às recompensas monetá­rias e ao trabalho é praticada concretamente (King, Eells e Burton, 2004). Por exem­plo, ganhar dinheiro já foi considerado mais importante do que ter uma filosofia de vida coerente (Myers, 1992, 2000). Além disso, embora as relações inter­pessoais tenham sido valorizadas acima do trabalho (Twenge e King, 2003), os estadunidenses ainda podem pensar em quali­dade de vida em termos de quanto dinhei­ro ganham. A atual geração de trabalha­dores dos Estados Unidos está passando mais tempo no trabalho do que seus pais passaram (Schor, 1991). Em muitos re­lacionamentos, por exemplo, as duas pes­soas têm empregos (talvez isso também seja diferente da geração de seus pais). Além disso, ao tomar decisões importan­tes na vida, as pessoas têm mais probabili­dades de citar razões financeiras (Miller, 1999). É como se tivéssemos duas visões com relação a adquirir saúde financeira, e essa ambivalência se manifestasse em nos­so trabalho.

Uma tendência promissora nessa área é o desenvolvimento do Programa de Paternidade/Maternidade Positivos (Positive Pa­renting Program, Triple P). Esse programa consiste em pequenas sessões em grupo, nas quais os pais aprendem a equilibrar a vida familiar com a busca de dinheiro por meio do trabalho (Dittmann, 2005). O psi­cólogo australiano Matthew Sanders (San­ders, Markie-Dadds e Turner, 2003; Sanders, Mazzucchelli e Studman, 2004; Sanders e Turner, no prelo) criou o Triplo I] e sua in­tenção era reduzir os efeitos negativos que as longas jornadas de trabalho dos pais têm sobre os filhos. Os trabalhadores devem se certificar de que a busca por dinheiro não prejudique prazeres e obrigações familia­res importantes. Se ambos os pais traba­lham furiosamente para ganhar dinheiro e não dão atenção a seus filhos, o resultado negativo pode ser que as crianças acabem por se comportar da mesma forma quando tiverem filhos. A ironia, nesse caso, é que o mesmo trabalho que visa a gerar recur­sos para sustentar a família pode vir a ser como um câncer e causar problemas na família que pretende sustentar. [370] 

Companheirismo e lealdade para com colegas de trabalho e chefes: amigos no trabalho

Outra razão pela qual o trabalho pode estar associado à felicidade é vista no caso de Jenny, cuja rede de amizades estava si­tuada completamente dentro do ambiente de trabalho. O trabalho dá às pessoas uma oportunidade de sair de casa e interagir com outras. Como os trabalhadores podem compartilhar experiências, incluindo obs­táculos e triunfos no ambiente profissio­nal, há razões para as pessoas estabelece­rem laços entre si.

Nos últimos 30 anos, a chamada “Amé­rica corporativa”, ou seja, o mundo empre­sarial dos Estados Unidos, tem desestimulado a criação de amizades no trabalho. Essa prática se baseou no pressuposto de que a convivência entre colegas, especialmente relações fraternas entre um trabalhador e um chefe, levaria a baixa produtividade. Esse pressuposto não havia sido examinado por pesquisas sistemáticas até que Tom Rath e colaboradores, na Organização Gallup, de­ senvolveram o Diagnóstico Amigos Vitais (Vital Friends Assessment) e pesquisaram 1.009 pessoas com relação aos efeitos das amizades sobre a felicidade, a satisfação e a produtividade (Rath, 2006). O trabalho dos pesquisadores da Gallup, apresentado no livro Vital friends, confirmou que o sentido de comunidade em um determinado local de trabalho contribui para a felicidade e a satisfação no trabalho (Mahan, Garrard, Lewis e Newbrough, 2002; Royal e Rossi, 1996). Rath também descobriu que, tendo um “melhor amigo” no trabalho, você tem menos probabilidades de ter acidentes, au­menta a segurança, tem mais clientes e mais desempenho e produtividade. Essas conclu­sões podem ser atribuídas ao fato de que as pessoas que trabalham junto com um me­lhor amigo têm sete vezes mais probabili­dades de ser psicológica e fisicamente engajadas no trabalho (Rath, 2006).

Ambientes de trabalho seguros

Parte da felicidade no trabalho resi­de em um ambiente físico seguro e saudá­vel, em que fica claro que a administração está preocupada com o bem-estar dos tra­balhadores. No relatório meta-analítico discutido anteriormente, de Harter e cola­boradores (2002), a segurança percebida do local de trabalho foi um dos mais con­sistentes fatores de predição de satisfação de trabalhadores.

Há razões para se estar preocupado com o trabalho e com a saúde física real? A resposta para essa pergunta é um sono­ro sim. Muitas lesões físicas ocorrem no trabalho; além disso, há profissões de alto risco, em que prevalecem os acidentes gra­ves. Manter os trabalhadores fisicamente seguros e livres de lesões leva a melhor saúde física em outros contextos (Hofmann e Tetrick, 2003). Não deixamos a dor e o sofrimento de um problema físico gerado pelo local de trabalho na porta da fábrica quando pedimos demissão.

Em suma, a boa notícia é que vários fatores no contexto de trabalho podem con­tribuir para uma maior sensação de felici­dade e satisfação em particular, e para o emprego gratifícante em geral. Igualmente importante é o fato de que a infelicidade com o trabalho não é inevitável. Aprofundamos esse tema no restante deste capítulo.

Avaliando o emprego gratificante

Nesta seção, apresentamos um instru­mento que desenvolvemos para ajudar as pessoas a concretizar suas visões sobre tra­balho. Esse sistema possibilita que se atri­buam classificações de importância às oito categorias de emprego gratifícante, para classificar nosso desempenho em cada uma delas e produzir uma nota geral para o pró­prio emprego. Descrevemos agora esse [371] instrumento e como ele funciona, e depois da­mos exemplos de dois clientes com os quais o exercício foi usado.

Seu emprego

Ao trabalhar com pessoas sobre ques­tões relacionadas a seus empregos, sugeri­mos o sistema de notas mostrado na Figu­ra 17.2. Essa abordagem mostra de forma vivida onde a pessoa está se saindo bem no trabalho e onde as coisas andam mal.

Figura 17.2

Também ajuda o trabalhador a entender o que lhe é importante no ambiente de tra­balho. Desenvolvemos essa técnica para ajudar a pessoa a classificar a importância das oito categorias de emprego gratificante e ter uma boa maneira de avaliar o su­cesso em cada uma delas.

Examinemos o sistema de notas do emprego gratificante para ter uma ideia de como funciona.

Em primeiro lugar, pede-se ao cliente que dê notas à importância que tem para si cada uma das oito categorias de empre­go gratificante, segundo uma escala de 5 pontos (O= Nenhuma; 1 = Muito pouca; 2 = Alguma; 3 = Muita; 4 = Extrema), e que escreva sua nota no espaço em branco correspondente na coluna da esquerda cha­mada “Importância”. A seguir, pede-se que pense sobre seu próprio emprego em ter­mos de cada categoria e atribua uma nota que reflita como vão as coisas (F = 0; D = 1; C=2; B=3; A=4); essa nota se es­creve na coluna em branco do meio, cha­mada “Nota”. A seguir, os números nas duas primeiras colunas são multiplicados por cada categoria de emprego proveitoso, e o resultado é colocado na terceira coluna branca, chamada “I x N”. O cliente, então, soma os oito números na coluna “Impor­tância”, e o total é dividido por oito para se chegar à importância média das catego­rias de emprego gratificante. Esse número médio pode ser usado para ajudar a pes­soa a ver até onde ela acha que o emprego preenche necessidades relacionadas à im­portância, e os escores em cada quadro dão à pessoa visões sobre aqueles aspectos do trabalho que lhe são mais ou menos im­portantes.

Somando os números da terceira co­luna (“I x N”) e dividindo pelo escore total de importância da primeira, o indivíduo determina a nota média para seu trabalho. Esse é o melhor número geral para o quan­to um emprego está atendendo às necessi­dades de emprego gratificante do trabalha­dor. Interpreta-se como uma média de no­tas na escola, com o 0 eqüivalendo a F; 1,0 a D; 2,0, uma nota média, C; 3,0, uma boa nota, B; e qualquer coisa próxima a 4,0 quer dizer que o emprego tem uma exce­lente nota A em termos de emprego grati­ficante. Agora que você sabe como funcio­na o sistema, experimente com seu empre­go (se tiver).

De volta ao caso de Jenny

Voltando ao caso descrito anterior­mente neste capítulo, a nota do emprego gratificante de Jenny é mostrada na Figu­ra 17.3. Essa figura mostra as classifica­ ções de Jenny para seu novo emprego na lavanderia. A classificação de importância média dela foi de 3,38, o que quer dizer que ela considera que seu emprego preen­ che suas necessidades com relação à im­ portância percebida. Mais do que isso, sua nota média para emprego gratificante foi de 3,74, ou seja, ela via seu emprego em termos extremamente positivos nas oito ca­ tegorias de emprego gratificante. Resumin­ do, nessas categorias de emprego grati­ ficante às quais atribuiu classificações de importância muito altas, ela também con­ siderou, em termos gerais, que seu desem­ penho era extremamente bom.

Figura 17.3

O professor assistente que não foi efetivado

Outro cliente do autor principal (C.R.S.) chegou para tratamento quando se deu conta de que não ia ser promovido em sua posição de professor assistente. Como não havia publicado coisa alguma de suas pes­quisas, esse cliente estava para ser demiti­do depois de 7 anos no emprego. Suas autoclassificações para o trabalho estão na Figura 17.4. O que deve ser destacado é que a classificação de importância média foi de 3,50, refletindo sua percepção de que as tarefas de um professor assistente eram muito importantes. Observe, contudo, que, ao contrário dessas classificações de muita importância, ele atribuiu notas baixas a todas as categorias de seu emprego, com exceção de companheirismo e lealdade. Por fim, observe que essa média de emprego gratificante foi baixa, de 2,13. Se a cate­goria de companheirismo e lealdade tives­se sido omitida, suas notas para emprego gratificante teriam sido ainda mais baixas.

Figura 17.4

Esse exercício revela as percepções desse jovem professor sobre seu trabalho e suas capacidades. Na categoria de enga­jamento e envolvimento e na de sensação de estar desempenhando bem e atingindo objetivos, parece haver uma desconexão [373] em suas respostas. Embora ele tenha clas­sificado ambas as categorias em uma po­sição muito alta (com 4s) em termos de importância, as notas de desempenho re­lacionadas (Os) estavam mal. Infelizmente para ele, essas duas categorias de engaja­mento e envolvimento e de sensação de estar desempenhando bem e atingindo ob­jetivos foram consideradas muito impor­tantes por seu chefe de departamento e seu reitor quando avaliaram sua promoção a professor associado.

Após explorar suas notas de empre­go gratificante por meio desse exercício, nosso professor assistente desempregado foi orientado em uma experiência com re­dação expressiva, na qual ele escreveu por 30 minutos sobre seus sentimentos e pen­samentos com relação à perda de seu em­prego. Ele fez isso em cinco ocasiões diferentes. Pesquisas realizadas pelo psicólogo social Jamie Pennebaker testaram os efei­tos positivos da redação expressiva (nar­ração emocional de histórias). Os resultados de vários experimentos mos­traram que ela proporciona benefícios em termos de reduzir o número de consultas a médicos, aumentando o desempenho acadêmico, melhorando o funcionamento do sistema imunológico e fazendo que as pes­soas se sintam melhor, apenas para citar alguns exemplos de resultados positivos (Pennebaker, 1990; Smyth e Pennebaker, 1999).

O que gerou meu (C.R.S.) atual uso da técnica, contudo, foram resultados mos­trando que a experiência da redação ex­pressiva reduzia o absenteísmo por parte dos empregados e aumentava a probabili­dade de que pessoas desempregadas con­seguissem trabalho (Spera, Buhrfeind e Pennebaker, 1994). Como havia aconteci­do com pesquisas anteriores usando esse sistema, quan­do esse ex-professor assistente experi­mentou a técnica da redação expressiva, ela pareceu desenca­dear entusiasmo pa­ra buscar uma outra posição acadêmica. E essa história tem, sim, um final feliz! Esse mesmo homem, [375] mais tarde, conseguiu outro cargo de pro­fessor assistente em uma faculdade menor.

Em seu novo ambiente de trabalho, ele usou o que havia aprendido a partir de seus problemas em seu primeiro emprego aca­dêmico. Ele teve sucesso nessa nova faculda­de e foi promovido a professor associado. Como não estava mais em tratamento, con­tudo, não houve nota de emprego gratificante para esse novo emprego, mais favo­rável. Supõe-se que sua nota média seja maior nessa segunda vez.

Ter ou ser um bom chefe

O chefe é um recurso crucial para aju­dar os empregados a ter experiências pro­fissionais produtivas e satisfatórias. Obser­ve que incluímos ser um bom chefe no tí­tulo de nossa seção, pois muitos leitores vão se encontrar no papel de chefe em al­gum momento de suas carreiras, se já não estiverem nele. Os supervisores que dão de­finições de cargo e tarefas claras, bem como apoio aos empregados, estimulam a satis­fação no emprego e a produção (Warr, 1999). Administradores e líderes que se concentram nas qualidades dos emprega­ dos (Buckingham e Clifton, 2001) são bons em comunicar os objetivos da empresa e conseguem dar feedback que contribui para as experiências positivas dos empregados. Os chefes que têm alto nível de esperança também desfrutam de suas interações sociais com empre­gados, além de mui­tas vezes assumir um interesse ativo em como eles vão, tanto no trabalho quanto fora dele (Snyder e Shorey, 2004).

Também é in­teressante para um chefe ser verdadeiro e autêntico em interações com os empre­gados (Avolio, Luthans e Walumbwa, 2004; Gardner e Schermerhorn, 2004; George, 2003; Luthans e Avolio, 2003), mas o quê, exatamente, é autenticidade? Nas palavras de Avolio e colaboradores (2004), os che­fes autênticos são aquelas pessoas que são profundamen­te cientes de como pensam e se compor­tam, e são percebidas por outras como cientes de sua perspectiva sobre valores/moral, seus conhecimentos e suas quali­dades, assim como das dos outros; são cientes do contexto em que operam, e são autoconfiantes, esperançosos, otimis­tas, resilientes e têm elevado caráter moral (p. 4).

Os chefes autênticos estimulam a con­fiança e as emoções positivas entre seus funcionários, junto com engajamento e motivação elevados para atingir objetivos comuns. Os líderes autênticos têm valores pessoais profundos e convicções que gui­am seus comportamentos. Os funcionários, por sua vez, respeitam e acreditam neles, e essas visões positivas são reforçadas à medida que o chefe autêntico estimula vi­sões distintas e interage em colaboração com os trabalhadores. Sendo assim, os che­fes autênticos valorizam a diversidade em seus funcionários e querem identificar e potencializar os talentos e as qualidades destes (Luthans e Avolio, 2003). O chefe autêntico estabelece padrões elevados para seu comportamento e se coloca como mo­delo de integridade e honestidade para os funcionários. Por meio dessa referência, o autêntico líder no trabalho consegue esta­belecer um sentido de trabalho em equipe entre os funcionários. Da mesma forma, o chefe autêntico define objetivos claros e estimula a esperança nos funcionários (Snyder e Shorey, 2004). Como observado anteriormente, um bom chefe também es­timula os funcionários a trabalhar em equi­pe (Hogan e Kaiser, 2005). Em suma, a autenticidade nos chefes parece estar as­sociada ao emprego gratificante e a uma [376] série de resultados positivos no local de trabalho.

Em nosso trabalho de consultoria com diversas organizações no decorrer dos anos, temos observado essas dez caracte­rísticas principais, que são comuns aos melhores chefes:

  • Dão aos funcionários objetivos e tare­fas profissionais claras.
  • Não são apenas amigos dos funcioná­rios, mas também conseguem dar feed­back corretivo de forma que sejam es­cutados.
  • São verdadeiros e autênticos em suas interações com todos.
  • São éticos e demonstram valores mo­rais em suas interações com as pessoas.
  • São honestos e dão exemplo de integri­dade.
  • Encontram os talentos e as qualidades dos funcionários e os potencializam.
  • Confiam nos trabalhadores e facilitam que os trabalhadores confiem neles.
  • Estimulam visões diversificadas por par­te dos trabalhadores e conseguem acei­tar avaliações de si mesmos.
  • Estabelecem padrões elevados, mas ra­zoáveis, para os funcionários e para si.

O que intriga com relação a essas qua­lidades é o grau em que os funcionários parecem concordar em que elas sejam, tam­bém, importantes para eles próprios. Eles atribuem essa concordância de visões ao fato de falarem entre si sobre o que gos­tam e não gostam em seus superiores. Além disso, quando um chefe tem essas caracte­rísticas, isso parece ter um papel impor­tante na produtividade e na felicidade dos funcionários no trabalho.

Os sentidos de engajamento, produ­tividade e satisfação parecem todos andar juntos em um local de trabalho positivo. Sem dúvida, o chefe cumpre um papel crucial para fazer que tais resultados posi­tivos aconteçam. Pense nessas característi­cas de um bom chefe e depois as aplique a seu ambiente de trabalho. Essas caracte­rísticas se aplicam a seus supervisores? Você acha que tem muitas dessas qualida­des? Embora você possa não ser chefe ago­ra, possuir essas características principais pode determinar se você o será, bem como se terá sucesso nesse papel.

A Abordagem do trabalho beseada em qualidades

Nesta seção, descrevemos uma ousa­da e nova abordagem para associar as ta­refas dos funcionários a suas qualidades e a seus talentos, que foi lançada pela Orga­nização Gallup. A seguir, exploramos os vários aspectos dessa abordagem baseada em qualidades, que está definindo tendências. Uma pioneira de longa data da abor­dagem baseada em qualidades tem sido a Organização Gallup, na qual líderes prati­cam a “busca de qualidades” em relação a contratar e cultivar os funcionários. Em lugar de gastar milhões de dólares para reparar ou “consertar” deficiências nas ha­bilidades de seus funcionários, os líderes da Organização Gallup sugerem que esse dinheiro e essa energia seriam mais bem gastos em descobrir as qualidades e os ta­lentos dos funcionários, e depois encontrar tarefas de trabalho que tenham uma boa relação com esses talentos (Hodges e Clifton, 2004). O foco não está em mudar os defeitos e as deficiências dos funcioná­rios, e sim em potencializar seus recursos. Como disseram Buckingham e Coffman (1999, p. 57), não perca tempo tentando colocar dentro o que ficou de fora. Tente trazer para fora o que ficou dentro. Isso já é difícil o suficiente.

Combine as pessoas, não as "coserte"

A premissa da abordagem baseada em qualidades em relação ao trabalho é sim­ples: em lugar de “consertar” todos os em­pregados, de forma que cada um deles [377] tenha o mesmo nível básico de habilida­des, descubra quais são os talentos de cada um e os desig­ne a tarefas em que esses talentos pos­ sam ser usados ou formule as ativida­des profissionais em relação aos talentos e habilidades dos trabalhadores. Por mais que essa postu­ra possa ser óbvia, quando a Gallup realizou uma pesquisa em diferentes países, a resposta foi surpreen­dente ao se perguntar aos respondentes: “O que o ajudaria a ser mais bem-sucedido em sua vida: saber quais são seus defeitos e tentar melhorá-los ou saber quais são suas qualidade se tentar potencializá-las?” (Hodges e Clifton, 2004, p. 256). Timothy Hodges e Donald Clifton, da Gallup, resu­miram as respostas a essas perguntas e con­cluíram que a maioria dos respondentes em diferentes países respondeu em favor de “melhorar seus defeitos”. Em termos de porcentagem de respondentes que favore­ceram a postura de potencializar as quali­dades, os pesquisadores encontraram o se­guinte: Estados Unidos = 41%; Grã-Bretanha = 38%; Canadá = 38%; França = 29%; Japão = 24%; e China = 24%. Obviamente, a maioria das pessoas ainda
prefere o modelo do “conserto”.

As etapas dessa abordagem

Segundo Clifton e Harter (2003), há três etapas na abordagem baseada em qualidades em relação ao emprego gratifícante. A primeira é a identificação de talentos, que envolve aumentar a cons­ciência dos empregados em relação a seus talentos naturais ou aprendidos. Se você está interessado em encontrar esses talen­tos em si mesmo, sugerimos o diagnóstico da Organização Gallup na internet (http://www.strengthsfinder.com). (Os autores deste texto reali­zaram a medida nessa página na internet e concluíram que os resultados são muito úteis. Observe que pode haver cobrança se você não comprou um livro que contenha um código do Clifton StrengthsFinder.)

A segunda etapa é a integração de ta­lentos à autoimagem do funcionário. A pessoa aprende a se definir segundo esses talentos. A Gallup desenvolveu livros vol­tados a ajudar grupos específicos de pes­soas a integrar seus talentos. Há um volu­me interessante para trabalhadores de di­ferentes áreas de emprego potencial (vide Buckingham e Clifton, 2001), um caderno de exercícios para estudantes (vide Clifton e Anderson, 2002), um livro para pessoas que trabalham em vendas (Smith e Ru- tigliano, 2003) e um para membros e líde­res de organizações baseadas na fé (vide Winseman, Clifton e Liesveld, 2003).

A terceira etapa é a mudança comportamental real, na qual o indivíduo aprende a atribuir qualquer sucesso a seus talentos especiais. Nessa etapa, as pessoas informam estar mais satisfeitas e produtivas, precisa­mente porque começaram a se apropriar de suas qualidades e a se aprofundar nelas.

Funciona?

A abordagem baseada em qualida­des funciona para melhorar os emprega­dos? A resposta parece ser um sólido sim. Em uma pesquisa com 459 pessoas que haviam realizado o diagnóstico com o Clifton StrengthsFinder por meio da pá­gina na internet citada (Hodges, 2003), 59% concordaram, ou concordaram em muito, com a questão “Aprender sobre minhas qualidades me fez fazer escolhas melhores em minha vida”; 60% concor­daram, ou concordaram em muito, com “Concentrar-me em minhas qualidades me [378] ajudou a ser mais produtivo”; e 63% con­cordaram em muito com “Aprender sobre minhas qualidades aumentou minha autoconfiança”.

Para além desses benefícios informa­dos por autoavaliação, a abordagem base­ada em qualidades também produziu re­sultados positivos no local de trabalho em relação a indicadores “concretos”. Por exemplo, em um estudo na Toyota North American Parts Center California (Connelly, 2002], os trabalhadores dos armazéns re­alizaram o Clifton StrengthsFinder e par­ticiparam de sessões na hora do almoço que visavam responder a qualquer questão re­lacionada. Além disso, os gerentes da em­presa fizeram um curso de quatro dias so­bre essa abordagem. Em relação aos três anos anteriores, nos quais a produtividade por pessoa aumentou ou diminuiu em me­nos de 1%, o ano seguinte à intervenção desse tipo teve um aumento de 6%.

Outros exemplos de avanços reais no trabalho resultantes dessa abordagem ba­seada em qualidades podem ser vistos em Hodges e Clifton (2004). Por exemplo, quando implementada em ambientes de trabalho, a abordagem resultou em maior engajamento dos funcionários (Black, 2001; Clifton e Harter, 2003) e engaja­mento entre membros de uma congrega­ção religiosa (Winseman, 2003). Além dis­so, a educação na abordagem baseada em qualidades gerou aumentos na confiança dos estudantes em si mesmos e nos resul­tados futuros (Clifton, 1997; Rath, 2002). Em suma, a abordagem obteve sustenta­ção considerável na última década.

O exercício dos recursos

Um exercício que temos usado ao tra­balhar com as pessoas quando elas cogitam novas profissões ou empregos tem seme­lhanças com a abordagem baseada em qua­lidades usada pela Gallup. Nossa técnica é muito mais simples. Começamos pedindo que nosso cliente faça duas colunas em uma folha de papel em branco, intitulando a pri­meira coluna como “Recursos” e a segunda, “Débitos”. Nesse caso, citamos o caso real do autor principal (C.R.S.) para ilustrar como o profissional da ajuda pode avançar daqui. Eu estava atendendo a um homem de cerca de 30 anos. Ele era diskjockey, mas não sentia mais qualquer satisfação com esse tipo de trabalho. O que ele queria era vol­tar a estudar e ser assistente social. Para ajudá-lo e saber quanto essa nova linha de estudos e trabalho era adequada a ele, pedi-lhe que tirasse alguns minutos para pensar sobre suas qualidades e defeitos em relação a essa mudança. Uma vez tendo pensado um pouco nisso, pedi-lhe que listasse todos os seus recursos relacionados a se tornar as­sistente social na primeira coluna e seus dé­bitos em relação a essa mesma atitude, na segunda. O que ele fez está disposto na Fi­gura 17.5.

Figura 17.5

Observe que a lista de recursos de nosso candidato a assistente social é mui­to mais longa do que a sua lista de débitos. Esse é um bom sinal. Além disso, pode-se ver que ele tinha várias qualidades que o ajudariam nessa transição. Em primeiro lugar, tinha os interesses e talentos bási­cos necessários para o trabalho social - ele tinha habilidades interpessoais, gostava na­turalmente de ajudar e as pessoas se abri­am a ele. Sua motivação estava alta, ele tinha certeza do que queria e estava dis­posto e pronto para mudar. Ele também tinha uma sólida base de apoio social, o que é um bom recurso para uma pessoa que vai passar por uma mudança de gran­de porte, potencialmente estressante. No outro lado da contabilidade, seus dois débitos não eram fatais, ele poderia apren­der a se planejar para voltar à escola, e suas notas, embora variassem de Ds a As, ainda estavam acima do requisito mínimo. Em termos gerais, esse exercício com recursos mostrou que nosso candidato a assistente social tinha os recursos necessários e as qualidades adequadas à sua nova profissão. [379]

Capital no trabalho

O psicólogo positivo Fred Luthans, da Universidade de Nebraska, propôs uma nova maneira pensar sobre recur­sos ou capital, que se pode aplicar à força de trabalho. Essa visão do capi­tal dá maior ênfase ao trabalhador in­dividual. Como dis­se Carly Fiorian, da Hewlett-Packard (em Luthans e Youssef, 2004, p. 143), “O ingrediente mais im­portante na paisa­gem transformada são as pessoas”. No espírito da pesquisa e aplicações da psicologia positiva, Luthans começa com a visão tradicional de capital econômico e, a seguir, amplia-a para no­vas fronteiras do pensamento psicológico positivo. Apresentamos essa evolução de seu pensamento nas próximas seções.

Capital econômico tradicional

Como mostrado na Figura 17.6, o ca­pital econômico tradicional envolve a reposta de uma organização à pergunta: “O que você tem?”. A resposta tem sido geralmente uma lista de instalações con­cretas que tornam uma determinada em­presa singular. Esse caso incluiria os pré­dios ou as fábricas, o equipamento, os dados, as patentes, a tecnologia, e assim por diante. Obviamente, esse tipo de ca­pital é muito caro em termos de despesas financeiras. Muitas vezes, um indicador de sucesso em uma organização é o fato de outras empresas tentarem copiar essas fontes de capital (eufemisticamente cha­mado de benchmarking). Como a tecnolo­gia moderna agora possibilita que os pro­dutos de uma empresa líder no setor se­jam copiados por meio de engenharia reversa, contudo, as vantagens tradicionais desfrutadas por uma empresa que desen­volve um produto novo foram reduzidas em muito. Historicamente, esses recursos físicos do capital econômico têm recebido a maior parte da atenção em análises de cenários de trabalho (Luthans, Luthans e Luthans, 2004), mas isso está mudando no século XXI.

Figura 17.6

Capital humano

A expressão capital humano se refere aos empregados em todos os níveis de uma organização. Nesse sentido, o fenômeno empresarial Bill Gates comentou que os [380] recursos mais importantes de sua empresa “saíam pela porta todas as noites”. Ao fa­zer esse comentário, ele está enfatizando a forma como as habilidades, o conheci­mento e as capacidades de seus emprega­dos refletem os recursos maiores que posicionaram a Microsoft acima de seus con­correntes. Portanto, no modelo de capital econômico antigo, a questão orientadora para uma organização era: “O que você tem?”. A pergunta fundamental para a perspectiva do capital humano, por sua vez, é “O que você sabe?”. A resposta para a segunda interrogação implica recursos re­lacionados aos empregados, que se baseiam em capital humano, como experiência, educação, habilidades, talentos, conheci­mento e novas idéias (Luthans et al., 2004). O conhecimento inerente ao capital huma­no é formado pelas habilidades explícitas dos trabalhadores. Essas habilidades e co­nhecimentos tácitos são específicos de cada organização. Por exemplo, a Nike tem sido caracterizada como soberba no gerencia­mento de marca, a General Electric, em cooperação global, e a Microsoft tem sido elogiada por ter empregados excelentes em experimentar novas idéias (Luthans e Youssef, 2004).

Na força de trabalho dos Estados Uni­dos, o capital humano cada vez mais envol­ve trabalhadores de diversas origens étni­cas. Nas palavras de John Bruhn (1996),

Uma organização saudável é aquela em que se faz um esforço visível para ter pes­soas de diferentes origens, habilidades e capacidades para trabalhar conjuntamen­te pelos objetivos ou propósitos da orga­nização. Embora ainda não tenhamos con­quistado isso em nível social, é possível em nível organizacional (p. 11).

A necessidade de diversidade cultu­ral está sendo entendida em nível de ge­rentes e de empregados. O professor Taylor Cox (1994), da Universidade de Michigan, sugeriu quatro boas razões para essa di­versidade de capital social. Em primeiro lugar, origens diversas dentro de uma mes­ma organização melhoram o nível geral de energia e talento, aumentando o potencial para solução de problemas da organização. Em segundo, um valor central da socieda­de norte-americana é a igualdade de opor­tunidades, de forma que é correto, ética e moralmente, aumentar a diversidade en­tre os trabalhadores. Terceiro, a diversida­de cultural eleva o desempenho de todos os trabalhadores. Quarto, a legislação relacionada a remuneração igual, direitos civis, discriminação por gravidez e idade e aquela referente a portadores de deficiên­cias obriga à diversidade.

Capital social

Intimamente relacionado ao capital humano é o capital social, com relação ao qual a pergunta é “Quem você conhece?”. Em todos os níveis de uma organização, um importante conjunto de recursos está vinculado aos relacionamentos, rede de contatos e amigos (vide a Figura 17.6). Esse capital social faz que uma organização con­siga estabelecer objetivos e resolver quais­quer desafios que possam surgir. Como sa­bem com quem devem falar dentro e fora da empresa, os empregados podem atingir seus objetivos, mesmo em circunstâncias difíceis. Dessa forma, a orientação é uma mercadoria preciosa no capital social.

Capital psicológico positivo

A última e mais recente forma de ca­pital discutida pelos cientistas sociais é o capital psicológico positivo, o qual, para Luthans e colaboradores (Luthans et al., 2004; Luthans e Youssef, 2004), comporta quatro variáveis psicológicas positivas (vide a Figura 17.7). Essas quatro variáveis envolvem a eficácia de Bandura (1997), (a confiança na própria capacidade de atin­gir um objetivo;), a espe­rança de Snyder (2002a) (a capacidade de encontrar caminhos para objetivos [381] desejados, junto com a motivação ou a agência para usar esses caminhos), o otimismo de Seligman (2002) (capa­cidade de atribuir os bons eventos a cau­sas internas, estáveis e generalizadas) e a resiliência de Masten (2001) (capacidade de resistir e vencer diante da adversidade).

Figura 17.7

Luthans afirma que, à medida que avançamos no século XXI, é hora de as empresas reduzirem sua dependência das fontes tradicionais de capital (como o eco­nômico) (Luthans et al., 2004; Luthans e Youssef, 2004). Em lugar disso, ele sugere que há razões teóricas contundentes, jun­to com relatórios iniciais de programas de pesquisas (vide Luthans, Avolio, Walumbwa e Li, no prelo), para avançar a essas for­mas psicológicas de capital. Exploramos uma forma de capital psicológico positivo, a esperança, e mais detalhes, na próxima seção.

Esperança, um capital psicológico fundamental

Como discutimos em detalhe no Ca­pítulo 9, o pensamento esperançoso pode produzir benefícios em várias áreas da vida, sendo que uma das mais importantes é o trabalho (Peterson e Luthans, 2003). De fato, a esperança pode caracterizar o am­biente de trabalho produtivo ou a empresa, assim como o trabalhador bem-sucedi­do. Lembre-se de que a esperança, como a definiram Snyder e colaboradores (vide o Capítulo 9), envolve ter objetivos claramen­te definidos, junto com as capacidades per­cebidas para produzir rotas que levem a esses objetivos (chamado de pensamento de caminhos), e as energias necessárias para usar essas rotas (chamado de pensamento de agência). Em geral, usando os princípios da teoria da esperança, é adaptativo em ambientes de trabalho esclarecer os obje­tivos importantes, desmembrar objetivos maiores em outros, menores, que sejam mais fáceis de atingir, e aprender a produ­zir rotas alternativas a objetivos desejados, especialmente em circunstâncias estressantes (Luthans e Jensen, 2002).

Para explorar o papel da esperança nas empresas dos Estados Unidos, o autor principal deste livro-texto (C.R.S.) realizou uma pesquisa na revista Success, em 2001 (Snyder, 2004b). Essa pesquisa fez uma série de perguntas em relação a uma em­presa, e deveria ser respondida completamente e devolvida de forma independente por um empregado de cada nível da em­presa, desde o superior, ao intermediário e ao inferior. Em outras palavras, o diretor-executivo ou o presidente representava o nível superior, os gerentes, o intermediá­rio e os trabalhadores refletiam o escalão mais baixo. As respostas foram devolvidas ao investigador e tabuladas com vistas a classificar as 100 primeiras empresas em termos de esperança. Além disso, foram identificadas as dez principais do grupo todo de empresas. Essas empresas varia­vam desde operações familiares que tinham alguns poucos trabalhadores e rendimen­to bruto de 150 mil dólares por ano até organizações imensas, com milhares de empregados e receitas de mais de um bi­lhão de dólares. Apesar das diferenças des­sas organizações em termos de tamanho e formação, a pesquisa mostrou característi­cas muito semelhantes nas organizações com esperanças elevadas. Discutimos es­sas características a seguir.

As empresas com esperanças elevadas

Em termos gerais, as empresas com esperanças elevadas parecem ser muito bem-sucedidas em termos de seus lucros. Dessa forma, a esperança cumpre um papel positivo quando se trata de lucros finais. Também concluímos que os ambientes de trabalho onde há elevadas esperanças (em comparação com os de esperanças [383] reduzidas) compartilhavam as seguintes carac­terísticas:

  • Ninguém, incluindo a gerência, era mui­to temido pelos empregados.
  • Havia um terreno comum em que todos tinham a mesma chance de sucesso.
  • Os avanços e os benefícios estavam li­gados aos esforços feitos.
  • A pessoa de nível mais baixo na organi­zação era tratada com o mesmo respei­to que qualquer outro empregado, in­cluindo a gerência.
  • A primeira prioridade da gerência era ajudar os empregados a fazer o melhor trabalho possível.
  • Havia uma comunicação aberta e bidirecional entre empregados e gerência.
  • O feedback dos funcionários era solici­tado como forma de tornar a empresa melhor.
  • O maior número possível de decisões era dado aos funcionários que estives­sem fazendo o trabalho em questão.
  • Os funcionários participavam da defi­nição dos objetivos da empresa.
  • Os funcionários recebiam responsabili­dades por encontrar soluções para os problemas.
  • Fosse para resolver um problema ou experimentar uma ideia nova, dava-se aos funcionários a responsabilidade por implementar as mudanças.
  • O objetivo era estabelecer relaciona­mentos duradouros com os clientes, em lugar de atingir um determinado obje­tivo de vendas.

Os empregados com esperanças elevadas

Usando os mesmos dados de pesqui­sa (ou seja, Snyder, 2004), foram identifi­cados os empregados com esperança mais elevada. Também se deve observar que es­ses empregados de alta esperança tendiam a trabalhar nas empresas de esperança ele­vada. Os resultados mostraram que esses empregados (comparados com os de bai­xa esperança) compartilhavam as seguin­tes características:

  • Eram conscienciosos em relação a seus empregos.
  • Apresentavam atitudes prestativas em relação a outros trabalhadores e às co­munidades locais.
  • Eram corteses com colegas de trabalho e com clientes, especialmente durante discussões ou interações difíceis.
  • Reagiam bem quando colegas de tra­balho recebiam gratificações (aumen­tos, promoções, reconhecimento, etc.).
  • Não culpavam colegas, a administração ou clientes quando surgiam dificuldades.
  • Estabeleciam objetivos de trabalho claros.
  • Encontravam rotas boas e múltiplas para objetivos desejados.
  • Conseguiam se motivar sob circunstân­cias normais e eram especialmente di­nâmicos em circunstâncias difíceis.

Mobilizando a esperança no trabalho

Tomadas em seu conjunto, essas con­clusões com relação às características da es­perança elevada em empresas e emprega­dos possibilitam várias inferências. Para começar, há, pelo menos, quatro grandes conseqüências de ser empregado em um ambiente de baixa esperança (Snyder e Feldman, 2000). Em primeiro lugar, parece que os trabalhadores nesses ambientes têm baixa motivação. Isso se conclui porque eles não contribuem muito para definir suas ati­vidades. Em segundo, os trabalhadores po­dem não se sentir muito conscienciosos e, assim, teriam probabilidades de gerar pro­dução de baixa qualidade. Terceiro, geral­mente têm autoestima e ânimo para o tra­balho baixos. Quarto, parecem não ter res­peito pelos administradores e outros fun­cionários quando chegam a trabalhar, mas seu trabalho muitas vezes é irregular e eles têm altas taxas de absenteísmo. [384]

Esses resultados de pesquisa pintam um quadro diferente, contudo, para o am­biente de trabalho e para o empregado de elevada esperança. Possibilita-se a esses empregados ter voz na definição de seus próprios objetivos de trabalho. Como são conscienciosos e motivados em relação a vários aspectos de seus empregos, eles não têm que bater cartão-ponto e, em vez dis­so, confia-se neles para que informem suas horas de trabalho corretamente. Gostam de seu trabalho, e isso fica visível em sua cortesia com relação a colegas e clientes, e também são prestativos em suas interações com colegas de trabalho (ou seja, prova­velmente ajudarão outro empregado a atin­gir seus objetivos de trabalho, sem ser competitivos). Por fim, quando se trata dos lu­cros, os esperançosos são produtivos. Re­sumindo, os trabalhadores que têm pers­pectivas esperançosas têm probabilidades de ter bom desempenho em ambientes de trabalho (Snyder, 1994), e isso se aplica especialmente se o ambiente envolver estresse considerável (Kirke Koesk, 1995). (Para conclusões semelhantes sobre autoeficácia e desempenho no trabalho, vide Stajkovic e Luthans [1998].)

Pode-se aumentar a esperança no trabalho?

Uma pergunta que você pode estar fa­zendo a essas alturas é se um empregado pode aprender a aumentar sua esperança dentro do ambiente de trabalho. Em dois testes dessa pergunta, Hodges e Clifton (2004) examinaram se realizar o Clifton StrengthsFinder e passar por exercícios para aprimorar as qualidades resultava em qualquer aumento em esperança situacional da forma medida pela Escala da Es­perança como Estado (Snyder et al., 1996). Em um primeiro estudo, os estudantes re­ceberam a avaliação como parte de um curso que estavam fazendo, além de uma sessão de 30 minutos para cada um com um profissional, sobre os resultados do tes­te. Dois meses depois, eles refizeram a Es­cala da Esperança como Estado, e os esco­res aumentaram cerca de 12% (em termos estatísticos, 0,36 unidades de desvio-padrão). Em uma segunda pesquisa realiza­da em um hospital para reabilitação, os em­pregados inicialmente completaram a Es­cala da Esperança como Estado e depois receberam a avaliação StrengthsFinder. Os funcionários do hospital também poderiam se reunir com um instrutor para discutir suas qualidades se assim quisessem. Após um ano, 488 funcionários do hospital fo­ram submetidos mais uma vez à Escala da Esperança como Estado. Para os empregados que haviam buscado o instrutor, em comparação com o que não o fizeram, hou­ve um aumento significativo (p < 0,001) nos escores de esperança como estado. Juntos, esses estudos sugerem que a espe­rança pode ser aumentada no contexto de trabalho.

O lado escuro: viciados em trabalho, Burnouts e empregos perdidos

Nesta seção, analisamos os trabalha­dores que podem estar mais necessitados dos benefícios da psicologia positiva, ou seja, as pessoas que trabalham todo o tem­po, os que sofreram burnout no trabalho e os que perderam o emprego.

Viciados em trabalho

Algumas pessoas, conhecidas como workaholics, tornam-se obcecadas com seu trabalho, a ponto de não conseguirem as­sumir responsabilidades com seus amigos e sua família. Esse vício também faz que a pes­soa fique no trabalho por muitas horas após os outros terem ido embora, e trabalhando muito mais do que os outros, quase ao pon­to de buscar o perfeccionismo (McMillan, O’Driscoll, Marsh e Brady, 2001). Para uma [385] pessoa viciada em trabalho, não há equilí­brio nas atividades da vida, e ela pode até começar a exibir padrão de comportamen­to de Tipo A, de supervigilância, com rela­ção a limites de tempo, e explosões de raiva para com colegas de trabalho (Houston e Snyder, 1988).

Burnout

Você já se sentiu como se trabalhasse cada vez mais em seu emprego e mesmo assim as coisas que precisa fazer simples­mente parecessem aumentar, independen­temente de seus esforços? Você se sente cansado no trabalho? Seu emprego não é nem um pouco gratificante? Talvez você tenha assistido a seus próprios pais traba­lharem muito e com muito esforço, e ado­tou sua postura workaholic para si. Se es­ses sentimentos parecem estar presentes, você pode estar sofrendo de burnout (Pines, Aronson e Kafry, 1981; Rodriguez-Hanley e Snyder, 2000).

O bumout é cíclico. Inicialmente, o empregado tem um alto nível de energia, mas isso começa a diminuir com o passar do tempo. Ele encontra graves limitações de tempo para conseguir cumprir as tare­fas, há impedimentos com relação aos ob­jetivos de trabalho, os chefes tendem a não recompensar e ainda assim pedem mais e mais do emprega­do porque ele está cumprindo as tare­fas. Paradoxalmen­te, para a pessoa que é eficaz e esfor­çada, pede-se mais. A medida que o ci­clo continua, o em­pregado fica totalmente exausto em corpo e mente, e o burnout prejudica de verdade sua ca­pacidade de realizar as tarefas necessá­rias ao trabalho. Quando sua energia ter­mina, o trabalhador precisa de tempo para se recuperar e recarregar (vide a teoria da exaustão do ego, de Baumeister, Faber e Wallace [1999]).

Os autores deste livro trabalharam com professores de escolas de ensino fun­damental e médio que sofreram burnout, e o aspecto surpreendente desses casos é que os professores novos que entram em sala de aula com o maior entusiasmo parecem ser os mais vulneráveis ao problema. Infelizmente, as pessoas em profissões volta­das a prestar assistência podem ser as mais inclinadas a sofrer burnout (Carpenter e Steffen, 2004). Por exemplo, em um estu­do realizado com assistentes sociais, mui­tos dos que se sentiam sofrendo de burnout também tinham cargas de trabalho pesa­das e excessivas, além de chefes que rara­mente elogiavam (Ngai, 1993). Da mesma forma, os enfermeiros podem sofrer bur­nout quando são submetidos a pressões no trabalho e quando sentem falta de estímu­lo, assim como os assistentes sociais. Não surpreende, então, que os enfermeiros que têm elevados escores no Inventário de Burnout de Maslach {Maslach Burnout Inventory, Maslach e Jackson, 1981,1986) também tenham nível de esperança redu­zido e se sintam bloqueados e incapazes de cumprir as muitas demandas de seus empregos (vide Sherwin et al., 1992). Para o leitor interessado nesse tópico, recomen­damos os artigos da psicóloga Christina Maslach, da Universidade da Califórnia, que produziu abordagens teóricas e de ava­liação excelentes com relação ao burnout.

Várias abordagens já foram usadas para reduzir o burnout em ambientes de trabalho (Godfrey, Bonds, Kraus, Wiener e Toch, 1990). Entre as técnicas que se mos­traram eficazes para reduzir o estresse no trabalho estão a definição de objetivos, a solução de problemas, o gerenciamento do tempo, os exercícios aeróbicos, as técnicas de relaxamento e o enfrentamento em ge­ral (Hudson, Flannery-Schroeder e Kendall, 2004). Ainda que descrevamos várias [386] técnicas de meditação no Capítulo 15 como parte da intercessão para gerar mudança, a meditação pode ser aplicada ao trabalho tão bem quanto em outras circunstâncias.

Uma questão final a ser considerada nesta seção é se os programas voltados a tratar do burnout são eficazes. Em poucas palavras, a resposta é sim. Em uma meta-análise de vários desses programas para reduzir o estresse em locais de trabalho, por exemplo, as intervenções de curto pra­zo tiveram efeitos consistentes (tecnica­mente, as magnitudes de efeito foram de 0,38 a 0,53) nos humores e saúde infor­mada pelos empregados; além disso, as in­tervenções de longo prazo produziram efei­tos ainda mais consistentes (Kaluza, 1997).

Perdendo o emprego

Infelizmente, uma realidade muito comum é o fato de as pessoas perderem o emprego. Ficar sem trabalho é um proble­ma muito grave, psicológica e fisicamente. Por exemplo, pesquisas recentes chegaram a relacionar o desemprego à morte preco­ce (Voss, Nylen, Floderus, Diderichsen e Terry, 2004). Em um programa de pesquisa de longo prazo com gêmeos idênticos, a Dra. Margaretha Voss, do Instituto Karo- linska, em Estocolmo, na Suécia, estudou mais de 20.600 homens e mulheres. Uma conclusão foi que os que informaram ter ficado desempregados tiveram mais pro­babilidades de morrer nos 10 a 24 anos seguintes do que os que não haviam ficado sem emprego. Essa conclusão, entre mulheres que informaram ter estado desem­pregadas, parecia estar ligada a suicídios, ao passo que, para os homens, a causa era indeterminada. A Dra. Voss havia concluí­do em suas pesquisas anteriores que a morte precoce (antes dos 70 anos) era mais provável para homens e mulheres que ti­vessem ficado desempregados em algum momento de suas vidas, mas as últimas conclusões mostraram que as mulheres com históricos de desemprego tinham qua­se quatro vezes mais probabilidades de cometer suicídio do que as que estavam empregadas.

Na pesquisa de Voss, também houve algumas evidências de que o desemprego entre homens está relacionado a mortes causadas por doenças relacionadas ao ál­cool e por cânceres. Escrevendo sobre es­sas últimas conclusões, a Dra. Voss argu­menta que o desemprego desencadeia um carrossel de eventos negativos que come­ça com a deterioração das circunstâncias e dos avanços econômicos da pessoa desem­pregada, por meio de uma redução da si­tuação social, relacionamentos interpes­soais desfeitos, aumento de comportamen­tos de risco, redução do bem-estar psicoló­gico e depressão, até a doença física mais grave. Como já ficou evidente neste capí­tulo, portanto, o emprego gratificante é crucial para que uma pessoa tenha uma perspectiva positiva e talvez até para sua saúde física.

O que você pode fazer para melhorar seu trabalho? 

Para ajudá-lo a pensar com um pou­co mais de profundidade sobre seu traba­lho, recomendamos que você estude a Fi­gura 17.8. Usamos os quadros dessa figura como auxílio aos passos necessários para melhorar seu trabalho.

Figura 17.8

Melhorando o trabalho

Em nossas interações clínicas com pessoas que estavam explorando questões relacionadas ao trabalho, julgamos interes­sante perguntar sobre os primeiros pensa­mentos que uma pessoa tem, cedo da ma­nhã, com relação a ir ao trabalho. Se você gosta de seu emprego e tem vontade de ir trabalhar, parabéns por essa simples situa­ção. Todavia, mesmo que goste de seu tra­balho, sugerimos que é bom estar sempre [387] buscando formas de melhorá-lo. Na Figu­ra 17.8, isso é representado pela rota à es­querda, chamada de “Melhorar o trabalho”.

Cabe discutir mais acerca dos vários pontos de decisão sobre o lado “Melhorar o trabalho”. Acreditamos que os empre­gados muitas vezes têm muito mais po­der e espaço do que eles se dão conta, para fazer mudanças positivas em seus empre­gos. Isso se aplica especialmente se você tem bom desempenho no trabalho. Seu valor para com seu chefe pode ser muito maior do que você pensa. Uma mudança, contudo, pode ser traiçoeira, e você pode pensar que um aumento de salário eleva­ria em muito sua satisfação no emprego, mas, como já discutimos, o dinheiro não é tão importante quanto geralmente se acredita.

Se o aumento não é uma panaceia, haveria outras mudanças em seu emprego que tornassem sua vida mais agradável? Talvez você pudesse pedir uma sala maior, férias mais longas ou mais freqüentes, tem­po para passar com sua família, um limite de despesas maior, um assistente, um car­ro da empresa ou benefícios de aposenta­doria maiores e mais variados. Horários de trabalho flexíveis são muito importantes para a saúde mental e o bem-estar dos tra­balhadores (Dittmann, 2005). Outra pos­sibilidade é trabalhar em casa. So­bre flexibilidade e trabalho em casa, Dittmann (2005) escreveu, A IBM introduziu horários de trabalho fle­xíveis, por exemplo, dando a muitos em­pregados a opção de trabalhar em meio expediente ou em casa, com base em ou­tra de suas conclusões de pesquisa segun­do a qual esse tipo de horário contribui para melhorar a satisfação dos trabalha­dores. Atualmente, um terço dos funcio­ nários da IBM não trabalha em um escri­tório tradicional. De fato, os pesquisadores da empresa concluíram que os empre­gados que trabalham em casa têm menos dificuldades com motivação e retenção e são mais dispostos a fazer um esforço ex­tra em seu trabalho. Mais: 55% dos fun­cionários pesquisados concluíram que tra­balhar em casa ao menos um dia por semana é aceitável, e 64% disseram que é provável que trabalhem em casa nos pró­ximos cinco anos (p. 37).

Um bom guia para melhorar sua situação profissional é refletir sobre os di­versos fatores que discutimos anteriormen­te como elementos que contribuem para o emprego gratificante (vide a Figura 17.1). Busque maneiras de conseguir o seguinte em seu emprego:

  1. variedade nas tarefas realizadas;
  2. um ambiente de trabalho seguro;
  3. renda suficiente;
  4. um sentido de propósito;
  5. felicidade e satisfação pessoais;
  6. engajamento positivo;
  7. uma sensação de que está tendo bom desempenho e atingindo objetivos e
  8. companheirismo e amizade.

Algumas dessas oito características do emprego proveitoso podem ser mais im­portantes para você do que outras. Assim, você deve tentar maximizar o atendimen­to de suas necessidades nas áreas mais im­portantes.

Outro passo que consideramos útil é que os trabalhadores falem com seus cole­gas de trabalho sobre formas por meio das quais o ambiente profissional pode ser melhorado. Seus colegas podem ter boas idéias de mudança nos aspectos físicos de seu emprego, ou dicas sobre como lidar de forma mais eficaz com outros trabalhado­res e chefes.

Uma última estratégia que vem do lado “Melhorar o trabalho” da Figura 17.8 é aprender a desfrutar do que você tem. Apreciar e saborear (Bryant, 2005; Bryant e Veroff, 2006) são atributos importantes da psicologia positiva, e você pode querer tirar mais tempo para simplesmente enten­der e desfrutar do que tem. [389]

Candidatando-se a um novo emprego

Como se pode ver na Figura 17.8, se sua resposta para a pergunta sobre acor­dar e querer ir trabalhar for não, vá ao lado direito do guia, chamado de “Encontrar um trabalho novo”, e siga os passos delinea­ dos ali.

Pode ser necessária coragem para ini­ciar uma busca por um novo emprego. Um elemento central para esse processo é per­manecer flexível ao considerar várias op­ções. Nesse sentido, você já pensou sobre de onde tirou suas atitudes com relação ao trabalho, bem como seus interesses em ti­pos específicos de trabalho? Descobrimos [391] que pais, membros da família e colegas são fortes influências.

Você pode pensar em uma amostra ainda mais ampla de pessoas potencialmen­te influentes com relação a suas atitudes diante do trabalho. Acreditamos ser impor­tante pensar sobre essas influências por­ que, em nossa experiência, refletir sobre essas fontes ajuda as pessoas a mudar suas atitudes. Leitores anteriores consideraram que “De onde tirou seus interesses profis­sionais?” é o mais útil para se certificar dos fatores que influenciaram suas atitudes em relação ao trabalho.

O próximo passo na Figura 17.8 é fa­ zer um teste vocacional/de interesses (se você ainda não o fez) para ver se seus inte­resses estão em sintonia com várias traje­tórias profissionais. Em nossa experiência, o problema para algumas pessoas é que elas vêm tendo trabalhos que não são ade­quados a seus padrões de interesse. Nossa sugestão, especialmente se você é um es­tudante universitário que está lendo este livro como parte de uma disciplina, é ir até o centro de atendimento aos estudantes e perguntar como pode receber orientação profissional. A noção fundamental nesse caso é que você deveria ter uma profissão na qual as atividades sejam adequadas a seus interesses (e qualidades, como obser­vado anteriormente). A maioria das facul­dades tem um ou mais profissionais com formação para administrar testes vocacio­nais e depois orientar os alunos em rela­ção aos resultados. Tenha em mente que os testes vocacionais não lhe dizem qual emprego é bom para você, mas proporcio­nam dicas excelentes sobre profissões nas quais você deve se sentir mais satisfeito, em função de seus interesses. Esses testes podem ter um custo ou podem ser parte dos serviços oferecidos a todos os alunos.

Recomendamos que você faça, não apenas porque é muito útil na tomada de decisões em relação à sua profissão, mas também será um bom negócio se comparado com as várias centenas de dólares que você te­ria gasto nesses serviços no setor privado.

Esses testes vocacionais foram cuida­dosamente validados para lhe dar uma ideia de seus interesses profissionais, bem como a relação entre seus interesses espe­cíficos e os das pessoas que são felizes e bem-sucedidas em várias profissões (para panoramas, vide Harmon, Hansen, Borgen e Hammer [1994] e Swanson e Gore [2000]; para discussões específicas sobre questões interculturais e étnicas, vide Day e Rounds [1998] e Fouad [2002]). O orientador fa­lará com você sobre seu padrão de interes­ses e, embora talvez ache que sabe quais são eles, poderá se surpreender. Você tam­bém receberá feedback útil em relação à adequação de seus interesses às várias pro­fissões. A decisão sobre qual direção tomar continuará a ser sua, mas será uma deci­são informada, diferente daquela do es­tudante universitário típico que escolhe seu curso e, portanto, delimita seus empregos posteriores, em um processo de ir acu­mulando casualmente créditos naquela área de conhecimento. Essa é a melhor maneira de planejar um dos aspectos mais importantes de toda a sua vida? Achamos que não.

Supondo que você realmente saiba quais empregos lhe são adequados com base em seus interesses e talentos, realizar entrevistas informativas com pessoas que estejam se saindo bem nessas profissões pode ajudar. Descubra o que seus empregos realmente acarretam e depois receba seus conselhos com relação a encontrar empregos na mesma área. Nessa etapa você pode se dar conta de que precisa voltar a estudar para ter um diploma novo ou dife­rente que abra portas nos empregos que gostaria de ter.

Se você tem a formação adequada, o próximo passo é preparar um currículo e dar para outras pessoas lerem, e ver se está [392] o melhor possível. Pode ser interessante ir a uma agência de empregos em busca de ajuda para procurar trabalho, mas, fazen­do isso ou não, o próximo passo é levar sua inscrição e seu currículo ao maior nú­mero de empregadores possível.

A próxima etapa envolve entrevistas. Prepare-se cuidadosamente para elas. An­tes de uma entrevista, pratique com pessoas que você pode confiar que lhe darão um feedback sincero. Descubra tudo o que pode sobre a empresa e seu pessoal antes da entrevista. Vista-se adequadamente para o ambiente. Durante a entrevista, demons­tre entusiasmo pelo emprego. Ouça o que seus entrevistadores estão dizendo, e preste atenção. Se você não tiver a resposta para alguma pergunta, não tente fingir que a tem - admita que não sabe, mas que irá aprender! E conheça suas qualidades, pois a maioria dos entrevistadores lhe pergun­tará sobre elas.

Parabéns! Estão lhe oferecendo um emprego. E nessa etapa que você tem o maior poder de influenciar o conteúdo de sua oferta de trabalho. Pense em outras coisas além do dinheiro. Preste atenção aos fatores de emprego gratificante mostrados na Figura 17.1 ao negociar com seu poten­cial novo empregador (para um panorama do processo de se candidatar, ser entrevis­tado e negociar, vide Snyder, 2002b). Por fim, escolha o trabalho que quer assumir, ou seja, o que melhor atende às suas ne­cessidades de emprego gratificante.

O poder para mudar

Ao ajudar pessoas que estavam me­nos que felizes com sua situação profissio­nal, descobrimos que, quase sem exceção, elas acabavam por se dar conta de que ti­nham mais opções e alternativas do que imaginavam inicialmente. Sendo assim, à medida que você avança neste guia, entenda que pode fazer coisas para melhorar seu emprego. Um princípio importante da psi­cologia positiva é que podemos efetivamen­te mudar nossa vida para melhor, e o tra­balho é um aspecto crucial dela.

Quando o trabalho se torna um avocação: história de uma auxiliar de hospital 

Uma questão que surge muito clara é que a pessoa não precisa ter um alto salá­rio e um cargo importante para obter uma satisfação enorme de seu trabalho. Um exemplo pode ajudar a dar vida a esse ar­gumento. Em 1999, o autor principal des­ te livro (C.R.S.) submeteu-se a uma complexa operação no Centro Médico da Uni­versidade do Kansas. Fiquei no centro por duas semanas e, durante esse tempo, tive o prazer de interagir com muitas pessoas que tiveram uma conduta maravilhosa no trabalho. Havia um cirurgião importante, com sua equipe de “filhotes” que o segui­am a todos os lugares, assim como meu gastroenterologista de primeira classe. Pe­quenos exércitos de outros médicos e en­fermeiros também tornaram minha vida mais suportável. No entanto, por mais ma­ravilhosos e bem-sucedidos que tenham sido, esses profissionais não me causaram a mesma impressão como uma pessoa que se pode dizer que tinha a posição mais in­ferior na hierarquia. Tenho vergonha de di­zer que não me lembro do nome dessa pes­soa, mas me lembro claramente daquilo que ela colocava em seu trabalho.

Essa mulher impressionante era uma auxiliar, que trabalhava no turno entre meia-noite e 8 da manhã. Era nessas horas que meu medicamento contra a dor mui­tas vezes não funcionava bem, a cama pa­recia especialmente dura e desconfortável e eu tinha muita vontade de escapar do sofrimento. Foi nessas horas difíceis que essa auxiliar, uma mulher fisicamente pe­quena, amaciava meu travesseiro e falava comigo sobre como as coisas iam melho­rar. Eu lhe perguntei sobre seu trabalho, que parecia ser principalmente esvaziar [393] comadres, dar conta da bagunça e trocar roupas e cobertores sujos.

Tendo imigrado do Irã, ela tinha mui­to orgulho de seu trabalho, e me disse isso! Contou que seu trabalho era se certificar de que os pacientes em período pós-ope­ratório estivessem confortáveis durante a madrugada. Quando eu queria gritar por causa da dor, ela falava de minha família, que viria ao nascer do sol.

Fazendo coisas que os outros podem considerar degradantes, essa auxiliar ex­pressava prazer nas tarefas que faziam par­te de seu trabalho. Muitas vezes, lembro-me de lhe agradecer por sua ternura e, na próxima vez que eu acordava, sua profecia havia se cumprido, e ali estavam minha mulher, meus familiares e amigos, e eu me sentia melhor.

Essa auxiliar também tinha orgulho do que fazia. Muito orgulho. Ela se consi­derava como parte importante da equipe de saúde, e era. A cada noite, ela trazia flores recém-cortadas em um vasinho e colocava na mesa ao lado da minha cama. Eu lhe perguntava sobre as flores, e ela dizia que ia a um mercadinho próxi­mo quando vinha trabalhar, à noite. O mercadinho ia jogar fora essas flores cor­tadas que não usa­va, de forma que ela as trazia para o tra­balho para fazer pe­quenos arranjos pa­ra “seus” pacientes. Eu olhava essas flo­res nas primeiras ho­ras da manhã, e sua
beleza ficou maior quando eu soube da his­tória que as acompanhava.

A razão para eu contar a história des­sa auxiliar é mostrar como qualquer traba­lho, mesmo que pareça ter status inferior, pode ser uma fonte de dignidade e respei­to próprio. Qualquer tarefa, quando bem feita, pode dar prazer ao trabalhador e aos que ele atende. Eu nunca me esquecerei dessa auxiliar.

Como observa o pioneiro da psicolo­gia positiva Martin Seligman (2002), eles não se consideram como alguém que tem um emprego; em lugar disso, têm vocações. Deve-se dar crédito a Amy Wrzesniewski, da Universidade de Nova York, por sua pes­quisa inovadora sobre a noção de vocação (vide Wrzesniewski, McCauley, Rozin e Schwartz, 1997; Wrzesniewski, Rozin e Bennett, 2001). Mais uma vez, nas pala­vras de Seligman (2002),

As pessoas que têm uma vocação consi­deram que seu trabalho contribui para o bem maior, para algo maior do que elas, e assim a conotação religiosa é totalmen­te adequada. O trabalho é gratificante por si só, independentemente de dinheiro ou promoção. Quando o dinheiro termina e as promoções se esgotam, o trabalho con­tinua. Tradicionalmente, as vocações eram reservadas a trabalhos de prestígio ou refinados - padres, juizes de tribunais superiores, médicos e cientistas, mas hou­ve uma descoberta importante no cam­po: qualquer trabalho pode se tornar uma vocação, e qualquer vocação pode se tor­nar um trabalho (p. 168).

Uma nova contabilidade: um olhar para as pessoas em vez do dinheiro 

Dinheiro é importante, mas, eviden­temente, não tanto quanto sugere o este­reótipo comum. É isso que concluímos ao fazer uma revisão de literatura quando nos preparávamos para escrever este capítulo sobre trabalho. Se o dinheiro não é tão importante, então que dizer de nossa fon­te - nosso trabalho - para ganhá-lo? Nesse aspecto, ficamos impressionados com a força potencial do trabalho. Depois de nos­sos relacionamentos interpessoais, o tra­balho provavelmente é a fonte mais [394] importante para melhorar nossa vida. Pense nis­so em relação a sua própria vida.
A mensagem de psicologia positiva que surge deste capítulo é forte e coeren­te: faça do seu trabalho o melhor que ele pode ser. Ou busque um novo trabalho que tenha as características do emprego gratificante discutido no capítulo. Se tiver su­cesso no século XXI, a psicologia positiva terá ajudado empregadores e empregados a criar e a encontrar um trabalho que sus­tente as pessoas não apenas financeiramen­te, mas também psicologicamente. Sendo assim, junto com o atual sistema de cálcu­lo que destaca as baixas porcentagens de pessoas desempregadas, tratamos de ter porcentagens de pessoas gratificantemente empregadas. Essa última abordagem iria engajar produtivamente os talentos de mais trabalhadores e, ao mesmo tempo, elevar sua sensação de satisfação. Esses são obje­tivos relacionados ao trabalho que valem a pena para a psicologia positiva. [395]
 

Psicologia - Psicologia positiva
10/9/2020 3:19:30 PM | Por Shane J. Lopez
Conceituações equilibradas sobre saúde mental e comportamento

Na década de 1950, a psicologia tratou de todo o espectro do comportamento hu­mano e assim o fez, por meio de seu co­nhecimento acadêmico e de sua prática. Em 1955, Erich Fromm explorou a “sociedade sã”, definindo a saúde mental como “a ca­ pacidade de amar e criar” (Fromm, p. 69). No mesmo período, a psicóloga social Marie Jahoda (1958) caracterizou a saúde mental como sendo a condição positiva movida pelos recursos psicológicos e dese­jos que a pessoa tem de crescimento pes­soal. Ela descreveu as seis características, a seguir, para uma pessoa mentalmente saudável.

  1. Uma atitude pessoal em relação a si que inclua autoaceitação, autoestima e uma autopercepção verdadeira.
  2. A busca dos próprios potenciais.
  3. Pulsões direcionadas, integradas à per­sonalidade.
  4. Identidade e valores que contribuam a uma sensação de autonomia.
  5. Percepções de mundo verdadeiras, em lugar de distorcidas em função de ne­cessidades subjetivas.
  6.  Domínio do ambiente e alegria no amor, no trabalho e na atividade lúdica.

Além disso, Fromm e Jahoda escre­veram obras sobre suas visões de saúde positiva e bem-viver. Juntas, essas várias iniciativas para propor idéias com relação à saúde mental positiva aconteceram du­ rante a mesma época geral em que os psi­ quiatras escreveram um livrinho do ta­ manho de um livro de bolso, chamado Manual diagnóstico e estatístico (Diagnostic and statistical manual, DSM, American Psy­chiatric Association, 1952).

No início do século XXI, está claro que o foco no positivo ficou para trás em rela­ção à atenção que se presta ao negativo. Só recentemente o trabalho de Fromm e Jahoda foi redescoberto, contextualizado e incorporado às conceituações refinadas de saúde mental positiva. Ao mesmo tem­ po, o DSM cresceu enormemente nas últi­ mas décadas, a ponto de a versão mais re­ cente ser um livro impressionante e influen­ te, de 943 páginas, cobrindo os sintomas de saúde mental (American Psychiatric As­ sociation, 2000).

Por que os esforços para conceituar a saúde mental positiva e o funcionamento humano ideal ficaram para atrás em rela­ção ao trabalho em doença mental? Uma explicação é que a conquista da saúde men­ tal positiva é um processo passivo, ao pas­ so que a cura da doença mental é um pro­cesso ativo, que exige mais recursos. Ou­ tra explicação é que a manutenção da saú­de mental não demanda a mesma atenção cuidadosa (de teóricos e de profissionais) que o alívio do sofrimento. Nesse aspecto, fica fácil entender por que nossos sentimen­tos de compaixão são ativados na [293] presença de alguém com grandes vulnerabilidades (Frankl, 1959; Leitner, 2003).

Essa atenção ao sofrimento humano profundo tem cativado os filósofos orien­tais (vide o Capítulo 3) há milhares de anos e definiu o sentido da vida para alguns pensadores ocidentais pela maior parte do século XX. Portanto, a saúde mental posi­tiva das outras pessoas não evoca esses sen­timentos fortes em nós. Embora essas se­jam razões plausíveis para nosso foco in­tenso na doença mental e para as atenções limitadas associadas à saúde mental posi­tiva, uma explicação mais parcimoniosa é que somos fascinados por comportamen­tos anormais.

Neste capítulo, exploramos nossa apa­rente preocupação com o comportamento anormal e como isso contribuiu para um entendimento limitado do funcionamento positivo. Oferecemos recomendações para desenvolver conceituações mais equilibra­das de comportamentos que tratam de ca­racterísticas psicológicas positivas e nega­tivas da forma como são influenciadas por contextos relacionados ao ambiente, ao desenvolvimento e à cultura. Resumindo, acreditamos que as conceituações de com­portamentos precisam ser mais equilibra­das e tratamos dos obstáculos a esse equi­líbrio, apresentando recursos que podem ajudar no desenvolvimento de um pensa­mento clínico mais abrangente.

Avançando em direção à conceituações equilibradas

Todos os clínicos, incluindo nós dois, lutam para entender a complexidade do comportamento de nossos clientes. Os clí­nicos iniciantes nos relatam que o grande volume de informações que coletam em uma sessão de 50 minutos os sobrecarre­ga. Esse desafio é intensificado pelo fato de que essas informações clínicas geral­mente são compartilhadas em um inter­câmbio interpessoal carregado de emoção. Tanto os clínicos novatos quanto os expe­rientes desenvolvem estratégias para co­letar, organizar e interpretar os dados clí­nicos que coletam. Podemos nos concen­trar demais ou muito pouco em aspectos e determinantes específicos dos compor­tamentos de nossos clientes. Ao conceituar um caso, realizar um diagnóstico e desen­volver e implementar um plano de trata­mento, devemos chegar a um equilíbrio entre o tipo e a quantidade de informa­ções que coletamos e processamos. Espe­cificamente, enfatizamos a necessidade de abordar as seguintes questões que contri­buem para uma saúde mental abaixo da ideal:

  • O comportamento anormal parece cha­mar atenção do clínico com mais facili­dade, e aspectos do comportamento normal e do funcionamento saudável (ou seja, aquilo que está dando certo na vida da pessoa) podem não ser con­siderados importantes no processo de diagnóstico e tratamento.
  • As atribuições de razões para o com­portamento podem superestimar as ca­racterísticas internas de uma pessoa, enquanto as influências do ambiente so­bre o comportamento não são tratadas de forma adequada.
  • Os defeitos e as emoções negativas cos­tumam ser considerados mais importan­tes para o processo de diagnóstico e tra­tamento do que as qualidades e as emo­ções positivas.
  • O comportamento atual pode não ser considerado à luz do histórico e dos marcos do desenvolvimento. Especifi­camente, podemos não responder bem à pergunta: “O comportamento dessa pessoa é coerente com as expectativas de seu histórico de desenvolvimento e de sua idade?”.
  • Os comportamentos são interpretados sem que se preste atenção às informa­ções sobre os contextos culturais que [294]  poderiam influenciar se eles são con­siderados adaptativos ou mal-adaptatívos.

Ao resolver esses desafios, podemos produzir visões mais equilibradas das pes­soas e de como elas mudam. Apresenta­mos aqui nossas idéias sobre como melho­rar a conceituação do comportamento hu­mano, mas antes tentamos explicar a fas­cinação humana em relação aos compor­tamentos anormais.

Nossa fascinação em relação ao comportamento anormal

Estudantes de todos os cursos com­petem por vagas na disciplina de psicolo­gia anormal, que irá explicar por que seus colegas de quarto têm medo de sair do dormitório ou por que a tia Nita nunca toma banho! Como você, esses estudantes também se perguntam em silêncio: “Isso é normal, e como posso ter certeza?”. Por que essa pergunta da normalidade é feita com tanta frequência? E como pode ser respon­dida com algum grau de confiança?

Como profissionais da psicologia, te­ríamos ganhado muito dinheiro se tivésse­mos recebido um dólar cada vez que nos perguntaram: “Isso é normal?”. Essa per­gunta foi feita tantas vezes que tentamos entender a motivação por trás da interro­gação. Estas são nossas reflexões: uma pe­quena porcentagem de pessoas tem muito interesse em todos os comportamentos que se desviam da norma. Elas querem experi­mentar, entender e discutir esses compor­tamentos. Esse desejo natural de conhecer aparece sempre que tentamos entender um fenômeno, seja ele psicológico, seja ele de outra natureza. Mais do que isso, por ve­zes os comportamentos anormais nos dei­xam com dúvidas sobre o bem-estar de outra pessoa, ou mesmo sobre o nosso. Por exemplo, se passar por alguém que está gritando obscenidades a plenos pulmões, você pode ficar curioso sobre por que a pessoa está fazendo isso ou nervoso de entrar em contato com ela. Há uma dança de ambivalências em relação a essas inte­rações, todavia acreditamos que a fascina­ção subjacente pelo anormal seja parte de nossas tentativas saudáveis de entender nosso mundo e garantir o bem-estar de outras pessoas e de nós mesmos.

Para responder se “isso é normal” e examinar mais a fundo o comportamento anormal, devemos definir os critérios para a anormalidade. Imediatamente, contudo, temos um problema, porque não há uma definição amplamente aceita de anormal. Não obstante, três critérios costumam ser­vir como indicadores de comportamento anormal em um contexto social. Em pri­meiro lugar, o comportamento é atípico ou aberrante, o que significa que se desvia do que é considerado padrão ou esperado. Em segundo, o comportamento é considerado mal-adaptativo, ou seja, geralmente não leva a objetivos socialmente aceitos. Ter­ceiro, o comportamento costuma ser acom­panhado de desconforto psicológico - preocupação, ruminação e pensamentos e sentimentos desconfortáveis.

Dessa forma, em resposta à pergunta “Isso é normal?”, devem-se levar em conta a frequência, a função e os efeitos do com­portamento específico. Além disso, o con­texto do comportamento deve ser cuida­dosamente examinado. Consideremos, por exemplo, um homem adulto que esteja beijando o chão em um aeroporto. Certa­mente, esse comportamento é atípico, mas, se for um soldado voltando a seu país de origem após uma batalha em um país es­trangeiro, seu comportamento pode pare­cer perfeitamente razoável e normal. De fato, esse gesto pode ser adaptativo no sen­tido de que mostra amor pelo próprio país, bem como alívio ao chegar em casa. Dito de forma simples, a conclusão de normali­dade depende do contexto da ação da pes­soa. Consideremos outro exemplo: [295] estudantes universitários tiram a roupa e correm nus pelo campus. Na década de 1970, esse tipo de comportamento estava bastan­te na moda e à equipe de segurança da universidade muitas vezes se somava ou­tros observadores desse tipo de espetácu­lo. Três décadas depois: uma mulher nua passa correndo por você no caminho da aula de amanhã. E provável que a segu­rança a esteja perseguindo e os observa­dores rapidamente riam ou abanem a cabe­ça, não acreditando nesse comportamen­to. Nesse exemplo, o contexto temporal é crucial para determinar se o rótulo “anor­mal” seria aplicado.

Outro determinante para o rótulo de anormalidade é se há uma pessoa podero­sa e influente no contexto social que esteja disposta a criticar e banir uma determina­ da ação de outra pessoa. Nesse sentido, Becker (1963) apresentou o importante ar­gumento de que um comportamento não é necessariamente desviante porque viola uma regra, e sim, muitas vezes, é a reação de uma ou mais pessoas que acaba por de­terminar o rótulo. Ocasionalmente, tam­bém pode não haver qualquer violação de regra ou norma, mas o fato de uma pessoa influente na sociedade iniciar um proces­so de “exclusão” pode rotular de anormal qualquer pessoa. Sendo assim, devemos considerar o contexto situacional, o momento da ação e o aplicador potencial do rótulo de “anormal” (Snyder e Fromkin, 1980). Esses exemplos sugerem que a iden­tificação coerente do comportamento anor­mal pode se mostrar bastante difícil, mas, ainda assim, seguimos tentando categori­zar esses comportamentos.

Nossa preocupação com os compor­tamentos anormais pode cumprir funções positivas tais como promover o entendi­mento do mundo e ajudar a manter as pes­soas seguras. Entretanto, essa preocupação raramente leva a uma resposta clara à per­gunta: “Isso é normal?”. Com frequência, nossa resposta a essa pergunta é: “Depen­de”. De fato, como recém discutido, depen­de do contexto do comportamento. Depen­de também de outros fatores que são dis­cutidos nas próximas seções deste capítu­lo: gravidade do comportamento, fatores evolutivos que definem o repertório comportamental da pessoa e os contextos ambientais e culturais em que o comporta­mento está inserido. Deixar de levar em consideração as diversas qualidades do comportamento pode fazer com que ele pa­reça mais ameaçador do que precisa ser. Igualmente importante para o tema do pre­sente livro, nossa propensão a categorizar o comportamento como anormal pode con­tribuir para a atenção insuficiente que se presta a esses fatores de qualificação que podem levar à aplicação do rótulo no lado positivo do espectro. Acreditamos que o lado positivo da experiência humana tam­bém merece atenção considerável, pois es­sas qualidades e emoções positivas são os ingredientes básicos da saúde mental.

Negligência para com o ambiente positivo

O desejo de entender o comportamen­to leva muitas vezes a perguntar coisas co­mo: “Por que ele fez isso?” No entanto, em busca da resposta, infelizmente, muitas ve­zes deixamos de perguntar diretamente ao ator e, em vez disso, tentamos responder à pergunta a partir de nossa posição de ob­servadores. Quando fazemos isso, expomos nós mesmos a erros potenciais de pensa­mento que podem levar a uma consideração limitada de importantes influências do ambiente. Da mesma forma, as falhas de pensamento associadas ao erro de atribui­ção fundamental e ao viés de atribuição ne­gativa contribuem para nossa tendência a superpatologizar o comportamento e a vê-lo de maneira que não é abrangente nem valoriza as qualidades potenciais.

Ao tentar explicar o comportamento de outros em situações sociais, tendemos a ignorar os fatores situacionais ou os ambientais externos e atribuímos o [296] comportamento a características internas da pessoa (como personalidade ou capacida­des). Isso ocorre mesmo quando o clínico que está fazendo o diagnóstico sabe pouco sobre a pessoa e sobre como ela vê o am­biente. Essa tendência distorcida é chama­da de erro de atribuição fundamental (Nisbett, Caputo, Legant e Maracek, 1973). Por outra perpectiva, quando explicamos nosso próprio comportamento, somos mais abrangentes na conceituação, no sentido de que provavelmente levamos em conta as variáveis ambientais. Por exemplo, você já recebeu uma nota baixa na escola? En­quanto um observador externo pode con­cluir que você se saiu mal porque é burro, você saltaria para tirar conclusões mais baseadas na situação, como uma má expli­cação do conteúdo por parte do professor ou a formulação da prova com palavras difíceis e enganosas.

O viés negativo fundamental envol­ve a saliência (destaca-se versus não se des­taca), o valor (negativo versus positivo) e o contexto (vago versus bem-definido) de qualquer comportamento dado (Wright, 1988). Especificamente, ao se salientar, o comportamento é considerado negativo e ocorre em um contexto vago, o fator prin­cipal que orienta a percepção a seu respei­to é sua qualidade negativa. (Imagine que uma amiga lhe conta que seu namorado foi grosseiro com sua família, em uma visi­ta de fim de semana.) Com essa pequena quantidade de informações, você sabe que o comportamento é atípico - que se salien­ta - e negativo. Com pouca informação contextual, sua atenção é atraída pelo va­lor do comportamento, e você pode ficar pensando que o namorado de sua amiga é um sujeito hostil. (O mesmo se aplica a comportamentos que se destacam em um contexto esparso e é considerado positivo; a qualidade positiva irá definir e determi­nar as reações ao comportamento.)

Ao abordar esses vieses em nossas vi­sões de comportamento, podemos criar um entendimento da influência dos fatores ambientais de estresse sobre nosso funcio­namento. Com nossa maior atenção ao ambiente, podemos também ficar mais conscientes dos recursos ambientais que podem interagir com as qualidades e re­sultar em um funcionamento positivo.

Fazendo perguntas: a abordagem das quatro frentes

Há evoluções recentes muito promis­soras na classificação integral do funcio­namento humano. Em sua abordagem de quatro frentes (1991; Wright e Lopez, 2002) ao desenvolvimento de uma concei­tuação abrangente sobre os defeitos e as qualidades de uma pessoa, bem como à influência dos fatores de estresse e recur­sos ambientais, Beatrice Wright recomen­da que os observadores coletem informa­ ções sobre as quatro frentes de comporta­mento que seguem:

  1. Deficiências e características prejudi­ciais da pessoa.
  2. Qualidades e recursos da pessoa.
  3. Carências e fatores destrutivos no ambiente.
  4. Recursos e oportunidades no ambiente.

Podem-se usar métodos múltiplos e complexos para coletar essa informação, mas um trabalho conjunto com o ator (a pessoa que está sendo observada) pode revelar as respostas a estas quatro per­guntas:

  1. Com que deficiências a pessoa contri­bui para seus próprios problemas?
  2. Que qualidades ela traz para lidar efe­tivamente com sua vida?
  3. Quais fatores ambientais servem como impedimentos para um funcionamento saudável? e
  4. Que recursos ambientais acentuam o funcionamento humano positivo?

Essa abordagem equilibrada à concei­tuação, refinada pelos autores deste texto [297] (Lopez, Snyder e Rasmussen, 2003; Snyder e Elliott, 2005; Snyder, Ritschel, Rand e Berg, 2006), recomenda a busca de quali­dades pessoais, assim como recursos do ambiente.

O caso de Michael

No restante deste capítulo, um dos au­tores (S.J.L.) contar-lhe-á acerca de Michael, um cliente de 41 anos, de origem caucasiana, que ele atendeu na terapia du­rante quatro anos. Michael, que foi envia­do por um médico que o estava tratando por AIDS, informou ter depressão mode­rada. Essa depressão não apenas gerava tristeza, como também causava problemas para manter relacionamentos e cooperar com as pessoas que o cuidavam. Ele come­çou nosso longo relacionamento com a se­guinte declaração: “Preciso desesperadamente de ajuda com a minha vida”. Eu res­pondi: “De que tipo de ajuda você preci­sa?”. Cerca de 100 sessões mais tarde, a história de vida de Michael continuava intrigante e eu aprendia alguma coisa nova a seu respeito a cada encontro. Apresento, aqui e em três outros pontos deste capítu­lo, um pouco da vida dele.

Michael me disse que precisava de ajuda com “tudo”. Eu lhe pedi que fosse mais específico, e ele colocou as mãos no bolso das calças e tirou duas páginas de anotações feitas à mão sobre suas dificul­dades. Ele era muito descritivo em relação a cada preocupação e seus efeitos. Estava claro que achava que o mundo estava con­tra ele. Seu carro havia sido destruído, ele tinha efeitos colaterais graves em função da medicação, a calefação não estava fun­cionando em seu apartamento, e assim por diante. Embora sua depressão estivesse bastante complicada (devido ao seu histó­rico familiar, à sua doença e aos efeitos colaterais do tratamento), estava claro que aspectos de sua situação e, em algum ní­vel, a qualidade de seu ambiente, estavam exacerbando seus sintomas.

Próximo à metade de nossa primeira sessão, eu disse: “Esses problemas seriam avassaladores para qualquer pessoa. Como você os enfrenta?”. Ele me olhou como se não tivesse certeza de como responder. Então lhe perguntei como ele lidava com um problema específico de sua lista. Ele foi tão descritivo ao narrar sua história de enfrentamento quanto havia sido ao con­tar suas lutas. Bem no final da sessão, eu disse: “Na próxima vez, falaremos de suas qualidades”. Algo me dizia que ele traria uma lista de qualidades na próxima ses­são, e ele trouxe. Com páginas de anota­ções sobre as qualidades de Michael, suas lutas e seus fatores de estresse e recursos ambientais, comecei a entender a base de sua depressão, sua batalha contra a AIDS e a vitalidade que o mantinha em movi­mento em direção a um futuro positivo.

A falta de uma ênfase no desenvolvimento

Os psicólogos do desenvolvimento se concentram nas origens e nas funções do comportamento (vide o Capítulo 6, para mais discussão sobre desenvolvimento hu­mano). Seus esforços específicos esclare­cem processos normais de desenvolvimen­to, como as operações cognitivas (Piaget, 1932), o julgamento moral (Gilligan, 1982; Kohlberg, 1983) e a personalidade (Allport, 1960; Mischel, 1979). A maioria daquilo que sabemos sobre as origens do compor­tamento do dia-a-dia se deve às descober­tas dos psicólogos do desenvolvimento (e evolutivos). Além disso, nos últimos 25 anos, os estudiosos da psicopatologia do desenvolvimento (como Sameroff, Lewis e Miller, 2000; Wenar e Kerig, 1999) come­çaram a revelar o mistério de por que al­gumas pessoas desenvolvem alguns trans­tornos e outras, não.

Embora as pesquisas sobre o desen­volvimento tenham respondido a muitas perguntas relacionadas a aprendizagem e [298] crescimento com o passar do tempo, alguns aspectos do desenvolvimento permanecem inexplicados e demandam mais estudos. Por exemplo, sabemos muito pouco sobre como as pessoas amadurecem em ambien­tes muitos específicos (por exemplo, uma moradia estudantil) ou como crescem durante períodos de suas vidas (por exem­plo, um semestre ou quatro anos de vida universitária). Nesse aspecto, uma teoria sobre o desenvolvimento adolescente/adul­to durante a faculdade (desenvolvida por Chickering, 1969) contextualiza os com­portamentos normais e anormais no ambiente único de um campus universitário.

Embora as pessoas leigas possam se fascinar com questões como “o que acon­tece quando ocorrem coisas ruins a pesso­ as boas”, as teorias do desenvolvimento muitas vezes não conseguem tratar desse tipo de questão básica. Essas coisas ruins, ou “ofensas”, como as descrevem, às ve­zes, os profissionais do campo, podem in­cluir fatores de estresse traumático, como abuso, ou eventos aparentemente menos importantes, como ser reprovado em uma prova ou romper um relacionamento. Vale a pena destacar aqui a abordagem de orien­tação ao desenvolvimento e terapia de Allen Ivey e Mary Bradford Ivey (1998, 1999), que procura entender os eventos da vida que poderiam mudar positiva ou negativamente os processos básicos de desenvolvi­mento.

Normalizando o comportamento negativo e positivo

Na teoria sobre desenvolvimento de estudantes universitários, de Chickering (1969; Chickering e Reisser, 1993), o foco está em um período de tempo limitado (anos de faculdade, para alunos tradicio­nais e não-tradicionais) e em um ambien­te específico (o ambiente acadêmico e so­cial da universidade). Para além da sobre­vivência, Chickering propôs que o objetivo humano básico envolve o estabelecimento de uma identidade, o refinamento de uma forma única de ser (chamada de individuação). Dentro do modelo de Chickering, os estudantes avançam para esses objeti­vos por meio de sete vias, ou vetores; mais do que isso, o autor afirma que o movi­mento em múltiplas vias simultâneas é muito provável. O desenvolvimento da competência (avançar da competência de baixo nível em domínios intelectuais, físi­cos e interpessoais para alta competência em cada área) é identificado como o prin­cipal motor do desenvolvimento para os jovens. (A aquisição de competência e o desenvolvimento de qualidades humanas são intercambiáveis e servem como alicer­ces para o futuro crescimento.) Com mais confiança em suas capacidades, os estudan­tes podem ir em busca dos outros seis ob­jetivos comportamentais de Chickering, que são:

  1. Administrar as emoções, ou passar de pouca consciência dos sentimentos e controle limitado das emoções desagregadoras a um entendimento maior dos sentimentos e um controle flexível e emoção construtiva.
  2. Passar pela autonomia em direção à independência, ou da falta de orienta­ção própria e de dependência emocio­nal à dependência instrumental e à ne­cessidade limitada de segurança.
  3. Desenvolver relacionamentos inter­pessoais maduros, ou passar da into­lerância das diferenças e de poucos re­lacionamentos a uma apreciação e a re­lacionamentos saudáveis.
  4. Estabelecer identidade, ou passar da confusão pessoal e da baixa autoconfian­ça a um autoconceito esclarecido por meio de estilo de vida e autoaceitação.
  5. Desenvolver propósito, ou fazer a transição de objetivos vocacionais va­gos e interesses difusos a objetivos cla­ros e atividades mais públicas.
  6. Desenvolver integridade, ou passar de crenças e valores vagos para valores cla­ros e humanizadores. [299]

Os vetores de desenvolvimento de Chickering (1969) descrevem os caminhos e os objetivos associados ao crescimento que ocorrem durante um período específi­co em um ambiente bastante determina­do. O entendimento do funcionamento ide­al nesse período pode revelar habilidades generalizáveis que podem ser usadas em outros períodos e cenários. Recomendamos uma pergunta básica a ser feita a colegas estudantes universitários com vistas a des­cobrir quais recursos eles têm para o futu­ro: “O que o tornou pronto para a univer­sidade?”. Consideremos as questões investigativas de Chickering e Reisser (1993) para determinar em que ponto você está em seu caminho de desenvolvimento:

Descreva em poucas palavras a mudança que ocorreu com você que teve um gran­de impacto na forma como você vivia sua vida. Qual é a forma “antiga” de pensar e de ser em comparação com a “nova”? De onde você avançou, e para onde? Como você sabe que ocorreu uma mudança im­portante? Quais foram as coisas (ou as pessoas) importantes que ajudaram no processo? O que a pessoa fez? Qual foi a experiência que catalisou essa mudança? Houve algum sentimento que acompa­nhou o processo ou ajudou nele? (p. 45)

Quadro 14.1


Ao refletir sobre as circunstâncias po­sitivas e negativas das experiências e dos ambientes de cada pessoa, que possam ter contribuído a sua atual adaptatividade e disfuncionalidade, o trabalho de Ivey e Ivey (1998, 1999) pode ser bem interessante. Nesse sentido, a orientação e a terapia do desenvolvimento dos Ivey oferecem conceituação, referente ao momento pre­sente, de quais comportamentos patológi­cos são considerados como respostas ao evento da vida. (Aspectos do foco no de­senvolvimento e um sistema de diagnósti­co tradicional estão justapostos no Quadro  14.1.) Além disso, Ivey e Ivey postularam que há muitas categorias para a compreen­são acerca do comportamento e da expe­riência humanos, e conclamam os clínicos a chegar a entendimentos mais precisos ao considerar cada pessoa como um todo.

Ao definir sua abordagem, os Ivey (1999) declaram que “o self contextual in­clui as dimensões relacionais do histórico de desenvolvimento pessoal e familiar, as questões comunitárias e multiculturais e a fisiologia” (p. 486). Sendo assim, para en­tender o indivíduo, é necessário obter in­formações a seu respeito em diversas di­mensões contextuais. A conceituação do comportamento de uma pessoa dentro des­se sistema envolve a construção de uma estrutura de informações gerais. Por exem­plo, ao trabalhar com alguém que passou por traumas na infância, os Ivey coletariam informações sobre ofensas ambientais ou biológicas (Masterson, 1981). Os Ivey, a seguir, recomendam examinar as conexões entre essa ofensa e outros estresses e sofri­mentos, junto com a forma como as expe­riências subjetivas de estresse e sofrimen­to se relacionam com a tristeza e a depres­são. Esse tipo de exame enfatiza as origens e a gravidade do sofrimento de uma pes­soa. A seguir, nesta abordagem, são exa­minadas as estratégias que podem ser usa­das para combater um humor negativo. Do ponto de vista dos Ivey, a forma como um estilo de personalidade ajuda a pessoa a se mover em relacionamentos interpessoais atuais está ligada, em última análise, ao bem-estar psicológico da pessoa.

O caso de Michael

As qualidades de Michael de “ser amoroso” em relacionamentos e “perseverar” diante da doença e de uma avalan­che de obstáculos no dia-a-dia foram fun­damentais durante todo o tratamento. Essas qualidades tendem a ser produtos da adversidade que ele vivenciou duran­te sua infância e sua adolescência ou, no mínimo, foram galvanizadas durante essa época.

Sobre a qualidade de “ser amoroso”, Michael afirmou: “Acho que nasci com ela”. Ele se agarrava a essa postura amorosa como se fosse um patrimônio de grande valor, mesmo que, de sua perspectiva, não houvesse reciprocidade a esse amor por parte de algumas das pessoas mais impor­tantes em sua vida (sua madrasta, seu ir­mão e a primeira pessoa por quem ele se apaixonou). No decorrer da terapia, Michael descobriu que poderia ser amoroso com pessoas que não correspondiam a sua afei­ção e, ainda assim, encontrar alguma sa­tisfação na vida. Foram necessários 41 anos para que ele entendesse que essa qualida­de não era atrapalhada pelo comportamen­to de outros.

Sua perseverança assumia muitas for­mas, mas eu tendia a descrevê-la como coragem vital. Diante de ameaças a seu bem-estar psicológico e sua doença grave, Michael se deu conta. Lembro-me de lhe perguntar quando ele havia descoberto sua coragem vital. A pergunta visivelmente trouxe à tona uma memória tocante. Com o passar dos anos, ele me contou a história dos esforços repetidos de sua madrasta para “[o] desumanizar e fazer que [se] sen­tisse como se nunca fosse [ser] alguma coi­ sa na vida”. Os muitos insultos que Michael vivenciou o tornaram mais determinado a produzir bem-viver para si próprio. Quan­do ele foi diagnosticado com AIDS, lem­brou-se de seu compromisso consigo mesmo. Com isso em mente e um histórico de uso de suas qualidades, ele prometeu a si próprio e a todos os que lhe davam atendi­mento: “Vou vencer essa coisa”.

Dificuldades de entender o comportamento em um contexto cultural

O relatório do surgeon general, Men­tal health: culture, race, ethnicity [301] (U.S. Department of Health and Human Services, 2001), sublinha a importância de reconhe­cer que há síndromes determinadas pela cultura, que a cultura influencia as estra­tégias de enfrentamento e os apoios, e que os indivíduos têm identidades culturais múltiplas. De fato, “a cultura é importan­te”, pois cumpre um papel crucial na de­ terminação dos pensamentos e ações de uma pessoa (vide o Capítulo 5, para uma discussão ampliada do desenvolvimento de qualidades e de bem-viver em um contex­to cultural). Os clínicos que realizam diag­nósticos devem prestar muita atenção ao contexto cultural ao formar impressões de uma pessoa. Essa visão, que endossamos muito, vai contra o pressuposto da uni­versalidade, que diz que o que se consi­dera verdadeiro para um grupo deve ser considerado verdadeiro para outros, inde­pendentemente das diferenças culturais.

Apesar da orientação do surgeon ge­neral para contextualizar todos os compor­tamentos, junto com o clamor dos psicólo­gos multiculturais para que levem em con­sideração os fatores culturais associados ao funcionamento humano, psicólogos e lei­gos podem sustentar o pressuposto da uni­versalidade. Com relação a isso, os psicó­logos do Teacher’s College, da Universida­de Columbia, Madonna Constantine e Deraid Wing Sue afirmam que as noções de desesperança e sofrimento podem não ser universais. Constantine e Sue (2006) escreveram,

[Alguns] budistas (muitos dos quais po­dem ter uma origem cultural asiática), por exemplo, tendem a acreditar que a de­ sesperança é a natureza do mundo e que a vida se caracteriza pelo sofrimento. Além disso, o sofrimento dos dias de hoje é considerado como a retribuição por [302]  transgressões de vidas passadas. Sendo assim, a forma de superar a desesperan­ça e o sofrimento do mundo é por meio da meditação, que levará ao estado final do nirvana, ou a um plano mais elevado de existência (Obeysekere, 1995). Pode-se supor que não é nem o otimismo nem o “otimismo realista” (Schneider, 2001) que resultam em satisfação na vida para os budistas. Em lugar disso, as percepções ocidentais de afeto depressivo nos budis­tas, na verdade, podem ser a “psicologia da norma” para indivíduos que aderem à filosofia budista, e um estado ideal de bem-estar seria equivalente a um estado mais elevado de existência (p. 229).

Os dados empíricos do psicólogo da Universidade de Michigan Edward Chang (1996a; 1996b; Chang, Maydeu-Olivares e D’Zurilla, 1997) questionam diretamen­te o pressuposto da universalidade e de­monstram que agir com base nessa falsa crença pode ter conseqüências bastante negativas. (Vide os capítulos 5 e 9, para uma discussão sobre as pesquisas do Dr. Chang.) Suas pesquisas demonstram que o otimismo, o pessimismo, a solução de problemas e, possivelmente, os sintomas físicos e psicológicos são conceituados de forma distinta e se comportam de manei­ras diferenciadas entre culturas distintas. Dadas essas descobertas, as intervenções que beneficiam um grupo podem ser be­nignas ou danosas a outro.

Determinando como "a cultura é importante"

A consciência das nuanças culturais ajuda a entender a forma como as pessoas de várias origens geram bem-estar psico­lógico. Além disso, talvez o exame de como experiências adversas podem promover um funcionamento psicológico adaptativo em todas as pessoas ofereça pistas vitais sobre como se desenvolve o bom funcionamento humano.

Os valores cul­turais proporcionam o contexto no qual comportamentos, pensamentos e sen­timentos são consi­derados normais ou anormais (Banerjee e Banerjee, 1995; Constantine, Myers, Kindaichi e Moore, 2004); esses valores e sua influência na produção de sentido em relação às experiências contribuem para o funcionamento humano ideal (Sue e Constantine, 2003). Por exemplo, as de­monstrações explícitas de fé religiosa são consideradas normais em muitas culturas. Nas paróquias predominantemente católi­cas do Sul do estado norte-americano da Louisiana, onde vive um enclave étnico de cajuns, as pessoas colocam crucifixos em todas as portas para afastar o mal. Na cul­tura cajun, essa prática é considerada co­mum e uma postura normal para se colo­car a própria fé a serviço de proteger a fe­licidade pessoal e garantir o bem-estar.

Tratando especificamente do funcio­namento de pessoas de cor nos Estados Unidos, Constantine e Sue (2006) identifi­caram duas grandes classes de variáveis (vide o Quadro 14.2), discutidas na litera­tura anteriormente (por exemplo, Helms e Cook, 1999; Sue e Sue, 2003), que interagem em ambientes complexos e contri­ buem para o bem-estar psicológico e so­cial de pessoas de cor. Constantine e Sue afirmaram que essas dimensões devem ser incluídas nas conceituações psicológicas pertinentes a pessoas de cor.

Quadro 14.2

O caso de Michael

“Estou buscando apoio fora de minha família e longe de meus médicos.” Foi as­sim que Michael começou uma de nossas [303] sessões no terceiro ano de trabalho. Na­ quele momento, já havíamos desenvolvi­do uma espécie de código em nossas ses­sões. Michael escorregava suas anotações feitas à mão para mim assim que a sessão começava. Ele sempre as tinha, e eu sem­pre as lia ao iniciarmos nossos encontros.

“O que você já tentou?”, perguntei, e Michael listou suas muitas tentativas de construir sua rede social. “Acho que já ten­tei tudo, menos ir à igreja!”, ele disse, com alguma rispidez. Michael e eu havíam os discutido suas crenças religiosas e sua espi­ritualidade profundamente com os anos. Sua espiritualidade era uma fonte de for­ça, mas sua religião e, mais precisamente, sua religião de infância eram uma fonte de muito sofrimento, já que ele se sentiu excluído após se assumir como homosse­xual na adolescência. “Por que você men­cionou a igreja?”, perguntei.
Soube que o novo responsável pelo caso de Michael havia insistido muito em relação ao apoio social de companheiros de paróquia. Em resposta, Michael ficou justificadamente com raiva em relação a essa recomendação “de tamanho único”. Após falar sobre sua frustração com relação a essa pessoa, ele retomou a seus planos de en­contrar mais conexão social. Em seguida, a discussão se concentrou na cultura gay de sua cidadezinha. Assim como qualquer cul­tura, a “comunidade gay” de sua cidade, como Michael a chamava, tinha normas de comportamento, e as pessoas tinham expec­tativas em relação a como homens solteiros pediam apoio. Nossas próximas duas ses­sões foram dedicadas a revisar os esforços de Michael para criar uma rede social mais saudável em sua comunidade.

Os limites do sistema de diagnóstico categorico

Uma vez que se tenham coletado da­dos de forma equilibrada, os clínicos de­vem se voltar à tarefa de realizar um diag­nóstico que descreva o comportamento do cliente. Na prática de saúde mental de hoje em dia, os clínicos resumem esses dados valiosos na forma de um diagnóstico cate­górico. Nesta seção, examinamos as limi­tações de um sistema de diagnóstico cate­górico e recomendamos que as dimensões sejam usadas para descrever de forma mais abragente nossos semelhantes.

Temos agrupado comportamentos nas categoriais de “anormal” e “normal” desde [304] que as pessoas adquiriram capacidades lin­güísticas, mas isso não necessariamente sig­nifica que estejamos fazendo uma distin­ção confiável e precisa entre as duas. Por exemplo, análise fatorial de dados feita re­centemente com dados de indivíduos que foram diagnosticados com transtornos de personalidade e uma amostra de indivíduos com personalidade “normal” revelou que as personalidades refletidas nos dois gru­pos eram mais semelhantes do que dife­rentes (vide Maddux e Mundell, 1999, para uma revisão). Igualmente, Oatiey e Jenkins (1992) revelaram que experiências emo­cionais “normais” e “anormais” não eram classificadas de forma distinta. Especifica­mente, o desconforto associado a estresses do cotidiano é difícil de distinguir dos cri­térios de transtornos emocionais.

Com relação ao desafio real de se fa­zerem diagnósticos categorizando os com­portamentos dos clientes, há evidências de uma falta de constância e precisão entre profissionais da psicologia. Nesse sentido, McDermott (1980) concluiu que, quando 72 estudantes de pós-graduação em psico­logia e psicólogos (24 novatos, 24 estagiá­rios, 24 especialistas) depararam-se com os mesmos estudos de caso, a concordân­cia dos diagnósticos não foi melhor do que o que seria predito pelo acaso. Um total de 370 diagnósticos foi realizado, e não hou­ve padrão específico de concordância den­tro dos grupos participantes ou entre eles.

Barone, Maddux e Snyder (1997) re­conheceram as dificuldades de categorizar o funcionamento humano. Esses estudio­sos ainda observam que, apesar do fato de que todas as pessoas passam por proble­mas, essas dificuldades pessoais são mais bem representadas como algo que ocorre em um contínuo que inclui nenhuma, le­ves, moderadas, até graus extremos. A ine­vitável variabilidade dos problemas dos clientes não pode ser explicada facilmen­te, contudo, usando-se categorias distintas. Sobre esse aspecto, é impossível criar uma verdadeira dicotomia entre funcionamento normal e anormal, dado que quase to­das as orientações teóricas da psicologia reconhecem que é o grau de comportamen­to disfuncional que define em muito a dis­tinção entre normal e anormal. Mesmo Freud, que costuma ser criticado por patologizar os comportamentos, deixou claro que as conceituações dependem do grau em que um conflito ou desejo inconsciente interfira no funcionamento normal, e não com a simples presença ou ausência desse conflito ou desejo.

Também pode haver problemas so­cialmente importantes associados ao siste­ma categórico do Manual diagnóstico e es­tatístico (DSM) (1994, 2000), da American Psychiatric Association. Ou seja, como pro­fissionais de saúde mental, podemos nos preocupar com forçar as pessoas a se en­caixar em categorias negativas e, assim, fazer pouco ou nenhum esforço para en­tender a pessoa de maneira mais abran­gente. Para complexificar mais o proble­ma, os rótulos atribuídos às categorias ne­gativas servem depois como uma cunha social entre as pessoas que os recebem e as que não os recebem. Os rótulos negativos podem gerar expectativas estereotipadas que podem influenciar a forma como os profissionais conceituam outros indivíduos e interagem com eles, e também podem influenciar a forma como esses indivíduos pensam sobre si mesmos.

Uma vez que se aplique o rótulo do grupo diagnosticado, a percepção de dife­renças intragrupo tende a ser reduzida, ao passo que a percepção de diferenças entre grupos aumenta (Wright, 1991). Você se lembra da história dos Sneetches, de Dr. Seuss (1961)? No início da história, os jovens leitores provavelmente consideravam os Sneetches (os de “barriga estrelada” e os de “barriga lisa”) como um grupo, como sendo quase idênticos uns aos outros, como era sugerido no verso da canção, de Dr. Seuss:

“Barriga de estrela tinham os ‘Barriga-estrelada.’
Os ‘Barriga-lisa’ não tinham nada. [305] Cada estrela nem era; era bem pequeni­ninha.
Era de se pensar que importância isso ti­nha.” (p. 3)

Em pouco tempo, a história revela que a pequena característica, a estrela, era bas­tante importante na sociedade dos Sneetches. Os “Barriga-estrelada” se consideravam muito semelhantes entre si, mas muitos diferentes, e superiores, em relação aos Sneetches “Barriga-lisa”. Os leitores de pouca idade também ficavam intrigados em seguida com a diferença sutil entre grupos, geralmente tornando a estrela uma característica mais saliente dos Sneetches e apontando que o grupo (qualquer um que tivesse a estrela em um dado momento) parecia ser mais feliz do que o outro. Mui­tas vezes, os clínicos e os leigos se compor­tam como o público-alvo de Dr. Seuss. Exa­geramos o significado de um rótulo, acen­tuamos as semelhanças entre os membros do grupo que o possuem e superestimamos as diferenças entre os membros do grupo rotulado e outro grupo de pessoas.

Como os rótulos resultantes de diag­nósticos geralmente são negativos, os clí­nicos podem ignorar as características ideográficas e potencialmente positivas das pessoas. Wright (1991; Wright e Lopez, 2002) afirma que as informações coeren­tes com o rótulo-diagnóstico serão lembra­das com mais facilidade do que as que não o forem. Dessa forma, ao se aplicar um rótulo negativo, os profissionais prestam atenção e buscam informações sobre déficits individuais, em lugar de qualida­des, reduzindo assim a precisão e a ampli­tude ao conceituar a formação psicológica completa de uma pessoa.

Considerando novas dimensões de personalidade

Dadas as limitações gerais de um sis­tema categórico e a negligência em relação a comportamentos positivos nos atuais sis­temas desse tipo, as conceituações alter­nativas podem ajudar a avançar nosso co­nhecimento dos fenômenos psicológicos. Nesse sentido, a abordagem dimensional situa o comportamento humano em um contínuo, possibilitando o exame das dife­renças individuais em comportamentos positivos e negativos. É importante escla­recer que ver o comportamento psicológi­co não implica justapor “bem” e “mal” no mesmo contínuo. Esse uso dos sistemas dimensionais só pode levar de volta à categorização de comportamentos. Uma visão diz que é mais informativo conside­rar o grau em que os comportamentos são adaptativos ou mal-adaptativos. Outros usos do sistema de dimensões são exami­nar comportamentos negativos e positivos em dimensões separadas. De fato, essa abordagem é sustentada por pesquisas re­lacionadas. Os escores de medidas de comportamentos positivos (como satisfação na vida) e escores em medidas de comporta­mentos negativos (como depressão) têm correlação negativa e modesta, de cerca de -0,40 ou -0,50 (vide Frisch, Cornell, Villa­ nueva e Retzlaff, 1992). Igualmente, um relatório do surgeon general dos Estados Unidos (U.S. Department of Health and Human Services, 1998) indicou que saúde mental e doença mental não são extremos opostos no mesmo contínuo.

Em seu livro de 1995, New personality self-portrait, Oldham e Morris (1995) des­crevem uma abordagem dimensional à conceituação dos transtornos de persona­lidade que são muitas vezes considerados como as formas mais intratáveis de trans­tornos mentais. Eles afirmam que cada um dos 14 transtornos de personalidade lista­dos no DSM-IV (APA; 1994) podem ser si­tuados em seu próprio contínuo de adap­tação. Em um extremo desse contínuo, es­tão as apresentações menos agudas e mais adaptativas desses tipos ou estilos de per­sonalidade; no outro, encontramos as ma­nifestações reais, menos adaptativas, dos transtornos de personalidade (como limí­trofe, paranoide, histriônico). Oldham e [306]  Morris postulam que, em qualquer momen­to, um indivíduo pode se movimentar ao longo desse contínuo, dependendo dos fa­tores de estresse ambientais ou endógenos em sua vida. Nessa conceituação, uma pes­soa pode apresentar comportamentos disfuncionais que sejam mais indicativos do transtorno real em momentos de estresse elevado, ao passo que uma apresentação clínica pode se caracterizar por uma sinto­matologia mais adaptativa em momentos de menos estresse. Dessa forma, uma pes­soa pode cumprir os critérios para o trans­torno de personalidade histriônica durante períodos de estresse extremo, mas ser des­crita simplesmente como “dramática” em momentos de baixo estresse em sua vida.

Em outro exemplo, alguém com trans­torno de personalidade obsessivo-compulsiva em situações de estresse pode ser des­crito como “consciencioso” no extremo in­ferior do contínuo (vide a Figura 14.2). Na verdade, essas características podem ser muito úteis para a pessoa que vive no extre­mo adaptativo do contínuo. A pessoa que é conscienciosa, na descrição de Oldham e Morris, pode descobrir que possuir essa qualidade lhe permite ser responsável e confiável. Uma pessoa com características de transtorno de personalidade narcisista pode descobrir que alguns aspectos desse comportamento lhe permitem ser autoconfiante e, assim, capaz de funcionar em um nível mais elevado. Uma questão impor­tante a ser lembrada é que apenas quando essas características se tornam extremas é que elas deixam de ser benéficas à pessoa.

Figura 14.2

Esse contínuo de personalidade pode ser usado para estabelecer diferenças en­tre indivíduos que possuem sintomatologias menos ou mais intensas em sua vida cotidiana. Com a atual conceituação do [307] DSM-IV contudo, para ser diagnosticado como “tendo” o transtorno, deve-se pos­suir a maioria dos critérios delineados. Um indivíduo que possua um a menos do que o número especificado de critérios pode estar vivenciando um nível bastante alto de estresse, mas ainda assim pode não re­ceber cuidados porque não cumpriu o nú­mero necessário. A conceituação de Oldham e Morris (1995) deixa espaço para que os indivíduos sejam diagnosticados segundo o grau de disfunção, bem como o grau de uso positivos dos recursos. Além disso, ela pode proporcionar uma terminologia mais favorável ao cliente para discutir os diag­nósticos de transtornos de personalidade durante as sessões, bem como possibilitar que os clínicos os ajudem a identificar qua­lidades e defeitos em seu conjunto de com­portamentos.

O caso de Michael

Durante os quatro anos de trabalho, Michael me ensinou muito sobre o sentido e a falta de sentido dos rótulos. Tecnica­mente, ele poderia ser descrito “homosse­xual masculino pauperizado, sofrendo de AIDS e depressão”, mas isso não contava a história da existência de Michael. Na ver­dade, suas qualidades o definiam muito mais do que seus defeitos. Além disso, como ele mesmo disse, os termos dos di­agnósticos não o ajudaram a fazer mudan­ças positivas em sua vida cotidiana. “Eu não sou pobre. Outras pessoas não podem me classificar como pobre”, Michael me disse quando o responsável por seu caso reco­mendou que ele alegasse empobrecimen­to e solicitasse ajuda para pagar as contas. Michael certamente não tinha uma renda muito alta - cerca de 9 mil dólares por ano -, todavia achava que tinha direito de de­finir suas próprias circunstâncias. Em rela­ção à sua identidade como homossexual masculino, ele costumava se perguntar em voz alta por que sua sexualidade recebia mais atenção do que a de seus companhei­ros heterossexuais. Não obstante, reconhe­ceu que a “cultura gay” tinha afetado a for­ma como ele se via.

Com relação aos termos sofrimento, AIDS e depressão, em um momento ou ou­tro, ele proclamou: “O diagnóstico não se encaixa”. “O sofrimento é subjetivo”, ele me lembrava, e “e eu me sinto sofrendo há muito tempo”. Sobre a AIDS, seus exames médicos trimestrais costumavam nos dei­xar pensando: “Será que a AIDS pode en­trar em remissão?”. Muitas de nossas dis­cussões sobre os diagnósticos tratavam da classificação de depressão (registros de te­rapias anteriores, antes de contrair o HIV indicavam que Michael tinha um histórico de profunda depressão, com episódios re­correntes) . “Mas estou enfrentando minha depressão muito melhor; isso não significa nada no diagnóstico desses exames?” Essa foi uma de suas muitas perguntas que não consegui responder bem.

De vez em quando, ligo para Michael para fazer “sessões de reforço”. A cada vez, fico impressionado com o quanto ele está enfrentando bem desafios que poderiam to­mar conta de outras pessoas. Geralmente, falamos sobre como ele está usando suas qualidades e construindo uma rede mais forte de amigos.

Meu trabalho com Michael, que foi realizado em um momento inicial de mi­nha carreira, ensinou-me sobre a necessi­dade de ir além dos relatos dos clientes em relação aos sintomas e testar os limites da estrutura de diagnóstico existente. Um dia, o bom tratamento da saúde mental irá demandar que levemos em consideração os recursos dos clientes e que contextualizemos seus comportamentos quando emitir­mos diagnósticos e aplicarmos planos de tratamento.

Indo além da estrutura do DSM-IV

Tradicionalmente, as conceituações de comportamento se têm concentrado na [308] sintomatologia e na disfunção, ou seja, nas coisas que não estão “funcionando” na vida de uma pessoa. Esse foco nos aspectos ne­gativos ocorreu à custa da identificação de qualidades, e não ajudou as pessoas em sua busca do bom funcionamento. Essa visão limitada de psicologia solapa o objetivo maior de qualquer sistema de diagnóstico: entender as necessidades e os recursos da pessoa para facilitar a implementação de in­tervenções terapêuticas úteis. Nessa linha, Maddux (2002) aponta que a utilidade de um sistema de classificação está intima­mente ligada à sua capacidade de levar seus defensores a desenvolver e a escolher trata­mentos eficazes. Esse aspecto dos DSM foi questionado repetidas vezes (vide Raskin e Lewandowski, 2000; Rigazio-DiGilio, 2000). Além disso, o sistema do DSM não explica conexões entre ambiente, cultura, comportamento, pensamentos, emoções, apoios externos e funcionamento. Sendo assim, só consegue “sugerir de forma um tanto vaga o que deve ser mudado, mas não consegue proporcionar diretrizes so­bre como facilitar a mudança” (Maddux, 2002, p. 20).

Para ir além da estrutura do DSM, é necessário que os clínicos implementem as diversas estratégias descritas neste capítu­lo (por exemplo, usar a abordagem de qua­tro frentes, inserir dados de desenvolvimen­to em conceituações, levar em conta os efei­tos da cultura sobre a saúde mental e dimensionar o comportamento antes de categorizá-lo). Com o tempo, a prática do diagnóstico pode evoluir para um proces­so que incorpore dados mais significativos em um sistema consistente de descrição de comportamento e saúde mental. Até lá, os clínicos podem dar pequenos passos para explicar os aspectos positivos e negativos do funcionamento de uma pessoa. Por exemplo, Ivey e Ivey (1998) sugerem que um dos primeiros passos no sentido de transcender a patologia é mudar a lingua­gem que usamos para descrever o funcio­namento dos clientes. Isso inclui descobrir o que está funcionando na vida da pessoa e encontrar formas de capitalizar as quali­dades pessoais. A simples interrogação acerca das qualidades pode ter um efeito profundo sobre o cliente, como sugerido por Snyder e colaboradores (2003):

Ao perguntar sobre as qualidades, quem faz o diagnóstico está estimulando várias reações positivas no cliente. Em primeiro lugar, o cliente consegue ver que o profis­sional está tentando considerar a pessoa como um todo. Em segundo, mostra-se ao cliente que ele não está sendo iguala­do ao problema. Em terceiro, o cliente não é reforçado por “ter um problema”, e sim estimulado a olhar para seus recursos. Quarto, o cliente pode se lembrar e res­gatar um pouco do valor pessoal que pode ter sido esgotado antes de buscar um pro­fissional de saúde mental. Quinto, uma consideração das qualidades do cliente pode facilitar uma aliança de confiança e reciprocidade com os profissionais. O cliente, por sua vez, está se abrindo e for­necendo informações que podem poten­cializar ao máximo um diagnóstico pro­dutivo. Ao interrogar sobre as qualidades, uma avaliação positiva é, portanto, a um só tempo, curativa e “leve” em seu foco (p. 38).

Determinar “o que não está funcio­nando” e “o que está funcionando” para uma pessoa faz jus a suas experiências de vida e orienta os clínicos rumo a aborda­gens de tratamento que façam sentido. E, com o atual desenvolvi­mento das pesquisas e da prática em psi­cologia positiva, os clínicos serão capazes de relacionar conceituações equilibradas com aplicações que ajudarão os clientes a obter saúde mental ideal.

Prestando atenção a todo comportamento

Os profissionais que praticam a psi­cologia passam a conhecer as pessoas em níveis profundos e significativos. A nós são [309] confiadas histórias que começam com “eu gostaria que...” e as que começam com “fico feliz de ter feito isso ...”, sobre arrependi­mentos ocultos e sonhos secretos. Ouvimos falar de oportunidades perdidas e planos para os “próximos projetos”. Vemos e sen­timos profundos sofrimentos, e somos levados por exuberâncias incontidas. Desco­brimos não apenas que o comportamento anormal é fascinante, mas que todo com­portamento é intrigante.

Contextualizando o que você vê, consi­derar as influências dos processos de desen­volvimento, as condições ambientais e as nuanças culturais ajuda a criar um quadro mais equilibrado e preciso de uma pessoa e de suas dificuldades e seus triunfos. Sendo assim, na próxima vez que alguém lhe per­ guntar: “Isso é normal?”, responda, “Depen­de”. Faça mais algumas perguntas e se lem­bre de se colocar no lugar da pessoa que está sendo julgada. É isso que tentamos fa­zer quando trabalhamos com pessoas.

Psicologia - Psicologia positiva
10/2/2020 3:51:31 PM | Por Shane J. Lopez
Vínculo, amor e relacionamentos que prosperam

Em nosso trabalho clínico, vemos pessoas de todas as origens que falam sobre senti­mentos de solidão. Para alguns clientes, a conversa se concentra na saudade de pes­soas queridas, além de preocupações em encontrar bons amigos em um lugar novo. Para muitos, a solidão e uma sensação de alienação vêm de relações que acabaram mal. Há filhos que não se sentem conectados com seus pais, namorados que se sentem invisíveis a seus parceiros, esposas que “não conhecem” mais seus maridos e pais idosos que não veem os filhos há anos. Todas essas pessoas contam histórias dolorosas de per­das. Quando nossas necessidades básicas de amor, afeto e pertencimento não são aten­didas (Maslow, 1970; vide a Figura 13.1), sentimo-nos solitários e inúteis. Esse sofri­mento tem efeitos de longo prazo, porque nosso crescimento é bloqueado quando nos sentimos desconectados e não-amados.

Figura 13.1

Vínculo

Começamos nossa discussão sobre vín­culo, amor e relacionamentos que prospe­ram com comentários sobre a solidão por­ que grande parte da psicologia positiva da conexão social foi construída a partir estu­dos relacionados à separação traumática (Bowlby, 1969) e aos relacionamentos fra­cassados (Carrere e Gottman, 1999). Só re­centemente os acadêmicos trabalharam com questões de pesquisa como “Quais são as características dos relacionamentos [268] bem-sucedidos?” (por exemplo, Gable, Reis e Elliot, 2003; Harvey, Pauwels e Zicklund, 2001).

O vínculo e o amor são componentes necessários dos relacionamentos que pros­peram, mas não são suficientes para sua manutenção. Nesse sentido, o vínculo e o amor devem ser acompanhados pelo que chamamos de comportamentos intencionais positivos no relacionamento.
Neste capítulo, discutimos o vínculo entre bebê e cuidador, que é o alicerce para futuros relacionamentos, a segurança do vínculo adulto, que está muito ligada ao desenvolvimento de relacionamentos sau­dáveis, o amor, que costuma ser conside­rado como um indicador de relacionamen­tos de boa qualidade, e os comportamentos intencionais positivos no relacionamento, que sustentam as conexões interpessoais com o passar do tempo e contribuem para relacionamentos que prosperam.

Ao longo do caminho, descobrimos uma hierarquia de necessidades sociais que demonstra como os relacionamentos cheios de significado evoluem para relacionamen­tos que prosperam. Descrevemos, também, exemplos reais de relacionamentos nos quais há crescimento pessoal (que pro­ movem o bom funcionamento de ambos os parceiros). Além disso, discutimos pes­soas que vivenciaram os melhores aspec­tos do mundo interpessoal. Por fim, resu­mimos as conclusões sobre a biologia do apoio social.

O Vínculo infantil

O vínculo é um processo que prova­velmente começa no primeiro momento da vida de um bebê. É a ligação emocional que se forma entre uma criança e um cuidador, e conecta as pessoas fisicamente com o tempo (Ainsworth, Bell e Stayton, 1992). John Bowlby (1969), um clínico que trabalhou com crianças delinqüentes e ór­fãs, identificou diversos comportamentos parentais mal-adaptativos (tentativas caóticas e não-planejadas de atender às ne­cessidades da criança) e comportamentos parentais adaptativos (respostas aos si­nais comportamentais da criança, como o sorriso) que se acredita terem ligação cau­sal com o comportamento funcional e as experiências emocionais das crianças. Por exemplo, a falta de constância nas respos­tas dadas às crianças está associada à sua frustração e ansiedade posteriores. Por outro lado, a constância nas respostas dos cuidadores aos sinais apresentados pelas crianças está relacionada ao seu contenta­mento e ao seu posterior desenvolvimento da confiança. Os comportamentos pa­rentais adaptativos e mal-adaptativos le­vam ao desenvolvimento de um sistema de vínculo regulador dos comportamen­tos de busca de proximidade que conectam bebês e cuidadores no espaço físico e emo­cional.

Essa conexão bidirecional já foi des­crita como “um sistema motivacional úni­co e de base evolutiva (ou seja, indepen­dente de gratificação de necessidades e pulsões libidinais) cuja função principal é proporcionar proteção e segurança emo­cional” (Lopez, 2003, p. 286).

Estudando crianças que perderam a conexão com seus cuidadores, Bowlby (1969) entendeu que o vínculo inseguro é um precursor de diversas dificuldades de desenvolvimento. Uma criança com um vínculo inseguro com um cuidador pode ter dificuldades de trabalhar em conjunto com outras pessoas e regular seus humo­res. Esses problemas tornam os relaciona­mentos existentes frágeis e dificultam o es­tabelecimento de novos. Por outro lado, as crianças com sistemas de vínculo sólidos se tornam mais atrativas a seus cuidadores e a outras pessoas. Com o tempo, o siste­ma de vínculo se torna mais sofisticado, e padrões de interação que beneficiam a ambos facilitam o desenvolvimento psico­lógico dessas crianças e de seus cuidadores.

Uma estratégia de avaliação comportamental clássica, elaborada por Mary Ains­ worth (1979), possibilitou que os psicólo­gos examinassem o fenômeno do vínculo. [269] No diagnóstico da situação estranha, a criança é exposta a uma situação nova na companhia de seu cuidador, e depois este é retirado e reintroduzido na situação, duas vezes. Durante o processo, as reações da criança participante são avaliadas. Estes são os passos básicos no paradigma de avaliação (os passos 2 a 7 duram 3 minutos, cada um):

  1. Cuidador e criança são levados a uma sala desconhecida.
  2. Cuidador e criança são deixados a sós. A criança fica livre para explorar.
  3. Um estranho entra, senta-se, fala com o cuidador e depois tenta envolver a criança em uma brincadeira.
  4. O cuidador sai. O estranho e a criança ficam sós.
  5. O cuidador volta para se reunir pela primeira vez, e o estranho sai da sala discretamente. O cuidador acalma a criança, se necessário, e depois se afas­ta para uma cadeira na sala.
  6. O cuidador sai. A criança fica sozinha.
  7. O estranho volta e tenta acalmar a crian­ça, se necessário, e depois se afasta para a cadeira.
  8. O cuidador volta para se reunir pela segunda vez, e o estranho sai discreta­mente. O cuidador acalma a criança e depois se afasta para a cadeira.

Observadores treinados codificam as respostas comportamentais nessa situação estranha e apresentam um dos seguintes diagnósticos sobre a qualidade do vínculo: seguro, inseguro/evitativa e inseguro-resistente/ambivalente. (Vide o Quadro 13.1, para uma descrição de sistemas de vínculo adulto que vêm sendo refinados com o [270] passar dos anos. O padrão de vínculo seguro se caracteriza por um equilibrio entre exploração do ambiente e contato com o cuidador. À medida que a situação estranha se desenvolve, a criança buscará mais proximidade e manterá mais contato com o cuidador, explorando ambiente e retornando ao conforto quanto for necessário.

Os padrões inseguros implicam uma tensão cada vez maior entre a criança e o pai ou a mãe durante a situação estranha. As crianças com padrões inseguro-evitativos evitam o cuidador quando ele é reintroduzido na situação, e as com padrão inseguro-resistente/ambivalente demons­tram, passiva ou ativamente, hostilidade em relação ao cuidador, ao mesmo tempo que querem ser abraçadas e confortadas.

A qualidade dos padrões de vínculo, medida por meio do diagnóstico da situa­ção estranha, funcionou como fator de predição de aspectos do funcionamento das crianças muitos anos mais tarde. Por exem­plo, um estudo de crianças em idade pré-escolar indicou que as que tinham vínculos seguros eram mais capazes de enfrentar a ausência parental e se relacionar mais pron­tamente com estranhos reais. As crianças com vínculos inseguros parecem trancadas quando tentam se comunicar com adultos, e tiveram dificuldades gerais para se relaci­onar com seus cuidadores (Bretherton e Waters, 1985). Outros pesquisadores (por exemplo, Belsky e Nezworski, 1988) iden­tificaram conseqüências de longo prazo do vínculo inseguro, como problemas de rela­cionamento, transtornos emocionais e pro­blemas de conduta.

O vínculo é uma força dinâmica que conecta as crianças a seus cuidadores. Além disso, o vínculo seguro proporciona o ambiente seguro, no qual as crianças podem correr riscos, realizar atividades de aprendizagem, iniciar novos relaciona­mentos e crescer, com vistas a ser adultos saudáveis, socialmente aptos. No exem­plo a seguir, esse vínculo seguro oferece a base que ajudou “Crystal” a crescer até se tornar uma adulta feliz com uma família que prospera.

Crystal e seu irmão sempre foram próximos. Ele a considerava como uma criancinha que precisava de mais atenção e, à medida que ela crescia, considerava a ele como alguém em quem poderia con­fiar. Crystal cumprimentava carinhosamen­te seu irmão quando ele a esperava após as aulas, para acompanhá-la para casa. Desde que era uma criança muito peque­na, ela encontrava conforto no relaciona­mento com seu irmão mais velho. Hoje em dia, ela gosta de contar a seus filhos histó­rias da infância, sobre os muitos momen­tos bons e os maus momentos ocasionais que teve com seu irmão.

Segurança no vínculo com adultos

As perspectivas pessoais sobre o vín­culo são levadas ao longo da infância e da adolescência, entrando nas etapas da ida­de adulta na forma de um modelo interno de funcionamento em relação a si e aos outros (Bowlby, 1988; Shaver, Hazan e Bradshaw, 1988). No início de seu desenvolvimento social, as crianças integram percepções de sua competência social, de seu apelo e de sua capacidade de ser ama­das (o modelo de si mesmas) a suas expec­tativas com relação à acessibilidade, à ca­pacidade de resposta e à constância dos cuidadores (o modelo do outro). Esses modelos se mantêm relativamente estáveis ao longo de períodos de desenvolvimento porque reforçam a si próprios. Ou seja, o modelo interno consiste em um conjunto de esquemas cognitivos por meio dos quais as pessoas veem o mundo, coletam infor­mações sobre si mesmas e sobre as outras pessoas e tomam decisões interpessoais. O modelo é um ‘“estado atento’ consciente de expectativas e preferências generaliza­das com relação à intimidade nos relacio­namentos que guia o processamento de informações do relacionamento por parte dos participantes, bem como seus padrões de resposta comportamentais” (Lopez, 2003, p. 289). Se as pessoas avançam com um estado atento seguro, veem o mundo como seguro e os outros, como confiáveis. Infelizmente, os esquemas negativos ou positivos também podem ser perpetuados. Por exemplo, as pessoas que consideram o mundo social como imprevisível e as ou­tras pessoas como não-confiáveis têm dificuldades de superar desejos de manter os outros a distância.

Diversos teóricos (como Bartholomew e Horowitz, 1991; Hazan e Shaver, 1987; Main e Goldwyn, 1984, 1998) estenderam a teoria do vínculo para a vida como um todo, em um esforço para entender de que forma os adultos se relacionam com [273] outros adultos, bem como com as crianças às quais servem de cuidadores. Os psicólogos do desenvolvimento Mary Main e colabo­radores realizaram entrevistas com mães que participaram do diagnóstico da situa­ção estranha, e concluíram que o vínculo adulto poderia ser mais bem descrito por um sistema de quatro categorias que in­clui seguro/autônomo, desconsiderador, preocupado e não-resolvido/desorganizado. A entrevista usada por Main (George, Kaplan e Main, 1985; Main e Goldwyn, 1984,1998), a Entrevista do Vínculo Adul­to (Adult Attachment Interview), tornou-se o padrão-ouro para avaliação clínica do vínculo adulto. (Os psicólogos sociais que pesquisam o vínculo tendem a usar medi­das de autoavaliação, como as revisadas por Brennan, Clark e Shaver em 1998.)

Quadro 13.1a

Os psicólogos sociais Cindy Hazan e Phillip Shaver es­tudaram o vínculo no contexto dos re­lacionamentos ro­mânticos adultos e concluíram (Hazan e Shaver, 1987) que as três categorias de seguro, evitativo e ansioso, semelhan­tes aos grupos de Ainsworth (1979), eram eficazes para
descrever a natureza dos vínculos adultos com outra pessoa. Bartholomew e Horo­witz, em 1991, ampliaram as três catego­rias de vínculo adulto para quatro, dife­renciando dois tipos de vínculo esquivo, desconsiderador e receoso. Mais recente­mente, Brennan e colaboradores (1998) consideraram o sistema de Bartholomew e Horowitz de uma outra perspectiva. Eles conceituaram o vínculo em duas dimen­sões, a de evitação relacionada ao vínculo e a de ansiedade relacionada ao vínculo. O estilo seguro é baixo em ambas as di­mensões, o estilo desconsiderador é alto em evitação e baixo em ansiedade, o estilo preocupado é baixo em evitação e alto em ansiedade, e o estilo receoso é alto em vín­culo de ansiedade e evitação. O Quadro 13.1, nas páginas 270 e 271, descreve os sistemas de classificação do vínculo adulto.

Quadro 13.1b

O vínculo adulto seguro, caracteriza­do por baixa evitação e ansiedade relacio­nadas a vínculo, envolve um conforto com a proximidade emocional e uma falta de preocupação generalizada com a possibili­dade de ser abandonado por outros. Sen­tir-se seguro no vínculo que se tem com outros adultos importantes tem vários be­nefícios. Mais importante ainda, essa abor­dagem proporciona as vias para a sobrevi­vência e o desenvolvimento saudável. Ao conseguir mobilizar o cuidado de pessoas importantes, as crianças e os adultos se tornam mais fortes e mais capazes de en­frentar ameaças (Bowlby, 1988). Além dis­so, ao buscar experiências de crescimento dentro do contexto de relacionamentos seguros, pode-se buscar o melhor funciona­mento ou o prosperar humano (Lopez e Brennan, 2000).

A segurança do vínculo adulto propor­cionou para “Kelly”, em nosso próximo exemplo, uma confiança vivida que a aju­dou a sustentar relacionamentos existentes e a dar início a novos. Kelly se apresentou a seu novo grupo de colegas contando alguns fatos interessantes de sua vida. Ela tinha uma família próxima que estava a centenas de quilômetros de distância e um namora­do que estava a milhares de quilômetros. Apesar de suas recentes despedidas, ela pa­recia ter muita energia emocional para dar a suas novas amizades. Sua primeira sema­na no emprego teve três almoços com cole­gas de trabalho e muitos telefonemas rápi­dos de sua mãe e do namorado.

Cada um de nós desenvolveu e man­teve um sistema de vínculo e, com base em nosso histórico e em nosso sistema, pro­cessamos novos estímulos sociais e emocio­nais a cada dia. Isso determina quem “pode entrar” emocionalmente e quem não pode. Mais do que isso, determina as profundi­dades do amor. [274]

Amor

A capacidade para o amor é um com­ponente central de todas as sociedades humanas. O amor, em todas as suas mani­festações, seja por crianças, por pais, por amigos, seja por parceiros românticos, dá profundidade aos relacionamentos huma­nos. Especificamente, o amor aproxima as pessoas física e emocionalmente. Quando vivenciado com intensidade, faz com que pensem de forma mais ampla sobre si mesmas e sobre o mundo.

A história definitiva do amor (Singer, 1984a, 1984b, 1987) destaca as seguintes quatro tradições, denotadas por termos gregos, que definem a experiência emo­cional básica:

  1. eros, a busca do belo;
  2. philia, a afeição na amizade;
  3. nomos, submissão e obediência ao di­vino; e
  4. agape, ou a concessão do amor por par­te do divino.

Ao contrário dos argumentos de al­guns pesquisadores (Cho e Cross, 1995; Hatfield e Rapson, 1996) e ao contrário das representações da história em filmes de Hollywood, é visível que Singer não acreditava que o amor romântico cumpria um papel importante na cultura mundial.
Outros estudiosos importantes, como os psicólogos da Universidade Texas Tech Susan Hendrick e Clyde Hendrick (1992), levantaram a hipótese de que somente nos últimos 300 anos as forças culturais leva­ram as pessoas a desenvolver um sentido de “eu” capaz de amar e se preocupar com um parceiro romântico no decorrer de toda uma vida. Apesar da incerteza sobre o lu­gar do amor romântico na história, seu papel no futuro do mundo está claro. De fato, o amor por um companheiro é consi­derado central para uma vida bem vivida, como se descreve na seguinte citação: “O amor romântico pode não ser essencial à vida, mas pode ser essencial à alegria. Uma vida sem amor seria, para muitas pessoas, como um filme em preto-e-branco, cheio de eventos e ativida­des, mas sem a cor que dá energia e proporciona uma sensação de cele­bração” (Hendrick e Hendrick, p. 117).

Devido ao que agora se pode descrever como um interes­se universal no amor romântico, destaca­mos algumas das pesquisas em psicologia que exploram esse tipo de amar. Descreve­mos três conceituações de amor românti­co que podem ajudar a entender como ele se desenvolve entre duas pessoas.

Aspectos apaixonado e companheiro do amor romântico

O amor romântico é uma emoção complexa que pode ser mais bem com­preendida como as duas formas: apaixo­nado e companheiro (Berscheid e Walster, 1978; Hatfield, 1988), ambas valorizadas pela maioria das pessoas. O amor apaixo­nado (a excitação intensa que alimenta uma união romântica) envolve um estado de absorção entre duas pessoas, acompa­nhado por humores que vão do êxtase à angústia. O amor companheiro (o cari­nho suave e permanente que sustenta um relacionamento) manifesta-se por meio de um vínculo forte e uma interligação das vidas, que gera sentimentos de conforto e paz. Essas duas formas podem ocorrer si­multaneamente ou de forma intermitente, em vez de sequencialmente (de apaixona­ do a companheiro).

O amor romântico se caracteriza por intensa excitação e afeição carinhosa. Em um estudo com universitários que [275] provavelmente estavam nas etapas iniciais de relacionamentos românticos, quase meta­de indicou seus parceiros quando se pediu que identificassem um amigo íntimo (Hen­drick e Hendrick, 1993). Essa última con­clusão sugere que as formas apaixonada e companheira de amor podem coexistir nos relacionamentos novos de pessoas jovens. Igualmente, em um estudo com casais que estavam casados por até 40 anos, Contre­ras, Hendrick e Hendrick (1996) concluí­ram que o amor companheiro e o amor apaixonado estavam vivos, e que o primei­ro era o mais forte indicador de satisfação conjugal (de todas as variáveis medidas no estudo).

A teoria triangular do amor

Ao desenvolver a teoria triangular do amor, o psicólogo Robert Sternberg (1986) teoriza que o amor é um misto de três componentes:

  1. paixão, ou atração física e pulsões ro­mânticas;
  2. intimidade, ou sentimentos de proximi­dade e conexão;
  3. compromisso, envolvendo a decisão de iniciar e sustentar um relacionamento.

Várias combinações desses três com­ponentes resultam em oito formas de amor. Por exemplo, a intimidade e a paixão com­binadas produzem o amor romântico, ao passo que a intimidade e o compromisso, juntos, constituem o amor companheiro. O amor consumado, o tipo mais durável, manifesta-se quando os três componentes (paixão, intimidade e compromisso) estão presentes em níveis altos e em equilíbrio entre os dois parceiros.

Algumas das pesquisas que exploram a teoria de Sternberg sobre o amor trata­ram do valor preditivo desses três compo­nentes. Em um estudo de 104 casais (o tem­po médio de casados era de 13 anos, indo desde 2 meses até 45 anos), a intimidade de maridos e mulheres, seguida pela pai­xão, foram indicadores de satisfação con­jugal (Silberman, 1995). As pesquisas so­bre as visões dos adultos sobre seus rela­cionamentos também concluíram que o compromisso foi o melhor indicador de sa­tisfação no relacionamento, especialmen­te para parceiros de longo prazo (Acker e Davis, 1992).

A teoria de autoexpansão do amor romântico

Informados por conceituações orien­tais de amor, Arthur Aron e Elaine Aron (1986) desenvolveram uma teoria de que os seres humanos têm uma motivação bá­sica para expandir o self – o “eu” – , e pro­puseram que as emoções, as cognições e os comportamentos baseados no amor ali­mentam essa autoexpansão.

As pessoas buscam se expandir se va­lendo, para tanto, de amor: “a ideia é que o self se expande em direção ao conhecer ou tornar-se, o que inclui a tudo e a todos, o Self. Os passos desse caminho são aque­les que incluem uma pessoa ou uma coisa, depois outras, depois mais outra” (Aron e Aron, 1996, p. 45-46).

Segundo a teoria da autoexpansão (Aron e Aron, 1996), a satisfação nos rela­cionamentos é um subproduto natural do amor autoexpansivo. Estar em um rela­cionamento amoroso faz que as pessoas se sintam bem. A seguir, elas associam tais sentimentos positivos ao relacionamento, reforçando assim seu compromisso com este. As conseqüências positivas de estar amando são claras. Aron, Paris e Aron (1995) estudaram um grupo de estudan­tes universitários em um período de 10 se­manas e acompanharam as reações dos es­tudantes ao se apaixonar (se isso aconte­cesse durante aquele semestre em [276] particular). Os estudantes que o fizeram vivenciaram mais autoestima e autoeficácia. Em um nível mais cognitivo, a autoexpansão significa que cada parceiro tomou uma decisão de incluir o outro em seu self. Esse investimento mútuo aumenta a satisfação no relacionamento.

Comentários sobre a pesquisa do amor

As teorias psicológicas do amor e, mais especificamente, as idéias acadêmi­cas sobre o amor romântico proporcionam visões de um fenômeno misterioso. O tra­balho dos psicólogos positivos interessa­dos no amor conta a história de como as pessoas inicialmente se unem e como os sentimentos positivos ajudam a manter os relacionamentos com o passar do tempo. Examinamos, agora, outro exemplo, o ca­samento de “Bill” e “Libby,” que ensinou muitas pessoas a respeito da força do amor. Todas as tardes. Bill e Libby podem ser vistos passeando com seu labrador pelo bairro. Eles falam sem parar sobre seus dias de trabalho e sobre seus sonhos de futuro. Eles têm cerca de 60 anos, mas têm aparência de amigos da escola planejan­do suas vidas com entusiasmo. No jantar com amigos, eles flertam um com o ou­tro, abrem-se de vez em quando e con­tam histórias engraçadas sobre eles pró­prios e sobre sua relação. Quando estão nos seus melhores dias, e o relacionamen­to vai muito bem, fazem você pensar que seu amor durará para sempre.

As pesquisas acadêmicas sobre o tema também descrevem histórias de amor (Stemberg, 1998) e o significado da ex­pressão “eu te amo” (Hecht, Marston e Larkey, 1994; Marston, Hecht e Robers, 1987). Nossas histórias de amor se desen­volvem no decorrer de nossas vidas e são levadas por nós para os relacionamentos; teoricamente, essas histórias definem a qualidade de nossas interações com pes­soas que nos são importantes. Sternberg, ao entrevistar uma amostra grande de ca­sais, concluiu que há pelos menos 26 “his­tórias de amor” (por exemplo, uma histó­ria de fantasia, uma história de terror) que são visões, em grande parte inconscientes, do romance e dos relacionamentos que ori­entam nossas escolhas pessoais. Ao nos tor­narmos mais conscientes das histórias de amor que contamos a nós mesmos com o passar dos anos, somos mais capazes de tomar decisões cuidadosas ao encarar e me­lhorar relacionamentos.

A análise do significado da declaração “eu te amo” (Hecht et al., 1994; Marston et al., 1987) lembra-nos de quanto nossas visões do amor podem ser subjetivas e pes­soais. Você alguma vez já pensou sobre o que quer dizer quando pronuncia “eu te amo”? A maioria das pessoas não exami­nou os vários significados da expressão, e isso levou Dan Cox, aluno de meu (S.J.L.) seminário de psicologia positiva, a pedir que seus colegas descrevessem exatamen­te o que queriam dizer na última vez que disseram isso a alguém. Os muitos signifi­cados desse sentimento incluíam “eu en­tendo”, “eu te apoio”, “obrigado”, “descul­pe”, “sinto muito” e declarações mais glo­bais como “essa vida é boa” e “é bom estar com você”. A variabilidade de significado dessas três palavrinhas sugere que há muita coisa que não sabemos sobre a emoção que nos conecta aos outros.

As pesquisas sobre o amor não expli­cam toda a subjetividade que define a ri­queza da experiência, nem identificam as muitas razões pelas quais alguns prospe­ram e outros fracassam. A seção a seguir destaca os comportamentos, em lugar das emoções positivas, que determinam o su­cesso da maioria dos relacionamentos ín­timos. [277]

Relacionamentos que prosperam: uma série de comportamentos propositados positivos no relacionamento 

Os psicólogos positivos especiali­zados em relacionamentos íntimos (Har­vey et al., 2001; Reis e Gable, 2003) es­tão explorando aquilo que faz que os re­lacionamentos prosperem e quais habili­dades podem ser ensinadas diretamente aos parceiros para que melhorem suas co­nexões interpessoais. Nesta seção, discutimos teorias e pesquisas so­bre relacionamentos que prosperam, que são bons relacionamentos que continuam a melhorar devido aos esforços de­dicados de ambos os parceiros.

Construindo uma conexão de relacionamento atenta (mindful)

Os relaciona­mentos baseados em atenção sólida (wellminded relationships) são saudáveis e dura­douros. Essa opinião levou o psicólogo social John Harvey, da Universidade de Iowa, e seus colabo­radores (Harvey e Ormarzu, 1997; Harvey et al., 2001) a desenvolver um modelo de relacionamentos atentos (minding) que in­clui cinco componentes. Esse modelo mos­tra como podem ser melhorarados a pro­ximidade, a satisfação e os comportamen­tos no relacionamento que contribuem para os objetivos que a pessoa tem na vida. (Vide o Quadro 13.2, para um resumo des­ ses componentes e de seus equivalentes mal-adaptativos.)

Quadro 13.2

A atenção (minding) em um relacio­namento é “o processo recíproco de conhe­cimento que envolve os pensamentos, sen­timentos e comportamentos das pessoas” (Harvey et al., 2001, p. 424). Como des­crito no Capítulo 11, mindfulness é um pro­cesso consciente que demanda um esforço a cada momento. Essa necessidade de cons­ciência nos relacionamentos atentos (min­ding relationships) se reflete no primeiro componente do modelo, conhecer e ser co­nhecido. Segundo o modelo, cada parceiro dentro do relacionamento deve querer co­nhecer as esperanças, os sonhos, os medos, as vulnerabilidades e as incertezas da ou­tra pessoa. Além disso, cada um deve monitorar o equilíbrio entre sua autoexpressão e a do outro, e dar preferência a aprender sobre a outra pessoa em lugar de se concentrar em sua própria informação pessoal. As pessoas que conseguem conhe­cer e ser conhecidas em seus relacionamen­tos demonstram uma compressão de como o tempo gera mudanças e de como as mu­danças precisam de oportunidades reno­vadas e de tentativas de aprender sobre a outra pessoa.

O segundo componente da atenção no relacionamento (minding relationships) está relacionado aos parceiros fazerem atri­buições aos comportamentos um do outro, que possam ser interpretados como capa­zes de melhorar o relacionamento. Atribuir comportamentos positivos a causas inter­nas e os comportamentos negativos a cau­sas externas, relacionadas a uma dada si­tuação, pode ser a forma mais adaptativa de entender o comportamento de outra pessoa. Com o passar do tempo, as pessoas que estão em relacionamentos baseados em sólida atenção (minding relationships) de­senvolvem a mistura adequada de atribui­ções internas e externas e se tornam mais dispostas a reexaminar as atribuições quan­do as explicações do comportamento de um parceiro não estão em sintoma com o que é conhecido acerca dessa pessoa.

Fazer atri­buições condescendentes (ou seja, ir além do benefício da dúvida; Thomas Krieshok, [278] comunicação pessoal, 21 de junho de 2005) às vezes resolve conflitos antes que eles se tomem desagregadores.

Aceitar e respeitar, o terceiro compo­nente do modelo de atenção (minding model), requer uma conexão empática (vide o Capítulo 12), junto com habilidades so­ciais refinadas (como as que são descritas na seção seguinte). A medida que os par­ceiros se tornam mais íntimos em seu co­nhecimento do outro, e compartilham al­gumas experiências boas ou ruins, a acei­tação atenta das qualidades e dos defeitos pessoais é necessária para que o relacio­namento continue a se desenvolver. Quan­do está ligada ao respeito, essa aceitação serve como antídoto para o comportamen­to desdenhoso que pode dissolver um relacionamento (Gottman, 1994).

Os componentes finais do modelo são manter a reciprocidade e a continuidade na atenção (minding). Com relação à recipro­cidade na atenção (minding), “a participa­ção ativa de cada um dos parceiros e seu envolvimento em pensamentos e compor­tamentos que melhorem a relação” (Harvey [279] et al., 2001, p. 428) é necessária para se manter um relacionamento de benefício mútuo. Uma falta de envolvimento cons­ciente demonstrada por um dos parceiros pode levar à frustração ou ao desdém por parte do outro. A continuidade na atenção (minding) pode demandar planejamento e estratégias para se aproximar mais, à medi­da que o relacionamento amadurece. Os parceiros que verificam com frequência os objetivos e as necessidades do outro têm mais probabilidades de identificar o que está funcionando e o que não está no processo de atenção (vide Snyder, 1994/2000).

Mindfulness é uma habilidade que pode ser ensinada e, como tal, a atenção no relacionamento (minding relationships) po­de ser melhorada (Harvey e Ormarzu,1997). A prática mútua das técnicas mind­fulness poderia beneficiar parceiros que estejam tentando aplicar as orientações de Harvey para me­lhorar o relacionamento.

Criando uma cultura de apreciação

John Gottman (1994, 1999) passou toda uma vida fazendo análises minucio­sas do comportamento nos relacionamen­tos (Gladwell, 2005). Ele mede as sensa­ções corporais dos parceiros, “lê” os rostos de maridos e mulheres à medida que interagem e observa as pessoas falando sobre questões difíceis enquanto ele disse­ca todos os aspectos do intercâmbio. Ele [280] se tornou tão bom nessa atividade que con­segue usar suas análises de interações bre­ves para predizer o sucesso de relaciona­mentos (divórcio versus casamento conti­nuado) com uma precisão de 94%.

Gottman realizou esse feito de predição estudando milhares de casais casados em muitos anos de seus relacionamentos. (Embora seu trabalho original tenha tra­tado de casais casados heterossexuais, a página do seu laboratório na internet, www.johngottman.com, indica que os es­tudos atuais tratam de casais de mesmo sexo. A aplicabilidade das conclusões de Gottman a pessoas de origens diversas atu­almente não está clara.) O protocolo de pesquisa padrão diz respeito a um marido e uma esposa entrando em um “laborató­rio do amor” e realizando uma conversa­ção de 15 minutos, enquanto são observa­dos de perto pelos pesquisadores e monito­rados com pulseiras de pressão sanguínea, ECGs e outros dispositivos. Sua descober­ta seminal a partir das observações de ca­sais foi deduzida com o auxílio de matemá­ticos (Gottman, Murray, Swanson, Tyson e Swanson, 2003) que o ajudaram a desco­brir o que se chamava de “a proporção má­gica” para os casais. São necessárias cinco interações positivas para cada uma negati­va (5:1) para manter um relacionamento saudável. Amedida que a proporção se apro­xima de 1:1, o divórcio é provável.

Para se chegar à proporção de 5:1, não é necessário evitar todas as discussões. Os parceiros em casamentos ideais podem conversar sobre temas difíceis e fazê-lo in­serindo carinho, afeto e humor no diálo­go. Por outro lado, uma falta de interações positivas durante discussões complicadas pode levar os casais a desconexões emo­cionais e a formas leves de desdém.

Com base em décadas de pesquisas em sua teoria da “casa conjugal sólida”, Gottman e colaboradores (2002) desenvol­veram uma abordagem multidimensional para terapia de casais que faz que os par­ceiros avancem do conflito para os inter­câmbios confortáveis. Os objetivos da terapia são a melhoria das habilidades so­ciais básicas e o desenvolvimento de uma consciência dos riscos interpessoais asso­ciados aos comportamentos de relaciona­mento como crítica, desdém, postura de­fensiva e competição. Com o passar do tem­po, esses quatro comportamentos que pre­judicam os relacionamentos são substituí­dos por queixas (ou seja, uma forma mais civilizada de expressar desaprovação), uma cultura de apreciação, aceitação da respon­sabilidade por parte do problema e por se acalmar a si mesmo. Essas habilidades tam­bém são mencionadas no livro de Gottman (1999), The seven principles for making marriage work.

Com base em nossa leitura da obra de Gottman, sua orientação com vistas à criação de uma cultura de apreciação em um relacionamento pode ser seu conselho mais básico, mas também o mais potente, para casais de todas as idades, formações e situações conjugais. O comportamento propositado positivo de se criar no relacio­namento uma cultura de apreciação é po­tencialmente poderoso por causa:

  1. da recepção positiva do parceiro e do comportamento que promove;
  2. dos sentimentos desdenhosos que pre­vine.

Criar uma cultura de apreciação aju­da a estabelecer um ambiente em que as interações positivas e uma sensação de se­gurança sejam as normas. Expressar grati­dão (vide o Capítulo 13) a um parceiro é o meio principal para se criar uma cultura positiva. Agradecer pelas pequenas atitu­des que muitas vezes passam sem ser no­tadas (arrumar a casa, levar o lixo para fora, fazer o café da manhã, limpar a gela­deira) faz que o parceiro se sinta valoriza­do por seus esforços em casa. Expressar apreciação pelos pequenos favores (ofere­cer-se para dirigir o carro, fazer que um colega de trabalho se sinta bem-vindo na casa) e pelos grandes sacrifícios (lembrar-se do aniversário de um dos sogros, não [281] muito querido, contribuir com economias pessoais para uma despesa doméstica) va­loriza as contribuições do parceiro ao rela­cionamento e à família.

Capitalizando os eventos positivos

Durante grande parte do século XX, as pesquisas sobre relacionamentos [283] trataram de processos negativos ou aversivos como solução de conflitos e má co­municação. A pes­quisa sobre relacio­namentos se basea­va na premissa de que esses processos eram os principais determinantes de seu sucesso. Harvey e Gottman trabalha­ram muito para des­tacar o papel dos comportamentos positi­vos nos relacionamentos, que muitas vezes não mereceram a atenção necessária. Esse foco nos processos positivos, ou apetentes, dentro dos relacionamentos pode ser a principal razão pela qual suas teorias e as conclusões de suas pesquisas sejam tão con­sistentes. Os processos aversivos são a eli­minação de comportamentos negativos nos relacionamentos, e os processos apetentes são a promoção dos comportamentos po­sitivos. Shelly Gable e Howard Reis (Gable e Reis, 2001; Gable et al., 2003; Reis e Gable, 2003) demonstraram que esses dois processos são independentes e que devem ser conceituados e, pesquisados como tal, se quisermos entender completamente os relacionamentos humanos.

Gable e colaboradores (2003) obser­varam que diferenciar os processos apeten­tes dos aversivos proporciona um novo pris­ma para se ver a pesquisa sobre o sucesso de relacionamentos íntimos. Em um pro­grama de pesquisa sintetizado em Gable, Reis, Impett e Asher (2004), os pesquisa­dores abordam os processos de relaciona­mento apetentes de forma direta, respon­dendo à pergunta: “O que você faz quan­do as coisas dão certo?”. Em uma série de estudos, Gable e colaboradores concluíram que o processo de capitalização, ou de con­tar a outras pessoas os eventos positivos da vida, está associado a benefícios pesso­ais (maior afeto positivo e bem-estar), bem como a benefícios interpessoais (satisfação e intimidade no relacionamento). Os gan­hos pessoais podem ser atribuídos ao pro­cesso de reviver a experiência positiva, e são potencializados quando um parceiro responde de forma entusiástica (ou seja, ativa/construtivamente; vide a Figura 13.2) às boas notícias. A melhoria nas relações interpessoais depende da qualidade da re­ação do parceiro às boas notícias da pes­soa amada. Na pesquisa de Gable e cola­boradores, concluiu-se que as reações ati­vas e construtivas dos parceiros eram as mais benéficas.

O comportamento propositado positi­vo no relacionamento que implica capitali­zar os eventos positivos com vistas a benefí­cios intrapessoais é direto, demandando apenas contar a amigos e parentes de con­fiança sobre suas “coisas boas” do cotidia­no. Se houver pessoas que tentam solapar esse entusiasmo apontando o lado negati­vo de um evento positivo (“Essa promoção vai fazer que você trabalhe mais e por mais tempo. Você tem certeza de que está prepa­rado para isso? Mesmo?”), então será me­lhor evitar contar a elas as boas notícias. O hábito de oferecer reações ativas e constru­tivas (refletir o entusiasmo, fazer pergun­tas importantes sobre o evento) às boas notícias dos outros também é fácil de de­ senvolver. E, quanto mais você der o exemplo desse com­portamento de capitalização, mais proba­bilidades haverá de que seu parceiro e pes­soas em seu círculo de amizades e em sua família também o façam.

Poucos são os casais que dominam to­dos os comportamentos propositados posi­tivos descritos neste capítulo, mas alguns parecem não ter que se esforçar para che­gar ao final de cada dia. Quando se pergun­ta a eles como fazem para o relacionamento funcionar, recebe-se uma resposta que faz ver como eles se esforçam para isso. Nesse sentido, apontamos o exemplo de “Mitch” e “Linda”, que contam a história do esforço que investem em seu relacionamento para que ele prospere. “Desde que somos casados, mando flores a Linda todas as sextas-feiras”, diz Mitch. Ela acrescenta que ele se mantém atualizado com suas “novas” flo­res prediletas e que honra a tradição mes­mo quando eles estão de férias. Já estive­mos em cidadezinhas distantes, entre os habitantes locais, e esse homem passa toda uma sexta-feira procurando um buquê de flores. Mitch expressa sua apreciação por Linda com flores, e ela manifesta sua grati­dão enchendo-o de agradecimentos e elo­gios, como se fosse a primeira vez que rece­besse um presente assim.

A Neurobiologia da conexão interpessoal

Até aqui, discutimos os componentes emocionais e comportamentais dos rela­cionamentos íntimos. Agora, voltamos nos­sa atenção a um corpo emergente de estu­dos interdisciplinares que se dedica a ex­plicar as bases neurobiológicas do víncu­lo, das emoções e dos comportamentos pró-sociais que são os pré-requisitos dos rela­cionamentos adultos saudáveis.

O neuropsicanalista Allan Schore (1994, 2003) e a psicóloga da saúde Shelley Taylor (Taylor, Dickerson e Klein, 2002) coletaram e integraram evidências indiretas e diretas de seus próprios labora­tórios, bem como de outros pesquisadores. Schore, partindo dos pressupostos da teo­ria do vínculo, afirma que o ambiente so­cial, mediado pelas ações do cuidador prin­cipal e pelo vínculo que se tem com ele, influencia a evolução das estruturas do cérebro de uma criança. Mais especifica­mente, Schore propôs que a maturação de uma região do córtex direito, o córtex orbitofrontal (que pode armazenar os mo­delos de funcionamento interno do [287] vínculo), é influenciada pelas interações entre criança e cuidador. A medida que o córtex orbitofrontal amadurece, aumenta a autorregulação das emoções, as interações entre cérebro e comportamento sugerem que uma espiral ascendente de crescimen­to pode explicar como os vínculos do bebê acabam por produzir adultos emocional­mente saudáveis. Ou seja, quando uma criança e seu cuidador têm um vínculo se­guro, a parte do cérebro que ajuda a regu­lação das emoções e do comportamento é estimulada. A medida que sua segurança é estimulada, promove-se o desenvolvimen­to do cérebro e aumentam as capacidades de empatizar com outras pessoas e regular o estresse intrapessoal e interpessoal. Equi­pada com habilidades de autorregulação bem afinadas, a criança consegue desen­volver e sustentar relacionamentos saudá­veis e, com o tempo, relacionamentos adultos saudáveis. (Para mais discussões sobre trabalhos relacionados à ligação entre vín­culo e neurobiologia, sugerimos The develo­ping mind, de Siegel [1999].)

Taylor e colaboradores (Taylor et al., 2002), intrigados pelos benefícios à saúde gerados pelo contato social e pelo apoio social (vide Seeman, 1996, para uma revi­são), examinaram pesquisas sobre animais sociais e seres humanos para determinar os mecanismos biológicos associados às expe­riências interpessoais. Assim como Schore (1994,2003), Taylor e colaboradores levan­taram a hipótese de que uma relação de ca­rinho entre uma criança e um cuidador pro­move o desenvolvimento de uma atividade reguladora, nesse caso, no sistema hipotalâmico-pituitário-adrenocortical, o HPA (que é ativado por meio de secreção hormonal). O mesmo sistema biológico pode regular o funcionamento social adulto, mas pouco se sabe sobre como ele amadurece com o pas­sar das décadas. Está se tornando cada vez mais claro, contudo, que as diferenças de gênero na forma como o sistema neuroendrócrino funciona para transformar o apoio social em benefícios à saúde estão associa­ das à presença de oxitocina nas mulheres.

Os neurocientistas e os psicólogos continuarão a investigar de que forma a neurobiologia e o comportamento social positivo estão interligados. A medida que a psicologia positiva dos relacionamentos íntimos incorpora descobertas da neuro­biologia, chegaremos mais perto de saber como os bons relacionamentos se tornam ótimos.

Mais sobre relacionamentos que prosperam

Como observado no início deste capí­tulo, o vínculo entre bebê e cuidador e a segu­rança do vínculo adulto estão ligados ao de­ senvolvimento de relacionamentos adultos saudáveis. Considerando-se a literatura que revela as bases neurobiológicas do vínculo (Schore, 1994; Taylor et al., 2002), parece que a conexão interpessoal estimula a ativi­dade cerebral que ajuda a criar os sistemas reguladores, que levam ao desenvolvimen­to de empatia, prazer nas interações posi­tivas e gerenciamento de estresse associa­do a interações negativas. O resultado desse complexo intercâmbio entre cérebro e comportamento é a criação de uma base de experiências e habilidades interpessoais sobre as quais se constroem os futuros re­ lacionamentos (vide a Figura 13.3).

Figura 13.3

O amor, a emoção positiva que nos liga, costuma ser considerado como um indicador da qualidade dos relacionamen­tos. Acreditamos que o amor que se tem por outra pessoa nos envolve em compor­tamentos propositados positivos no relacio­namento, os quais sustentam conexões interpessoais com o passar do tempo. À medida que se fortalecem, os relaciona­mentos prosperam e facilitam o desenvol­vimento pessoal de ambos os participan­tes.

Outra olhada na Figura 13.3 revela a formação dos relacionamentos que pros­peram e resume nossos comentários nesta seção. A hierarquia das necessidades so­ciais apresentada nessa figura sugere que o vínculo, o amor e os relacionamentos que prosperam são desejados por todas as pessoas e alcançados apenas por algumas delas. De fato, de todos os indivíduos que têm vínculo com um cuidador na infância, apenas alguns desenvolvem vínculos adul­tos seguros. E, como a estabilidade do es­tilo de vínculo durante a vida foi questio­nada (Feeney e Noller, 1996), as pessoas que vivenciam o vínculo no início da in­fância podem não ser necessariamente as que atingem um vínculo seguro quando adultos.

Subindo na hierarquia, a necessida­de de amor romântico sustentado é aten­dida por aquelas pessoas que realizaram ao menos um pouco de vínculo adulto se­guro. Com os benefícios gerados pela apli­cação dos comportamentos propositados positivos no relacionamento (vide a seta na Figura 13.3), um casal pode explorar com sucesso o amor em um relacionamento que prospere.

Construindo uma psicologia positiva dos relacionamentos íntimos

O estudo do vínculo inseguro, do amor perdido e dos relacionamentos fra­cassados produziu descobertas significati­vas, que são relevantes para nossa vida. Os pesquisadores conseguiram descobrir o que não funciona e tentaram ensinar as pes­soas a corrigir seus problemas de relacionamento. Não obstante, a maioria con­cordaria que todos nos esforçamos para identificar as coisas certas a fazer nos re­lacionamentos. A psicologia positiva dos relacionamentos íntimos parte do traba­lho do passado (incluindo o conhecimen­to de que o vínculo seguro e o amor são pré-requisitos para relacionamentos sau­dáveis), incorpora um foco nos processos apetentes e define a agenda para o futu­ro, a qual irá produzir a pesquisa que con­tará a história dos relacionamentos que prosperam. [288]

Psicologia - Psicologia positiva
9/23/2020 1:48:33 PM | Por Charles Richard Snyder
As implicações do altruísmo, da gratidão e do perdão para a sociedade

Nesta parte do capítulo, tratamos das repercussões do altruísmo, da gratidão e do perdão para a sociedade. Como você saberá aqui, esses três processos cumprem papéis fundamentais em ajudar grupos de pessoas a viver juntos com maior estabili­dade e concordância interpessoal. Empatia/egofismo e altruísmo - Dado que o sentimento de empatia parece pressionar os seres humanos em direção a ações “puramente” prestativas ou altruístas (ou seja, ações não-egotistas), essa motivação geralmente tem implica­ções positivas para pessoas que vivem em grupos. Isso quer dizer que, enquanto sen­tirmos empatia, devemos estar mais dispos­tos a ajudar nossos concidadãos.

Infelizmente, contudo, seja conscien­te seja inconscientemente, muitas vezes agimos de forma a calar nosso sentido de empatia em relação a outras pessoas. Con­sidere, por exemplo, os residentes de gran­des meios urbanos que caminham pela rua e nem parecem ver os moradores de rua deitados no pavimento ou na calçada. Deparando-se com essas visões diariamente, pode ser que os habitantes das cidades aprendam a calar suas empatias. Eles po­dem, assim, evitar contato visual ou atra­vessar a rua para minimizar suas interações com essas pessoas desfavorecidas.

Para complicar as coisas, os psicólo­gos sociais demonstraram que, ao vivermos em grandes centros urbanos, podemos di­luir qualquer sentido de responsabilidade pessoal por ajudar os outros, um fenômeno conhecido como o “efeito do observador ino­cente” (Darley e Latane, 1968; Latane e Darley, 1970). Sendo assim, por vezes, os resi­dentes de cidades podem racionalizar e se enganar, dizendo que se comportaram bem quando, na realidade, não prestaram ajuda a seus vizinhos (Rue, 1994; Snyder, Higgins e Stucky, 1983/2005; Wright, 1994).

Entenda, contudo, que mesmo os pro­fissionais cuja formação e descrição de car­go implicam ajudar os outros podem pas­sar por esse tipo de mutismo de suas sensi­bilidades. Por exemplo, enfermeiros e pro­fessores de escolas podem experimentar burnout quando se sentem bloqueados e repetidamente sentem que não são capa­zes de gerar as mudanças positivas que desejam em seus pacientes ou alunos
(Maslach, 1982; Maslach e Jackson, 1981; Snyder, 1994/2000). Segundo nossa esti­mativa, a psicologia positiva deve encon­trar formas de ajudar as pessoas a se man­ter empáticas de modo que possam conti­nuar ajudando os outros. Devemos, tam­bém, explorar caminhos para aumentar a empatia, com vistas a poder tratar de pro­blemas de grande porte, como a AIDS e a mendicância (Batson, Polycarpou et al., 1997; Dovidio, Gaertner e Johnson, 1999; Snyder, Tennen, Affleck e Cheavens, 2000).

Voltando nossa atenção ao papel dos benefícios baseados no egotismo, em ter­mos de sua implicação no processo de al­truísmo, nossa visão é que seria inteligen­te ensinar às pessoas que nada há de erra­do em derivar benefícios ou se sentir bem por ajudar os outros. Na verdade, não é realista esperar que as pessoas venham a ter sempre motivações puras, não-baseadas no ego, quando realizam suas ativida­des solidárias. Em outras palavras, se as pessoas realmente se sentirem bem ao pres­tar ajuda a outras, então deveríamos trans­mitir à sociedade a mensagem de que isso é perfeitamente legítimo. Embora certa­mente seja importante engendrar o desejo [258] de ajudar porque é a coisa certa a fazer, também podemos transmitir a legitimida­de ao ato de prestar ajuda com base em que isso seja um meio de derivar alguma sensação de gratificação. Devemos nos lem­brar tanto da primeira quanto da segunda lições ao educarmos nossas crianças em re­lação ao processo de ajudar os outros.

Na verdade, as práticas de educação de crianças que transmitem a mensagem de que qualquer coisa que não seja “puro” altruísmo é ruim, podem ser contraprodu­centes. O principal autor deste texto certa vez atendeu um cliente que era filho de um ministro religioso. Durante sua criação, seu desenvolvimento, esse jovem foi ensi­nado que quaisquer sentimentos de pra­zer ao ajudar os outros não eram realmen­te legítimos nem aceitáveis. De acordo com isso, ao descobrir que não gostava de aju­dar os outros, sentiu-se extremamente cul­pado. Parte da terapia, nesse caso, era fa­zer que ele falasse com dois outros religio­sos que lhe disseram que nada havia de “pe­caminoso” em se sentir bem em função de fazer esforços para ajudar os outros. Quan­do ele entendeu verdadeiramente essa nova perspectiva, tivemos uma interação entre esse jovem e seu pai sobre a questão. Como seu pai era falecido, fizemos o exer­cício usando a técnica da cadeira vazia da Gestalt, na qual o cliente imagina a outra pessoa sentada em uma cadeira vazia à sua frente e acontece uma discussão em que ele desempenha os papéis de ambos. Ao fazer o exercício, o jovem entendeu que seu pai não tivera má intenção ao lhe ensi­nar sobre ajudar, e sim visava à lição prin­cipal da importância de se preocupar com os outros. Ao se preocupar com outras pes­soas, o cliente também aprendeu que par­te do processo é se preocupar consigo e dar amor e apoio a si próprio. A sua ajuda a outras pessoas, por sua vez, serviu a ele próprio e a essas outras pessoas, e ele fi­cou muito mais feliz quando chegou a essa solução perspicaz. Além disso, o jovem ensinou essa lição sobre a legitimidade de
se sentir bem por ajudar os outros a seus próprios filhos, para que eles não caíssem no mesmo dilema que ele havia vivenciado.

Empatia/egotismo e gratidão

Desde que sejamos capazes de enten­der e assumir a perspectiva de outra pes­soa, é mais provável que venhamos a ex­pressar nossa gratidão pelas ações dessa outra pessoa. Talvez outro caso ajude a esclarecer essa questão. Um dos meus (C.R.S.) primeiros clientes de psicoterapia, há cerca de quatro décadas, era uma jo­vem (nomeada aqui como Janice) que nun­ca agradecia aos outros. Seu pai lhe havia ensinado que as pessoas só ajudavam a outras quando “levavam alguma coisa nis­so”. Em outras palavras, quando criança, ela aprendeu que a ajuda dada por outras pessoas não era verdadeira e, é claro, se essa ajuda não era verdadeira, não havia necessidade de ela agradecer às pessoas por isso. Quando veio para fazer terapia, Janice informou que as outras pessoas a conside­ravam grosseira porque ela não agradecia.
Mesmo antes de chegar às raízes des­se padrão mal-adaptativo de comporta­mento na infância, pedi simplesmente que ela mudasse de atitude e agradecesse quan­do alguém fizesse alguma coisa por ela. Ela concordou em tentar e imediatamente des­cobriu que isso facilitava seu relacionamen­to com as pessoas. Na verdade, com o tem­po, ela também passou a se sentir bem con­sigo mesma ao expressar gratidão. Depois, começamos a explorar várias formas de ajudar Janice a entender as perspectivas de outras pessoas e que elas podem ser, às vezes, muito verdadeiras, ou seja, que nem sempre estavam tentando “levar alguma coisa” ao lhe oferecer ajuda. É claro que isso ia contra as lições ensinadas na infân­cia por seu pai, mas, aos poucos, ela se deu conta de que nem sempre havia motivos ulteriores nos comportamentos prestativos das pessoas. Um ponto importante nesse caso foi quando Janice entendeu que ela [259] própria, às vezes, ajudava um amigo, e que, ao fazê-lo, não estava necessariamente “apenas tentando levar alguma coisa para si mesma”. Esse caso também demonstra que as perspectivas do egotismo e da empatia podem funcionar para melhorar a gratidão de uma pessoa.

Empafia/egotismo e perdão

A empatia também é um precursor do perdão aos outros (McCullough et al., 1998; McCullough, Worthington e Rachai, 1997; Worthington, 2005). Os autores deste livro trabalharam com clientes de psicoterapia para os quais a empatia e o egotismo servi­am como rotas para desencadear o perdão. Por exemplo, consideremos a pessoa que está cheia de raiva em relação a algo preju­dicial que uma outra lhe fez, e que deve aprender a ver as questões do ponto de vis­ta dessa outra pessoa (ou seja, empatizar) antes de chegar ao ponto de perdoá-la.

Ocasionalmente, a pessoa que reali­zou transgressão de algum tipo entendeu mal as circunstancias à sua volta. Em um caso relacionado a essa questão, uma jo­vem rompeu seu relacionamento e come­çou a sair com outros homens ao ver seu namorado sentado nos fundos da igreja com sua ex-namorada. Entretanto, revelou-se que a razão para esse encontro era bas­tante inocente: o pai da ex-namorada ha­via morrido e o jovem a estava consolan­do. Quando a jovem que rompeu o rela­cionamento se deu conta dessa circunstân­cia, conseguiu empatizar com seu namo­rado e perdoá-lo pelo que, na verdade, era um ato de gentileza. Na verdade, ela sou­be que a atitude do namorado nem era uma transgressão!

Sendo assim, também podemos nos desvencilhar de ruminações negativas em relação a outra pessoa ou a um evento para nos sentirmos bem com nós mesmos. Como exemplo desse tipo egotista de perdão, con­sidere jovens que se meteram em dificul­dades desrespeitando a lei nos primeiros anos de adolescência. Para se sentir me­lhor consigo mesmos quando chegaram à idade adulta, esses jovens podem se ofere­cer como voluntários para ajudar adoles­centes que tenham problemas com a lei. Esses adolescentes costumam querer e pre­cisar desesperadamente ser perdoados por suas transgressões, e adultos na casa dos vinte anos, que tenham passado por situa­ções parecidas, são fontes ideais de per­dão. Nessa última questão, esses adultos jovens não apenas conseguem empatizar com os adolescentes, como também se sen­tem bem consigo mesmos por proporcio­nar esse perdão.

Imperativos morais: altruísmo, gratidão e perdão

Como apontamos durante todo este capítulo, a empatia e o egotismo costumam ser precursores do altruísmo, da gratidão e do perdão em relação aos outros. Essa noção do portal empatía/estima é mostra­ da visualmente na Figura 12.1. Quando a pessoa expressou altruísmo, gratidão e per­dão em relação a um receptor, contudo, o ciclo não pára. Considere, por exemplo, as reações de quem recebe a gratidão. Quando ele expressa agradecimentos ou algum outro tipo de apreciação, quem dá esse comportamento benevolente é recompen­sado e, portanto, pode se comportar de forma pró-social no futuro (Gallup, 1998). Da mesma forma, é possível que algumas pessoas tenham comportamento pró-social, ao menos em parte, porque gostam do re­forço que recebem por ele (Eisenberg, Milíer, Shell, McNalley e Shea, 1991).

Nesse processo, mostrado na Figura 12.4, o receptor provavelmente responde­rá com altruísmo, gratidão e perdão e, ao fazer isso, pode muito bem experimentar empatia e estima em relação a quem dá. Quem recebe o altruísmo, a gratidão e o perdão provavelmente se comportará em maneiras morais em relação a outras [260] pessoas em geral (vide o lado direito da Figu­ra 12.4). Em outras palavras, quando o al­truísmo, a gratidão e o perdão são intercambiados, o receptor deve praticar as vir­tudes da psicologia positiva em interações interpessoais posteriores. Assim, há efeitos-cascata do altruísmo, da gratidão e do perdão. O sentimento subjacente, nesse caso, pode ser: “Quando for tratado com respeito, farei o mesmo com os outros”.

Figura 12.4

Em sua obra clássica, A teoria dos sen­timentos morais, Adam Smith (1790/1976) sugere que a gratidão e os constructos re­lacionados, como o altruísmo e o perdão, são absolutamente cruciais quando se es­tabelece uma sociedade moral. Como tal, a gratidão é um imperativo moral, no sen­tido de que promove interações sociais es­táveis que são baseadas em reciprocidade e respeito mútuo (vide, mais uma vez, a Figura 12.4). Usando a linha de raciocínio desenvolvida por Adam Smith, o sociólo­go George Simmel (1950) argumentou que a gratidão, em particular, lembra as pessoas de sua necessidade de ter atitudes recípro­cas e de seus relacionamentos inerentes umas com as outras. Sobre essa questão, Simmel formulou o bonito pensamento de que a gratidão é “se a memória moral da humanidade... e cada ação agradecida... fosse eliminada, a sociedade (pelo menos como a conhecemos) desagregar-se-ia” (1950, p. 388). Assim sendo, a gratidão e seus conceitos próximos, de altruísmo e perdão, facilitam a sociedade, dado que há uma sensação de coesão e a capacidade de continuar a funcionar quando coisas boas e ruins acontecem a seus cidadãos (para discussões relacionadas a isso, vide Rue [1994] e Snyder e Higgins [1997]).

"Eu tenho um sonho": Rumo a uma humanidade mais bondosa e digna

Este capítulo cobre uma trilogia de alguns dos melhores comportamentos das [261] pessoas - sua gratidão, altruísmo e perdão. A empatia, para a pessoa que é alvo dela, parece ser um precursor importante des­ses comportamentos. Quando sentimos empatia por outra pessoa, temos mais pro­babilidades de ajudá-la, de nos sentirmos agradecidos por suas ações e de perdoar quando ela transgredir. No entanto, ao sen­tir essa empatia, as pessoas também po­dem atender a suas necessidades egotistas. Dessa forma, não é preciso trabalhar com uma proposição do tipo “ou uma coisa ou outra” quando se trata das motivações da empatia e do egotismo que desencadeiam o altruísmo, a gratidão e o perdão.

Uma implicação, nesse caso, é a de que uma humanidade mais bondosa e dig­na será aquela em que cada um de nós possa entender as ações dos outros, com­preendendo suas dores e seus sofrimentos, e ainda nos sentindo bem com relação a nossas próprias motivações ao ajudarmos [262]  nossos vizinhos. Certamente, a empatia é uma lição crucial, que deveria ser acres­centada às lições cruciais ensinadas às crianças em termos de estima. Nossas crian­ças podem conseguir se sentir bem consi­go mesmas e se relacionar melhor com outros em função de sua compreensão e de sua compaixão. De fato, grande parte do futuro da psicologia positiva será construída com base em pessoas que sejam capazes de atender a suas próprias necessidades egotistas e também de se re­lacionar bem e respeitar umas às outras.

Os relacionamentos estão no centro da psi­cologia positiva, e nosso objetivo é uma hu­manidade mais “civilizada”, na qual o al­truísmo, a gratidão e o perdão sejam as reações esperadas, em vez de inusitadas, entre pessoas que interagem.

Naquilo que pode ser um dos mais fa­mosos discursos orais dos tempos moder­nos, a fala “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King Jr., seus pensamentos e senti­mentos sobre altruísmo/gratidão/perdão foram captados em seu chamado à irman­dade (King, 1968). Se a psicologia positi­va quiser comparti­lhar esse sonho, co­mo certamente aspi­ra, então devemos continuar nossa bus­ca de entender a ci­ência e as aplicações que fluem dos con­ceitos de altruísmo, gratidão e perdão. [263]

Psicologia - Psicologia positiva
9/22/2020 3:18:54 PM | Por Charles Richard Snyder
Perdão

Tendo sido um conceito comum, re­lativamente inexplorado, o perdão sofreu uma explosão de interesse desde os anos de 1990. Parte da razão para essa enorme expansão da teoria e da pesquisa está [252] relacionada ao fato de que o filantropo John Templeton deu início a demandas por fun­dos para a pesquisa sobre o perdão, a par­tir da Fundação Templeton. O senhor Templeton acreditava que o perdão era suficientemente importante como conceito para gastar seu próprio dinheiro para fi­nanciar mais pesquisas a respeito! Nesta seção, primeiramente apresentamos as várias definições de perdão, de­pois descrevemos de que forma ele pode ser cultivado, revisamos sua medição e ter­minamos com um panorama de suas bases evolutivas e neurobiológicas.

Definindo o perdão

Os estudiosos divergiram em suas de­finições de perdão (McCullough, Pargament e Thoresen, 2000a, 2000b; Worthington, 2005). Embora as visões sobre a exata na­tureza do perdão variem, é consenso que ela é benéfica para as pessoas (vide Worthington, 2005). Discutimos as princi­pais formas de definir o perdão no restan­te da seção, começando pela definição mais liberal e includente, e avançando para ou­tras, relativamente mais circunscritas.

Thompson e colaboradores

Na teoria defendida por Thompson e colaboradores (Thompson et al., 2005), o perdão é uma libertação de um vínculo ne­gativo com a fonte que transgrediu contra a pessoa. De todas as teorias do perdão, a de Thompson é a mais includente no sentido de que a fonte de transgressão - e, assim, o alvo de qualquer perdão eventual - pode ser a própria pessoa, outra pessoa ou uma situação que é considerada fora de controle.

McCullough e colaboradores

Segundo McCullough (2000; Mc­ Cullough et al., 1998), o perdão reflete au­mentos na motiva­ção pró-social em re­lação a outras pesso­as, de forma que haja:

  1. menos desejo de evitar a pessoa que transgrediu e prejudicar ou buscar vingança contra esse indi­víduo; e
  2. mais desejo de agir positivamen­te com relação a essa pessoa. [253]

As mudanças de motivação são situa­das no centro dessa teoria (McCullough et al., 2000a, 2000b), com a pessoa se tor­nando mais benevolente com o passar do tempo; além disso, só se considera o per­dão aplicável quando há uma outra pes­soa que tenha realizado a transgressão.

Enright e colaboradores

O estudioso com o mais antigo his­tórico nos estudos do perdão é Robert Enright, que o define como “uma disposi­ção de abandonar o próprio direito ao res­sentimento, ao julgamento negativo e ao comportamento indiferente em relação a alguém que injustamente nos prejudicou, ao mesmo tempo que se estimulam as qua­lidades não merecidas de compaixão, ge­nerosidade e até mesmo amor em relação a essa pessoa” (Enright, Freedman e Rique, 1998, p. 46-47). Para Enright (2000; Enright et al., 1998), é fundamental que a pessoa que perdoa desenvolva uma postu­ra benevolente em relação à pessoa que transgride. Em suas palavras, “a fruição do perdão é entrar na comunidade amorosa com outros” (Enright e Zell, 1989, p. 99). Enright também era firme ao declarar que o perdão não pode ser estendido a uma situação, devendo ser direcionado apenas [253] às pessoas. Sobre esse aspecto, escreveu: “O perdão é entre pessoas. Não se perdoam tornados ou enchentes. De que forma seria possível, por exemplo, voltar a ser parte de uma comunidade amorosa com um tomado?” (Enright e Zell, 1989, p. 53).

Tangney e colaboradores

Em 1999, Tang­ney e colaboradores (Tangney, Fee, Reinsmith, Boone e Lee, 1999) sugeriram que o perdão refletia:

  1. transformação cognitivo-afetiva a par­tir de uma transgressão na qual;
  2. a vítima faz uma avaliação realista do prejuízo causado e reconhece a respon­sabilidade do autor, mas;
  3. escolhe livremente “cancelar a dívida”, abrindo mão da necessidade de vingan­ça ou punições merecidas e de qualquer busca de compensação. Esse “cancela­mento da dívida” também envolve;
  4. um “cancelamento das emoções nega­tivas” diretamente relacionadas à trans­gressão. Especificamente, ao perdoar, a vítima supera seus sentimentos de res­sentimento e raiva em função da atitu­de. Resumindo, por meio do perdão, o indivíduo prejudicado;
  5. essencialmente se retira do papel de ví­tima (p. 2).

O modelo de Tangney sugere que abrir mão das emoções negativas é o nú­cleo do processo de perdão.

Cultivando o perdão

Nesta seção, exploramos como o per­dão pode ser ensinado. Assim, mostramos de que forma três fontes - outra pessoa, a própria pessoa e mesmo uma situação ou circunstância - podem ser usadas como al­vos para a instrução com relação ao perdão.

Perdoando outra pessoa

Nesta categoria muito típica de per­dão, a de perdoar outra pessoa, pode-se imaginar a letra de uma canção do tipo “dor-de-cotovelo”, na qual um parceiro em um relacionamento foi “sacaneado” (por exemplo, o outro teve um caso).

Em nossas experiências em terapia com casais que lidavam com o perdão na esteira de infidelidades conjugais, concluí­mos que o modelo de Gordon, Baucom e Snyder é útil (2004, 2005; Gordon e Baucom, 1998). Nesse modelo, cujo obje­tivo é o perdão, o primeiro passo é promo­ver uma avaliação realista e não distorcida do relacionamento das duas pessoas. O segundo é uma tentativa de facilitar uma libertação do vínculo de afeto ruminativo e negativo que se tem em relação ao par­ceiro que cometeu a agressão (transgres­sor). Por fim, o terceiro passo é ajudar o parceiro que foi vítima a reduzir seu dese­jo de punir o parceiro transgressor. Com o tempo, o perdão possibilita diminuir a mágoa e o despejar de sentimentos negati­vos, especialmente para o parceiro vitimizado. Da mesma forma, o tratamento me­lhora a empatia para com o parceiro trans­gressor e o terapeuta tenta fazer que am­bos se sintam melhor consigo mesmos.

O perdão tem um caráter paralelo às etapas da recuperação do trauma psicoló­gico. Com o passar do tempo, o casal avan­ça da etapa de impacto inicial a uma busca de sentido ou compreensão sobre o que aconteceu. Por fim, o casal avança pars uma etapa de recuperação, na qual “levar as vidas adiante” (Gordon et al., 2005). Ns etapa de impacto, em geral há uma agita­ção de sentimentos negativos, como má­goa, medo e raiva. Nesse momento, os par­ceiros podem mudar da insensibilidade [254] para sentimentos muito ruins. Depois, na eta­pa do sentido, os parceiros buscam desesperadamente compreender por que o caso aconteceu. Com certeza, raciocina o casal, deve haver algum sentido nesse evento capaz de abalar o relacionamento. Por fim, o casal começa a recuperar lentamente uma sensação de controle sobre as vidas dos dois. Um objetivo fundamental dessa eta­pa é impedir que o caso comande cada pen­samento que essas duas pessoas têm quan­do estão acordadas. Perdoar não significa necessariamente que o casal decide perma­necer junto, mas, pelo menos, o processo do perdão permite-lhe tomar decisões mais informadas sobre o que fazer a seguir.

Outra abordagem produtiva para aju­dar casais a lidar com a infidelidade é o modelo do perdão de Everett Worthington, da Virginia Commonwealth University (vide Ripley e Worthington, 2002; Worthington, 1998; Worthington e Drinkard, 2000). Esse modelo baseia-se em ajudar os parceiros por meio dos cinco passos da sigla REACH: Re­cordar a mágoa e a natureza do dano cau­sado; Promover a Empatia em ambos os parceiros; Altruisticamente doar a dádiva do perdão entre parceiros; Comprometer-se verbalmente a perdoar o parceiro; e Man­ter (Hoid) o perdão um ao outro.

Perdoar-se

Um clínico será alertado para a ne­cessidade potencial de um cliente perdoar a si mesmo quando este estiver sentindo vergonha ou culpa. A vergonha reflete um sentimento geral de que “eu sou uma pes­soa ruim”. Como tal, a vergonha atravessa circunstâncias específicas e reflete uma vi­são dominante de si como impotente e inú­til. Por sua vez, a culpa está relacionada a uma visão de si referente a uma situação determinada, por exemplo, “eu fiz uma coi­ sa ruim” (Tangney, Boone e Dearing, 2005). Uma pessoa que sente culpa tem uma sen­sação de remorso e em geral se arrepende de algo que fez. Para corrigir essa culpa, é necessária alguma ação reparadora, como confessar ou se desculpar. O pro­cesso de ajudar uma pessoa a lidar com a vergonha é mais di­fícil para quem aju­da do que o trata­mento para a culpa, isso porque a vergo­nha atravessa mais situações do que o foco unissituacional da culpa.

O perdão a si próprio foi descrito como “o processo de liberar o ressenti­mento com relação a si mesmo por uma transgressão ou ação indevida percebida” (DeShea e Wahkinney, 2003, p. 4). Como todos temos que viver conosco mesmos, pode-se entender que as conseqüências de não se perdoar podem ser muito mais gra­ves do que as de não perdoar a outra pes­soa (Hall e Fincham, 2005). As interven­ções para reduzir a crítica contraproducen­te de si mesmo visam ajudar o indivíduo a assumir a responsabilidade pelo que fez de ruim e depois se desvencilhar, de forma que possa seguir adiante com as tarefas de sua vida. Na verdade, qualquer cliente que seja absorvido em reflexões muito positivas ou muito negativas se sente “pego”. Sendo assim, os profissionais tentam ajudar os clientes a entender como seus pensamen­tos e sentimentos absortos interferem com um viver positivo. Holmgren (2002) cap­tou esse sentimento:

Persistir no próprio histórico de desem­penho moral, seja com uma sensação de ódio ou desprezo por si próprio, seja com uma sensação de superioridade, é uma atividade exageradamente autoenvolvida e desprovida de qualquer valor moral real. O cliente irá exercer sua capacidade de ação moral de forma muito mais respon­sável se retirar seu foco do fato de que agiu errado e se concentrar, em lugar dis­so, na contribuição que pode dar a outros [255] e no crescimento que pode vivenciar nas esferas moral e não-moral. (p. 133)

Perdão de uma situação

Lembre-se da posição de Enright (já descrita) de que o perdão só deveria ser aplicado a pessoas, e não a objetos inanima­dos, ou a fenômenos como os tomados. Dis­cordamos dessa premissa. Nossas visões es­tão de acordo com o modelo de perdão de Thompson, no qual o alvo pode ser outra pessoa, a própria pessoa ou uma situação.

Um dos casos psicoterapêuticos de C.R.S., de cerca de 20 anos atrás, mostra como o perdão pode ser aplicado a uma situação. Moramos em Lawrence, Kansas, Estados Unidos, onde ocasionalmente re­caem tornados sobre nossa comunidade. Nesse caso específico, um tomado havia causado danos a casas e a seus moradores. Depois dele, tratei de um homem em tera­pia que tinha pensamentos de raiva e amar­gura graves em relação ao tomado, por ter destruído sua casa e feito que ele se sentis­se psicologicamente vitimizado. No decor­rer do tratamento, o objetivo era ajudar o homem a parar de ruminar sobre o torna­do, assim como parar de culpá-lo por ha­ ver destruído sua vida (Snyder, 2003).

As­sim sendo, o homem foi ensinado a se desvencilhar de seu ressentimento em relação ao tornado. Isso foi parte de um objetivo de tratamento maior, voltado a ensinar essa pessoa a liberar a amargura que sentia a respeito de uma série de “azares” que ti­nha tido em sua vida. Ele também conse­guiu entender que o tornado havia atingi­do outras casas e famílias, mas tais famílias haviam juntado os cacos e ido adiante com suas vidas. Para esse cliente, as ruminações sobre o tornado o mantinham amarrado ao passado e ele entendeu que se desvencilhar era parte de ir adiante, de modo a ter esperança em sua vida (vide Lopez, Snyder, et al., 2004; Snyder, 1989).

Para profissionais que já conduziram uma quantidade considerável de psicoterapia, esse caso não parecerá incomum no sentido de que os clientes muitas vezes apontam suas circunstâncias de vida como sendo as causas de seus problemas (ou seja, culpam os acontecimentos em suas vidas). Para esses clientes, portanto, uma parte crucial de seus tratamentos implica a ins­trução sobre como interromper pensamen­tos sobre eventos anteriores negativos de forma que eles possam, em lugar disso, olhar para adiante, para seus futuros (Michael e Snyder, no prelo).

Medindo o perdão

Cada uma das teorias do perdão dis­cutidas anteriormente está associada a uma medida individual de autoavaliação para diferenças, que já foi validada. Tratamos dessas medidas na mesma ordem em que discutimos as teorias.

Thompson e colaboradores (2005) desenvolveram a Escala do perdão de Heartland (Heartland forgiveness scale, HFS) como uma medida de traços com 18 questões sobre o perdão. Há seis questões para dar conta de cada um dos três tipos de perdão - de si, de outro ou de uma situação - e os respondentes usam uma escala de 7 pontos (1= Quase sempre falso em relação a mim a 7 = Quase sempre verda­deiro em relação a mim). Os escores da HFS tiveram correlação positiva com os escores em ou­tras escalas de perdão; as pessoas com al­tos escores no HFS também demonstraram mais flexibilidade e confiança, bem como menos hostilidade, ruminação e depressão.

McCullough e colaboradores (1998) desenvolveram o Inventário interpessoal de motivações relacionadas à transgressão (Transgression-related interpersonal motiva­tions inventory,TRIM) como medida de autorrelato com 12 questões (os respondentes usavam um contínuo de 5 pontos, desde [256] 1  = Discordo muito a 5 = Concordo muito), com as questões incluindo desde:

  1. o motivo para evitar contato com a pes­soa transgressora; ou
  2. o motivo para buscar vingança contra o transgressor.

O TRIM pode ser considerado como um índice de perdão específico da transgres­são.

Enright desenvolveu duas medidas de perdão, sendo que a primeira é uma ver­são de 60 questões chamada de Inventário de Perdão de Enright (Enright Forgiveness Inventory, EVI; Subkoviak et al., 1995). O EVI avalia os pensamentos dos respondentes sobre uma transgressão interpessoal muito recente. Uma segunda medida ins­pirada no Enright é a Escala de Disposição para Perdoar, com 16 questões (Willingness to forgive scale, WTF; Hebl e Enright, 1993). A WTF dá uma estimativa válida do grau em que uma pessoa está disposta a usar o perdão como estratégia de enfrentamento para resolver problemas.

Tangney e colaboradores (1999) de­senvolveram um índice de autoavaliação de traços chamado de Inventário Multidimen­sional do Perdão (Multidimensional Forgive­ness Inventory, MFI). O MFI inclui 16 cená­rios diferentes envolvendo transgressões; 72 questões cobrem essas 9 subescalas:

  1. propensão a perdoar a si próprio;
  2. propensão a perdoar os outros;
  3. propensão a pedir perdão;
  4. propensão a culpar a si mesmo;
  5. propensão a culpar os outros;
  6. tempo para perdoar a si próprio;
  7. tempo para perdoar os outros;
  8. sensibilidade a mágoas; e
  9. inclinação à raiva.

As bases evolutivas e neurobiológicas do perdão

Em muitas partes deste livro, enfati­zamos a natureza coletiva dos seres huma­nos. Vivemos em grupos, e parte desse con­tato, infelizmente, envolve casos em que uma pessoa agride a outra. Nas criaturas subumanas, os animais podem, às vezes, envolver-se em gestos de submissão que interrompem o ciclo de agressão (deWaal e Pokomy, 2005; Newberg, d’Aquili, Newberg e deMarici, 2000). De maneira análoga, o perdão pode romper o ciclo de violência nos seres humanos. Carecendo desses mecanis­mos para reduzir o potencial para a agres­são e a contra-agressão retaliativa, os seres humanos correm o risco de um ciclo cres­cente que ameace a destruição do grupo todo. Nesse sentido, há uma vantagem evolutiva no perdão de ações em seu nível mais baixo de hostilidade (Enright, 1996; Komorita, Hilty e Parks, 1991), aumentan­do, assim, as chances de sobrevivência do grupo como um todo. De fato, as pessoas que demonstram perdão em relação a seus transgressores produzem sentimentos posi­tivos nas que estão ao seu redor, que não tinham qualquer envolvimento no confron­to (Kanekar e Merchant, 1982), estabilizan­do a ordem social. Em resumo, o perdão representa um processo que tem uma van­tagem evolutiva adaptativa, dado que aju­da a preservar a estrutura social.

Newberg e colaboradores (2000) des­creveram a neurofisiologia por trás do pro­cesso de perdão. Em primeiro lugar, por necessidade, o perdão envolve o sentido de “eu” de uma pessoa, porque é a fonte que foi prejudicada durante a transgres­são por parte de outra (ao mesmo tempo, a percepção de si é crucial de um ponto de vista evolutivo porque é o “eu” que a pes­soa luta para preservar ao longo do tem­po). O sentido de “eu” está localizado nos lobos frontal, parietal e temporal, que re­cebem informações do sistema sensorial e do hipocampo. Em segundo lugar, danos ao “eu” são registrados por recebimento sensório-motor, e esse recebimento é me­diado pelo sistema límbico, pelo sistema nervoso simpático e pelo hipotálamo. Em terceiro, a iniciação do processo de recon­ciliação por parte da pessoa que foi vítima [257] da transgressão envolve a ativação dos lo­bos temporal, parietal e frontal, junto com o que é recebido no sistema límbico. Por fim, a direção real do perdão, de dentro para fora, ocorre por meio do sistema lím­bico e está associada a emoções positivas. [258]

Psicologia - Psicologia positiva
9/22/2020 3:16:01 PM | Por Shane J. Lopez
Altruísmo

Nesta seção, começamos definindo al­truísmo. A seguir, exploramos a motivação do egotismo (ou estima) e demonstramos que ele também pode mobilizar vários tipos de ações altruístas. Depois, discutimos a hi­pótese empatia/altruísmo e seguimos com uma discussão das bases genéticas e neuro­lógicas da empatia. Encerramos com enfo­ques para aumentar e medir o altruísmo. O altruísmo é um comportamento voltado a beneficiar outra pessoa. O com­portamento altruísta pode ser motivado por egotismo pessoal ou mobilizado pelo de­sejo empático “puro” de beneficiar outra pessoa, independentemente de ganhos pes­soais (para visões gerais, vide Batson, 1991; Cialdini, Schaller, Houlihan, Arps, Fultz e Beaman, 1978).

Egotismo como motivação

O egotismo é a motivação para ir em busca de algum ganho ou benefício pessoal por meio de um comportamento direcio­nado, e tem sido aclamado como uma das mais influentes motivações humanas. Não surpreende, portanto, que seja visto como motor de uma série de ações humanas, incluindo o altruísmo. Nesse sentido, pen­sadores ocidentais destacados, como Aris­tóteles (384-322 a.e.c.), São Tomás de Aqui­no (1125-1274), Thomas Hobbes (1588- 1679), David Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790), Jeremy Bentham (1748-1832), Friedrich Nietzsche (1844- 1900) e Sigmund Freud (1856-1939) en­traram no debate sobre se o egotismo, o sentido de empatia, ou ambos, alimentam as ações humanas altruísticas (vide Batson, Ahmad, Lisher e Tsang, 2002).

Desde o Renascimento, a visão pre­dominante tem sido a de que o altruísmo se explica melhor pela motivação do egotis­mo. Da mesma forma, vários estudiosos modernos afirmaram que o egotismo ali­mentava o comportamento altruísta (para [242] uma revisão, vide Wallach e Wallach, 1983). A essência dessa posição é que nos preo­cupamos com as outras pessoas porque isso nos beneficia (Mansbridge, 1990). Além disso, não importa o quanto o altruísmo possa parecer nobre, os que estão no campo de discussão do altruísmo-egotismo acre­ditam que todas as ações altruístas produ­zem um benefício subjacente à pessoa que está realizando as boas ações. Sendo as­sim, a motivação predominante nesse caso é: “Eu ajudo porque isso me beneficia”.

Formas de altruísmo motivado pelo egotismo

As formas desse egotismo em benefí­cio próprio podem ser diretas, como quan­do ajudar outra pessoa resulta em elogios públicos para o indivíduo que ajudou. Em outra variante do elogio, quem ajuda pode receber recompensas materiais ou honras pelas ações altruístas. Nesse último senti­do, em 2005 o roqueiro Bob Geldorf, do grupo musical irlandês Boomtown Rats, tomou a iniciativa de promover os concer­tos Live 8 no mundo todo. Seus esforços levantaram cerca de 100 milhões de dóla­res para pessoas famintas na África. Em função de seu altruísmo, um membro do parlamento norueguês indicou Geldorf para o Prêmio Nobel da Paz de 2006 (http:/ /edition.crm.com/2005/WORLD/ europe/ 07/06/geldpf.npbel.reut/index.html).

Há outros exemplos de benefício pró­prio em que os que ajudam não recebem recompensas externas por suas ações altruísticas. Por exemplo, é desconfortável ver outra pessoa em algum tipo de situação an­gustiante. Da mesma forma, podemos aju­dar essa pessoa a diminuir nossa própria sensação de tormento pessoal, ou simples­mente podemos nos sentir bem com nós mesmos ao agir bem com outra pessoa. Uma outra possibilidade é que podemos escapar de uma sensação de culpa por não ajudar, quando estendemos a mão a outra pessoa. Mais do que isso, consideremos o soldado que se joga sobre uma granada ativada e salva a vida de seus companheiros próxi­mos. Com certeza, esse é um ato de “puro” altruísmo, não é? Talvez não, se esse solda­do imaginasse os elogios e as medalhas que lhe seriam concedidos após seu ato de coragem. Ou, talvez, nosso herói visualizasse a imagem dos benefícios que lhe viriam em sua vida após a morte, em função de seu heroísmo (Batson et al., 2002).

Ao apresentar essas várias explicações baseadas no ego, não queremos ser cínicos com relação às ações prestativas das pessoas, e sim revelar as muitas formas sutis que pode tornar essa ajuda baseada no egotismo. Em­bora tenhamos postulado diversas varian­tes, essas ações egotistas e em benefício pró­prio que envolvem altruísmo assumem ba­sicamente uma das três formas a seguir:

  • A pessoa que ajuda recebe elogios pú­blicos ou mesmo uma recompensa mo­netária, juntamente com o autoelogio por ter feito o que é bom;
  • A pessoa que ajuda evita punições pes­soais ou sociais por não tê-lo feito;
  • A pessoa que ajuda pode reduzir o des­conforto que sente por ver o trauma de outra.

Lembre-se também de que, mesmo que a pessoa que ajuda esteja motivada por egotismo pessoal, a questão fundamental é que ela proporciona ajuda a um seme­lhante, que necessita dela.

A empatia como motivação e a hipótese empatia-altruísmo

A empatia é uma resposta emo­cional à dificuldade emocional percebida de outra pessoa. Uma visão acerca da [243] empatia é que ela envolve a capacidade de corresponder às emoções de outra pessoa. Em lugar de reproduzir as emoções de uma pessoa como em uma mímica, contudo, a empatia pode implicar uma sensação de bondade em relação àquela outra pessoa. O psicólogo social C. Daniel Batson, da Universidade do Kansas, descreveu essa últi­ma empatia em seu livro de 1991, The altruism question. Para o autor, o altruís­mo envolve comportamentos humanos que são direcionados a promover o bem-estar de outra pessoa.

Batson não nega que algumas formas de altruísmo podem ocorrer em função de egotismo, mas sua visão comum é que, em determinadas circunstâncias, essa motiva­ção egotista não explica o ato de ajudar (vide Batson et al., 2002). De fato, em tes­tes minuciosos do que veio a se chamar hipótese empatia-altruísmo (vide Batson, 1991), as conclusões mostram que existem casos em que o egotismo não parece expli­car esses comportamentos. Além disso, as evidências também sustentam a visão de que ter empatia por outra pessoa leva a uma maior probabilidade de ajudar essa outra pessoa (para revisões, vide Batson, 1991; Dovidio, Allen e Schroeder, 1990; Eisenberg e Miller, 1987).
Em função dos esforços de Batson e outros estudiosos recentes, o altruísmo “puro” surgido da empatia humana tem sido considerado como uma motivação subjacente viável para ajudar, diferente da ênfase anterior no egotismo como motivo único. Nas palavras de Piliavin e Charng (1990).

Parece haver uma mudança de paradigma que se distancia da posição anterior de que o comportamento que parece ser al­truísta deve, em um exame mais minu­cioso, ser revelado como reflexo de moti­vos egoístas. Mais do que isso, a teoria e os dados que estão sendo propostos são mais compatíveis com a visão de que o altruísmo - o agir com vistas a beneficiar outras pessoas - existe como parte da na­tureza humana (p. 27).

Sem ganhos egotistas, contudo, os se­res humanos, por vezes, são suficientemen­te motivados por suas emparias para aju­dar a outras pessoas. Se algum dia preci­sarmos de um objetivo da psicologia posi­tiva em ação, será este.

Os alicerces genéticos e neurológicos da empatia

O método para medir a herdabilidade genética é comparar as concordâncias dos escores de empatia em gêmeos monozigóticos (idênticos) com os escores de gê­meos dizigóticos (fraternos). Para homens adultos, as correlações de empatia para gêmeos monozigóticos e dizigóticos ficaram entre 0,41 e 0,05, respectivamente (Matthews, Batson, Horn e Rosenman, 1981; para resultados semelhantes, vide Rushton, Fulker, Neale, Nias e Eysenck, 1986). Ainda que esses estudos tenham sido criticados em função de preocupações de que seus procedimentos analíticos ge­raram escores de herdabilidade exageradamente altos (por exemplo, Davis, Luce e Kraus, 1994), outros estudos encontraram correlações monozigóticas na faixa de 0,22 a 0,30 comparadas com as correlações dizigóticas de 0,05 a 0,09 (Davis et al., 1994; Zahn-Wexler, Robinson e Emde, 1992). Essas últimas correlações ainda su­gerem um nível modesto de herdabilidade para a empatia.

Pesquisas recentes revelaram que áre­as dos cortices pré-frontal e parietal são es­senciais para a empatia (Damasio, 2002). A empatia requer a capacidade de formar simulações internas dos estados mentais e corporais de outra pessoa. Como as pessoas que sofreram danos ao córtex somatossensorial direito não conseguem mais jul­gar as emoções de outros, conclui-se que elas perderam uma habilidade que é crucial para a empatia (Adolphs, Damasio, Tranel, Cooper e Damasio, 2000). Igualmente, o dano ao córtex pré-frontal leva a prejuízos na avaliação das emoções de outras pessoas [244]  (Bechara, Tranel, Damasio e Damasio, 1996). Além disso, a partir dos anos de 1990, os pesquisadores descobriram “neurônios-espelho” que reagem de forma idên­tica quando um animal realiza uma ação ou testemunha outro animal realizando a mesma ação (Winerman, 2005). Nas pala­vras do neurocientista Giacomo Rizzolatti, que foi a primeira pessoa a descobrir esses neurônios-espelho, “os neurônios poderiam ajudar a descobrir como e por que... senti­mos emparia” (em Winerman, 2005, p. 49). Entretanto, devemos ser cautelosos ao ge­neralizar essas conclusões para os seres humanos, porque as metodologias usadas até hoje incluíram a colocação de eletrodos diretamente no cérebro, e, por razões éti­cas, isso só pode ser feito com macacos.

Cultivando o altruísmo

Para encontrar algumas pistas de co­mo ajudar alguém a ser mais altruísta, evo­camos os próprios processos de egotismo e emparia que usamos para explicar o al­truísmo.

Enfoques baseados no egotismo para aumentar as ações altruístas

Em nossa experiência de trabalho com clientes de psicoterapia, descobrimos que as pessoas muitas vezes podem supor equivocadamente que se sentir bem consigo mesmas não faz parte de prestar ajuda. Pelo menos para uma parcela dos norte-ameri­canos, essa última atitude pode refletir o legado puritano, com sua ênfase no sofri­mento e no sacrifício humano total pelo bem dos outros. Sejam quais forem as raízes históricas, não está certo pensar que ajudar outra pessoa e se sentir bem consi­go mesmo são coisas incompatíveis. Por­ tanto, essa é uma das primeiras lições que usamos para capacitar as pessoas a que se deem conta de que podem ajudar e, em função dessas ações, ter uma estima mais elevada. Além disso, já conhecemos pes­soas que parecem ter prazer em aprender que é legítimo se sentir bem com relação a ajudar os outros.

Uma maneira de desencadear esse ti­po de sentimento positivo é fazer que a pes­soa se envolva em um trabalho voluntário na comunidade. Agências locais que traba­lham com crianças, pessoas com deficiên­cias, idosos solitários e hospitais, todos necessitam de voluntários para prestar aju­da. Embora essa forma de ajudar possa começar com experiências voluntárias, já testemunhamos casos em que nossos clien­tes mudam de profissão para se envolver em atividades nas quais dão apoio a ou­tras pessoas e recebem por isso. Entretanto, nosso ponto de vista mais geral é que aju­dar outras pessoas faz que nos sintamos bem, e essa premissa simples orientou al­guns de nossos esforços para canalizar as pessoas para posições de voluntariado.

Enfoques baseados na empatia para aumentar as ações altruístas

Uma maneira de aumentar as proba­bilidades de que as pessoas ajudem a ou­tras é lhes ensinar a ter mais empatia pelas circunstâncias dessas outras. A seguir, uma vez que o indivíduo comece a entender verdadeiramente as perspectivas e as mo­tivações das pessoas que estão sendo aju­dadas, essa visão rompe com a propensão a ver as questões pessoais em termos de “nós contra eles.”

Outro meio de aumentar a empatia é apontar semelhanças com outra pessoa que possam não ter sido óbvias, as quais po­dem ser simples como ter crescido na mes­ma parte do país, ter tido o mesmo tipo de trabalho, ter passado por dificuldades se­ melhantes, e assim por diante. As caracte­rísticas que as pessoas têm em comum muitas vezes são muito maiores do que qualquer um de nós se dá conta, e esses paralelos em termos de circunstâncias de vida fazem com que as pessoas entendam [245] que somos todos parte da mesma “grande jornada”.

Um último enfoque para promover a empatia é trabalhar com aquelas pes­soas que querem particularmente se ver como diferentes das demais (vide Snyder e Fromkin, 1980). A singularidade é algo que a maioria das pessoas deseja em al­gum grau, mas, leva­da a um extremo, faz com que seja muito difícil estabelecer contato e interagir com os outros. Essas pessoas devem ser ensi­nadas como, de fato, elas têm características em comum com outras e como seu ilu­sório caráter especial pode estar impedin­do que tenham prazer com a interação com outras (Lynn e Snyder, 2002). 

Medindo o altruísmo

Existem vários instrumentos de autoavaliação para medir o altruísmo das pessoas, desde a infância até a idade adulta. Talvez o mais conhecido seja a Escala de Autoavaliação do Altruísmo (Self-report altruism Scale), um índice de 20 questões, validado, para adultos (Rushton, Chrisjohn e Fekken, 1981). Se a pessoa quiser um índice de observação, o Questionário de Comportamento Pró-Social (Prosocial Be­havior Questionnaire, Weir e Duveen, 1981) é um índice de classificação com 20 ques­tões, que pode ser usado por professores para relatar comportamento pró-social (usando um contínuo de aplicabilidade de três pontos que vai desde “não se aplica” a “se aplica de alguma forma”, até “definiti­vamente se aplica”) . Para um índice seme­lhante ao Questionário de Comportamen­to Pró-Social, vide a Escala de Classifica­ ção de Comportamento Ético (Ethical Be­havior Rating Scale), um instrumento de classificação para professores de Hill e Swanson (1985).

Um instrumento de autoavaliação novo e potencialmente promissor é a Esca­la da Atitude Prestativa (Helping Attitude Scale), uma medida com 20 questões, que avalia visões, sentimentos e comportamen­tos relacionados ao ato de ajudar (Nickell, 1998). Essa escala parece cumprir os cri­térios psicométricos de confiabilidade e validade de escala, e as conclusões iniciais mostram que as mulheres têm mais atitu­des positivas em relação a ajudar do que os homens. [247]

Psicologia - Psicologia positiva
9/21/2020 4:09:08 PM | Por Charles Richard Snyder
Gratidão

Nesta seção, discutimos o conceito de gratidão, que recebeu pouca atenção an­tes das duas últimas décadas. Inicialmente definimos gratidão; a seguir, discutimos como ela pode ser cultivada e medida, ana­lisamos suas bases fisiológicas e encerra­mos com um exemplo da vida real. O termo gratidão é derivado do con­ceito latino gratia, que implica alguma va­riante de graça, gratidão, cortesia (Emmons, McCullough e Tsang, 2003). As idéias que vêm dessa raiz latina estão relacionadas a “gentileza, generosidade, dádivas, a bele­za de dar e receber” (Pruyser, 1976, p. 69). Nas palavras do renomado pesquisador da Universidade da Califórnia Robert Emmons (2005, comunicação pessoal), a gratidão surge a partir do reconhecimento de que se obteve um resultado positivo de outra pessoa que se comportou de maneira

  1. onerosa para si mesma;
  2. valiosa para quem recebeu; e
  3. intencional.

Como tal, a gratidão está relaciona­da à inclinação a apreciar e saborear even­tos e experiências do dia-a-dia (Bryant, 1989; Langston, 1994).
Na definição de Emmons, o resultado positivo parece ter vindo da outra pessoa; contudo, o benefício pode ter sido deri­vado de uma ação ou um evento não-humanos. Por exemplo, o indivíduo que pas­sou por um evento natural traumático como a sobrevivência de um membro da família a um furacão (vide Coffman, 1996) tem uma sensação profunda de gratidão. Nessa linha, já se sugeriu que os eventos de grande porte deveriam gerar níveis mais elevados de gratidão (Trivers, 1971). Além disso, Ortony, Clore e Collins (1988) afirmaram que a gratidão deveria ser maior quando as ações da pessoa que dá são consideradas dignas de elogios e quan­do se desviam positivamente daquilo que era esperado.
Em mais um exemplo de gratidão, uma pessoa pode ter passado por uma crise [247] ou problema de saúde grave e descobrir benefícios nessa experiência (Affleck e Tennen, 1996). Esse último processo se chama encontrar benefícios. Assim como acontece com o altruísmo, é provável que a capacidade de empatizar seja uma con­dição necessária para que se sinta gratidão em relação a outra pessoa (McCullough, 2005, comunicação pessoal).

Figura 12.1

A gratidão é considerada como uma propensão humana valorizada nas tradi­ções hindu, budista, muçulmana, cristã e judaica (Emmons et al., 2003). Sobre essa questão, o filósofo David Hume (1888, p. 466) chegou a dizer que a ingratidão é “o mais horrível e inatural dos crimes que os seres humanos são capazes de come­ter”. Segundo o estu­dioso medieval São Tomás de Aquino (1273/1981), a gra­tidão não apenas era considerada benéfi­ca para o indivíduo, mas também serve como força motivacional para o altruís­mo humano.

Dos pensadores famosos que comen­taram sobre a gratidão, somente Aristóteles (trad. 1962) tinha uma visão desfavo­rável a seu respeito. Em sua opinião, as pessoas autossuficientes eram inflexí­veis em relação a suas autossuficiências e, por isso, viam a gratidão como de­gradante, como um reflexo de dívida desnecessária para com os outros.

Cultivando a gratidão

Começamos esta seção com as pala­vras do escritor Charles Dickens (1897, p. 45): “Reflita sobre suas bênçãos atuais, das quais todo homem tem muitas, e não so­bre seus infortúnios passados, dos quais todos têm algum”. Mais recentemente, os psicólogos Robert Emmons e Michael McCullough exploraram uma série de ma­neiras de ajudar a melhorar seu sentido de gratidão (para revisões, vide Bono, Emmons e McCullough, 2004; Emmons e Hill, 2001; Emmons e McCullough, 2004; Emmons e Shelton, 2002; McCullough, Kilpatrick, Emmons e Larson, 2001). Essas interven­ções com vistas a aumentar a gratidão re­sultaram repetidamente em benefícios. Por exemplo, em comparação com as pessoas que registraram (eventos estressantes) neutros ou negativos em seus diários, os que escreviam diários de gratidão (ou seja, registravam eventos pelos quais eram gra­tos) eram superiores em termos:

  1. da quantidade de exercício que faziam;
  2. do otimismo em relação à semana se­guinte; e
  3. de se sentir bem em relação a suas vi­das (Emmons e McCullough, 2003).

Além disso, os que tinham diários de gratidão relatavam mais entusiasmo, esta­do de alerta e determinação, e tinham bem mais chances de fazer avanços em direção a objetivos importantes em relação a saú­de, relações pessoais e desempenhos aca­dêmicos. De fato, os que participavam da condição do diário da “contagem de bên­çãos” tiveram mais probabilidades de ter ajudado outra pessoa. Por fim, em um terceiro estudo da trilogia de Emmons e McCullough (2003), pessoas com proble­mas neuromusculares foram designadas aleatoriamente a uma condição de grati­dão ou a uma condição de controle. Os [248] resultados demonstraram que as que estavam na primeira condição eram:

  1. mais otimistas;
  2. mais enérgicas;
  3. mais conectadas a outras pessoas, e
  4. tinham mais probabilidades de ter sono relaxante.

Uma forma de meditação japonesa co­nhecida como Naikan aumenta a sensação de gratidão da pessoa (Krech, 2001). Usan­do-a, aprende-se a meditar diariamente sobre três questões relacionadas à gratidão: Em primeiro lugar, o que recebi? Em se­gundo, o que eu dei? E em terceiro, que problemas e dificuldades causei aos outros? Nas sociedades ocidentais, podemos ser bastante automáticos em nossas expecta­tivas de confortos materiais; a meditação para a gratidão ajuda a trazer esse proces­so mais para a consciência, de forma que possamos aprender a como apreciar essas bênçãos.

Um comentário adicional merece ser feito em relação à gratidão e à motivação. Em uma entrevista, perguntou-se ao Dr. Emmons (2004) em relação ao pressuposto incorreto mais comum que as pessoas têm sobre a gratidão. Respondendo, ele obser­vou que muitas pessoas pressupõem que a gratidão é sinônimo de falta de motivação e mais complacência na vida. A seguir, disse que nunca havia visto um caso em que ela estivesse vinculada à passividade. Pelo con­trário, a gratidão é um processo ativo e de afirmação.

Medindo a gratidão

Várias posturas já foram assumidas em relação à gratidão. Uma tática era [249] pedir que as pessoas listassem as coisas com relação às quais se sentiam gratas (Gallup Poll Monthly, 1996). Esse método simples possibilitava que os pesquisadores encon­trassem os eventos que geravam gratidão. Outra estratégia era tomar as histórias que as pessoas contavam sobre suas vidas e adaptá-las a temas relacionados à gratidão. Dentro desta última abordagem, Barusch (1999) ficou surpreso ao descobrir que a gratidão era uma resposta comum entre mulheres de mais idade que estivessem vi­vendo na pobreza. Em outro estudo, no qual as conclusões eram mais coerentes com as expectativas dos pesquisadores, Bernstein e Simmons (1974) concluíram que pessoas que receberam rins citavam frequentemente sua gratidão em relação aos outros. Além disso, os sobreviventes do furacão Andrew geralmente expressavam sua gratidão por ter sobrevivido a esse de­ sastre natural (Coffman, 1996).

Também foram feitas algumas tentativas de medir a gratidão em termos comportamentais. Por exemplo, o fato de as crianças dizerem “muito obrigado” ao bater nas portas para receber doces no Halloween foi utilizado como um índice espontâneo de gratidão (Becker e Smenner, 1986). Igualmente, as respostas agradecidas de pessoas que recebiam comida em um al­bergue foram quantificadas (Stein, 1989).

Trabalhando no contexto de um índi­ce geral chamado de Inventário Multi­dimensional da Oração (Multidimensional Prayer Inventory), Laird e colaboradores (Laird, Snyder, Rapoff e Green, 2004) de­senvolveram e validaram uma subescala de autoavaliação para o dia de ação de graças nos Estados Unidos, na qual as pessoas res­pondiam em uma escala de 7 pontos (1 = Nunca a 7 = Sempre) a cada questão. Os três itens de ação de graças são: “Dei gra­ças por coisas específicas”, “Expressei mi­nha apreciação pelas circunstâncias” e “Agradeci a Deus por coisas que estavam acontecendo em minha vida”. Essa subes­cala de Ação de graças do Inventário Multi­dimensional da Oração obviamente está
formulada em termos de oração religiosa, e os escores mais altos estavam correla­cionados a práticas religiosas mais fortes, como a oração.

Por fim, há duas medidas de autoava­liação da gratidão, do tipo traço, que não relacionam inerentemente a formulação das questões à oração religiosa. A primei­ra dessas medidas é o Teste de Gratidão, Ressentimento e Apreciação (Gratitude, Resentment, and Appreciation Test, GRAT), um índice de 44 questões desenvolvido e validado por Watkins, Grimm e Hailu (1998). O GRAT cobre os três fatores de ressentimento, apreciação simples e apre­ciação social.

O índice de autoavaliação de traços que parece ser o mais promissor é o Ques­tionário da Gratidão (Gratitude Question­naire, o GQ-6, McCullough, Emmons e Tsang, 2002; vide, também, Emmons et ah, 2003). O GQ-6 é um questionário de 6 per­guntas no qual os respondentes tratam cada pergunta em uma escala Likert de 7 pon­tos (1 = Discordo em muito a 7 = Concor­ do em muito). Os resultados mostram que as seis perguntas têm forte correlação en­tre si, e um fator geral parece cobrir o con­teúdo da escala. Os escores do GQ-6 têm uma correlação confiável com a classifica­ção por parte de pares dos níveis de grati­dão das pessoas; as que têm alto escore nessa escala informam se sentir mais gratas e reconhecidas (Gray, Emmons e Morrison, 2001). Além disso, essa sensação de apre­ciação, da maneira avaliada pelo GQ-6, manteve-se por um intervalo de 21 dias (McCullough, Tsang e Emmons, 2004). Os escores do GQ-6 têm relação pre­visível com outros constructos da psicolo­gia positiva. Por exemplo, uma maior gra­tidão nessa escala tem correlação positiva com emoções positivas elevadas, vitalida­ de, esperança e satisfação com a vida. A alta gratidão também teve correlação po­sitiva com empatia, compartilhamento, perdão e doação do próprio tempo em be­nefício de outras pessoas. As pessoas que [250]  tiveram escores mais elevados em gratidão se preocupam menos com bens materiais e têm mais probabilidades de realizar ora­ções e se envolver com questões espirituais (McCullough et al., 2002).

As bases psicológicas da gratidão

Embora não tenhamos conseguido lo­calizar pesquisas relacionadas diretamen­te com psicofisiologia e gratidão, existem estudos sobre apreciação. Enquanto a gra­tidão geralmente se refere às atitudes de outra pessoa, a apreciação pode ou não implicar outro indivíduo. Todavia, esses dois conceitos certamente são bastante se­ melhantes, e é por essa razão que explora­mos aqui, resumidamente, a psicofisiologia da apreciação. Embora a frustração costu­me evocar ritmos cardíacos desordenados e erráticos que refletem uma falta de sinto­nia entre os ramos parassimpático e sim­pático do sistema nervoso autônomo, a apreciação produz um padrão mais coeren­te de ritmos cardíacos (McCraty e Childre, 2004). Esse padrão coerente, “calmante” de batimentos cardíacos por minuto, pode ser observado na Figura 12.2 (vide Tiller et al., 1996).

Figura 12.2

A apreciação também produziu outra forma de coerência fisiológica, a sincronia entre as atividades das ondas cerebrais alfa (a partir de eletroencefalogramas, os EEGs) e os batimentos cardíacos. Em pesquisas realizadas por (McCraty, 2002; McCraty e Atkinson, 2003), por exemplo, em manipu­lações experimentais da apreciação em re­lação ao nível de referência, a sincronia en­tre batimentos cardíacos e EEG foi maior no hemisfério esquerdo. Como mostrado na Figura 12.3, na qual o sombreamento mais claro quer dizer maior grau de sin­cronia entre batimentos e ondas cerebrais alfa a partir de EEG, pode-se observar uma mudança, da área frontal direita no nível de referência para o hemisfério esquerdo, na condição de manipulação da apreciação. [251] 

Figura 12.3

Nesse aspecto, McCraty e Childre (2004) observaram que o hemisfério esquerdo es­teve implicado em outras pesquisas com as emoções positivas (por exemplo. Lane et al., 1997). Embora obviamente haja muito mais pesquisas a ser feitas nessa área, é promissor que a resposta humana de apreciação relacionada à gratidão pa­reça ter um padrão psicofisiológico coeren­te (o termo de McCraty).

A gratidão bate à porta

Quando (C.R.S.) estava escrevendo esta parte do capítulo, passei por um inci­dente que evocou um sentimento profun­do de gratidão. Esse evento teve um início comum: nosso vaso sanitário começou a vazar água pela parte debaixo. Durante anos, nosso encanador, Tommy, tem feito os consertos necessários com a mesma de­dicação alegre. Quando o chamamos des­sa vez, ele prometeu que daria um jeito de encaixar nosso banheiro em sua agenda ocupada. Com sua costumeira alegria, che­gou na manhã seguinte, cedo, e passou horas tentando encontrar o problema, que acabou sendo uma pequena rachadura na parte debaixo. Quase ao meio-dia, Tommy disse que só conseguiria instalar o vaso novo no dia seguinte porque tinha de ir a um enterro naquela tarde. Fiquei aliviado, contudo, com o fato de que ele tivesse ti­rado um tempo para vir e começar o pro­cesso. Somente mais tarde soube da infor­mação que era de arregalar os olhos: o en­terro era de seu próprio filho, já crescido! Ele não mencionou isso; e, em sua típica maneira altruísta, havia nos ajudado no mesmo dia em que seu filho estava sendo enterrado. Usando a definição discutida an­teriormente de gratidão, de Emmons, nos­so encanador intencionalmente nos pres­tou um serviço valioso quando isso lhe cus­tava muito. [252]

Psicologia - Psicologia positiva
9/19/2020 3:12:21 PM | Por Charles Richard Snyder
Flow, em busca das melhores experiências

Experiências de flow foram observadas com o passar do tempo, entre diferentes cul­turas e em inúmeros empreendimentos cria­tivos e competitivos. Essas experiências são descritas de forma vivida nas narrativas de respostas dadas pelos maiores artistas, den­tistas e religiosos do mundo ao desafio de tarefas aparentemente imensas. Por exem­plo, as descrições históricas sugerem que Michelangelo trabalhou no teto da Capela Sistina, no Vaticano, por dias seguidos. To­talmente absorvido em seu trabalho, ele pas­sava sem comer e sem dormir e se submetia a desconforto até acabar desmaiando de exaustão. Ele foi consumido pelo trabalho, negligendando o cuidado consigo mesmo e as necessidades dos outros (reza a lenda que Michelangelo passou semanas sem trocar de roupa, inclusive as botas; um de seus aju­dantes teria observado a pele de seu pé des­colar quando as botas foram retiradas).

Mihaly “Mike” Csikszentmihalyi esta­va intrigado com as histórias de artistas que se perderam em seu trabalho. Estudando o processo criativo nos anos de 1960 (Getzels e Csikszentmihalyi, 1976), ficou impressio­nado pelo fato de que, quando um traba­lho em uma pintura estava indo bem, o artista persistia com um pensamento úni­co, desconsiderando a fome, a fadiga e o desconforto, ainda que rapidamente per­desse o interesse na criação artística assim que ela estivesse completa (Nakamura e Csikszentmihalyi, 2002, p. 89). Csikszent­mihalyi (1975/2000) também observou que formas de lazer (xadrez, escaladas) e trabalho (realizar cirurgias, aterrissar um avião) muitas vezes geravam estados semelhantes de envolvimento. Nos últimos 30 anos, Csikszentmihalyi entrevistou e ob­servou milhares de pessoas, e suas visões sobre o conceito de flow orientam nossa discussão desse es­tado de viver em “capacidade total” que se acredita estar diretamente ligado a melhores desen­volvimento e funci­onamento.

O estado de flow

Décadas de pes­quisas qualitativas e Décadas de pes­quisas qualitativas e quantitativas (resumidas em Nakamura e Csikszentmihalyi, 2002) exploraram as ba­ses da motivação intrínseca. Na verdade, a psicologia tem enfrentando a questão de porque as pessoas buscam determinados ob­jetivos com grande fervor na ausência de recompensas externas (por exemplo, dinhei­ro e elogios). Csikszentmihalyi (por exem­plo, 1978,1997, 2000) examinou essa ques­tão para entender “a dinâmica da experiên­cia momentânea e as condições em que ela atinge seu melhor” (Nakamura e Csikszen­ tmihalyi, 2002, p. 93). Csikszentmihalyi re­alizou entrevistas amplas com pessoas de muitas origens, além de desenvolver e usar o método de amostragem de experiênci­as, no qual os participantes recebem relógi­os programáveis, telefones ou computado­res de mão que lhes indicam, em horários pré-programados durante o dia, para que realizem uma avaliação que descreva o momento do dia em que foram chamados. Até o momento, as condições de flow parecem ser bastante semelhantes entre diferentes am­bientes profissionais, de lazer e culturas. Es­sas condições de flow incluem:

  1. desafios ou oportunidades de ação per­cebidos que ampliam (nem subutilizan-o, nem saturando) as habilidades pes­soais existentes; e
  2. objetivos próximos claros e feedback imediato sobre o progresso. [231]

Muitos dos primeiros participantes das pesquisas de Csikszentmihalyi descre­veram suas melhores experiências momen­tâneas como estando “em flow”, de onde o autor usou esse termo para descrever o fe­nômeno. Baseado em entrevistas iniciais, Csikszentmihalyi (1975/2000) mapeou o panorama das experiências de flow profun­do, representando graficamente a relação entre desafios e habilidades percebidos. Fo­ram identificadas três regiões de experiên­cias momentâneas:

  1. flow, onde os desafios e as habilidades eqüivaliam;
  2. tédio, onde os desafios e as oportunida­des eram fáceis demais em relação às habilidades; e
  3. ansiedade, onde as de­mandas cada vez mais excediam as ca­pacidades de ação (vide a Figura 11.1).

Figura 11.1

Sob as condições de flow: desafio per­cebido em relação às habilidades, objeti­vos claros, e feedback em relação aos avan­ços, a experiência acontece momento a mo­mento, e o estado subjetivo que surge tem as seguintes características (da forma como a listam Nakamura e Csikszentmihalyi, 2002):

  • Concentração intensa e dirigida naqui­lo que se está fazendo no momento.
  • Fusão de ação e consciência.
  • Perda de autoconsciência reflexiva (ou seja, perda da consciência de si mesmo como ator social).
  • Sensação de que se podem controlar as próprias ações, ou seja, de que se pode, em princípio, lidar com a situação, pois se sabe como responder ao que quer que aconteça a seguir. [232]
  • Distorção da experiência temporal (ge­ralmente, uma sensação de que o tem­po passou mais rapidamente do que o normal).
  • Experiência da atividade como sendo intrinsecamente gratificante, a ponto de o objetivo final ser apenas uma justifi­cativa para o processo.

A busca de absorção em experiências momentâneas é basicamente um processo intencional de atenção. A concentração in­tensa é dedicada à atividade atual, segui­da da fusão de ação e consciência. A perda de autoconsciência acontece quando o flow surge. Manter o estado de flow é bastante desafiador em função das muitas distrações do mundo exterior e a autorreflexão que pode envolver crítica do desempenho. (De onde pode ser necessária uma postura de mindfulness, sem julgamento, em relação ao desempenho pessoal, para se atingir flow profundo.) Ao se refletir sobre a qualidade do estado de flow, a variável de interesse é o tempo que se passa absorvido, com um maior envolvimento no flow sendo melhor para o indivíduo.

A conceituação de flow não se alterou muito nas pesquisas do último quarto de sé­culo, mas o modelo de equilibrar desafio percebido e habilidade foi refinado, por Delle Fave, Massimini e colaboradores (Delle Fave e Massimini, 1988, 1992; Massimini e Carli, 1988; Massimini, Csikszentmihalyi e Carli, 1987), os quais, usando o método de amostragem de expe­riências, descobriram que a qualidade da experiência momentânea se intensifica à medida que os desafios e as habilidades vão além dos níveis médios da pessoa. Por exem­plo, se você jogar xadrez com uma típica criança de seis anos, a experiência não lhe apresentará um desafio médio ou acima da média que exija habilidades de nível eleva­do, mas, ao jogar com uma pessoa que te­nha experiência e habilidade consideráveis, vivenciará um grande desafio, suas habilidades serão ampliadas e é mais provável que haja flow . Vide a Figura 11.2 para uma re­presentação do modelo que leva em consi­deração essas características do flow. A apa­tia é experimentada quando os desafios e as habilidades percebidas estão abaixo dos níveis médios da pessoa; quando estão aci­ma, experimenta-se flow. A intensidade (re­presentada pelos anéis concêntricos) de cada experiência (por exemplo, ansiedade, excitação, relaxamento) aumenta com a distância de uma pessoa em relação aos ní­veis médios de desafio e habilidade.

Figura 11.2

A personalidade autotélica

A maior parte da pesquisa sobre flow tratou dos estados de flow e das dinâmicas de experiências momentâneas ótimas. Csikszentmihalyi (1975/2000) levantou a hipótese, contudo, de que um grupo de variáveis de personalidade (como cu­riosidade, persistência, baixo autocentrismo) pode estar associado à capacidade de adquirir flow e à qualidade do flo w que se experimenta. O autor sugeriu a possível existência de uma personalidade autoté­lica (das palavras gregas autos, que signi­fica “eu”, e telos, que significa “fim”), apre­sentada por uma pessoa que desfruta da vida e “geralmente faz coisas em função de si mesma, em vez de atingir um objeti­vo posterior externo” (Csikszentmihalyi, 1997, p. 117). O tempo gasto em flow foi usado como uma medida genérica desse tipo de personalidade (Hektner, 1996), mas essa operacionalização não explica possí­veis influências ambientais sobre o flow. Uma operacionalização com mais nuanças acerca da personalidade autotélica, tratou da disposição intrínseca a se motivar para situações que envolvem altas habilidades e altos desafios. A conceituação da perso­nalidade autotélica foi medida com méto­dos quantitativos (Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen, 1993).

A personalidade autotélica nos adoles­centes norte-americanos parece estar rela­cionada a estados positivos e afetivos, bem como à qualidade das declarações de [233] objetivos pessoais (Adlai-Gail, 1994). Em uma amostra de adultos norte-americanos, Abu-hamdeh (2000) concluiu que, quando com­parados com pessoas que não têm as carac­terísticas de personalidade autotélica, as que as têm preferem situações de elevada ação e oportunidades e elevadas habilidades que as estimulem e provoquem crescimento. Além disso, as pessoas com personalidade autotélica parecem vivenciar pouco estresse quando estão no quadrante de fluxo (vide a Figura 11.1), ao passo que o inverso se aplica a adultos sem essas características.

Pesquisa longitudinal sobre Flow

As pesquisas longitudinais sobre flow revelam como as experiências de flow es­tão associadas às conquistas (nos estudos, no trabalho ou nos esportes) com o passar do tempo. Por exemplo, Csikszentmihalyi e colaboradores (1993) acompanharam o desenvolvimento de adolescentes talen­tosos durante o ensino médio. Esses pes­quisadores concluíram que o compromis­so com uma área de talento aos sete anos de idade era predito pela identificação des­sa área como fonte de flow quatro anos antes, bem como pela quantidade de flow e ansiedade experimentada na época da coleta de dados inicial (quando os estudan­tes tinham 13 anos). Da mesma forma, Heine (1996), que pesquisou estudantes habilidosos em matemática, concluiu que os que experimentaram flow na primeira parte de uma disciplina de matemática [234] tiveram melhor desempenho na segunda (realizando controle em relação a capaci­dades iniciais e média de notas). Essas con­clusões sugerem que o compromisso, a persistência e as conquistas exibidas pelos adolescentes estavam associados a experi­ências anteriores de flow.

Estimulando o flow e seus benefícios

Segundo o modelo de flow, a experiên­cia da absorção dá recompensas intrínsecas que estimulam a persistência em uma ativi­dade e o retorno a ela. Portanto, as ativida­des relacionadas a essas atividades podem ser aumentadas com o passar do tempo, de forma que o objetivo dos pesquisadores que estudam as intervenções, interessados nas aplicações do flow, é ajudar as pessoas a identificar as atividades que lhes dão flow e as estimular a investir suas atenções e suas energias nessas atividades.

Os pesquisadores do flow (como Csikszentmihalyi, 1990, 1996; Csikszentmihalyi e Robinson, 1990; Jackson e Csikszentmihalyi, 1999; Perry, 1999) já aju­daram pessoas em suas buscas por absorção, descrevendo dois caminhos para se envolver mais com a vida cotidiana:

  1. encontrar e dar forma a atividades e ambientes que conduzam mais a expe­riências de flow; e
  2. identificar características pessoais e habilidades de atenção que possam ser aprimoradas para aumentar as proba­bilidades de flow.

Em suas atividades de consultoria, Csikszentmihalyi modificou diversos am­bientes de trabalho para aumentar as pro­babilidades de produzir flow. Por exemplo, trabalhou com a polícia sueca para identi­ficar obstáculos ao flow em suas rotinas diárias de trabalho e, assim, fazer que seu trabalho conduzisse mais ao flow em suas atividades diárias. (Especificamente, os policiais foram aconselhados a fazer as ron­das sozinhos de vez em quando, em vez de ir com seus parceiros, para que pudessem ser mais absorvidos em seu trabalho.) Os princípios do flow também foram incorpo­rados ao projeto de locais de trabalho e à organizaçao de exibições em locais e even­tos de arte, inclusive no Museu J. Paul Getty, no Sul da Califórnia, para aumentar o prazer de visitar esses locais.

Vários pesquisadores clínicos (como Inghilleri, 1999; Massimini et al., 1987) usaram o método de amostragem de expe­riências e os princípios do flow para ajudar as pessoas a descobrir e sustentar o flow. O uso dos dados desse método de amostra­gem de experiências proporciona feedback sobre experiências momentâneas e identi­fica atividades e ambientes em que se pode melhorar a boa experiência.

Talvez a melhor aplicação dos princí­pios do flow tenha ocorrido na Key School, em Indianapolis, Indiana, Estados Unidos, onde o objetivo é estimular o flow influen­ciando o ambiente e o indivíduo (Whalen, 1999). No Centro de Atividades de Flow da escola, os alunos têm oportunidades regulares de escolher ativamente e se envolver com atividades relacionadas a seus próprios interesses, e depois desenvolvê-las sem de­mandas ou distrações (criando-se o que já foi descrito como “atividade lúdica séria” [Csikszentmihalyi et al., 1993]). Em apoio às buscas de absorção por parte dos alunos, os professores os estimulam a se desafiar e a ir além de seus limites, e também propor­cionam novos desafios para as crianças, com vistas a estimular o crescimento.

 

Psicologia - Psicologia positiva
9/19/2020 3:06:49 PM | Por
Espiritualidade, em busca do sagrado

Observar alguém envolvido em um comportamento cotidiano pode evocar [235] pensamentos sobre espiritualidade. Por exemplo, imagine uma imagem de uma mulher mais velha se ajoelhando com um olhar de total con­centração em seu rosto. Sua busca pe­lo sagrado (aquilo que é separado do comum e merecedor de veneração) pode ser deduzida a par­tir de seu comportamento; esse é o caso se, por trás da imagem da mulher, apare­cer um interior de igreja... ou se um jar­dim servir como pano de fundo. Essa bus­ca do sagrado pode acontecer em qualquer parte, em qualquer momento, porque, as­sim como o flow e o mindfulness, a espiri­tualidade é um estado mental, e é univer­salmente acessível.

A expressão busca do sagrado é uma descrição amplamente aceita de espiritua­lidade. (A religião e os comportamentos religiosos representam as muitas formas nas quais essa busca é organizada e [236] aprovada pela sociedade; por exemplo, pela participação em cultos religiosos e pela fre­quência e duração das orações.) Em 2000, Hill e colaboradores definiram a espiritua­lidade como sendo “os sentimentos, pen­samentos e comportamentos que surgem da busca do sagrado” Cp. 66). Pargament e Mahoney (2002) também definiram espiri­ tualidade como “uma busca do sagrado...” e aprofundaram, “as pessoas podem seguir um número praticamente ilimitado de ca­minhos em suas tentativas de descobrir e conservar o sagrado... os caminhos envol­vem sistemas de crenças que incluem os das religiões organizadas tradicionalmen­te (como a protestante, a católica romana, a judaica, a hindu, a budista, a muçulma­na), e os mais novos movimentos de espiri­tualidade (como o feminista, da deusa, eco­lógico, espiritualidades) e visões de mun­do mais individualizadas” (p. 647). Esses caminhos para o sagrado também podem ser descritos como lutas espirituais, que in­cluíam objetivos pessoais associados aos conceitos maiores de propósito, ética e reconhecimento do transcendente (Emmons, Cheung e Tehrani, 1998).

Os pesquisadores da psicologia con­cordam com a definição de espiritualidade a seguir, e há sustentação geral para a vi­são de que a espiritualidade é um estado mental positivo vivenciado pela maioria das pessoas. Peterson e Seligman (2004) afir­mam que a espiritualidade é uma qualida­de universal da transcendência, declaran­do que “embora o conteúdo específico das crenças espirituais varie, todas as culturas têm o conceito de uma força maior, trans­cendente, sagrada e divina” (p. 601). Da mesma forma, Pargament e Mahoney (2002) afirmam que a espiritualidade é uma parte vital da sociedade e da psicolo­gia dos Estados Unidos:

Em primeiro lugar, a espiritualidade é um “fato cultural” (cf. Shafranske e Malony, 1990): a ampla maioria dos norte-ameri­canos acredita em Deus (95%), acredita que Deus pode ser alcançado por meio da oração (86%) e acha que a religião lhe é importante ou muito importante (86%) (Gallup Organization, 1995; Hoge, 1996). Em segundo, em um corpo empírico de literatura que está aumentando, as impor­tantes implicações da espiritualidade para uma série de aspectos do funcionamento humano estão sendo observadas. Essa lis­ta inclui a saúde mental (Koenig, 1998), o uso de drogas e álcool (Benson, 1992), o funcionamento conjugal (Mahoney et al., 1999), a paternidade e a maternida­ de (Ellison e Sherkat, 1993), os resulta­dos de experiências estressantes na vida (Pargament, 1997) e a morbidade e a mor­talidade (Ellison e Levin, 1998; Hummer et al., 1999)... Resumindo, há razões mui­to boas pelas quais os psicólogos devem prestar mais atenção às dimensões espi­rituais da vida das pessoas (p. 646).

Apesar de sua natureza ubíqua e da concordância acadêmica sobre sua defini­ção, os pesquisadores da psicologia e o público em geral continuam a turvar as águas quando discutem espiritualidade. Por exemplo, a Classificação de Qualidades Valores em Ação, de Peterson e Seligman (2004), empilhou a espiritualidade junto com conceitos parecidos, mas diferentes, como religião e fé. E, em um grande grupo de participantes de pesquisa, quase 75% se identificaram como sendo espirituais e religiosos (Zinnbauer et al., 1997). A indefinição do constructo prejudica os es­forços para entender os efeitos reais da busca pelo sagrado sobre o funcionamen­to de uma pessoa.

Os verdadeiros benefícios da espiritualidade?

Muitos psicólogos positivos (como Peterson e Seligman, 2004; Snyder e Lopez, 2002) levantaram a hipótese de que nossa busca pelo sagrado aprimora um entendi­mento profundo de nós mesmos e de nos­sa vida. De fato, como observado anterior­mente, a espiritualidade é associada à saú­de mental, à administração do uso [237] excessivo de drogas, ao funcionamento conju­gal, à maternidade e à paternidade, ao enfrentamento e à mortalidade (resumido em Pargament e Mahoney, 2002; Thoresen, Harris e Oman, 2001). Um exame dos es­forços espirituais revela que esses caminhos em direção ao sagrado podem levar ao bem-estar (ou, pelo menos, estar associa­dos a ele) (Emmons et al., 1998). Outro exame dos esforços espirituais revela que a busca pelo sagrado pode levar ao que consideramos ser os verdadeiros benefícios da espiritualidade em nossa vida: pro­pósito e sentido (Mahoney et al., 2005). Apesar das conclusões que demonstram os benefícios de buscar o sagrado, os mecanis­mos pelos quais a espiritualidade leva a resultados positivos na vida não estão claros.

Psicologia - Psicologia positiva
9/19/2020 1:00:39 PM | Por Charles Richard Snyder
Mindfulness, em busca das melhores experiências

Talvez nossa definição favorita de insa­nidade seja “fazer a mesma coisa repeti­das vezes e esperar resultados diferentes” (atribuída a Albert Einstein e a Benjamin Franklin). Por que teríamos o mesmo com­portamento diversas vezes quando sabe­mos que o resultado final será negativo? Bom, é que os hábitos passivos são fáceis de estabelecer e difíceis de romper (vide Bargh e Chartrand, 1999). Por exemplo, muitos de nós já fizeram o seguinte, mais de uma vez: ligar a televisão para ver “o que está passando”, assistir a “nada” por mais de três horas e depois ficar desejan­do poder recuperar aqueles 180 minutos. Esse tipo de experiência de hábito, anes­tésica mental, pode ter alguns benefícios de curto prazo, aliviando o estresse, mas com mais frequência nos distrai daquilo que está acontecendo em nosso mundo. A busca desatenta de objetivos com pou­co significado ou desafio faz que as pes­soas se sintam entediadas e vazias. Por outro lado, as buscas intencionais das melhores experiências a cada momento nos dão alegria e sensação de realização. Es­sas buscas positivas podem gerar sanida­de na vida cotidiana, que se baseia na competência (Langer, 1989, 1997) e na felicidade (Myers, 2000).

Este capítulo trata das experiências que compõem todos os dias de nossa vida, momento a momento. Uma discussão de mindfulness, flow e espiritualidade assume a forma de buscas por melhores experiên­cias. Acreditamos que muitos de nós cami­nham pelo cotidiano de forma inconscien­te, fora de sintonia com o significado de nossas experiências e nossas emoções. As­sim, precisamos aprender mais sobre a psicologia do viver profundo, uma psicologia com aplicações universais que nos ensina sobre as profundezas da alegria, do conten­tamento e do sentido que podem ser atingi­dos por meio do envolvimento com a vida cotidiana. Em nossa tentativa de entender as experiências ótimas, discutimos as bus­cas de novidade, de absorção e do sagrado, respectivamente, e destacamos os possíveis benefícios de uma existência mais intencio­nal (produzida com a ajuda de intervenções sólidas que promovam mindfulness, flow e espiritualidade). Começamos refletindo so­bre como os momentos de nossa existência são portadores do potencial para dar pra­zer e sentido à nossa vida. [222]

Buscas a cada momento

No mundo rápido do século XXI, é fá­cil perder de vista os milhares de momen­tos que nos passam diante dos olhos. Mes­mo assim, cada um desses momentos está acessível (ou pode ser captado), e cada um deles tem potencial inexplorado; todos fa­zem parte de nossa busca por melhores ex­periências. Daniel Kahneman, psicólogo que ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 2002, dá o devido valor ao tempo e enten­de a relação entre cada momento e a expe­riência mais ampla da vida, como sugerido por este trecho de suas exposições recentes:

Há cerca de 20.000 momentos de 3 segun­dos em um dia de 16 horas, de forma que é disso que a vida é feita: de uma seqüên­cia de momentos. Cada um desses momen­tos é muito rico em experiência; então, se você pudesse parar alguém e perguntar “o que está lhe acontecendo neste exato mo­mento”, constataria que muita coisa está acontecendo a cada um de nós em qual­quer desses momentos. Há um objetivo, há um conteúdo mental, há um estado fí­sico, há um humor, pode haver alguma excitação emocional. Muitas coisas estão acontecendo. Então, você pode perguntar: “O que acontece com esses momentos?” (Mitchell, 2003, parágrafo 1.)

Certamente concordaremos que a vi­da cotidiana é cheia de momentos. E o po­tencial que cada um deles têm se reflete em pensamentos, sentimentos e forças fi­siológicas conectados a cada momento. De uma perspectiva da psicologia positiva, um dia apresenta 20.000 oportunidades para envolvimento, para superar o negativo e para a busca do positivo.

Para testar nossa afirmação de que cada momento na vida é novo e cheio de potenciais, experimente diminuir um pou­co o ritmo de seu dia dando uma caminha­ da no bairro... com uma criança de 3 anos. Uma criança de 3 anos (que esteja bem descansada e contente, em termos gerais) pode transformar uma caminhada de duas quadras em uma aventura grandiosa que dure cerca de cinco vezes mais do que você esperava. A criança prestará atenção a tudo que esteja em sua linha de visão e lhe con­tará, com prazer, seus pensamentos sobre o que está acontecendo. Quando chegar o “próximo momento” (por exemplo, outra criança cruza o caminho), a criança pode passar a vivenciá-lo sem qualquer “parali­sia da análise” (Devo tentar fazer isso ou não?). Sem dúvida, sair a andar em um bairro com uma criança pequena chamará sua atenção às fatias da vida que estão por ser experimentadas. Acrescentando um pouco de intencionalidade à sua crença de que todo momento tem potencial, acredita­mos que você pode buscar ativamente, a cada dia, uma experiência de vida mais rica que inclui mais novidade (mindfulness), mais absorção (flow) e atenção ao sagrado (espiritualidade).

Mindfulness: em busca da novidade

Alguns dos melhores exemplos de mindfulness se manifestam nos comporta­mentos cotidianos das pessoas. Isso foi ilus­trado indiretamente na pesquisa de Amy Wrzesniewski, psicóloga positiva interessa­da em como as pessoas funcionam bem no trabalho (citado em Snyder e Lopez, 2002; Wrzesniewski, McCauley, Rozin e Schwartz, 1997; vide, também, o Capítulo 17). Ela concluiu que um terço dos funcionários de limpeza de um hospital metropolitano con­sideravam seu trabalho como uma “voca­ção” e, portanto, faziam tudo que estava ao seu alcance para tomar positiva a expe­riência do serviço de saúde para pacientes e funcionários. Esses membros da equipe de limpeza reinterpretavam essencialmente seu emprego fazendo escolhas atentas a cada momento sobre aquilo a que valia a pena prestar atenção, exercendo, assim, algum grau de controle sobre suas [223] atribuições. Seu mindfulness resultava em benefí­cios para outras pessoas. Por exemplo, os funcionários da limpeza que tinham voca­ção estavam bastante vigilantes em suas tentativas de manter o hospital limpo, e fariam esforços generosos para tornar as estadas dos pacientes de longo prazo mais suportáveis, mudando o lugar de quadros nos quartos e reposicionando objetos para dar aos pacientes novas visões de seu en­torno. A cada dia, eles encontravam novas formas de melhorar o ambiente do hospi­tal.

Ellen Langer, psicóloga social da Uni­versidade de Harvard, entendeu o compor­tamento de mindfulness observando o com­portamento cotidiano de pessoas de todos os tipos (es­tudantes, empresá­rios, aposentados). No contexto de uma pesquisa que exami­nou os efeitos do controle percebido sobre adultos de mais idade em um residencial para ido­sos, Langer e sua colaboradora Judith Rodin (Langer e Rodin, 1976; Rodin e Langer, 1977) deram a um grupo de resi­dentes uma “palestra de motivação” sobre suas próprias decisões e depois permitiram que cada um desses participantes escolhes­se uma planta doméstica para cuidar nos meses seguintes. Outro grupo de residen­tes recebeu uma tarefa relacionada à for­ma como os funcionários os ajudariam com suas atividades e decisões diárias. Esses participantes também receberam plantas, mas lhes foi dito que os funcionários cui­dariam delas. Três semanas após a inter­venção, os indivíduos que foram aconse­lhados a fazer escolhas e cuidar de suas plantas estavam mais alertas e felizes. Eles encontravam novidade no dia-a-dia à me­dida que suas plantas e suas vidas muda­vam pouco a pouco.

Langer acompanhou a instituição por 18 meses, revelando uma conclusão im­pressionante: o número de pessoas que havia morrido no grupo estimulado a fa­zer escolhas era de metade das do outro grupo, aquele que foi estimulado a se ser­vir dos funcionários (7 em 44, compara­das com 15 de 43). Langer explicou esse resultado destacando o valor de escolhas cotidianas “atentas” (minding) e da planta; essa observação a lançou em uma carreira dedicada à pesquisa sobre mindfulness.

Mindfulness como disposição mental

Mindfulness, que por vezes é conside­rado um conceito da nova era, é compará­vel ao antigo processo de cultivar a consci­ência (dos eventos cotidianos e das sensa­ções fisiológicas e psicológicas) das tradi­ções budistas e da técnica terapêutica mo­derna de aumentar a atenção para identi­ficar o pensamento distorcido (um aspec­to das terapias cognitivas e cognitivo-comportamentais; Miller, 1995). Embora seja um fenômeno psicológico bastante comum, o mindfulness não é muito bem entendido (Bishop et al., 2004). Por esse motivo, te­mos feito o nosso melhor no que se segue para aprofundar a definição de mindfulness de Langer (2002) e para descrever os be­nefícios da prática da meditação de mindfulness. Primeiramente, segue aqui a defi­nição de Langer para mindfulness, escrita 25 anos depois de a psicóloga ter conduzi­do o estudo com os idosos residentes em uma instituição especializada:

É importante dar ao menos uma olhada no que é mindfulness e no que não é. Tra­ta-se de um estado mental flexível, uma abertura à novidade, um processo em que se fazem ativamente distinções novas. Quando estamos atentos (mindful), fica­mos sensíveis ao contexto e à perspecti­va; somos situados no presente. Quando estamos desatentos (mindless), somos [224] pegos em estados mentais rígidos, indiferen­tes ao contexto ou à perspectiva. Quando estamos assim, nosso comportamento é comandado por regras e rotinas. Ao con­trário, quando atento (mindful), ele pode ser orientado, em vez de comandado, por regras e rotinas. Mindfulness não é vigi­lância ou atenção quando o que se quer dizer com esses conceitos é um foco está­vel em um objeto ou ideia. Quando aten­tos (mindful), estamos variando ativamen­te o campo de estímulos. Não se trata de processamento controlado (por exemplo, 31 x 267), já que mindfulness requer ou gera a novidade (p. 214).

Resumindo, mindfulness é uma busca ativa pela novidade, ao passo que mind­lessness é um desligamento passivo da vida cotidiana. O “piloto automático” é uma forma de mindlessness atribuível à repeti­ção de comportamentos.

Fazer distinções novas (estar “mindful”) requer que:

  1. superemos o desejo de reduzir a incer­teza na vida cotidiana;
  2. dominemos a tendência a desenvolver comportamentos automáticos e
  3. realizemos com menos frequência ava­liações de nós mesmos, de outros e de situações.

Langer (2002) afirma que “aspectos de nossa cultura atualmente nos levam a tentar reduzir a incerteza” (p. 215). Nosso desejo de controlar nosso entorno reduzin­do a incerteza leva muitas vezes a mais incerteza. Por exemplo, os esforços de uma criança para manter quieto um gatinho ou um cachorrinho agitado demonstram mui­to bem essa questão. Quanto mais a crian­ça tenta manter o animalzinho parado, mais este tenta se desvencilhar. Isso tam­bém acontece na vida cotidiana, quando tentamos manter as coisas (e o comporta­mento das pessoas) paradas em nossa ten­tativa de reduzir a ansiedade. Dado que a vida não é estática, Langer argumenta que deveríamos explorar a incerteza e propõe
que o mindfulness “deixa claro que as coi­sas mudam e afrouxa a dureza de nossas disposições mentais a avaliar de forma que essas mudanças não sejam temidas” (p. 215). A incerteza nos mantém arraigados no presente, e a consciência de tudo o que está acontecendo no presente gera mais incerteza.

O caráter automático dos compor­tamentos proporciona respostas rápidas e adequadas a situações conhecidas. Por exemplo, o que a maioria das pessoas faz quando o telefone toca? Não importa o que mais esteja acontecendo à sua volta, mui­tas pessoas automaticamente pegam o te­lefone e atendem. Essa resposta é conside­rada “a melhor forma” de lidar com a situ­ação que se apresenta, mas será que o é? Realmente temos que atender o telefone quando ele toca, independentemente do que mais estejamos fazendo, ou isso pas­sou a ser um comportamento automático, desatento (mindless)? A automaticidade se baseia na premissa de que o comportamen­to rápido e bem praticado é o mais fácil de realizar. Na verdade, no caso do telefone que toca, o comportamento menos auto­mático (por exemplo, continuar a conver­sa com os amigos, fazer o dever de casa, sair de casa para não se atrasar para a aula) pode ser a forma mais eficiente de se com­portar. Talvez sejamos distraídos da novi­dade dos estímulos bem diante de nós quando toca o telefone. O que acontecerá se o toque do telefone se tornar um sinal ou um lembrete para buscar a novidade que está bem na nossa frente? E se não atendermos o telefone?

Langer, Blank e Chanowitz (1978) ex­ploraram a automaticidade do comporta­mento enviando um memorando interde­partamental a departamentos da universi­dade solicitando que quem o recebesse fi­zesse uma determinada coisa com ele (“Por favor, devolva este imediatamente na sala 247”) e outro memorando que demanda­va um tratamento específico (“Este memo­rando deve ser devolvido na sala 247”). Para examinar os efeitos da novidade sobre [225] o comportamento, metade dos memoran­dos foi formatada como de costume para esse tipo de documento entre escritórios, ao passo que a outra metade foi formatada de uma maneira distinta. Ao final, 90% dos memorandos que se pareciam com a típica correspondência interdepartamental foram reenviados à sala 247, enquanto 60% dos que tinham uma aparência um pouco dife­rente retornaram. A automaticidade do comportamento fica bastante evidente, haja vista que a maioria dos memorandos foi devolvida, mas também se sugere a for­ça da atenção à novidade, já que uma por­centagem mais baixa dos memorandos formatados de maneira diferente foi devol­vida. Sendo assim, ocorrerá mindfulness quando nos tomarmos menos automáticos em nossos comportamentos cotidianos e buscarmos a novidade.

Fazer avaliações requer que façamos julgamentos sobre nós mesmos, sobre os outros e as situações da vida. “Os eventos não vêm com avaliações, somos nós que as impomos em nossas experiências e, ao fa­zer isso, criamos nossa experiência sobre eles” (Langer, 2002, p. 218). O mindfulness pode combater nossa natureza avaliativa e nos levar a fazer menos julgamentos des­necessários, até mesmo os positivos. Viver o momento presente exige uma capacida­de refinada para diferenciar sutilezas, e isso não precisa levar a uma avaliação. Por exemplo, em uma caminhada no parque, nosso olhar pode ser atraído para uma es­tátua, que chama nossa atenção por alguns minutos. Durante esse curto período, po­dem-se fazer diversas operações atenta­mente, (mindfully), que variam entre por­ções desgastadas da estátua e outras, mais conservadas, ou se pode notar que ela pa­rece ser mais alta de uma perspectiva do que da outra. Não há necessidade ou be­nefício em você ativar atentamente em (mindlessly) seus critérios para obras de arte e fazer um julgamento sobre a está­tua, rotulando-a de boa ou má arte.
Reduzir nossa tendência a fazer ava­liações de eventos externos é central à conceituação de Langer (2002) acerca da mindfulness. Sobre esse ponto, Timothy Miller (1995), autor de How to want what you have, define atenção (seu termo para mindfulness) como “a intenção de evitar os julgamentos de valor desnecessários sobre sua própria experiência, seja externa, seja interna” (p. 17).

O foco de Miller em evitar a avaliação tanto de eventos internos quanto de exter­nos é compartilhado por Bishop e colabora­dores (2004). A operacionalização de Bishop e colaboradores (2004) sobre mindfulness, embora semelhante à de Langer (2002), não recomenda uma contínua ava­liação de si mesmo, e chama mais atenção aos componentes cognitivo e emocional do envolvimento atento. No sistema de dois componentes de Bishop e colaboradores, a atenção autorregulada é ajustada à experiên­cia pessoal atual, e a abertura emocional faci­lita a aceitação e a apreciação de todas as experiências internas. Sendo assim, mindfulness, a partir dessa perspectiva, envolve a metacognição e a consciência emocional.

Das definições e discussões de Langer (2002) e Bishop e colaboradores (2004) sobre mindfulness, partimos para examinar uma operacionalização mais prática desse conceito que constuma ser usado por praticantes da meditação mindfulness (KabatZinn, 1990; Shapiro, Schwartz e Santerre, 2002). O mindfulness, na comunidade dos profissionais da meditação mindfulness é descrita parcimoniosamente como prestar atenção, sem julgamento, a todos os estímulos nos ambientes interno e externo. Em momentos de mindfulness, vêm à consciência algumas "qualidades de mindfulness” (Shapiroetal.,2002).

Os benefícios do Mindfulness

A prática deliberada de mindfulness costuma assumir a forma de meditação [226] mindfulness. A meta desse tipo de medita­ção, em termos gerais, é o “desenvolvimen­to de uma visão profunda da natureza dos processos mentais, da consciência, da iden­tidade e da realidade, e o desenvolvimen­to de estados e idéias de bem-estar psicoló­gico e consciência” (Walsh, 1983, p. 19) ao “se abrir”. Os resultados de vários estudos observando os efeitos da meditação mindfulness são discutidos aqui para refle­tir sobre os potenciais benefícios da busca intencional pela novidade. Deve-se observar, contudo, que esse corpo de pesquisa já foi criticado porque há poucos estudos publicados que sejam rigorosos, randomizados e controlados (Bishop, 2002).

Jon Kabat-Zinn (1982), da Universi­dade de Massachusetts, adaptou algumas práticas antigas da meditação oriental e criou uma forma de meditação de atenção plena que foi usada com sucesso no trata­mento de dor e ansiedade crônicas. Em um estudo, Kabat-Zinn e Skillings (1989) exa­minaram os efeitos de um programa de re­dução de estresse com base no mindfulness (MBSR) sobre resistência ao estresse (compromisso, controle, desafio; Kobasa, 1990) e sentido de coerência (capacidade de ver sentido no mundo e considerá-lo administrável; Antonovsky, 1987) com pacientes in­ternados em hospitais. Os pesquisadores en­contraram melhorias na resistência e na co­erência durante todo o decorrer da inter­venção. Por sua vez, os pacientes com os maiores avanços em seu sentido de coerên­cia tiveram os maiores ganhos na redução de sintomas psicológicos e físicos. Nos acom­panhamentos de três anos (Kabat-Zinn e Skillings 1992), os ganhos iniciais se mantiveram, e foram feitos ainda mais avanços no quanto os pacientes consideravam seus mundos administráveis.

Em um estudo randomizado controla­do, Shapiro, Schwartz e Bonner (1998) tes­taram os efeitos da meditação mindfulness em 78 estudantes de medicina em momen­tos diferentes do curso. Os resultados reve­laram maiores níveis de empatia e menores níveis de ansiedade e depressão no grupo da meditação, comparados com o grupo de con­trole em espera. Além disso, esses resulta­dos se mantiveram durante o período de pro­vas dos alunos, que é estressante. As conclu­sões se repetiram quando os estudantes do grupo de controle em espera receberam in­tervenção de mindfulness.

Brown e Ryan (2003) realizaram um estudo de intervenção clínica com pacien­tes de câncer, visando a um aumento no estado emocional positivo e a uma redu­ção na ansiedade dos mesmos. Os pesqui­sadores demonstraram que aumentos no mindfulness com o passar do tempo estavam relacionados a diminuições em trans­tornos de humor e estresse.

Os benefícios da meditação mindfulness vão além do alívio do estresse. Por exemplo, Weinberger, McCleod, McClelland, Santorelli e Kabat-Zinn (1990) demonstraram que a confiança associativa (confiança, postura aberta e cuidado) e a motivação para a uni­dade (sensação de ser parte de algo que é maior do que a própria pessoa) aumentaram durante a intervenção com base em mindful­ness. Astin (1997) demonstrou aumentos importantes na experiência espiritual após [229] intervenções baseadas em meditação de mindfulness em um grupo de estudantes de graduação. Igualmente, Shapiro e colabo­radores (1998), em um estudo randomizado controlado, encontraram escores mais elevados em uma medida de experiência espiritual em um grupo de meditação, com­parado com um grupo de controle. Esses resultados foram replicados quando o gru­po de controle recebeu a mesma [230] intervencão. [231]

Psicologia - Psicologia positiva
9/16/2020 1:32:09 PM | Por Shane J. Lopez
Coragem uma das virtudes universais

Assim como a sabedoria, a coragem é uma virtude universal. Vá a qualquer can­to do mundo e você descobrirá que a cora­gem é valorizada. Leia as obras de filóso­fos ocidentais e pensadores orientais e verá que mesmo as pessoas mais sábias na his­tória do mundo admiravam a coragem. Sócrates é um dos muitos que tentou en­tender essa qualidade nobre, como ilustra­do em sua pergunta a Laques: “Suponha­mos que nos dispuséssemos a determinar a natureza da coragem e, depois disso, pas­sássemos a investigar como os jovens po­dem adquirir essa qualidade com a ajuda do estudo e atividades. Digam-me, se pude­rem, o que é a coragem”, implorou Sócrates (Platão, trad. 1953, p. 85).

Embora essa pergunta antiga tenha há muito intrigado acadêmicos e leigos, foi somente nas últi­mas décadas que pesquisadores de cam­pos diversos (por exemplo, Finfgeld, 1995; Haase, 1987; Putman, 1997; Rachman, 1984; Shelp, 1984) estabeleceram as ba­ses teóricas e científicas necessárias para lançar exames mais abrangentes da cora­gem. Na verdade, há pelo menos 18 conceituações diferentes de coragem.

A definição de Hemingway: "A Virtude sob pressão (Parker, 1929)". parece ser a mais parcimoniosa, ao passo que a visão de Hobbes: "O desprezo pelos ferimentos e pela morte violenta. Ela inclina os homens às vinganças privadas e, por vezes, a empreender o rompimento da paz pública (citado em Roriy, 1988, p. x)", é a mais crítica em relação à coragem. Cada uma dessas definições oferece um olhar histórico diferenciado daquilo que os aca­dêmicos e a sociedade valorizam em ter­mos de perseverança diante do medo. [203]

Outra descrição acadêmica, a do esta­dista romano Cícero (resumida por Houser, 2002), talvez seja a visão de coragem que melhor transcende a cultura e o tempo (como sugerido por uma comparação com visões implícitas e explícitas sobre coragem detalhadas posteriormente neste capítulo). Houser observou que Cícero via a coragem como:

  1. magnificência, o planejamento e a exe­cução de projetos grandiosos e de ex­pansão, ao realizar esforços mentais amplos e esplêndidos;
  2. confiança, aquela por meio da qual, em projetos grandiosos e honrosos, a men­te, com autoconfiança, recebe a espe­rança indubitável;
  3. paciência, a resistência voluntária e lon­ga a coisas difíceis e árduas, sejam hon­rosas ou úteis; e
  4. perseverança, persistência que se man­tém em um plano bem-refletido (p. 305).

Teorias implícitas da coragem

Para examinar as visões que os leigos têm sobre a coragem, O’Byrne, Lopez e Petersen (2000) pesquisaram 97 pessoas e encontraram variações consideráveis. Por exemplo, al­guns percebem a coragem como uma atitu­de (por exemplo, otimismo) e outros a veem como um comportamento (como salvar a vida de outra pessoa). Algumas se referem à força mental, outras escrevem sobre força física. Algumas afirmam que a coragem en­volve correr riscos, ao passo que outras acen­tuam o papel do medo. Nem o componente do risco nem o do medo se encontram em todas as descrições de coragem.

Ao longo da história e em diversas cul­turas, a coragem foi considerada como uma grande virtude porque ajuda as pessoas a enfrentar seus desafios. Os filósofos apre­sentaram as primeiras visões sobre a com­preensão da coragem. Nos últimos séculos, iniciativas para cons­truir visões da cora­gem socialmente re­levantes a transpor­taram dos corações dos guerreiros nos campos de batalha para as experiências cotidianas e os pen­samentos de cada pessoa. Enquanto Aristóteles analisou a coragem física de seu “bravo soldado”, Platão admirava a
coragem moral de seus mentores. O foco filosófico parece mu­dar os feitos e os traços dos veteranos das guerras morais com a atenção que São To­más de Aquino (1273/1948) deu à firme­za diante da dificuldade, e a interpretação de Tillich (1980) da coragem como rea­firmação do eu e do ser. Esses dois últimos tipos de coragem (física e moral) captaram a maior parte da atenção dos filósofos, e a classificação do comportamento corajoso se ampliou com o passar dos anos.

Após revisar trabalhos sobre coragem, dois grupos de pesquisadores desenvolve­ram classificações semelhantes do tema. Em seu sistema de classificação Valores em Ação, Peterson e Seligman (2004) concei­tuaram a coragem como uma virtude hu­mana fundamental formada de qualidades como bravura (assumir posturas físicas, intelectuais e emocionais diante do peri­go), autenticidade (representar-se para outros e para si mesmo de forma sincera), entusiasmo/deleite (prosperar/ter um sentido de vitalidade em uma situação de­ safiadora) e diligêndcia/perseverança (em­preender tarefas e desafios, e os terminar).

Em um modelo semelhante, O’Byrne e colaboradores (2000) identificaram os três tipos de coragem com sendo física, moral e da saúde/mudança (agora chama­da decoragem vital). A coragem física en­volve a tentativa de manutenção do bem da sociedade por meio da expressão de [205] comportamento físico baseado na busca de objetivos socialmente valorizados (por exemplo, um bombeiro que salva uma criança de um edifício em chamas). A co­ragem moral é a expressão comportamental da autenticidade diante do descon­forto do dissenso, da desaprovação ou da rejeição (por exemplo, um político, imbuí­do da ideia de um “bem maior”, vota de forma impopular em uma reunião). A coragem vital diz respeito à perseverança de­monstrada em um caso de uma doença ou deficiência, mesmo quando o resultado é ambíguo (como uma criança com um trans­plante de coração que mantém seu regime de tratamento intensivo mesmo que seu prognóstico seja incerto).

A coragem física evoluiu lentamente do grego andreia, à coragem militar do solda­do bravo na Grécia antiga. A capacidade de encontrar o caminho áspero entre a covar­dia e a imprudência dava ao soldado grego [206] a distinção de corajoso. Desde os tempos antigos até o presente, essa disposição de agir adequadamente em situações que en­volvam medo e confiança diante do perigo físico parece ser valorizada universalmen­te (Rorty, 1988). Por exemplo, Ernest Hemingway foi um importante autor no tópico da coragem nos Estados Unidos do século XX. Sua fascinação com a coragem física em várias arenas, como o campo de batalha, o mar aberto e a praça de touros, parecia refletir a fascinação dos norte-ame­ricanos com o ato de encarar o perigo fren­te à frente e perseverar. Na verdade, o “có­digo Hemingway” para se viver uma vida caracterizada por força, conhecimento e co­ragem proporcionou um código de condu­ta para muitos norte-americanos.

A pesquisa de Jack Rachman sobre a coragem surgiu quando ele se deu conta de que a coragem era a imagem do medo refletida no espelho. Ele observou que, diante da ameaça física, algumas pessoas lidavam com o perigo percebido melhor do que outras. Sendo assim, Rachman (1984) trabalhou com paraquedistas, soldados condecorados e membros de esquadrões antibombas para coletar informações so­bre a natureza do medo e sua contraparti­da, a coragem. Ele concluiu que as pessoas corajosas perseveram quando enfrentam o medo e, portanto, recuperam-se rapida­mente do ponto de vista fisiológico. Ele também sugeriu que os atos de coragem não estão necessariamente confinados a uns poucos indivíduos especiais, tampouco acontecem sempre em público. Com rela­ção a esse último ponto, ficou intrigado com as batalhas internas e a coragem pri­vada demonstrada por seus clientes de psicoterapia, concluindo que, claramente, a coragem tinha a ver com mais do que andreia e a conquista física do perigo rela­cionada a ela.

A coragem moral envolve a preserva­ção da justiça e o serviço ao bem comum. Fascinado pela coragem moral, John F. Kennedy passou anos coletando histórias de estadistas que seguiam seus corações e seus princípios ao determinar o que era “melhor” para o povo dos Estados Unidos, mesmo quando os eleitores não estavam de acordo com suas decisões ou não con­cordavam com suas propostas. Embora o próprio Kennedy tenha sido herói militar, em sua obra Perfis de coragem (1956), ele pareceu dar mais atenção e reverência à coragem moral do que à coragem física.

A autenticidade e a integridade estão intimamente associadas à expressão das visões pessoais diante do dissenso e da re­jeição. Exatamente quando se deve assu­mir uma posição? Em um exemplo. Rosa Parks disse que se sentou na parte da fren­te de um ônibus porque era hora de fazê-lo. Médicos e enfermeiras, quando enfren­tam situações difíceis com pacientes e fa­miliares, têm que ser verdadeiros e direi­tos, mesmo quando seria mais fácil, emo­cionalmente, dourar a pílula dos diagnós­ticos e dos prognósticos (vide Finfgeld, 1998; Shelp, 1984). A coragem não é ne­cessária apenas para dizer a verdade (Finfgeld, 1998), ela também é necessária para escutar a verdade. A coragem moral pode assumir ainda outra forma quando uma pessoa defende os direitos dos menos favorecidos e confronta alguém que tem poder sobre ela.

A coragem moral pode ser considera­da como a forma de “oportunidades iguais” dessa virtude. Todos vivenciamos situações nas quais se provoca uma resposta moral­mente corajosa, e esse comportamento não requer qualquer formação especial. Pode­mos encontrar desconforto ou dissenso e ser desafiados pela tarefa de manter au­tenticidade e integridade nessas situações. A coragem física, por outro lado, só é desencadeada em circunstâncias especiais e, muitas vezes, os que se envolvem em com­portamentos de coragem física têm uma formação que ajuda a superar o medo. (Fe­lizmente, a maioria de nós, com exceção dos soldados e dos que atendem emergên­cias, não é chamada a colocar a vida em risco para proteger o bem comum todos os dias.) Da mesma forma, a coragem vital [207] não é necessária, a menos que encontre­mos doença ou deficiência, e muitas vezes os profissionais nos ensinam como comba­ter a enfermidade. Portanto, de que forma uma pessoa comum, como você e eu, res­ponde a situações que questionam os pres­supostos fundamentais sobre o mundo e sobre as pessoas?

Quando se experimen­tam o desconforto e a desavença, e a pru­dência sugere que é necessário assumir uma posição, temos a oportunidade de ter comportamento coerente com a coragem moral. Infelizmente, nós (S.J.L. e C.R.S.) encontramos muitas situações a cada mês nas quais uma pessoa (que está presente ou não) não está recebendo tratamento justo por causa do preconceito de alguém, seja com relação a idade, raça ou sexo. (É nosso palpite que você também vivência o preconceito de algum tipo uma vez por mês ou mais.) Às vezes, conseguimos mobilizar a coragem moral para tratar da injustiça percebida. Eu (S.J.L.) contarei uma ocasião em que consegui superar meu medo e pre­servar minha integridade e a de outras pes­soas. Espero poder evocar esse tipo de cora­gem em situações semelhantes no futuro.

Tive a oportunidade de praticar o que prego em um voo de Lafayette, no estado de Louisiana, a Houston, Texas. Eu estava no primeiro trecho de uma viagem de vol­ta a Kansas City. Acabara de passar uma semana em minha cidade natal. New Iberia, ajudando minha mãe a se mudar para uma casa nova. Estava exausto e mais do que pronto para reencontrar minha esposa e meu filho. Antes de embarcar no avião, reconheci alguém da minha cidade natal e, devo admitir, evitei essa pessoa porque a lembrança que tinha dela era de alguém um pouco cáustico. Para meu desgosto, o assento desse homem estava exatamente atrás do meu e acabei cercado por quatro amigos dele, que iam juntos para uma caçada. Enterrei a cara em um jornal e pen­sei muitas vezes na minha família, que me esperava no aeroporto de Missouri. Ape­sar de minha tentativa de ignorar as boba­gens dos cinco homens, escutei uma, de­pois outra, depois outra observação racis­ta sobre os afro-americanos evacuados em função dos furacões, sobre políticos, sobre atletas. Ao todo, foram cinco comentários racistas, a maioria iniciada por meu conhecido. Após cada comentário, minha dispo­sição de expressar minha desaprovação crescia mais e mais, assim como o medo que me fazia perder a sensatez e sentir náu­seas. (Consegui me convencer a esperar até que o avião aterrissasse, porque os cinco haviam bebido, e eu estava preocupado com a possibilidade de que as coisas que eu planejava dizer causassem muito des­conforto entre os outros passageiros.)

Quando aterrissamos e o sinal de apertar os cintos se apagou, respirei fundo, virei para meu conhecido e disse: “Não acho cor­retos os comentários racistas que você fez junto com seus amigos durante esse voo. E esse tipo de ignorância que faz que as pes­soas se sintam desconfortáveis em nossa cidade”. Para minha grande estupefação, minha euforia momentânea foi estraçalha­ da por aquele homem, que passou a justi­ficar sua diatribe racista, e por seus ami­gos, que jogavam algumas imprecações. Ao me separar do grupo, fiquei feliz por me dar conta de que as respostas ofensivas à minha ação corajosa, que foram menos do que ideais, realmente não importavam para a nova confiança que engendrava. Eu ha­via praticado coragem moral... e sabia que poderia fazer de novo, se necessário.

A coragem vital está em funcionamen­to quando o paciente luta contra a doença por meio da cirurgia e dos tratamentos. Os médicos, as enfermeiras e outros profis­sionais de saúde semelhantes usam todo seu conhecimento para salvar a vida hu­mana ou para melhorar a qualidade da vida daqueles a quem servem. Muitos pesqui­sadores examinaram a coragem vital (ain­da que não a chamassem assim), e seu tra­balho captou o fenômeno que nos cativa quando ouvimos falar em alguém que en­frenta uma enfermidade crônica. Haase (1987) entrevistou nove adolescentes cro­nicamente enfermos para responder à [208] pergunta: “Qual é a estrutura essencial da ex­periência vivida da coragem em adolescen­tes enfermos?”. Ela concluiu que a cora­gem envolve o desenvolvimento de uma profunda consciência pessoal acerca da
força dos efeitos de curto e longo prazos da doença.

Em entrevistas sobre o tema feitas com adultos de meia-idade que tinham di­versas doenças físicas, Finfgeld (1998) [210] determinou que a coragem significa se cons­cientizar e aceitar a ameaça de um proble­ma de saúde de longo prazo, resolver quais­quer problemas relacionados usando o dis­cernimento e desenvolver maiores sensi­bilidades para consigo e com os outros. Finfgeld (1995) também entrevistou adul­tos de mais idade que estavam demonstrando coragem diante de doenças crônicas e concluiu que ser corajoso é um processo de toda a vida, que implica fatores como ter pessoas importantes na sua vida, valo­res, esperança. Minha própria experiência (S.J.L.) com um cliente idoso, Carl, gerou minha fascinação com a coragem e a espe­rança na psicologia positiva em geral. Co­nheci Carl no que ele chamou de o pior dia de sua vida. Ele havia sido diagnosticado com falência dos rins. O médico entendeu que essa notícia abalou Carl profundamen­te, fazendo que ele fosse indicado a trata­mento psicológico, o que o trouxe a mim. Alguns minutos depois de conhecer Carl, vi que ele tinha tendências suicidas. De­pois de uma hora, vi que queria pôr fim à própria vida. Resumindo, o diagnóstico de falência renal não era uma surpresa, pois Carl sabia que isso poderia acontecer. Ele também entendia que esse problema im­plicaria fazer diálise, acarretando perda de vitalidade, o que, por sua vez, significava a incapacidade para trabalhar 12 horas por dia. Qualquer coisa menos do que uma devoção total a seu trabalho significava que ele poderia perder a fazenda da família. Carl temia sua doença porque temia a per­da do propósito e do sentido de sua vida. Na segunda hora, com a permissão dele, eu havia envolvido sua esposa em nossos esforços para elaborar um plano que o aju­dasse a enfrentar essa notícia devastado­ra. No final da terceira hora, Carl estava estável o suficiente para ir para casa, em vez de ser internado. Na manhã seguinte, ele voltou para uma sessão longa e me dis­se que ia combater essa doença e aprender como garantir que as coisas fossem feitas na fazenda enquanto se tratava. Era como se ele tivesse bebido de uma fonte de es­perança e coragem. Durante os três meses seguintes, deliciei-me ao assistir à saúde de Carl melhorar... sem ajuda da diálise. Sua perseverança era inabalável; sua co­ragem vital estava sempre presente. Foi a coragem de Carl que me ajudou a enten­der a força e o potencial das qualidades humanas.

Com relação à coragem dos médicos, Shelp (1984) concluiu que essa virtude jun­to com a competência e a compaixão são características muito desejáveis em presta­dores de serviços de saúde. Além disso, é necessário semear coragem por meio de “encorajamento” (p. 358) para qualquer um que esteja em uma profissão que seja exemplo de cuidado e preocupação com os outros. Shelp declara ainda que os componentes necessários de coragem são a liber­dade de escolha, o medo de uma situação e a disposição de correr riscos em uma si­tuação com fim incerto, mas moralmente válida. Acreditamos que a coragem vital costuma ser exibida com frequência por pessoas que estão sofrendo, pelos pres­tadores de serviços de saúde que as estão tratando e pelas muitas pessoas importan­tes que cuidam de seus entes queridos em momentos difíceis. Essa coragem vital de parentes e amigos que cuidam de alguém enfermo foi uma das muitas histórias con­tadas por Jerome Groopman como pano de fundo para The anatomy of hope: how people prevail in the face of illness. Nesse livro de 2004, o Dr. Groopman contou as histórias de pessoas que estavam enfren­tando doenças. Muitas vezes, o enfermo foi acompanhado por um médico que cuida­va dele e uma pessoa de apoio que lhe dava amor. Esses cuidadores compartilhavam, ainda que indiretamente, o sofrimento do doente. Eles enfrentavam seus próprios me­dos, incluindo o de perder a pessoa que tanto significava para eles. Como conse­qüência disso, a coragem vital diante do sofrimento muitas vezes é manifestada por pessoas que não o paciente identificado. A descrição de Groopman sobre uma mãe com um câncer de colo e de sua filha [211] adolescente enfrentando a situação foi espe­cialmente pungente. De fato, a história de Frances e Sharon Walker (pseudônimos para uma paciente real e sua filha, respec­tivamente), discutida no Capítulo 2 do tex­to de Groopman, revelou como a coragem pode ser identificada no comportamento virtuoso daqueles que estão doentes e de seus entes queridos, que sofrem juntos a eles. Esse caso também demonstra que, quando um cuidador (o médico, neste exemplo) se comporta de maneira covar­de, outros cuidadores podem enfrentar o desafio de estar à altura das circunstâncias. Frances Walker, durante sua batalha con­tra o câncer, foi a paciente-modelo, determinada a resistir e cumpridora do trata­mento. Sharon, sua filha adolescente, acre­ditava que sua mãe seria curada. A jovem foi uma fonte permanente de conforto e apoio para a mãe em todas as consultas. Infelizmente, o oncologista de Frances não foi honesto com elas. Seu tratamento para o câncer era apenas paliativo, e não cura­tivo, como ele assegurava com firmeza. Na verdade, o câncer de colo era terminal, fato que o médico provavelmente conhecia quando fez seu primeiro diagnóstico. Quan­do Frances ficou arrasada com seu verda­deiro prognóstico, e o médico não cumpria os horários marcados com ela, a jovem Sharon ficou ao lado da mãe e enfrentou a equipe médica. Ela lutava com seus medos em relação ao sofrimento de sua mãe e seu pavor de perdê-la em um futuro próximo, e superou sua hesitação para questionar a autoridade (a equipe médica) quando se deu conta de que não estava recebendo res­postas claras. Frances, a paciente, e Sharon, a cuidadora, corporificaram a coragem vital necessária para lutar com uma doen­ça e manter a dignidade.

A coragem psicológica, na descrição de Putman (1997), é a força para enfren­tar os próprios hábitos destrutivos. Essa forma de coragem vital pode ser bastante comum no sentido de que todos nós luta­mos com desafios psicológicos na forma de estresse, tristeza e relações disfuncionais ou não-saudáveis. À luz dessas ameaças a nossas estabilidades psicológicas, enfren­tamos nossas disfunções reestruturando nossas visões ou perdendo sistematicamen­te a sensibilidade para os medos. Um ar­gumento forte proposto por Putman sobre a coragem psicológica é que há uma falta de formação para a ela, em comparação com as coragens física e moral. Putman continua, dizendo que a cultura pop apre­senta muitos ícones de coragem física e moral em obras literárias e em filmes, mas os exemplos de coragem psicológica são raros.

Talvez isso se deva ao estigma nega­tivo em torno dos problemas de saúde mental e dos comportamentos destrutivos, mas também é possível que a linguagem relacionada à coragem vital seja nova em relação àquela que se aplica à coragem moral e física (sendo que essa última é reconhecida desde os gregos antigos). As pessoas na Figura 10.2 são exemplos de coragem moral, física e vital.

A consideração das visões implícitas da coragem e do exame teórico dos estudi­osos modernos a respeito do tema sugere que nossa compreensão dessas virtudes mudou pouco nos 2000 anos que se passa­ram desde a obra de Cícero. Sua definição, resumida anteriormente - página 205 -, é atemporal. Por exemplo, seus comentários sobre a coragem levam em conta sua natu­reza multidimensional, indo além da culturalmente louvada coragem física, para honrar a paciência e a perseverança neces­sárias para a coragem vital, e a magnifi­cência inerente à coragem moral. As visões implícitas e as operacionalizações de hoje em dia a respeito da coragem incluem re­ferências às qualidades da esperança, da confiança e da honra, que apareciam na definição de Cícero.

Figura 10.2

Ser e se tornar corajoso

Finfgeld (1995, 1998) disse que os comportamentos corajosos seguem a [210] identificação de uma ameaça, depois da qual há um afastamento da definição do pro­blema como um obstáculo insuperável.

Expectativas comportamentais, mo­delos de comportamento e sistemas de va­lores também parecem determinar se, quando e como a coragem se desencadeia. O comportamento corajoso pode resultar em uma sensação de equanimidade ou cal­ma, uma ausência de arrependimento com relação à própria vida e com relação à in­tegridade pessoal.

Usando entrevistas estruturadas indi­viduais, Szagun (1992) pediu que crian­ças entre 5 e 12 anos classificassem a cora­gem associada a 12 diferentes riscos (em uma escala de 5 pontos que ia de 1 = Não corajoso a 5 = Muito corajoso). O pesqui­sador pediu que as crianças julgassem his­torietas de coragem. As crianças menores (5 a 6 anos) vincularam a coragem à difi­culdade da tarefa em questão, junto com não ter medo.

As crianças mais velhas (8 a 9) relacionaram coragem a correr riscos subjetivos e superar o medo. Crianças ain­da mais velhas (11 a 12) informaram que estar totalmente ciente de um risco na épo­ca da ação é um componente necessário da coragem. Como seria de se esperar, em função das etapas evolutivas em que se encontra, o grupo das menores classificou os riscos físicos como implicando mais co­ragem do que os outros (por exemplo, os psicológicos).

Mais recentemente, Szagun e Schauble (1997) investigaram a coragem usando uma técnica de entrevistas para crianças de menos idade e um questionário aberto para adolescentes e adultos. Esses pesqui­sadores pediram que os participantes lem­brassem e depois descrevessem situações em que haviam agido corajosamente, e se concentrassem nos pensamentos e senti­mentos dessas situações. Perguntou-se às crianças sobre coragem - valendo-se para tanto, de uma história breve sobre um per­sonagem específico. Os resultados demons­traram que as crianças pequenas não con­sideravam o medo ou sua superação ao descrever a experiência da coragem, mas essa propensão a igualar coragem com a experiência de medo aumentava com a ida­de. Assim como no passado (Szagun, 1992), participantes de pesquisa mais jo­vens conceituaram a coragem como correr riscos mais físicos, ao passo que crianças mais velhas apontavam os riscos psicoló­gicos como algo necessário para se ter co­ragem. As mais velhas também conceitua­ram a coragem como uma experiência emocional multifacetada que envolve me­do, autoconfiança e ânsia de agir.

Vários pesquisadores já tentaram de­terminar de que forma as pessoas se tor­nam corajosas. Isso é explorado por ques­tões abertas e entrevistas nas quais a pes­soa deve descrever uma situação envolven­do coragem (Finfgeld, 1995, 1998; Haase, 1987). Haase (1987) usou um método fenomenológico descritivo de avaliação. Em um formato de entrevista não-estruturada com adolescentes que sofriam de doenças crônicas, os participantes identifi­caram e descreveram suas experiências de coragem. Eles receberam a seguinte solici­tação: “Descreva uma situação na qual você foi corajoso. Descreva sua experiência da forma como se lembra dela, inclua seus pensamentos, sentimentos e percepções da maneira como se lembra de vivenciá-los. Continue a descrever a experiência até que sinta que esteja integralmente descrita” (p. 66). Essa instrução revela um pressuposto de que todos os indivíduos têm capacida­de para a coragem e tiveram experiências com ela. As conclusões de Haase com rela­ção à coragem apontam o desenvolvimen­to de atitudes e métodos de enfrentamento, mais do que descrições dos chamados “he­róis natos”. Particularmente, ela descobriu que, por meio de “mini situações” cotidia­nas em que se encontra com a coragem (por exemplo, tratamento, procedimentos, mu­danças físicas e outras que resultam da doença), o adolescente chega a uma cons­ciência e à resolução da experiência como sendo de coragem. Cada vez mais, com o passar do tempo e com o acúmulo de ex­periências, a situação é considerada difí­cil, mas não impossível. Por intermédio da resolução da situação de coragem, o ado­lescente desenvolve uma sensação de domínio, competência e realização, junto com um sentimento de crescimento.

Pesquisa sobre coragem

A medição da coragem

Nos últimos 30 anos, foram criadas muitas medidas breves de autoavaliação da coragem para propósitos de pesquisa. Em­ bora várias delas tenham seus pontos for­tes, todas necessitam de mais elaboração.

Em 1976, Larsen e Giles desenvolve­ram uma escala para medir a coragem exis­tencial (semelhante à moral) e social (re­lacionada à física). O domínio da coragem existencial é coberto por 28 itens, e 22 de­les examinam a coragem social. O suporte psicométrico para essa medida é limitado, e se fez pouco ou nenhum trabalho para refiná-la. [214] Schmidt e Koselka (2000) construí­ram uma medida de coragem que inclui cinco questões. Três delas estão relaciona­das à coragem geral, enquanto quatro ava­liam o que se considera a coragem especí­fica do pânico (possivelmente, um subtipo de coragem vital). Essa escala cumpre pa­drões básicos de confiabilidade, mas as evi­dências dessa validade são limitadas.

Woodard (2004) usou uma definição cuidadosamente pesquisada de coragem como sendo a capacidade de agir em nome de uma causa significativa (nobre, boa ou prática), apesar de sentir medo (associado a uma ameaça percebida que excede os recursos disponíveis). Com base nessa de­finição, Woodard desenvolveu uma escala de 31 questões. O escore total é calculado se multiplicando um escore de “disposição de agir” por um escore de “medo percebi­do”. A pesquisa com essa escala sugere que ela é promissora para medir a coragem em estudos futuros.

Recentemente, foram realizados de­senvolvimentos de escalas por equipes de pesquisa em psicologia positiva que estavam trabalhando no que originalmente se chamou de medidas do tipo “manancial” e agora se chama de Inventário de Qualida­des Values in Action (Values in Action Inventory of Strengths, Peterson e Seligman, 2004). A primeira versão de uma medida manancial incluía cinco questões (por exemplo, “já assumir uma posição diante de resistência forte”) que medem a cora­gem. A versão atual mede quatro tipos de coragem, incluindo bravura, autenticida­de, entusiasmo/deleite e diligência/perseverança.

O desenvolvimento de medidas de co­ragem está em seus estágios iniciais por­ que ainda não se propôs nem se examinou com cuidado uma teoria abrangente da coragem. Será difícil desenvolver um mo­delo de coragem, mas essa tarefa não deve ser mais difícil do que aquela já realizada por vários pesquisadores da sabedoria. Uma questão importante nesse caso é se a medição deve avaliar a coragem como ela é demonstrada em um ato de coragem ou como é corporificada pelo ator corajoso. Para complicar ainda mais as coisas, não está claro se deveríamos nos concentrar no elemento tônico (constante) ou no fásico (que aumenta ou diminui) da coragem, ou em ambos. Isso pode depender do tipo de coragem avaliado. A coragem moral pode possuir qualidades tônicas, já que uma pes­soa pode demonstrá-la constantemente em diferentes situações, assim como também pode apresentar qualidades fásicas, se ape­nas aparecer quando necessária. (As coragens vital e física também podem ser tôni­cas e fásicas, mas essa última característi­ca é mais visível.) Por exemplo, pode-se tratar dos elementos tônicos da coragem moral por meio de perguntas diretas; as escalas tradicionais poderiam proporcionar uma representação significativa dessa qua­lidade. Por outro lado, os elementos fásicos da coragem moral, que só surgem em sua forma pura quando são necessários em uma dada situação, podem demandar técnicas de avaliação baseadas em observção, [215] relatórios narrativos, métodos de amostragem de experiências e revisões críticas circuns­ tanciais.

Relações entre medo e coragem

Embora se tenha partido do pressu­posto de que há um vínculo entre medo e coragem durante séculos, essa relação não está bem-compreendida. Um dos primei­ros pesquisadores a examinar essa ligação, Rachman (1984), observou que pessoas assustadas podem realizar atos de coragem. Ainda que a coragem e a audácia sejam muitas vezes consideradas sinônimos, mui­tos já afirmaram que a perseverança, apesar do medo, é a forma mais pura de coragem. De fato, Rachman propôs que a verdadeira coragem é estar disposto e ser capaz de abordar uma situa­ção temerária apesar da presença de medo subjetivo. Nesse caso, é possível medirem-se as respostas fisiológicas para avaliar a presença de medo ou estresse em uma dada situação para determinar como respondem as pessoas corajosas.

Antes de sua pesquisa sobre coragem, o trabalho de Rachman (1978) concentra­va-se na descrição do medo subjetivo e das respostas corporais associadas a ele. A me­dida que ele desenvolveu uma compreen­são firme do medo e de suas manifesta­ções corporais, e fez o redirecionamento rumo à pesquisa sobre coragem, Rachman e colaboradores (Cox, Hallam, O’Connor e Rachman, 1983; O’Connor, Hallam e Rachman, 1985) estudaram a relação en­tre medo e coragem. Esses pesquisadores compararam membros de esquadrões antibombas que haviam sido condecorados por bravura com outros que não haviam, e tinham tempo de serviço comparáveis. (A condecoração serviu como método para identificar indivíduos com a experiência de atos de coragem.) Com base em pesquisas anteriores de Rachman (1978), os desempenhos sob a influência de fatores de estresse foram determinados por várias me­didas subjetivas, comportamentais e fisio­lógicas. As comparações revelaram distin­tas respostas fisiológicas sob estresse para os agentes condecorados em comparação com os que não foram condecorados, em­bora não se tenham encontrado diferen­ças estatisticamente significativas (Cox et al., 1983). Em uma repetição posterior do mesmo experimento, O’Connor e colabo­radores (1985) demonstraram que, com re­lação a pessoas de comparação, os opera­dores condecorados mantiveram um ba­timento cardíaco mais baixo sob estresse. As conclusões desses estudos sugeriram que as pessoas que haviam realizado atos de coragem poderiam responder (comportamental e fisiologicamente) ao medo de uma maneira diferente daquelas que não havi­am demonstrado coragem.

Rachman (1984), tentando entender por que algumas pessoas respondem ao medo de maneira que possa conduzir a comportamento corajoso, estudou pára-quedistas iniciantes. Sua avaliação do medo subjetivo e dos marcadores fisiológicos cor­respondentes revelou que os pára-quedistas informaram uma quantidade moderada de medo no início de seu programa, mas esse medo cedia dentro de seus primeiros cin­co saltos. Além disso, concluiu-se que a exe­cução de um salto, apesar da presença de medo (ou seja, coragem), resultava na re­dução do medo.
Essa linha de pesquisa começa a re­velar a complexa relação entre medo e co­ragem. Dado o pressuposto comum de que deve haver medo como pré-requisito da coragem, a ligação entre medo e coragem física, coragem moral e coragem vital pre­cisa ser examinada mais profundamente.

Encontrando sabedoria e coragem na vida cotidiana

A sabedoria e a coragem, provavel­mente as mais valorizadas entre as virtu­des, estão com alta demanda em nosso [216] mundo, e felizmente não há limite na ofer­ta. De fato, acreditamos que a maioria das pessoas, por meio de uma postura que dê sentido à vida, pode desenvolver sabedo­ria e coragem. Sinta-se à vontade para [217] tes­tar essa hipótese realizando os mini experimentos pessoais, e depois crie algumas mini situações de sabedoria e coragem implementando as estratégias para melho­rar a vida.

O Valor da sabedoria e da coragem

“Para entender a sabedoria de forma integral e correta, provavelmente seja ne­cessária mais sabedoria do que qualquer um de nós tem” (Sternberg, 1990, p. 3). Da mesma forma, para entender a cora­gem, pode ser necessário um pouco de sa­bedoria. Este capítulo oferece uma breve revisão daquilo que sabemos dessas quali­dades. Sem dúvida, apesar de nossos es­forços para demonstrar que as pessoas co­muns corporifícam características extraor­dinárias, o número de vezes em que você está exposto, seja diretamente seja por meio da mídia, a imagens de comporta­mento pouco sábio ou precipitado pode superar aquelas vezes em que você vê o comportamento virtuoso. Como muitas pessoas se encantam com o comportamen­to pouco inteligente dos pouco sábios e a aparente audácia dos participantes de reality shows na televisão, sentimos-nos forçados a defender ainda mais intensa­mente a celebração da virtude. A sabedo­ria e a coragem têm valor evolutivo, ao
passo que a tolice e o destemor impruden­te encolhem a espécie.

Um argumento claro em favor do va­lor adaptativo da sabedoria é apresentado por Csikszentmihalyi e Rathunde (1990). A sabedoria guia nossa ação; e, por meio des­sa sabedoria, tomamos boas decisões quan­do somos desafiados tanto pelo mundo físi­co quanto pelo social. Essa sabedoria prati­cada é intrinsecamente gratificante e bené­fica para o bem comum, promovendo a so­brevivência das boas idéias, da própria pes­soa e de outras. De fato, as idéias sábias e as pessoas sábias podem passar no teste do tempo. Pode-se apresentar um argumento semelhante para a coragem. A coragem fí­sica e a vital muitas vezes vão além das vi­das. Também a coragem moral preserva os ideais de justiça e equidade. [219]

 

Psicologia - Psicologia positiva
9/13/2020 3:34:41 PM | Por Shane J. Lopez
Sabedoria uma das virtudes universais

A oração da serenidade se tornou o cre­do de muitas pessoas comuns, que estão lutando com os desafios da vida. Abrimos com essa referência porque ela apresenta duas idéias que examinamos no decorrer deste capítulo. Em primeiro lugar, como a oração revela, as noções de sabedoria e co­ragem foram mescladas, historicamente, na literatura. Essa ligação e suas razões serão examinadas a seguir. Em segundo lugar, a oração sugere que as qualidades extraor­dinárias da sabedoria e da coragem estão disponíveis a todos. Isso é discutido no con­texto das revisões com relação à sabedoria e à coragem.

Sabedoria e coragem: duas irmãs

Alguns filósofos e teólogos conside­ram a sabedoria (prudência) e a coragem (firmeza) como sendo duas das quatro vir­tudes primordiais (junto com a justiça e a temperança). Essas virtudes básicas, tra­dicionalmente classificadas na ordem de prudência, justiça, firmeza e temperança, “são disposições cognitivas e motivacionais que, em si, designam não apenas a ade­quação para conquistas individuais, mas também a ideia de convergência entre a conquista de objetivos individuais e se tor­nar uma boa pessoa do ponto de vista ético-social e público” (Baltes, Glueck e Kunzmann, 2002, p. 328). As virtudes pri­mordiais facilitam o desenvolvimento pes­soal. O bem-viver por intermédio de sua prática pode ajudar o desenvolvimento dos recursos sociais que desencadeiam o cres­cimento das outras pessoas. Tanto a sabe­doria quanto a coragem podem informar as escolhas humanas que servem de com­bustível para buscas que levem a um fun­cionamento pessoal melhor e ao bem co­mum. A coragem também pode ajudar a superar obstáculos que dificultem a práti­ca de outras virtudes.

A sabedoria e a coragem têm sido es­ tudadas juntas muitas vezes, embora sua mescla possa causar dificuldade para sua diferenciação. Essa confusão de constructos é captada em uma declaração do filme O mágico de Oz (Haley e Fleming, 1939), na qual o Mágico diz para o Leão Covarde: “E você, meu bom amigo, você é uma vítima do pensamento desorganizado. Você sofre [180] da infeliz ilusão de que, simplesmente por fugir do perigo, não tem coragem. Está confundindo coragem com sabe­ doria”. A sabedoria e a coragem são exem­ plos de excelência humana, envolven­ do um desafio, de­ mandando a tomada de decisões sólidas e, geralmente, contribuindo para o bem comum. Além disso, como mencionado na introdução deste capítulo, as pessoas co­ muns conseguem demonstrar essas duas qualidades extraordinárias. Não resta dú­ vida, contudo, de que a discussão acadê­mica voltada a esclarecer a relação entre sabedoria e coragem será complexa. Em alguns casos, a sabedoria é caracterizada como predecessora da coragem. Na forma mais forte do argumento, Santo Ambrósio acreditava que “a força sem justiça é um nível de mal” (citado em Pieper, 1966, p. 125). Algumas pessoas chegam a afirmar que a sabedoria pode tornar a coragem desnecessária. Essa visão é descrita por Staudinger e Baltes (1994): “Só precisa­ mos de coragem naquelas situações em que, na verdade, elas [sabedoria e cora­ gem] não são suficientes, seja porque sim­ plesmente carecemos delas, seja porque elas são irrelevantes ou ineficazes contra nosso problema. O conhecimento, a sabe­ doria e a opinião podem fornecer os obje­ tos de que o medo precisa ou privá-lo de­ les. Elas não transmitem coragem, e sim oferecem uma oportunidade de exercê-la ou passar sem ela” (p. 57).

Em contraste com essa perspectiva, a coragem já foi apresentada como precur­ sora da sabedoria. A lógica, nesse caso, é que a capacidade para ação corajosa é ne­ cessária antes que se possa ir em busca de um resultado nobre ou um bem comum, que é definido pela sabedoria. A coragem, por vezes, é considerada como a virtude que torna possíveis todas as demais. Inde- pendentemente de seu poder ou importân­ cia relativos, acreditamos que uma discus­ são sobre teorias implícitas ou explícitas da sabedoria e da coragem ajudará a en­ tender sua importância em nossa vida co­ tidiana.

Teorias da sabedoria

A sabedoria é mencionada com fre­ quência em antigas máximas (por exem­ plo, Yang, 2001) e em revisões filosóficas. Por exemplo, a revisão de Robinson (1990) sobre os primeiros diálogos ocidentais clás­ sicos revelou três conceituações distintas de sabedoria:

  1. a que se encontra nas pessoas que bus­ cam uma vida contemplativa (o termo grego sophia);
  2. a de natureza prática, como apresenta­ da por grandes estadistas (phronesis)]; e
  3. o entendimento científico (episteme).

Aristóteles aumentou a lista de tipos de sabedoria ao descrever theoretíkes, o pen­ samento e o conhecimento teóricos dedica­ dos à verdade, distinguindo-os da phronesis (sabedoriaprática). (Vide os comentários de professores dos clássicos, citados por Roger Martin.) Durante os séculos XV, XVI e XVII no mundo ocidental, duas questões domina­ ram a discussão acadêmica sobre a sabe­ doria. Filósofos, teólogos e antropólogos culturais debateram as aplicações filosó­ ficas em relação à prática da virtude, junto com a natureza divina ou humana da qua­ lidade (Rice, 1958). Ambas as questões estão relacionadas à pergunta de se a sabe­ doria é uma forma de excelência ao viver, como mostrado por pessoas comuns, ou é mais bem vista como uma qualidade filo­ sófica vaga que só os sábios possuem. Es­ sas questões ainda estão por ser [194] resolvidas, embora os acadêmicos de psicologia tenham sugerido recentemente que as pes­ soas comuns são capazes de bem viver aplicando a sabedoria.

Ainda que nossa visão da sabedoria tenha avançado lentamente nos tempos modernos, isso começou a mudar durante o século XX. Embora o primeiro presiden­ te da American Psychological Association, G. Stanley Hall, tenha escrito um livro em 1922 no qual tratou da sabedoria obtida no processo de envelhecimento, esse tra­ balho foi considerado campo de atividades de filósofos religiosos e morais até cerca de 1975, quando os psicólogos começaram a analisar o conceito de sabedoria. Esses esforços acadêmicos geraram uma visão psicológica de senso comum melhor acer­ cadasabedoria.Asteorias implícitas (teo­ rias populares de um constructo que des­ crevem seus elementos básicos) da sabedo­ ria foram descritas inicialmente por Clayton (1975, 1976; Clayton e Birren, 1980) e depois aprofundadas pela análise do psi­ cólogo alemão Paul Bakes (1993) acerca das ocorrências cultural-históricas. O co­ nhecimento obtido desses estudos recen­ tes informou o desenvolvimento de teorias explícitas (que detalham as manifestações observáveis de um constructo) sobre a sa­ bedoria, das quais a mais consistente atu­ almente é a teoria do equilíbrio sobre a sabedoria (Sternberg, 1998) e o paradig­ ma da sabedoria de Berlim (Baltes e Smith, 1990; Baltes e Staudinger, 1993, 2000). Na próxima seção, exploraremos essas teorias explícitas e implícitas da sa­ bedoria.

Teorias implícitas da sabedoria

O estudo dissertativo de Clayton (1975) foi um dos primeiros exames sistemáticos do constructo da sabedoria. Ela fez com que as pessoas classificassem semelhanças entre pares de palavras que se acreditavam estar associadas à sabedoria (como empáti- co, experiente, inteligente, introspectivo, in­tuitivo, culto, observador). Por meio de um procedimento estatístico conhecido como escalonamento muldimensional, a autora identificou três dimensões do constructo:

  1. afetiva (empatia e compaixão);
  2. reflexiva (intuição e introspecção); e
  3. cognitiva (experiência e inteligência).

Em um estudo posterior, Sternberg (1985) pediu que 40 estudantes universi­ tários distribuíssem cartões (cada um des­ crevendo um entre 40 comportamentos sábios) em tantas pilhas quantas conside­ rassem necessárias para explicar seus con­ teúdos. Mais uma vez, foi usado um proce­ dimento de ajuste multidimensional e fo­ ram identificadas as seis qualidades de sa­ bedoria a seguir:

  1. capacidade de raciocínio;
  2. sagacidade (conhecimento e entendi­mento profundos);
  3. aprender a partir de idéias e do am­biente;
  4. julgamento;
  5. usar prontamente a informação; e
  6. perspicácia (agudeza de discernimento e percepção).

Um outro estudo, de Holliday e Chan­ dler (1986), determinou que cinco fatores estão na base da sabedoria:

  1. entendimento excepcional;
  2. habilidades de julgamento e comuni­cação;
  3. competência geral;
  4. habilidades interpessoais e 5. moderação social.

O significado da sabedoria também é comunicado em nossa linguagem cotidia­ na. Nesse sentido, Baltes (1993) analisou escritos cultural-históricos e filosóficos e concluiu que a sabedoria:

  1. trata de questões importantes/difíceis na vida; [196]
  2. envolve conhecimento, discernimento ou aconselhamento especiais ou supe­riores;
  3. reflete o conhecimento com amplitude, profundidade e equilíbrio extraordiná­ rios, aplicáveis a situações específicas da vida;
  4. tem boa intenção e combina mente e virtude; e
  5. é muito difícil de obter, mas facilmente reconhecível.

Teorias explícitas da sabedoria

Embora informadas por teorias implí­ citas, as teorias explícitas da sabedoria se concentram mais em manifestações com- portamentais do constructo. As teorias ex­ plícitas aplicadas à sabedoria são interca­ ladas com outras, que têm décadas de ida­ de, sobre a personalidade (Erikson, 1959) e o desenvolvimento cognitivo (Piaget, 1932), ou enfatizam a aplicação de conhe­ cimento pragmático na busca de funciona­ mento humano excepcional (Baltes e Smith, 1990; Baltes e Staudinger, 1993, 2000; Sternberg, 1998).

Em sua teoria das etapas do desen­ volvimento cognitivo (1932), Jean Piaget descreve as diferentes formas de pensar qualitativamente que ocorrem durante a infância e a idade adulta. As crianças ge­ ralmente avançam da etapa sensório- motora (na qual o mundo da criança é vivenciado por meio dos sentidos e do fa­ zer) à etapa pré-operacional (na qual o mundo da criança é enquadrado no pensa­ mento simbólico) até a etapa das opera­ ções simbólicas (na qual a experiência da criança começa a ser entendida por meio de pensamento lógico) durante os primei­ ros 12 anos de vida. Na etapa das opera­ ções formais, as pessoas desenvolvem a capacidade de raciocinar testando hipóte­ses sistematicamente. Riegel (1973), a par­ tir do trabalho de Piaget, considerou uma forma de pensamento operacional pós-formal chamada de etapa das operações dialéticas ou, mais simplesmente, sabedo­ria. Essas operações dialéticas (argumen­ tação lógica na busca da verdade ou da realidade) associadas à sabedoria envol­ vem pensamento reflexivo que visa a um equilíbrio de informações e à verdade que evolui em um contexto cultural e histórico. Esse pensamento reflexivo ou dialético fa­ cilita a integração de pontos de vista opos­ tos (Kitchener e Brenner, 1990), uso dual de processamento de informações lógico e subjetivo (Labouvie-Vief, 1990) e uma integração entre motivação e experiências de vida (Pascual-Leone, 1990).

Teóricos do desenvolvimento duran­ te a vida (como Erikson, 1959) consideram a sabedoria como parte do bom desenvol­ vimento. Para Erikson, ela reflete a maturi­ dade na qual as preocupações com o bem coletivo transcendem os interesses pes­ soais. No estudo de Orwoll (1989) sobre pessoas designadas como sábias, essa inte­ gração eriksoniana foi acompanhada por preocupações maiores pelo bem coletivo.
A teoria do equilíbrio de Sternberg (1998) e o paradigma da sabedoria de Berlim, de Baltes (Baltes e Smith, 1990; Baltes e Staudinger, 1993, 2000), têm em comum o fato de enfatizarem a organiza­ ção e a aplicação do conhecimento prag­ mático. Além disso, ambas as visões de sa­ bedoria propõem que as pessoas sábias conseguem discernir as visões de outras, desenvolver uma compreensão rica acerca do mundo, elaborar soluções significati­vas para problemas difíceis e direcionar suas ações para atin­gir um bem comum.

O psicólogo Ro­bert Sternberg, da Universidade de Yale, partiu de seu traba­lho anterior sobre inteligência e criati­vidade (Sternberg, 1985, 1990) e pro­ pôs a teoria do [197] equilíbrio da sabedoria, especificando “os pro­ cessos (equilíbrio entre interesses e respos­ tas aos contextos do ambiente) em relação ao objetivo da sabedoria (atingir um bem comum)” (Sternberg, 1998, p. 350). Mais especificamente, Sternberg teorizou que o conhecimento tácito que está na base da inteligência prática (ou seja, o “saber co­ mo” em lugar de “saber o quê” é usado para equilibrar os próprios interesses com os dos outros no contexto ambiental, para chegar a um bem comum (Sternberg, comunica­ ção pessoal, 8 de outubro de 2003). Veja a Figura 10.1 para um diagrama do modelo de sabedoria de Sternberg. Segundo esse modelo, a pessoa sábia passa por um pro­ cesso que pode se assemelhar a altos ní­ veis de tomada de decisão moral (Gilligan, 1982; Kohlberg, 1983). Inicialmente, ela é desafiada por um dilema da vida real, que ativa as capacidades de raciocínio de­ senvolvidas na adolescência e refinadas na idade adulta. A seguir, o histórico de vida da pessoa e seus valores pessoais influen­ ciam seu uso do conhecimento tácito dis­ ponível ao equilibrar interesses e gerar res­ postas sábias. A pessoa que está se esfor­ çando para ser sábia examina, então, pos­ síveis respostas para determinar até que ponto as soluções requerem adaptação ao contexto do ambiente, moldagem do am­ biente para se ajustar às soluções ou sele­ ção de um novo ambiente onde as solu­ ções possam funcionar. Por fim, caso se atinja o equilíbrio, o bem comum é trata­ do com a solução proposta. (Para uma dis cussão acerca da sabedoria como “quali­ dade do equilíbrio”, vide Bacon, 2005.) [199]

Figura 10.1

Segundo Sternberg, a sabedoria en­volve a formação de um julgamento quan­do há interesses conflitantes que carecem de uma resolução clara. Por exemplo, uma abordagem sábia à solução de um conflito com relação a uma proposta de proibição de fumo em um campus universitário con­ sideraria os interesses de todas as pessoas (fumantes, não-fumantes, estudantes, pro­fessores, visitantes, etc.), analisaria as op­ções para servir aos interesses dessas pes­soas e agiria para servir ao bem comum. Como tal, equilibrar interesses pessoais e ações e compartilhar um julgamento sábio podem demandar uma capacidade excep­cional de solução de problemas.

No paradigma da sabedoria de Berlim, Baltes e colaboradores (Baltes e Smith, 1990; Baltes e Staudinger, 1993, 2000) definem sabedoria como “formas e meios de planejar, administrar e entender o bem-viver” (Baltes e Staudinger, 2000, p. 124). Dito de forma simples, “a sabedoria é uma especialização na condução e no sentido da vida” (p. 124). O grupo de Baltes (Baltes e Smith, 1990; Staudinger e Baltes, 1994) identificou cinco critérios que caracterizam a sabedoria (excelência) e o desempenho relacionado a ela (quase excelência).

Os dois critérios básicos, os conheci­mentos factual e procedural, indicam que o desempenho sábio demanda perícia. Se­ gundo Baltes, essa perícia requer que as pessoas “saibam o quê” (isto é, tenham conhecimento sobre tópicos como nature­za e desenvolvimento humanos, diferenças individuais, relações e normas sociais, etc.) e “saibam como” (ou seja, desenvol­ver estratégias para lidar com problemas e para dar orientação, resolver conflitos da vida e planejar a superação de obstáculos que poderiam frustrar a solução dos pro­ blemas). O conhecimento factual, ou o comportamento que é “produto” desse co­nhecimento, poderia ser avaliado com a seguinte pergunta: “Até que ponto esse pro­ duto demonstra conhecimento geral (con­ditio humana) e específico (por exemplo, eventos da vida, instituições) sobre ques­ tões da vida e da condição humana, bem como demonstra amplitude e profundida­ de na cobertura das questões?” (Staudinger e Baltes, 1994, p. 149). O “saber como”, ou conhecimento procedural, seria exami­nado à luz da seguinte pergunta: “Até que ponto esse produto leva em consideração estratégias de decisão, a forma de definir objetivos e identificar os meios adequados, e com quem discutir as estratégias de ori­ entação?” (Staudinger e Baltes, 1994, p. 149). Os três metacritérios que são especí­ficos da sabedoria (isto é, contextualismo ao longo da vida, relativismo de valores e reconhecimento e administração da incer­ teza) envolvem pensamento flexível e processamento dialético. Em particular, o contextualismo ao longo da vida requer que as pessoas sábias reflitam sobre os con­ textos da vida (como amor, trabalho e ati­vidade lúdica), valores culturais e a passa­gem do tempo, ao analisar problemas e as soluções associadas a eles. O relativismo dos valores e das prioridades da vida co­loca em perspectiva as diferenças de valo­res entre as pessoas e as sociedades. Por fim, a administração da incerteza propor­ciona uma flexibilidade na tomada de de­cisões que é necessária para processar in­formações difíceis e gerar soluções adequa­das. Essas características da sabedoria tam­bém podem ser avaliadas com outras ques­tões (vide Staudinger e Baltes, 1994).

Para determinar a qualidade da sa­bedoria, Baltes desafia as pessoas com per­guntas sobre a solução de problemas da vida real. A seguir, as respostas a esses pro­blemas são transcritas e classificadas se­gundo os cinco critérios de sabedoria. Po­dem-se calcular escores confiáveis de sa­bedoria usando esse método. Especifica­mente, Baltes pede que as pessoas reflitam sobre como orientariam outras que este­jam enfrentando dilemas (chamados de tarefas relacionadas à sabedoria que reque­rem “planejamento da vida” ou “adminis­tração da vida”) ou que realizem uma [199] “revisão da vida”, descrevendo suas respostas a problemas experimentados em suas vi­das. Por exemplo, pede-se que as pessoas considerem o seguinte: “Ao refletir sobre suas vidas, as pessoas às vezes se dão con­ta de que não conquistaram o que um dia planejaram conquistar. O que elas deveriam fazer e considerar?” (Baltes e Staudinger, 2000, p. 126). Uma resposta de “alto nível” (ou seja, sábia) a essa pergunta demonstra o valor que a perspectiva tem para deduzir o sentido da vida:

Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que somente muito poucas pessoas, mui­to provavelmente acríticas, diriam que estão completamente satisfeitas com o que conquistaram... Depende muito do tipo de objetivos que estamos considerando, se são mais do tipo materialista ou mais do tipo idealista. Também depende da idade da pessoa e das circunstâncias de vida nas quais ela está inserida... A seguir, teria iní­cio a análise das possíveis razões pelas quais determinados objetivos não foram atingidos. Muitas vezes, é o caso de que diversos objetivos foram buscados ao mes­mo tempo, sem que se estabelecessem pri­oridades e, portanto, no final, as coisas se perdem... É importante se tornar gra­dualmente realista em relação a objeti­vos. Muitas vezes, é útil falar com outras pessoas a respeito... das condições exter­nas e internas à pessoa, ou, por vezes, é a adequação entre as duas que pode levar a dificuldades na vida (excerto de Staudinger e Leipold, 2003, p. 184).

Tornando-se uma pessoa sábia e sendo sábia

Desenvolvendo sabedoria

Teóricos do desenvolvimento influen­tes, como Piaget (1932), Jung (1953) e Erikson (1959), proporcionaram os tijolos para as construções dos teóricos da sabe­doria do século XX. Como dito anterior­mente, o trabalho de Piaget foi levado além das operações formais, para incluir “operações dialéticas” (Riegel, 1973). O traba­lho de Erikson e Jung deu pistas aos teóri­cos modernos sobre como a solução de con­flitos leva a um maior discernimento e jul­gamento. Nesse sentido, Erikson enfatizou que a sabedoria é obtida se resolvendo cri­ses diárias, especialmente aquelas que en­volvem integridade e desespero. Jung, com seus interesses em questões de origem fa­miliar, propôs que a sabedoria se desenvolve por meio da solução de conflitos psí­quicos relacionados à individuação em re­lação à unidade familiar.

Teóricos como Baltes (1993), Labouvie-Víef (1990) e Sternberg (1998) suge­rem que a sabedoria se baseia no conheci­mento, nas habilidades cognitivas e nas características de personalidade (discuti­das por Piaget, Jung, Erikson e outros) e que requer uma compreensão da cultura e do contexto. Além disso, a sabedoria se de­senvolve lentamente por meio da exposi­ção a modelos de referência. Sternberg propôs que o conhecimento, o estilo judicioso de pensar, a personalidade, a moti­vação e o contexto ambiental precedem a sabedoria, e Baltes e Staudinger (2000) sugerem que a inteligência fluida, a cria­tividade, a abertura à experiência, a intencionalidade psicológica e as experiências gerais na vida se juntam para produzir sa­ bedoria.

A sabedoria cresce à medida que as pessoas aprendem a resolver problemas com flexibilidade, e essa solução de pro­blemas implica reconhecer idéias a partir de lugares e culturas. Por sua vez, ao reco­nhecer que as respostas às perguntas de­pendem tanto de fatores contextuais quan­to do equilíbrio de muitos interesses, as pes­soas se tomam ainda mais flexíveis em seu pensamento. Sobre essas questões, Baltes e Staudinger (2000) também enfatizam a importância de “orientação por parte de mentores ou outras pessoas que aprimo­rem a sabedoria” (p. 127), embora esse tipo de orientação seja direto, às vezes, e indi­reto, outras vezes. De fato, Staudinger [200] e Baltes (1996) concordam com o velho di­tado que diz que “duas cabeças pensam melhor do que uma”, quando se trata de responder com sabedoria aos desafios da vida. Os mesmos pesquisadores também concluíram que as pessoas que discutiram dilemas com entes queridos (e outros) e depois tiveram tempo para refletir demons­traram aumentos em seus desempenhos re­lacionados à sabedoria; além disso, os par­ticipantes mais velhos se beneficiaram mais dessas experiências interativas do que os mais jovens.

Pessoas sábias e suas características

Com o passar dos séculos e em diver­sas culturas, o sábio era considerado o por­tador da sabedoria (Assmann, 1994; Baltes, 1993). Esses sábios misteriosos e raros eram provedores das orientações para a vida, mas, muitas vezes, pouco faziam para ensinar a entender a vida e as habilidades necessárias para a sabedoria. Caracterizações moder­nas da pessoa sábia sugerem que a pessoa comum pode adquirir perícia nas questões da vida. Com relação a esse último ponto, descobriu-se que os psicólogos clínicos têm altos níveis de sabedoria (discutido a seguir; vide Smith, Staudinger e Baltes, 1994; Staudinger, Smith e Baltes, 1992).

Monika Ardelt, pesquisadora que es­tudou o envelhecimento, mediu o que cha­mou de “conhecimento atemporal e uni­versal da sabedoria” (2000, p. 71). Mora­dores da Califórnia foram os participantes de seu estudo longitudinal, o Berkeley Guidance Project. Sua análise das características que facilitaram o desenvolvimento da sabedoria revelou que a infância de uma pessoa não influencia o desenvolvimento da sabedoria, ao passo que a qualidade de seu ambiente social no início da idade adul­ta, sim. Ardelt (1997) também concluiu que as pessoas sábias tinham maior satisfação na vida do que as não-sábias.

Orwoll e Achenbaum (1993) revisa­ram o papel que o gênero cumpre no de­senvolvimento da sabedoria. Ao conside­rar as diferentes formas com que homens e mulheres a adquirem e a expressam, es­ses pesquisadores concluíram que a sabe­doria combina sensibilidades masculinas e femininas tradicionais. Em sua análise, ela também informou que muitas das ações sábias dos homens aconteciam em públi­co, ao passo que as das mulheres tinham lugar em privado. Sobre esse aspecto, Orwoll e Achenbaum escreveram: “Distin­tas experiências e papéis sociais para ho­mens e mulheres estão fadados a afetar as formas com que a sabedoria é expressa” (p. 287). Infelizmente, essa premissa ain­da precisa ser cuidadosamente examinada por meio de estudos empíricos.

Pesquisadores do desenvolvimento também já exploraram se os desempenhos relacionados à sabedoria variam com a ida­de cronológica (Smith e Baltes, 1990; Staudinger, 1999). Ao explorar os desem­penhos de 533 pessoas, Baltes e Staudinger (2000) concluíram que “para a faixa etária de cerca de 25 a 75 anos, o gradiente etário é zero” (p. 128). Portanto, nesses estudos, não há diferenças de idade em níveis de sabedoria. A sabedoria parece declinar, contudo, a partir dos setenta anos. Além disso, pesquisadores que estudam adoles­centes (por exemplo, Pasupathi, Staudinger e Baltes, 1999) informaram que a década entre 15 e 25 anos é um tempo importante para se adquirir sabedoria. Tomadas isola­damente, essas conclusões sugerem que a adolescência e a idade adulta jovem são tempos férteis para o desenvolvimento da sabedoria e, a partir dos setenta anos, há declínio na mesma. É necessário realizar mais pesquisa para explicar o desenvolvi­mento da sabedoria durante os 50 anos que existem entre as idades de 25 e os 75 anos.

O papel da formação profissional tam­bém foi examinado com relação à expres­são de sabedoria (vide Smith et al., 1994; Staudinger et al., 1992). Essa pesquisa re­velou que os psicólogos clínicos tinham níveis mais elevados de desempenho rela­cionado à sabedoria do que as pessoas em [201] outros trabalhos, com nível de instrução e idade equivalentes. Embora a sabedoria apresentada pelos psicólogos seja elevada, ela não se dava em nível de excelência. Com base nesses resultados, os pesquisadores concluíram que a especialização profissio­nal cumpre um papel na manifestação da sabedoria. (É claro, também pode sugerir que as pessoas predispostas para o desen­volvimento da sabedoria optam por deter­minadas profissões; ou seja, os que estão predispostos a ser sábios decidem seguir formação e profissão em psicologia clínica.)

Conhecemos milhares de psicólogos durante nossas carreiras e tivemos o privi­légio de trabalhar com alguns profissionais da psicologia aplicada que poderiam ser considerados mestres da terapia. Em nos­sa estimativa, esses terapeutas são mode­los de sabedoria porque não apenas são prudentes em suas vidas cotidianas, como também conseguem transmitir sabedoria a algumas pessoas que orientam e educam. Uma mestra da terapia que conhecemos por meio de suas obras é a popular autora Dra. Mary Pipher. Recomendamos que você também venha a conhecê-la. A fina capa­cidade da Dra. Pipher de proporcionar pers­pectiva em assuntos complexos foi demons­trada em livros como seu best-seller Reviving Ophelia, lançado em 1995 que lida com as pressões culturais que as adolescentes so­frem nos Estados Unidos. Sua sabedoria como terapeuta foi compartilhada ampla­mente com psicólogos em formação em seu livro de 2003, Letters to a young therapist. Ali, ela conta páginas e páginas sobre o “know how”, um critério básico da sabedo­ria, e estimula os leitores a adotar um “re­torno ao básico” quando ajudarem outras pessoas. Ela destaca a necessidade de contextualizar os problemas dos clientes e recomendar estratégias de tratamento que sejam adequadas à pessoa neste momento de sua vida. Ela também trata da incerteza que faz parte da vida e descreve numero­sas estratégias para administrar, ou melhor, aceitar, essa incerteza. Por meio de seu li­vro Letters (Cartas), que é uma cartilha ex­celente sobre mudança humana, Pipher sugere que os jovens terapeutas pratiquem sabiamente e compartilhem suas habilida­des de ver as coisas em perspectiva com seus clientes.

A medição da sabedoria

Já foram usadas diversas abordagens de medição nos modelos de sabedoria des­critos neste capítulo. Por exemplo, teorias da sabedoria com base no desenvolvimen­to e na personalidade geraram questões para autoavaliação e tarefas de completar sentenças. As formas de sabedoria que en­volvem habilidade na conduta e no senti­do da vida foram tratadas por meio de ta­refas de solução de problemas. Sternberg (1998) propôs que os problemas de sabe­doria requerem que a pessoa resolva con­flitos, e ele está trabalhando no desenvol­vimento de um teste formal e padronizado da sabedoria. Coerente com sua ênfase no pragmatismo, Baltes (Baltes e Smith, 1990; Baltes e Staudinger, 1993) construiu uma série de problemas de vida difíceis, como os seguintes: “Alguém recebe um telefone­ma de um bom amigo, que diz que não pode continuar assim e decidiu cometer sui­cídio. O que se pode ser feito e levado em consideração nessa situação?” (Baltes e Staudinger, 1993, p. 126). Os respondentes são estimulados a “pensar em voz alta” enquanto refletem sobre a solução desse problema. Seus comentários e suas solu­ções para o problema são avaliados por classificadores treinados, com base nos cin­co critérios identificados pelo grupo de Baltes (conhecimento factual e procedural, contextualismo ao longo da vida, relativismo de valores e reconhecimento e admi­nistração da incerteza).

Uma breve medida de autorrelato da sabedoria que inclui questões de tipo Likert foi construída recentemente e validada para ser incluída na Classificação de [202] Qualidades Valores em Ação (Values in Action Classification of Strengths, Peterson e Seligman, 2004). Contudo, os itens não estão ligados de maneira alguma às teorias citadas anteri­ormente, e eles cobrem cinco aspectos da sabedoria: curiosidade, amor por aprender, mente aberta, criatividade e perspectiva. Embora todos os respondentes completem os itens relacionados à sabedoria, apenas as pessoas que a têm como uma de suas cinco principais qualidades (entre 24) re­cebem feedback sobre sua capacidade para um viver sábio.
As medidas de sabedoria citadas an­teriormente não incluem qualquer questão geralmente associada a testes de inteligên­cia ou medidas de criatividade convencio­nais. A exclusão dos marcadores de inteli­gência e criatividade é deliberada, porque o QI e a criatividade não estão necessaria­mente associados à sabedoria. Sendo as­sim, uma pessoa muito inteligente ou mui­to criativa não deve ser automaticamente considerada uma pessoa sábia.

Relações entre sabedoria e inteligência

Embora semelhantes (Sternberg, 1985), as teorias implícitas da sabedoria e da inteligência podem ser diferenciadas por seus papéis na vida cotidiana. A inteligên­cia proporciona o conhecimento básico para realizar tarefas necessárias para sus­tentar a vida do dia-a-dia, para a própria pessoa e para outras, ao passo que a sabe­doria diz respeito a know-how, julgamento e flexibilidade para resolver importantes problemas na vida, com vistas ao bem co­mum (Clayton, 1982; Sternberg, 1985). Clayton (1982) observou que a inteligência cristalizada é condicionada pelo tempo (o conhecimento adquirido hoje pode estar obsoleto em 20 anos) e a sabedoria é atemporal (o conhecimento que dura em
termos de utilidade no decorrer de déca­das, e mesmo séculos). Da mesma forma, Sternberg (1985) caracterizou a sabedoria, mais do que a inteligência, como algo que envolve a astúcia interpessoal (ouvir e lidar com muitas pessoas diferentes) e habilida­des de administração da vida cotidiana. [203]

Psicologia - Psicologia positiva
8/19/2020 4:54:01 PM | Por Shane J. Lopez
Fazendo o melhor de nossas experiências emocionais

Em alguns momentos, no decorrer do sé­culo XX, a pesquisa e a prática da psicolo­gia macularam a reputação das emoções. Na pior das hipóteses, os profissionais da ajuda e o público em geral caracterizavam as emoções como perniciosas para nossa vida ou prejudiciais para a tomada racio­nal de decisões. Na melhor, as emoções foram retratadas como reflexos da satisfa­ção na vida ou como sinais de atitudes específicas que precisavam ser tomadas no dia a dia. A pesquisa popularizada no sé­culo XXI (e examinada no Capítulo 7 e nes­te) demonstra que as emoções positivas e as negativas podem determinar o quanto somos adaptativos em nossa vida cotidia­na (vide o Capítulo 7 para a definição de emoção de Nussbaum [2001]). O propósi­to deste capítulo é lhe apresentar a forma como as pessoas fazem o melhor de suas experiências emocionais - ou seja, como elas geralmente lidam com as emoções po­sitivas e negativas de uma maneira que leve a um resultado positivo, discutindo a teo­ria e a pesquisa associadas com o enfren­tamento voltado às emoções, à inteligên­cia emocional, à seletividade socioemo­cional e à narração emocional de histórias. Discutimos de que forma nos beneficiamos com a mobilização de nossas emoções, co­mo podemos aprender a processar e usar de forma competente o material carrega­do de emoções e como selecionar de forma mais eficiente o conteúdo emocional bom e ruim da vida, à medida que avançamos na idade. Por fim, descrevemos como o ato de compartilhar histórias de perturbação emocional nos ajuda a superar o estresse traumático e o sofrimento.

Enfrentamento voltado às emoções: descobrindo o potencial adaptativo da aproximação emocional

O poder das emoções é descrito tra­dicionalmente, em termos negativos, como “a fera interior” (Averill, 1990). Emoções intensas eram consideradas disfuncionais e opostas à racionalidade. A pesquisa no século XX muitas vezes sustentou essa vi­são das experiências emocionais ao vinculá-las a resultados mal-adaptativos na vida. Entretanto, quando Annette Stanton, psicó­loga positiva da Universidade da Califórnia, [143] em Los Angeles, exa­minou o potencial adaptativo do enfrentamento voltado às emoções (isto é, regular as emoções que cercam um even­to estressante), con­cluiu que havia um problema na forma como as emoções eram definidas e medidas em parte das pesquisas. De fato, era visível que havia uma grande disparidade nos itens usa­dos para medir o fenômeno do enfrentamento voltado às emoções, e isso levou a associações pouco claras entre o que era cha­mado de “enfrentamento voltado às emo­ções” e o ajuste psicológico. Ou seja, Stanton, Danoff-Burg, Cameron e Ellis (1994) concluíram que as escalas que ava­liavam o enfrentamento voltado às emo­ções continham itens nos quais o respondente tinha que censurar a si mesmo ou admitir ter desconforto ou psicopatologia sempre que reconhecesse vivenciar uma emoção intensa. As respostas a itens como “Eu me culpo por me tornar emotivo de­mais” (Scheier, Weintraub e Carver, 1986) e “Eu me incomodo e libero minhas emo­ções” (Carver, Scheier e Weintraub, 1989) tinham mais probabilidades de apresentar correlação positiva com respostas a itens sobre uma visão negativa de si próprio ou a desconforto geral. Quando se retiraram as perguntas que situavam a regulação emocional dessa maneira confusa dos pro­tocolos de pesquisa, a relação muito cita­da entre maior enfrentamento voltado às emoções e resultados inferiores na vida foi considerada inválida.
Stanton e colaboradores passaram a última década trabalhando para esclarecer o que significa “enfrentamento voltado às emoções”.

Especificamente, Stanton, Parsa e Austenfeld (2002, p. 150) declararam que “se pode dizer que o enfrentamento por meio da aproximação emocional tem po­tencial adaptativo, cuja realização pode depender... do contexto situacional, do meio interpessoal e de atributos do indiví­duo”. O que eles chamam de aproxima­ção emocional está relacionado a movi­mento ativo em direção a um evento estressante, em lugar de para longe dele. Essa distinção entre aproximação emocio­nal e evitação emocional é sustentada pela existência de dois sistemas neurobiológicos que comandam os comportamentos de aproximação (ou seja, apetente) e evitação. O sistema de ativação comportamental re­gula nossa motivação para a aproximação, que nos ajuda a concretizar recompensas emocionais ou comportamentais, ao passo que o sistema de inibição comportamental funciona para nos ajudar a evitar eventos negativos e punição (Depue, 1996).

Stanton, Kirk, Cameron e Danoff-Burg (2000) identificaram dois processos rela­cionados, mas distintos, no enfrentamento voltado às emoções com base na aproxima­ção. Um deles envolve o processamento emocional, ou as tentativas de entender as emoções, e um segundo reflete a expressão emocional ou demonstrações de sen­timento livres e intencionais. Os pesquisa­dores, então, criaram escalas para dar conta desses dois enfoques do processamento emocional e da expressão emocional (vide o Quadro 8.1 para uma lista de componen­tes dos dois processos).
Com o enfrentamento voltado às emo­ções definido e medido de forma mais clara e objetiva, Stanton e colaboradores (Stanton et al., 2000; Stanton, Danoff-Burg e Huggins, 2002) conseguiram elucidar as funções da aproximação emocional. Usan­do suas medidas revisadas, Stanton e cola­boradores (2000) estudaram o impacto do enfrentamento voltado às emoções sobre a adaptação de mulheres ao câncer de mama. Durante um período de três meses, mulheres que usavam enfrentamento voltado às emo­ções perceberam sua situação de saúde co­mo melhor, tiveram desconforto psicológico menor e menos consultas médicas em [144] funcão de dores e indisposições relacionadas ao câncer, comparadas às que não usavam. Trabalhando com uma população de estudantes de graduação, Stanton, Kirk, Cameron e Danoff-Burg (2000) concluíram que os que estavam lidando com a doença psicológica ou física de um dos pais enfren­tavam melhor seus fatores de estresse se estivessem designados a sessões adequa­das às suas tendências de aproximação emocional. Ou seja, as pessoas que anteriormente haviam informado uma prefe­rência por expressar emoções sob pressão se saíram melhor quando participavam de sessões que lhes permitiam liberar as emo­ções em vez de, simplesmente, receber fa­tos. Por outro lado, os participantes que não informaram uma preferência por ex­pressar emoções quando estavam lidando com estresse se saíam melhor quando co­locados na condição de informação do que na condição de enfreníamento voltado às emoções. Essas conclusões sugerem que as preferências emocionais relacionadas ao enfrentamento podem interagir com as contingências ambientais para determinar os resultados psicológicos.

Trabalhos recentes sobre enfrentamen­to voltado às emoções, resumidos em uma revisão de Austenfeld e Stanton (2004), destacam o potencial adaptativo da expres­são e do processamento emocional ao en­frentar a infertilidade, o câncer e a dor crô­nica. Evidências de casos coletadas dos re­latos de nossos clientes e amigos sugerem que o potencial adaptativo da aproximação emocional também se concretiza em cir­cunstâncias de vida normais. Por exemplo, todos os dias, somos desafiados por estresses menores (spans em sua caixa de e-mail, gen­te ruim, tráfego) e por problemas reais (fal­ta de dinheiro, pequenas doenças, precon­ceitos sutis) que ativam emoções das quais podemos nos aproximar ou evitar. A maio­ria das pessoas parece se beneficiar, pelo menos no curto prazo, ao expressar suas emoções de forma significativa. Mais do que isso, o processamento emocional parece se tornar mais adaptativo à medida que as pes­soas aprendem mais sobre como se sentem e porque se sentem assim.

Dadas as consistentes conclusões re­lacionando o enfrentamento voltado às emoções e os resultados adaptativos sob determinadas circunstâncias, é importante entender de que forma a aproximação emo­cional nos beneficia. Evidentemente, se afastássemos nossas atenções dos [145] sentimentos desagradáveis cada vez que os sen­tíssemos, muito pouco aprenderíamos so­bre como esses sentimentos influenciam a nós e a nossos amigos (Salovey, Mayer e Caruso, 2002). Essa abordagem de enfrentamento pode ajudar a entender melhor nossas experiências e direcionar nossa aten­ção para resultados centrais (Frijda, 1994). Além disso, com o passar do tempo, pode­mos desenvolver a tendência a enfrentar nosso fatores de estresse direta e repetida­mente (em lugar de evitá-los em determi­nadas ocasiões) e assim nos habituar a cer­tas experiências negativas previsíveis. Aprendemos que o sofrimento emocional acaba por ceder e que o tempo cura as fe­ridas emocionais e físicas. Como se discute posteriormente neste capítulo, entender a experiência emocional pode ajudar a pes­soa a escolher relações e ambientes ideais (Carstensen, 1998). Em âmbito neuroló­gico, Depue (1996) aponta o envolvimento do sistema de ativação comportamental e LeDoux (1996) revela que uma determi­nada estrutura cerebral, a amígdala, cum­pre um papel de destaque no proces­samento de questões de importância emo­cional. Especificamente, LeDoux sugere que, em circunstâncias livres de estresse, nosso pensar é comandado pelo hipo­campo, mas, durante tempos mais estressantes, nossos processos de pensamento - e, portanto, aspectos de nosso enfrentamento - são comandados pela amígdala. Futuros exames da neurobiologia do enfrentamento focado nas emoções podem desmistificar ainda mais os benefícios de se aproximar das emoções e os funciona­mentos de estruturas cerebrais como amíg­dala relacionados a isso.

O caso de um sobrevivente de furacão

Enquanto esperava na fila para assis­tência, junto com dúzias de sobreviventes, testemunhei (S.J.L.) pessoas que estavam evitando todas as emoções, e algumas que estavam visivelmente dominadas pelo que estavam vivenciando. Meu palpite é que as que estavam enfrentando suas emoções estão se saindo melhor hoje em dia do que as que não estavam. Eu era um visitante na área do desastre, a casa de minha mãe" foi atingida, mas ela estava sã e salva. Ela e eu conversamos com muitos de nossos vizinhos que haviam perdido suas casas e estavam tentando retomar suas vidas.

Comecei uma conversa com um homem da minha idade. Achei que o reconhecera da escola de ensino médio e acabei sabendo que Ted era da região de Nova Orleans, a cerca de 250 quilômetros de distância. Ele e sua mulher haviam sobrevivido ao furacão Katrina, mas sua casa estava inabitável. Ele se mudou para New Iberia para encontrar uma casa para sua família e então o furacão Rita atingiu aquela cidade. Ted me contou a história toda. Ele ou­viu dizer que o Katrina havia posto mais de 1,5 metro de água dentro de sua casa em Nova Orleans, mas ele não tinha permissão para voltar e ver, em função da fal­ta de segurança. Ele acabou indo para Nova Iberia e alugou um apartamento para sua mulher e seus dois filhos. Depois, disse Ted “O Rita chegou e assustou muito a minha família”. Ele me contou que estava assustado porque talvez nunca mais conseguisse manter sua mulher e seus filhos segu­ros. Ted expressou suas emoções em lingua­gem simples, que transmitia a profundida­de de seu medo e de sua tristeza.

Ted e eu conversamos um pouco mais e ficou claro que ele havia passado muito tempo com sua mulher, processando suas emoções. Perguntei sobre como seus meni­nos estavam enfrentando a situação. Ele riu: "As crianças são impressionantes!”. Ele disse que eles não entendiam a necessida­de de todas as mudanças em suas vidas, mas haviam enfrentado bem os altos e bai­xos. Na época, ele me disse: “Ontem, com­pramos beliches para os meninos e os mon­tamos na noite passada. Coloquei meu fi­lho na cama de cima e, bom..., sabe o que ele disse? "Pai, está começando a parecer que a gente tem casa de novo’”. Ted [146] mudou de assunto e disse: “Espero que essa fila comece a andar”.

Inteligência emocional: aprendendo as habilidades que fazem a diferença

Daniel Goleman, autor de artigos científicos em inúmeros periódicos e jor­nais, popularizou o conceito de inteligên­cia emocional na década de 1990. Seu li­vro de 1995, Inteligência emocional: por que ela pode ser mais importante do que o QI, apresentou ao público em geral os con­ceitos emocionais que vinham sendo dis­cutidos por psicólogos e leigos durante dé­cadas. Profissionais de todos os tipos se basearam nesse importante tema do mo­mento e divulgaram suas visões acerca da inteligência emocional na imprensa popu­lar, ou no que se chamou de “indústria do desenvolvimento organizacional” (que se trata, basicamente, de programas de for­mação voltados a ajudar empregados a atingir seu potencial profissional atingin­do seu potencial pessoal). Até o momen­to, inúmeros amálgamas de constructos psicológicos foram conceituados como reflexos da inteligência emocional (vide Bar-On, 1997; Schutte et al., 1998). Por exem­plo, Bar-On (1997, 2000) define inteligên­cia emocional como um conjunto de ca­pacidades, competências e habilidades não-cognitivas que nos ajudam a lidar com as demandas do ambiente, mas o inven­tário relacionado, o EQ-1 (Bar-On, 1997), mede basicamente variáveis de persona­lidade e humor, como autorrespeito, empatia, tolerância e felicidade. Essa ver­são ateórica da inteligência emocional pode ser distinta de outras formas de in­teligência, mas, ainda assim, parece coin­cidir com operacionalizações existentes de variáveis psicológicas significativas. Portanto, medir esse tipo de inteligência emo­cional pode não proporcionar novas in­formações que possam ajudar um pesqui­sador ou profissional a predizer resulta­dos positivos na vida.

Acreditamos que a proliferação de modelos de inteligência emocional, junto com o apelo geral e a popularidade desse constructo positivo, levou a uma turvação das águas. Como resultado disso, talvez a inteligência emocional seja atualmente um dos constructos mais mal entendidos e mal representados da psicologia. Por isso, vol­tamos às raízes da pesquisa em inteligên­cia emocional e demonstramos como aprendemos a administrar material carre­gado de emoções em nosso benefício e de outros.

Em 1960, Mowrer respondeu ao pen­samento dominante de que as emoções minavam a inteligência, sugerindo que a emoção era, na verdade, “uma inteligên­cia de ordem superior” (p. 308). Peter Salovey, da Universidade de Yale, e John Mayer, da Universidade de New Hampshire (Mayer, DiPaolo e Salovey, 1990; Salovey e Mayer, 1990) compartilhavam o senti­mento de Mowrer e teorizaram que, para se adaptar às circunstâncias da vida, eram necessárias capacidades cognitivas e habili­dades emocionais que conduzissem nosso comportamento. Em seus artigos originais de 1990, Salovey e Mayer construíram uma estrutura teórica para a inteligência emo­cional. Ela continha três componentes centrais: avaliação e expressão, regula­ção e utilização. Es­sas idéias incipientes sobre um conjunto de capacidades emocio­nais que poderiam dar às pessoas um estoque de recursos in­telectuais foram bem recebidas pelo pú­blico em geral e pe­los estudiosos da psi­cologia.

O modelo de inteligência [147] emocional de Salovey e Mayer, baseado em ca­pacidades e com quatro ramos (vide o Qua­dro 8.2; Mayer, DiPaolo e Salovey, 1990; Mayer e Salovey, 1997; Salovey e Mayer, 1990; Salovey et al., 2002), fundamentava-se na visão de que as habilidades necessárias para raciocinar sobre as emoções e usar o material emocional podem ser aprendidas. O ramo 1 do modelo envolve as habilidades necessárias para perceber e expressar sentimentos. Mais especifica­mente, a percepção das emoções requer a identificação de sinais emocionais sutis que podem ser expressos na voz ou no rosto de uma pessoa. Por exemplo, ao conversar com um amigo sobre um tópico político carregado emocionalmente, uma pessoa habilidosa na percepção das emoções sabe determinar quais aspectos da discussão são território seguro ou inseguro com base no comportamento não-verbal do amigo. Es­sas habilidades de percepção podem ser consideradas como uma competência básica que deve ser adquirida para que as outras três competências da inteligência emocional possam ser desenvolvidas.

O ramo 2 desse modelo de capacida­des diz respeito a usar as emoções e o en­tendimento emocional para facilitar o pen­samento. Dito de forma simples, as pesso­as emocionalmente inteligentes aproveitam as emoções e trabalham com elas para melhorar a solução de problemas e aumentar a criatividade.

O feedback fisiológico da experiência emocional é usado para priorizar as deman­das sobre nossos sistemas cognitivos e direcionar a atenção ao que for mais [148] importante (Easterbrook, 1959; Mandler, 1975). Nesse aspecto, imagine que uma pessoa tenha que tomar uma decisão importante sobre um relacionamento. Ela deveria investir mais tempo em uma ami­zade que tem estado meio congelada ou assimilar as perdas e terminar a amizade de maneira civilizada? A forma como ela se sente física e emocionalmente quando pensa em continuar ou terminar a amiza­de pode dar algumas pistas sobre como proceder. Sendo assim, essa informação emocional direciona a atenção a diferen­tes possibilidades para lidar com a amiza­de. Além disso, quanto mais as emoções forem usadas em esforços para tomar boas decisões, maior será o aumento na inteli­gência emocional.

O ramo 3 de inteligência emocional destaca as habilidades necessárias para de­ senvolver uma compreensão das emoções complexas, das relações entre as emoções e das relações entre emoções e conseqüên­cias comportamentais. Alguém que apre­sente um elevado nível de compreensão emocional saberia que a esperança é um antídoto ao medo (vide o Capítulo 9) e que a tristeza ou a apatia são respostas mais apropriadas à perda de um amor do que o ódio. As pessoas com essas habilidades entendem que emoções como ciúme e in­veja são destrutivas por si sós (devido a suas repercussões fisiológicas e psicológi­cas) e que elas estimulam um comporta­mento interpessoal mal-adaptativo, que provavelmente resultará em uma prolife­ração de emoções negativas. A apreciação das relações dinâmicas entre emoções e comportamentos dá a uma pessoa emo­cionalmente inteligente uma sensação de que sabe “ler” melhor uma pessoa ou uma situação, e agir adequadamente, dadas as demandas do ambiente. Por exemplo, ima­gine o esforço emocional de uma pessoa a quem um amigo íntimo pede que traia a confiança de um colega de aula ou de trabalho. Essa pessoa pode se sentir decep­cionada ou chateada pelo fato de que o amigo lhe pediu que se comportasse de ma­neira inadequada. Caso se sinta tentada a romper a confiança, ela pode sentir uma onda de vergonha. Então, entender essas emoções complexas pode ajudá-la a defi­nir a atitude correta naquele momento.

Quanto mais praticarmos habilidades que estejam associadas aos ramos 1 a 3, mais conteúdo emocional haverá para ad­ministrar. A administração das emoções, o ramo 4, envolve diversas habilidades de regulação de humores, as quais são de di­fícil domínio, dado que a regulação é um ato de equilíbrio. Com excesso de regula­ção, uma pessoa pode se tornar emocio­nalmente reprimida; com muito pouca, sua vida emocional se torna avassaladora. As pessoas que ficam muito hábeis na regu­lação de seus humores também são capa­zes de compartilhar essas habilidades com outras. É comum que os melhores pais, professores, técnicos esportivos, líderes, chefes e modelos de comportamento sai­bam administrar suas emoções e que, ao mesmo tempo, instilem confiança nos ou­tros para que estejam abertos a sentimen­tos e os administrem adequadamente.

Cada uma das quatro dimensões do modelo de capacidades é avaliada com dois conjuntos de tarefas em uma medida cha­mada de Teste de Inteligência Emocional de Mayer-Salovey-Caruso (Emotional Intelligence Test, MSCEIT; Mayer, Salovey e Caruso, 2001). As tarefas relacionadas à percepção das emoções pedem que os respondentes identifiquem as emoções ex­pressas em fotografias de rostos, bem como os sentimentos sugeridos por desenhos ar­tísticos e paisagens. Para usar as emoções com vistas a facilitar o pensamento, devem descrever os sentimentos usando palavras não-relacionadas a sentimentos e indicar os sentimentos que possam facilitar ou in­terferir no desempenho bem-sucedido em várias tarefas. A dimensão relacionada a entender as emoções é avaliada com per­guntas sobre a maneira com que as emo­ções evoluem e como alguns sentimentos são gerados por misturas de emoções. Para cobrir a capacidade de administrar as [149] emoções, o MSCEIT apresenta uma série de ce­nários que evocam as formas mais adaptativas de regular os próprios sentimentos, bem como sentimentos que surjam em si­tuações sociais e em outras pessoas.

A prática de algumas das 16 habili­dades associadas aos quatro ramos da in­teligência emocional está fortemente asso­ciada ao funcionamento interpessoal posi­tivo. Por exemplo, Lopes, Brackett, Nezlek, Schütz, Sellin e Salovey (2004) examina­ram a relação entre a inteligência segundo a autoavaliação (usando MSCEIT; Mayer et al., 2001) e o comportamento social. Esses pesquisadores concluíram que as ca­pacidades daqueles estudantes universitá­rios (n = 118) de administrar emoções estavam positivamente correlacionadas com a qualidade das interações sociais. Outro trabalho com um grupo pequeno (n = 76) de universitários (Lopes, Salovey, Cote, Beers e Petty, 2005) revelou que as quali­dades relacionadas à regulação emocional estavam positivamente associadas à sensi­bilidade interpessoal (autoavaliações e in­dicações de colegas), com tendências pró-sociais e com as proporções entre indica­ções de colegas positivas e negativas. Es­sas relações permaneceram significativas após a realização de controle para os Cin­co Grandes traços de personalidade, bem como para inteligência verbal e fluida. Da mesma forma, em uma amostra de 103 estudantes universitários, Lopes, Salovey e Straus (2004) concluíram que indivíduos com habilidades de alto nível na administração de emoções tinham mais probabili­dades de informar relacionamentos positi­vos com outras pessoas, bem como apoio parental percebido, e menos probabilida­des de informar interações negativas com amigos íntimos. Essas associações se man­tiveram estatisticamente significativas mes­mo quando se realizou controle para os Cinco Grandes traços de personalidade e para inteligência verbal. Conclusões des­ses últimos estudos (Lopes, Salovey, Cote, Beers e Petty; Lopes, Salovey e Straus) des­tacam o valor agregado da inteligência emocional para entender a natureza das interações pessoa-a-pessoa, ou seja, a in­teligência emocional nos diz alguma coisa sobre o funcionamento social que os tra­ços de personalidade e a inteligência ana­ lítica não explicam.

Como revelado na revisão da seção anterior, acerca de pesquisas sobre enfrentamento voltado às emoções, envolver-se mais profundamente em suas experiências emocionais (ou perceber, usar, entender e administrar as emoções, para usar o jar­gão dos pesquisadores da inteligência emocional) tem seus benefícios. Mais do que isso, para pessoas que demonstram inteli­gência emocional, o funcionamento emo­cional positivo pode se concretizar. Como essas duas linhas de pesquisa (o trabalho de Stanton sobre a aproximação emocio­nal e o exame de Salovey e Mayer da inte­ligência emocional) estabelecem o poten­cial para trabalhar com suas emoções, nos­sa atenção se volta agora para o debate sobre a possibilidade de serem aprendidas habilidades emocionais. Mais de 300 pes­soas que trabalham no desenvolvimento de programas (Salovey et al., 2002) têm se intrigado com a possibilidade de ensinar a inteligência emocional. Sobre essa questão, as evidências de casos sugerem que as crianças, os jovens e os adultos podem ser ensinados a usar as experiências emocio­nais para enriquecer suas vidas cotidianas e podem ser capacitados para lidar com os eventos bons e ruins com que se deparam. O tempo e uma análise mais empírica, con­tudo, dirão se o desenvolvimento intencio­nal de habilidades realmente produz ga­nhos em inteligência emocional.

Também são necessárias mais pesqui­sas para determinar os substratos neuroló­gicos da inteligência emocional. Há algu­mas evidências de que a operação eficien­te da amígdala e do córtex pré-frontal ventromedial pode estar envolvida com a inteligência emocional (vide Damasio. 1994), mas a interação entre estruturas ce­rebrais nas pessoas com inteligência emocional elevada ainda não foi aprofundada. [150]

O caso de Maria

Maria é uma talentosa professora de ensino fundamental que adora seu traba­lho. Há alguns anos, eu (S.J.L.) tive o pri­vilégio de assistir à sua aula enquanto tra­balhava com um projeto de psicologia po­sitiva em sua escola. No primeiro dia em que a vi trabalhar com seus alunos, desen­volvi uma hipótese sobre o ensino eficaz, que ainda sustento: os bons educadores (em todos os níveis) ensinam conhecimen­tos e habilidades e são emocionalmente in­teligentes. Ou seja, acredito que, indepen­dentemente do foco da disciplina (por exemplo, matemática, química, espanhol, literatura, psicologia), os bons professores entendem o conteúdo emocional na sala e fazem pequenos ajustes em suas posturas de ensino para conseguir compartilhar efe­tivamente seu conhecimento com o grupo.

Na minha primeira visita à sala de aula de Maria, fiquei impressionado com a forma como ela conseguia “ler” uma [152] turma. Ela parecia saber o que cada aluno pre­cisava em qualquer momento dado, e pare­cia ter uma sensação do teor emocional ge­ral da sala. Por exemplo, antes do “daily check-in” (o nome que ela dava para uma verificação), Maria respondia à ansiedade da sala com comentários calmantes e um exercício de relaxamento rápido. Sua capa­cidade de perceber as emoções de seus alu­nos e responder a eles de maneira estraté­gica foi demonstrada repetidas vezes duran­te minhas cinco horas de observação.

Com base em minhas interações com Maria, parecia que ela também tinha um sentido aguçado de sua própria experiên­cia emocional. Ela se descrevia como in­tuitiva, e como alguém que parecia se ade­quar..., mas havia mais. Embora parecesse saber instintivamente o que ela e seus alu­nos estavam sentindo, também tinha habi­lidade de usar as emoções para despertar sua própria criatividade na sala de aula. Ela conseguia descartar a aula que havia pre­parado e criar uma atividade envolvente na hora, se os alunos estivessem ficando entediados ou inquietos. E tinha uma gran­de sensação do momento quando realiza­va essas mudanças importantes no plane­jamento, de forma que os estudantes nem se davam conta de que ela saiu do roteiro para chamar mais atenção.

É possível que minha visão sobre a elevada inteligência emocional de Maria tenha sido consolidada no dia em que a vi resolver uma disputa entre cinco alunos no pátio. As crianças estavam frustradas e cho­rosas, e Maria parecia entender as emoções delas e sua rápida troca de acusações e ex­plicações. Aos poucos, ela acalmou a situa­ção e ajudou cada aluno a sair bem do pro­blema... Então, de repente, um dos alunos gritou: “Você não está sendo justa, eu odeio você!”. Nesse momento, ela estimulou as outras crianças a voltar à brincadeira e se ajoelhou para falar com o que estava furi­oso, olho no olho. Com o tempo, sua pos­tura e sua careta pareceram se suavizar, e ele concordou com a cabeça e voltou a seus amigos. Ficou claro que a capacidade dela de administrar suas próprias emoções aju­dou esse menino a administrar as dele.

Maria compartilhou sua inteligência emocional com seus alunos todos os dias, dando exemplos de comportamento adaptativo. Minha opinião é que alguns de seus alunos aprenderam como obter o melhor de suas emoções assistindo-a.

Seletividade socioemocional: concentrando-se em etapas posteriores da vida, em emoções positivas e objetivos relacionados a emoções

Nossa capaci­dade de fazer o me­lhor de nossas ex­periências emocio­nais é determinada, em parte, por de­mandas pessoais e do ambiente, como nossa situação de saúde, nosso entor­no social e as normas culturais. Está fican­do claro, atualmente, que a capacidade sin­gular dos seres humanos de acompanhar o tempo durante toda sua vida também pode determinar quanta energia se dedica a objetivos emocionais. (Vide o Capítulo 9 para uma discussão relacionada à influência da perspectiva do tempo.) De fato, a teoria da seletividade socioemocional da psicóloga da Universidade de Stanford Laura Carstensen (1998; Carstensen e Charles, 1998) postula que a juventude pode ser subvalorizada e que os anos pos­teriores (os “anos dourados”) podem ser valiosos porque nos concentramos menos nas emoções negativas, nos envolvemos menos profundamente com o conteúdo emocional de nossos dias e desfrutamos das “coisas boas” da vida (por exemplo, esta­belecendo e aprimorando [153] relacionamentos). Carstensen argumenta que somos ca­pazes de apreciar esses benefícios em nos­sa idade avançada porque nos damos con­ta de que nos resta pouco tempo.

Em seu laboratório, Carstensen de­monstrou que os jovens e os mais velhos tratam materiais carregados de emoções de forma muito diferente. Em testes de aten­ção a estímulos novos, por exemplo, os participantes mais jovens prestaram aten­ção mais rapidamente a imagens negati­vas, ao passo que os mais velhos se volta­ram com mais rapidez a imagens carrega­das de emoções positivas (rosto sorrindo, bebê feliz, cachorrinho) (Charles, Mather e Carstensen, 2003). Com relação à lem­brança de eventos emocionais, Charles e colaboradores concluíram que os jovens (em idade universitária e um pouco mais velhos) lembraram-se de material positivo e negativo no mesmo nível, mas as pesso­as mais velhas tiveram um viés positivo no qual se lembravam do material positivo mais rapidamente do que do negativo. Es­ses estudos sugerem que o processo de interação com as emoções é diferente em adultos jovens e adultos mais velhos.

Independentemente de nossas ten­dências a prestar atenção e nos lembrar­mos de certos tipos de eventos, a vida dá a todos nós bênçãos e problemas. Nesse as­pecto, Carstensen e colaboradores concluí­ram que há efeitos relacionados à coorte etária para a forma como lidamos com ex­periências cotidianas positivas e negativas. Depois de monitorar os estados de humor de 184 pessoas (de 18 anos para cima) por uma semana, Carstensen, Pasupathi, Mayr e Nesselroade (2000) descobriram que seus participantes de pesquisa mais velhos não apenas não se incomodavam com coisas sem importância (que é como viam os even­tos negativos), como também desfrutavam dos eventos positivos (vivenciavam os re­síduos bons dos eventos positivos por pe­ríodos mais longos do que os mais jovens). Dadas essas conclusões, parece que as ex­periências e as emoções positivas passam a ser nossa prioridade à medida que enve­lhecemos e começamos a levar em consi­deração nossa mortalidade.

Por fim, ao contrário da fascinação dos jovens com objetivos orientados ao fu­turo com relação à aquisição de informa­ção e à ampliação de horizontes, as pes­soas mais velhas parecem se orientar a objetivos “aqui-e-agora”, que estimulam o sentido emocional (Kennedy, Fung e Carstensen, 2001). Lembrar-se de experi­ências positivas, desfrutar de momentos bons e estabelecer e investir em objetivos voltados às emoções influenciam sistema­ticamente as preferências sociais, a regu­lação emocional e o processamento cogni­tivo. Em termos gerais, contudo, o processo de envelhecimento parece estar ligado ao esforço por uma vida emocional mais profunda.

Narração emocional de histórias: o paradigma de pennebaker como foma de processar emoções negativas intensas

De vez em quando, vivenciamos even­tos que nos abalam muito. Eventos trau­máticos que causam agitação podem dre­nar igualmente os recursos de pessoas com um bom enfrentamento emocional, das emocionalmente inteligentes e dos jovens e dos velhos. É muito provável (com uma probabilidade de 95%) que, quando viven­ciamos um evento emocional avassalador, compartilhemos essa experiência com um amigo ou parente, no mesmo dia de sua ocorrência, geralmente nas horas seguin­tes (Rime, 1995). É quase como se fôsse­mos estimulados a contar a história de nos­so sofrimento emocional. É possível que tenhamos aprendido que não falar sobre nossas emoções intensas tem conseqüên­cias terríveis? Essa pergunta e muitas hipó­teses de pesquisa relacionadas a ela têm servido como motivação para o trabalho do psicólogo da Universidade do Texas [154] Jamie Pennebaker. Em 1989, o Dr. Pennebaker fez trabalhos revolucionários nessa área de pesquisa ao fazer a seguinte solici­tação para participantes de pesquisa que eram estudantes de graduação, em um gru­po experimental de um estudo:

Durante os próximos quatro dias, gosta­ria... que vocês escrevessem sobre seus mais profundos pensamentos e sentimen­tos com relação à sua experiência de vida mais traumática. Ao escrever, eu gostaria que vocês realmente se soltassem e ex­plorassem suas emoções e seus pensamentos mais profundos. Podem relacionar seu tópico a seus relacionamentos, incluindo os pais, parceiros amorosos, amigos e pa­rentes. Também podem relacionar a ex­periência a seu passado, seu presente ou seu futuro, ou a quem foram, a quem gos­tariam de ser ou a quem são agora. Po­dem escrever sobre as mesmas questões gerais ou experiências em todos os dias de redação, ou sobre traumas diferentes a cada dia. Tudo o que escreverem será completamente confidencial (p. 215).

Solicitou-se aos participantes do gru­po de controle que escrevessem durante 15 minutos por dia, ao longo de quatro dias, mas sobre um tópico não-emocional (como a descrição da sala em que estivessem sen­tados). Todos os participantes deveriam escrever de forma contínua, sem se preocu­par com ortografia, gramática e estrutura de sentenças. Os efeitos imediatos das duas intervenções foram tais que o grupo experi­mental ficou mais desconfortável. A seguir, com o passar do tempo (depois de duas semanas após o estudo), os membros do grupo de narração emocional de histórias vivenciaram diversos benefícios à saúde, incluindo menos consultas médicas no ano seguinte, do que os do grupo de controle.

Esse procedimento de pesquisa, en­volvendo o simples ato de abrir a própria perturbação emocional por escrito, que chamamos em geral de narração emocio­nal de histórias, é chamado agora de paradigma de Pennebaker (abrir-se por escrito, sistematicamente, em sessões bre­ves) . Essa técnica tem sido usada para abor­dar as emoções associadas a perda de em­prego (discutidas no Capítulo 17), diagnós­tico de doenças e rompimento de relacio­namentos (analisado em Pennebaker, 1997). Os efeitos positivos de longo prazo da narração emocional de histórias são muito consistentes, mas parece que as pes­soas com hostilidade (o que geralmente sugere dificuldade pessoal de administrar as emoções) têm uma resposta imune po­sitiva maior do que as pessoas com baixa hostilidade (Christensen e Smith, 1998), e os participantes que têm elevado traço de alexitimia (dificuldade de identificar e en­tender as emoções) vivenciaram efeitos mais saudáveis do que os que têm esse tra­ço baixo (Paez, Velasco e Gonzales, 1999). Citamos essas conclusões, especificamen­te, porque elas podem sugerir que as pes­soas que geralmente não têm a tendência (ou a habilidade) de trabalhar com o con­teúdo de vida emocionalmente carregado podem ter mais benefícios com esse meio de processamento de emoções negativas intensas.

As explicações teóricas para os benefí­cios da narração emocional de histórias em resposta a eventos traumáticos continuam a ser refinadas. Parece que a desinibição (abrir mão de estresse relacionado a emo­ções), o processamento emocional e as di­nâmicas sociais (quando o ato de se abrir ocorre fora do laboratório) estão em fun­cionamento (Niederhoffer e Pennebaker, 2002) quando alguém que esteja experi­mentando agitação emocional conta sua história. Dito de forma clara, “expressar experiências desconfortáveis em palavras permite que as pessoas parem de inibir seus pensamentos e sentimentos, comecem a organizar os pensamentos e, talvez, encon­trem sentido em seus traumas e reintegrem suas redes sociais” (Niederhoffer e Penne­ baker, p. 581). Acreditamos que essas ex­plicações para a potência da narração emo­cional de histórias podem ser resumidas como sendo o trabalhar estrategicamente com as emoções dentro de um contexto social. [155]

Trabalhando com as emoções para gerar mudança positiva

Psicólogos clínicos há muito discutem o papel das emoções no processo de mu­dança psicológica. Durante nossa forma­ção como psicólogos, somos aconselhados a identificar as emoções dos clientes e a refletir o conteúdo emocional de suas his­tórias por meio de declarações empáticas que fazemos em voz alta. As emoções eram consideradas os indicadores da qualidade do funcionamento, pois nos ajudavam a acompanhar como o cliente estava se sain­do. Agora, em função das pesquisas discu­tidas neste capítulo, formamos nossos alu­nos de graduação para considerar as emo­ções como determinantes da mudança po­sitiva, e não apenas como indicadores de crescimento. Na verdade, o quão bem nós e nossos clientes lidamos com eventos emo­cionais estabelece, em parte, os limites máximos do bem-estar pessoal.

Um ato de equilíbrio emocional

Lidar com os aspectos emocionais da vida certamente é um ato de equilíbrio (Salovey et al., 2002). Às vezes, experiên­cias emocionais intensas que sobrecarre­gam nossos recursos psicológicos podem resultar em respostas de evitação..., e isso provavelmente é adaptativo, mas lidar com emoções negativas de um modo que resul­te em ruminação (pensamento obsessivo) pode ser bastante mal-adaptativo. Equili­brar as tendências à aproximação e à evitação pode resultar em um melhor fun­cionamento.

Algumas pessoas são hábeis em ad­ministrar emoções negativas, mas não con­seguem identificar qualquer emoção posi­tiva intensa. Outras pessoas podem igno­rar as importantes mensagens de proteção transmitidas por emoções negativas, ao mesmo tempo que se mantêm abertas a sentimentos “bons”. Essas tentativas dese­quilibradas de processar sentimentos po­dem resultar em muitos dados perdidos, o que pode levar à tomada de más decisões. Fazer o melhor das experiências emocio­nais por meio de enfrentamento voltado às emoções, à inteligência emocional, à de­finição de objetivos emocionais e à narra­ção emocional de histórias pode ajudar a criar um meio equilibrado de lidar com a informação obtida a partir de todas as ex­periências emocionais.

Certamente, há muitas formas, pro­dutivas e não-produtivas, de lidar com as informações carregadas de emoções que processamos todos os dias. É importante aprender a trabalhar com as emoções [158] diversificando o seu repertório de habilida­des de enfrentamento e depois determinan­do o que é eficaz e leva a resultados dese­jados na vida. [159]

Psicologia - Psicologia positiva
8/19/2020 4:39:01 PM | Por Shane J. Lopez
Vivendo bem em todas as etapas da vida

Diante da negligência de cada palestrante em relação ao lado positivo do funciona­mento humano, Paul Baltes se contorcia um pouco mais na poltrona. Por fim, chegou a oportunidade de o Dr. Baltes apresentar sua visão sobre a sabedoria (vide o Capítulo 10). No entanto, a essas alturas ele tinha outra coisa em mente. Relembrou educadamente ao grupo de psicólogos, a maioria com formação em especialidades sociais, de personalidade e clínicas, que havia um ramo da psicologia que nunca vacilara em seu compromisso com o estudo da adapta­bilidade e do funcionamento positivo. Esse ramo foi o da psicologia do desenvolvimen­to. Na verdade, os psicólogos do desenvol­vimento geralmente haviam abordado sua pesquisa com questões sobre o que estava funcionando, em vez de o que não estava. Os esforços dos psicólogos do desenvolvmento e de outros estudiosos do desenvol­vimento (outros que mantêm perspectivas voltadas ao transcurso da vida) produzi­ram conclusões que muitas vezes transcen­deram fronteiras históricas, geográficas, ét­nicas e de classe, para se concentrar nas tendências das pessoas à autocorreção.

Neste capítulo, analisamos as desco­bertas dos pesquisadores do desenvolvi­mento em relação “ao que funciona” no transcurso da vida. Para nossos propósitos, o transcurso da vida é descrito como in­fância (do nascimento aos 11 anos), juven­tude (dos 12 aos 25), idade adulta (26 a 59) e idade adulta avançada (dos 60 até a morte). Partimos do pressuposto de que seu conhecimento das teorias mais destacadas sobre o desenvolvimento (vide o Quadro 6.1) proporcionará um pano de fundo para discussões sobre resiliência na infância, de­ senvolvimento positivo na juventude, viver bem como adulto e envelhecimento bem-sucedido.

Pesquisadores da resiliência e es­tudiosos do desenvolvimento jovem posi­tivo têm interesses comuns nos traços e nos resultados positivos dos jovens. Como se discute mais adiante, os profissionais que estudam a resiliência identificam os recur­sos pessoais e ambientais “que ocorrem naturalmente” e ajudam as crianças e os adolescentes a superar os muitos desafios da vida. Os estudiosos do desenvolvimen­to jovem positivo põem em ação as con­clusões dos pesquisadores da resiliência e outros psicólogos positivos, e dão um im­pulso ao crescimento ao formular e reali­zar programas que ajudam os jovens a ca­pitalizar seus recursos pessoais e os recur­sos ambientais. [100]

Na primeira metade deste capítulo, destacamos o que os pesquisadores do de­senvolvimento descobriram sobre o cresci­mento saudável. Além disso, tratamos de algumas das limitações dessa linha de pes­quisa. Os estudiosos do desenvolvimento adulto geralmente conseguem proporcionar informações prospectivas sobre o desenro­lar gradual da vida das pessoas. Seu conhe­cimento profundo do passado e do presen­te os ajuda a predizer o futuro. Mais do que destacar momentos isolados da vida, os es­tudiosos do desenvolvimento que lidam com os adultos usam uma metodologia seme­lhante à fotografia por aceleração do tem­po (time-lapse) - milhares de imagens pa­radas da vida (ou entrevistas de pessoas) são ligadas para contar uma história con­tundente de desenvolvimento individual.

Na segunda metade do capítulo, ex­ploramos as tarefas de vida associadas à vida adulta e às características das pessoas que envelhecem com sucesso e discutimos também muitas das lacunas em nosso co­nhecimento sobre a idade adulta. Durante o capítulo, recomendamos que o leitor ana­lise os fatores ambientais associados à adaptação e ao bem-viver.

Resiliência na infância

Na década de 1970, um importante grupo de cientistas do desenvolvimento co­meçou a estudar crianças que tinham bom desempenho na vida apesar de obstáculos graves. Essas crianças que triunfaram di­ante da adversidade foram chamadas de “resilientes”, e suas histórias cativaram o interesse de clínicos, pesquisadores e lei­gos. Nesta seção sobre crianças resilientes, começamos apresentando um caso breve. A seguir, definimos o termo resiliência e questões relacionadas sobre as quais os es­tudiosos tiveram divergências. Depois, descrevemos o trabalho de Emmy Wemer e outros pesquisadores da resiliência (como Garmezy e Rutter). Por fim, discutimos os recursos internos (pessoais) e externos (ambientais) que protegem as crianças de agres­sões vindas do ambiente, junto com os pro­blemas dessa pesquisa sobre resiliência.

O caso de Jackson

Conhecemos muitas crianças resilien­tes em nosso trabalho como professores e clínicos. A história das lutas e dos triunfos de Jackson se destaca. Segundo todas as descrições, ele era encantador desde o nas­cimento. Suas risadinhas faziam as pessoas gargalhar. Elas eram atraídas para ele na­turalmente, que parecia estar confortável com todos os parentes e amigos, confian­do neles.

Quando entrou na escola, prosperou em termos sociais e acadêmicos, e parecia estar crescendo saudável e forte. Infelizmente, aos 8 anos, um parente abusou se­xualmente de Jackson, que rapidamente aprendeu a se proteger do autor do abuso, e tudo se limitou a um incidente, mas os efeitos foram importantes. Sua confiança nas pessoas ficou abalada. Algumas sema­nas depois do abuso, ele se retraiu, ficou gravemente ansioso e desenvolveu dores de estômago e de cabeça constantes. Seus pro­blemas psicológicos e físicos levaram a au­sências e a baixo desempenho escolar. Ten­do sido, um dia, uma criança confiante, com um olhar voltado para o futuro, ele agora parecia assustado e seus olhos sugeriam que ele estava perdido no passado.

Com o tempo, alguns adultos aten­ciosos na vida de Jackson se deram conta de que ele estava lutando. Os professores de sua escolinha viram que ele não era mais a criança de antes. Dois desses professores se dirigiram a ele, e um deles disse: “Não sabemos o que o está incomodando, mas, o que quer que seja, estamos aqui para aju­dar”. Embora ele não viesse a falar sobre o incidente do abuso até 20 anos mais tarde, Jackson conseguiu receber o apoio de que necessitava de seus professores. Ele che­gava à escola um pouco mais cedo todas [102]  manhãs e se sentava quieto na turma de um dos professores. Não falavam muito, mas os sorrisos discretos que trocavam co­municavam bastante.

Os dois professores do ensino funda­mental deram a Jackson um lugar seguro para se estabelecer e se curar. O apoio dis­creto o ajudou a abandonar seus medos. Com o tempo, ele começou a interagir mais confortavelmente com os adultos. Dentro de um ano, sua ansiedade havia cedido e suas notas, melhorado. Ele retomou às suas atitudes antigas, encantador, e construiu um grande círculo de amigos e mentores em sua juventude. Hoje em dia, é casado, está feliz e tem um emprego de que gosta muito. Jackson, como é o caso de outras crianças resilientes, é um sobrevivente.

O que é resiliência?

Talvez a definição mais simples de resiliência seja “recuperar-se”: os seguin­tes comentários sobre a resiliência de Masten e Reed (2002, p. 75) ilustram esse pro­cesso positivo. Especificamente, a resiliên­cia se refere a

... uma classe de fenômenos que se caracte­rizam por padrões de adaptação positiva no contexto de adversidade ou risco impor­tante. A resiliência deve ser inferida, por­ que são necessários dois julgamentos im­portantes para identificar indivíduos como pertencentes a essa classe de fenômenos. Em primeiro lugar, há um julgamento de que os indivíduos estão se “saindo bem”, ou melhor do que isso, com relação a um conjunto de expectativas de comporta­mento. Em segundo, há um julgamento de que houve circunstâncias atenuantes, que representaram uma ameaça aos bons resultados. Assim sendo, o estudo dessa classe de fenômenos requer a definição de critérios ou métodos para garantir a boa adaptação e a existência passada ou presente de condições que representem uma ameaça à boa adaptação.

Essa definição genérica é amplamen­te aceita. Os estudiosos concordam em que o risco ou a adversidade deve estar pre­sente para que uma pessoa seja considera­ da resiliente. Apesar desse consenso, toda­via, há um debate considerável sobre a universalidade dos fatores de proteção (Harvey e Delfabbro, 2004) e até onde as crianças estão se “saindo bem” segundo cri­térios de boa adaptação (Luthar, Cicchetti e Becker, 2000; Masten, 1999; Wang e Gordon, 1994). Portanto, ainda que se te­nha identificado uma lista de fatores de proteção (vide a discussão posterior, neste capítulo), há diferenças visíveis no quanto esses fatores “protegem” (isto é, no quan­to proporcionam resultados positivos), jun­to com variabilidade em como e quando as pessoas lançam mão de determinados recursos ao se deparar com riscos e des­vantagens (Harvey e Delfabbro, 2004). De fato, dado o estado da pesquisa sobre resiliência, os estudiosos sugerem o que pode funcionar, mas não conseguem des­crever uma fórmula para a operação da resiliência.

Os pesquisadores discordam com re­lação à resposta para a pergunta: “Recuperou-se para chegar onde?”. Ao deter­minar o nível de funcionamento posterior à ameaça em uma criança resiliente, os observadores estão em busca de um retor­no ao funcionamento normal (ou seja, atin­gir marcos do desenvolvimento) e/ou por evidências de excelência (funcionamento acima e além do que se espera de uma criança da mesma idade). Todavia, a maio­ria dos investigadores “estabeleceu o pata­mar no nível da faixa normal, sem dúvida porque seu objetivo é entender como os indivíduos mantêm ou recuperam níveis normativos de funcionamento e evitam problemas significativos apesar da adver­sidade - um objetivo compartilhado por muitos pais e sociedades” (Masten e Reed, 2002, p. 76). Certamente, os casos mais celebrados de resiliência costumam ser descrições de indivíduos que superam cir­cunstâncias muito desfavoráveis para se tornarem mais fortes. (Por exemplo, Mattie Lepanak, um poeta-criança, aparentemente [103] se tornou mais prolífico à medida que a doença neuromuscular que enfrentou foi ficando mais difícil de administrar.)

Uma importante consideração que pode passar despercebida na conceituação de resultados de resiliência é a cultura (Rigsby, 1994; vide o Capítulo 5, para uma discussão relacionada). A pergunta “Recuperou-se para chegar aonde?” deve ser res­pondida dentro do contexto dos valores predominantes na cultura e das expectati­vas que a comunidade tem em relação a seus jovens. As forças culturais ditam se os pesquisadores examinam resultados edu­cacionais positivos, funcionamento intrafamiliar saudável ou bem-estar psicológico - ou, talvez, todos os três. Embora seja de­sejável alguma constância no que os estu­diosos medem, é difícil avaliar até onde os membros da comunidade estimulam deter­minados resultados.

Com relação à “boa adaptação”, os pesquisadores da resiliência concordam que a adaptação externa (cumprir as ex­pectativas sociais, educacionais e ocupacionais da sociedade) é necessária para de­ terminar quem é resiliente, mas a rede de pesquisadores se divide quanto à necessi­dade, também, de uma determinação da adaptação interna (bem-estar psicológi­co positivo). Esse debate gera confusão porque algumas pessoas consideram a re­cuperação inexoravelmente ligada à adap­tação emocional e intrapsíquica.

As raízes da pesquisa sobre resiliência

Os estudos de caso são usados há muito tempo para contar histórias de pes­soas impressionantes e seus triunfos. His­tórias de jovens que transcendem circuns­tâncias de vida terríveis levaram as pessoas a descobrir mais sobre essas pessoas resilientes e sobre os processos de resiliência. Alguns pesquisadores (como Garmezy, 1993; Garmezy, Masten e Tellegen, 1984) fazem seu trabalho tratando das peças com que se constrói a resiliência e depois iden­tificando como tais peças se juntam e se manifestam em um grande grupo de pes­soas que estão em risco em função de um fator de estresse. Outros (como Werner e Smith, 1982) identificam subamostras de grupos maiores de pessoas que estão funcionando bem, apesar de ter vivenciado um fator recente desse tipo. A seguir, esses pes­quisadores estudam profundamente as pes­soas resilientes para determinar as seme­lhanças que elas compartilham entre si e com membros de grupos menos resilien­tes, bem como para identificar o que as diferencia das pessoas que não conseguem se recuperar.

A Dra. Emmy Werner, chamada, às ve­zes, de “mãe da resiliência”, pesquisa o te­ma com foco na pessoa. Ela identificou pessoas resilientes e passou a conhecê-las bem com o tempo. Em função de seu desta­que nessa área da psicologia positiva, dis­cutimos seu trabalho como um exemplo da pesquisa informativa em resiliência. Werner trabalhou em conjunto com sua colega Ruth Smith (Wemer e Smith, 1982, 1992) em um estudo que envolveu uma coorte de 700 crianças nascidas na ilha de Kauai (no Havaí) entre 1955 e 1995. A partir do nascimento, foram coletados dados psico­lógicos das crianças e dos cuidadores, mui­tos dos quais trabalhavam em atividades associadas às plantações de cana-de-açú­car que dominavam a ilha. Ao nascer, um terço dessas crianças era considerado em risco de problemas acadêmicos e sociais em função de seu déficit de apoio familiar e seus ambientes em casa (como pobreza, alcoolismo dos pais e violência doméstica).

Dos estudantes em situação de risco, um terço parecia ser invulnerável à deter­minação dos fatores de risco. Duas carac­terísticas básicas respondiam pela resiliên­cia dessas crianças:

  1. elas nasceram com disposições extro­vertidas e
  2. eram capazes de envolver várias fontes de apoio. (Melhor cuidado durante a infância, inteligência e percepções de [104] valor próprio também contribuíram para resultados positivos.)

Os outros dois terços das crianças no grupo de alto risco desenvolveram proble­mas importantes durante a infância e a adolescência. Entre os 20 e os 30 anos, a maioria dos participantes da pesquisa em Kauai informava (e os teste psicológicos e os relatórios da comunidade corrobora­vam) que eles haviam “se recuperado” dos obstáculos enfrentados anteriormente em suas vidas. Com o passar do tempo, mais de 80% do grupo original de alto risco ti­nha se recuperado. Em retrospecto, mui­tos dos que foram residentes atribuíram sua força ao apoio de um adulto que os cuidou (como um parente, um vizinho, um pro­fessor, um mentor).

Com essas conclusões, os pesquisado­res da resiliência nas três últimas décadas examinaram as disposições de crianças em situação de risco, junto com os recursos fí­sicos e sociais dos jovens que enfrentaram essas desvantagens. Nesse sentido, a con­clusão de que muitas pessoas que não tive­ram fatores de proteção (até sua quarta década de vida) recuperaram-se não foi explicada adequadamente.

Recursos de resiliência

Segundo Masten e Reed (2002), con­clusões tiradas a partir de estudos de caso, pesquisas qualitativas e projetos quantita­tivos de grande escala “convergem com uma regularidade impressionante a um conjunto de atributos individuais e ambien­tais associados ao bom ajuste e ao bom desenvolvimento sob uma série de condi­ções que ameaçam a vida em diferentes contextos culturais” (p. 82).

Esses fatores de proteção potentes no desenvolvimento foram identificados na pesquisa e em revisões nas décadas de 1970 e 1980 (Garmezy, 1985; Masten, 1999; Masten e Garmezy, 1985; Rutter, 1985; Werner e Smith, 1982), e alguns fatores de proteção continuam a surgir a partir de estudos em andamento. De fato, essa lista ampla nos ajudou razoavelmente no de­correr do tempo e entre grupos (vide o Quadro 6.2). (Tais fatores são tratados em outra parte deste livro. Por exemplo, a autoeficácia e uma perspectiva positiva da vida são discutidas no Capítulo 9.)
Embora concordemos que grande parte desses recursos da resiliência é posi­tiva para a maioria das pessoas em muitas situações, há poucas verdades universais na literatura sobre resiliência (com a pos­sível exceção de que um adulto atencioso pode ajudar uma criança ou um jovem a se adaptar). Por exemplo, D’Imperio, Dubow e Ippolito (2000) concluíram que muitos fatores de proteção identificados anterior­mente não fizeram distinção entre jovens que enfrentaram bem a adversidade e os que não o fizeram. A cultura e outros fato­res (por exemplo, experiências passadas com a adversidade) certamente influen­ciam a forma como os jovens se recupe­ram da adversidade.

Os recursos listados no Quadro 6.2 foram traduzidos em estratégias para au­mentar a resiliência. (Observe a coincidên­cia entre algumas dessas recomendações e as que são discutidas na próxima seção, sobre desenvolvimento positivo. Algumas dessas estratégias podem impedir simultaneamente o que é “ruim” e promover o que é “bom” nas pessoas.) Usando essas estratégias, os estudiosos do desenvolvi­mento desenvolveram milhares de progra­mas que podem ajudar os jovens a superar as adversidades e a construir competên­cias. Alguns estudiosos (como Doll e Lyon, 1998) afirmam que a proliferação dos pro­gramas de resiliência ocorreu na ausência de pesquisas rigorosas que examinassem o constructo e a eficácia dos programas que supostamente a estimulam. Doll e Lyon ob­servam, ainda, que muitos desses progra­mas ensinam habilidades de vida que não são reforçadas nas culturas em que tais jo­vens vivem. Em função dessas preocupa­ções sobre a implementação de programas, formuladores de políticas e pessoas que desenvolvem iniciativas de promoção de­ veriam tentar adotar os programas existen­tes que tenham efetivamente servido a jo­vens semelhantes (isto é, promovido as competências relacionadas à resiliência), ou avaliar a eficácia dos programas com pequenas amostras concentradas, em lu­gar de grandes grupos da comunidade. ('Vide o Quadro 6.3.)

Desenvolvimento jovem positivo 

Nesta seção, definimos o desenvolvi­mento jovem positivo e os resultados so­cialmente valorizados que foram identifi­cados pelos defensores da juventude e pes­quisadores do tema. Além disso, identifi­camos programas de desenvolvimento para jovens que funcionam. [106]

O que é o desenvolvimento positivo dos jovens?

Os professores, terapeutas e psicólo­gos comprometidos com o desenvolvimen­to positivo de jovens reconhecem o que é bom em nossa juventude e se concentram nas qualidades e nos potenciais de cada criança (Damon, 2004). A partir da defini­ção de Pittman e Fleming (1991, p. ii, pri­meira linha de nossa definição), formula­mos (Lopez e McKnight, 2002, p. 3) como os componentes do desenvolvimento inte­ragem com o passar do tempo, para possi­bilitar adultos saudáveis:

O desenvolvimento jovem positivo deve ser visto como um processo em andamen­to, inevitável, no qual todos os jovens estão engajados e do qual todos estão in­vestidos. Os jovens interagem com seu ambiente e com agentes positivos (como jovens e adultos que dão suporte ao de­ senvolvimento saudável, instituições que criam climas e cultivam recursos que le­vam ao crescimento, programas que esti­mulam a mudança) para atender a suas necessidades básicas e cultivar os recur­sos. Por meio de sua iniciativa (por vezes combinada com o apoio de agentes posi­tivos), ganha-se força e os jovens que são capazes de responder a necessidades bá­sicas desafiam a si próprios para atingir outros objetivos; os jovens usam os recur­sos para construir outros recursos psico­lógicos que facilitem o crescimento. Em termos ideais, o desenvolvimento jovem positivo gera competências físicas e psi­cológicas que servem para facilitar a tran­sição para a vida adulta ao se lutar pelo crescimento continuado.

As qualidades positivas de nossos jo­vens se combinam (de maneira intencio­nal) com os recursos do ambiente e dos agentes positivos (jovens e adultos que pro­porcionem cuidado) no contexto de um programa (vide as descrições a seguir) para promover o desenvolvimento adulto. O desenvolvimento saudável é marcado pela concretização de alguns dos nove resulta­dos positivos a seguir (Catalano, Berglund, Ryan, Lonczak e Hawkins, 1998) visados por programas positivos. (Todos esses re­ sultados positivos são tratados em outras partes deste livro.)

  1. Recompensar o vínculo.
  2. Promover competências sociais, emo­cionais, cognitivas, comportamentais e morais.
  3. Estimular a autodeterminação.
  4. Estimular a espiritualidade.
  5. Cultivar uma identidade clara e positiva.
  6. Construir crenças no futuro.
  7. Reconhecer comportamento positivo.
  8. Proporcionar oportunidades de desen­volvimento social.
  9. Estabelecer normas pró-sociais.

Programas de desenvolvimento jovem positivo que funcionam

O relatório sobre Desenvolvimento Jovem Positivo (Catalano et al., 1998) é um recurso valioso para as pessoas que acreditam que “estar livre de problemas não quer dizer estar totalmente prepara­do” (Pittman e Fleming, 1991, p. 3). Na verdade, alguns estudiosos do desenvolvimento concentram seus úteis esforços em jovens que não estão lutando contra gran­des problemas em suas vidas, mas não pos­suem os recursos pessoais ou ambientais necessários para atingir muitos dos seus objetivos ao realizarem a transição à vida adulta. Como tal, o desafio em relação àqueles que podem passar despercebidos é a construção da segurança e competên­cias nos jovens.

Os programas de desenvolvimento jo­vem positivo se apresentam de muitas for­mas (Benson e Saito, 2000), incluindo ati­vidades estruturadas ou semi-estruturadas (como Big Brothers e Big Sisters), organi­zações que oferecem atividades e relacio­namentos positivos (como Boy’s Club, ACM), sistemas de socialização que pro­movem o crescimento (como creches, es­colas, bibliotecas, museus) e comunidades que facilitem a coexistência de programas, organizações e comunidades. A solidez desses programas é determinada pelo grau em que eles promovem o que é “bom” e previnem o que é “mau” nos jovens de hoje.

Os programas que funcionam ajudam os jovens a avançar rumo às competências que tornam suas vidas mais produtivas e sig­nificativas. Uma breve lista de mais de uma dúzia de programas eficazes foi elaborada após uma revisão crítica de avaliações de programas publicadas e não-publicadas que incluiu, no mínimo, os seguintes (Catalano et al., 1998; Jamieson, 2005):

  • Formato e medidas de resultados que sejam adequados.
  • Descrição adequada das metodologias de pesquisa.
  • Descrição da população servida.
  • Descrição da intervenção e fidelidada de implementação.
  • Efeitos demonstrados em resultados comportamentais. [111]

Com relação à efetividade, Catalano e colaboradores (1998) escreveram: “Fo­ram incluídos programas que apresentas­sem resultados comportamentais em algum momento, mesmo que esses resultados de­caíssem com o tempo. Também foram in­cluídos programas que demonstrassem efeitos sobre parte da população estuda­da” (p. 26). Esses programas eficazes in­cluem alguns muito conhecidos e outros nem tanto. Com o propósito de ilustrar como eles envolvem os jovens e cultivam os recursos pessoais, descrevemos as ope­rações básicas e os efeitos de Big Brothers/ Big Sisters e Penn Resiliency Program. Des­crevemos, também, algumas das tarefas de desenvolvimento associadas a uma experi­ência universitária positiva.

Big Brothers e Big Sisters é um progra­ma de mentores de base comunitária (3 a 5 horas de contato por semana) iniciado em 1905. Sem cobrança, o programa estabele­ce o contato de crianças e adolescentes de baixa renda com voluntários adultos que estejam comprometidos com dar carinho e estabelecer relações de apoio. Em geral, os mentores passam por uma cuidadosa tria­gem e depois recebem algum tipo de forma­ção para influenciar positivamente os jo­vens. As atividades dos mentores são não-estruturadas ou semi-estruturadas e costu­mam acontecer na comunidade. Com rela­ção à eficácia do programa, Tierney e Grossman (2000) concluíram que esse programa consegue promover o que é bom (bom de­ sempenho escolar, relações de confiança com os pais) e prevenir o que é ruim (vio­lência, uso de álcool e drogas, falta às aulas).

O Penn Resiliency Program (Gillham e Reivich, 2004) é um programa altamente estruturado, voltado às habilidades de vida, oferecido a escolares por um determinado preço (ou como parte de um projeto de pes­quisa) . Um facilitador bem-treinado conduz as reuniões na sala de aula, segundo um roteiro. As doze sessões são focadas na cons­ciência acerca de padrões de pensamento e na modificação do estilo explicativo dos es­tudantes para alterar as atribuições em re­lação aos eventos, de forma que elas pos­sam se tornar mais flexíveis e precisas. A avaliação ampla do programa demonstrou sua eficácia na prevenção do que é mim (o desencadear e a gravidade dos sintomas depressivos) e na promoção do otimismo e melhoria da saúde física.

Faculdades e universidades, como sis­temas de socialização, também podem promover o desenvolvimento jovem po­sitivo. O trabalho de Chickering (1969; Chickering e Reisser, 1993) sobre educa­ção e identidade proporciona uma gama de tarefas de desenvolvimento que é o foco conjunto de estudantes universitários e agentes positivos (colegas estudantes, pro­fessores e funcionários). No modelo de Chickering, o desenvolvimento de compe­tências é identificado como um rumo ou objetivo básico de desenvolvimento para universitários em suas experiências educa­cionais. Tendo cada vez mais confiança em suas capacidades, os estudantes começam a trabalhar na tarefa de desenvolvimento voltada a administrar as emoções, avan­çando pela autonomia até a independên­cia, desenvolvendo relacionamentos in­terpessoais maduros, identidade, propósi­to e integridade. O avanço em direção a cada um desses objetivos capacita os estu­dantes para o sucesso na escola, no traba­lho e na vida em geral. Um foco mais in­tencional no desenvolvimento de faculda­des e universidades para que sejam siste­mas de socialização poderia melhorar o valor de uma educação universitária para os alunos e para a sociedade como um todo. Integrar os programas de desenvolvimen­to de qualidades à experiência universitá­ria também poderia melhorar os efeitos positivos da educação superior (Lopez, Janowski e Wells, 2005).
Agora que conhecemos os tipos de programas que promovem o desenvolvi­mento jovem positivo, nossa atenção se volta à seguinte questão: “Por que esse pro­grama funciona?”. Embora não se tenham analisado sistematicamente os componen­tes desses programas para determinar o  que funciona e o que não, há várias suges­tões sobre o que os torna benéficos, inclu­indo as idéias de que:

  1. mais é melhor (quanto mais tempo com­prometido com os jovens, melhores são os resultados);
  2. quanto mais cedo, melhor (quanto mais jovem for o participante do programa, mais probabilidades terá de desenvol­ver competência);
  3. o que é estruturado é melhor (os pro­gramas que são dirigidos e sistemáticos conseguem replicar aquilo que funciona com mais facilidade) (Jamieson, 2005).

As tarefas de vida da idade adulta

Alguns estudos longitudinais (como Werner e Smith, 1982) começaram em fun­ção do interesse de um pesquisador nas ex­periências da infância, mas continuaram por décadas) para revelar muito sobre as experiências adultas. Nesta seção, descre­vemos dois desses estudos prospectivos (o Life Cycle Study, com crianças superdotadas, de Terman, e o estudo, de Harvard, sobre "os melhores dos melhores”, conhecido como Estudo sobre Desenvolvimento Adul­to). Deve-se observar que muitos aspectos do desenvolvimento adulto são tratados nesta seção e em importantes teorias do desenvolvimento (vide o Quadro 6.1), mas ainda há muita coisa desconhecida com relação a como as pessoas crescem e mu­dam entre os 26 e os 59 anos.

As trajetórias de crianças precoces

Lewis Terman (Terman e Oden, 1947) passou a maior parte de sua vida estudan­do a inteligência, que ele considerava como sendo a qualidade adaptativa que levaria ao sucesso na vida e, mais especificamen­te, à liderança nacional. Na década de 1920, Terman deu início a um ambicioso
estudo com 1.500 crianças intelectu­almente talentosas (QI > 140) que eramindicadas por profes­sores das escolas da Califórnia. Os parti­ cipantes do estudo apelidaram a si mes­ mos de “térmitas”.

Esses participantes eram fisicamente fortes na infância e, em geral, mais saudáveis do que seus colegas e amigos. A maioria das crianças terminou o ensino superior e garantiu bons empregos. Embora muitas das térmitas tenham sido produtivas em seus empregos, poucas chegaram a ser lí­deres nacionais, que era a hipótese de Terman. Portanto, deve-se assinalar que o QI elevado na infância não garantiu suces­so como adultos e melhor saúde mental.

Embora as predições de Terman com relação às proezas adultas de crianças inte­ligentes não se tenham confirmado, sua amostra revelou informações sobre o de­senvolvimento adulto. No lado negativo do funcionamento humano, Peterson, Seligman, Yurko, Martin e Friedman (1998) es­tudaram as respostas das térmitas na in­fância a questões abertas e concluíram que um estilo explicativo caracterizado pelo catastrofismo (explicar maus eventos com causas globais) era um indicador de riscos de mortalidade nessa amostra de crianças saudáveis. Essa relação entre estilo explica­tivo e longevidade/mortalidade provavel­mente é mediada por opções de estilo de vida. Em função dessas conclusões, parece que um QI em nível de gênio e uma boa saúde na infância não protegem os indiví­duos de fazer escolhas equivocadas que levam à má saúde e à morte prematura.

Quais são as principais tarefas da idade adulta?

Um subconjunto da amostra de da­dos de Terman foi revisado por George [113] Vaillant, o responsá­vel por décadas de dados do estudo de Harvard (descritos em mais detalhes posteriormente). De forma específica, 90 mulheres na amos­tra de Terman foram entrevistadas por Vaillant para exa­minar a generabilidade de suas con­clusões sobre desen­volvimento adulto a partir de sua amostra composta somente por homens. O exame dos dados de Terman e a revisão dos da­dos do Estudo sobre desenvolvimento adul­to ajudaram a partir de teorias do desen­volvimento existentes e identificar as tare­fas associadas à vida adulta.

Orientado pela teoria do desenvolvi­mento em etapas de Erik Erikson (1950), Vaillant mapeou (1977) e refinou (2002) seis tarefas do desenvolvimento adulto: identidade, intimidade, consolidação pro­fissional, geratividade, guardião do signi­ficado e integridade. A identidade geralmente se desenvolve durante a adolescên­cia ou no início da idade adulta, quando as pessoas passam a ter visões, valores e inte­resses próprios, em lugar das visões de seus cuidadores (não desenvolver uma identi­dade pessoal pode impedir um envolvi­mento dotado de significado com pessoas e trabalho). Com o desenvolvimento da identidade, uma pessoa tem mais probabi­lidades de buscar um relacionamento independente e comprometido com outra pessoa e, assim, adquirir intimidade. Mui­tas das mulheres na amostra original de Terman identificaram amizades íntimas com mulheres como suas relações mais ín­timas, ao passo que os homens do estudo de Harvard invariavelmente identificaram suas relações com suas esposas como as conexões mais íntimas. Uma conclusão re­lacionada a essa, de Vaillant (2002, p. 13), foi que “não são as coisas ruins que nos acontecem que nos destroem, são as pes­soas boas que nos acontecem em qualquer idade que facilitam uma velhice agradável".

A consolidação profissional é uma tarefa de vida que requer o desenvolvimen­to de uma identidade social. O envolvi­mento com uma profissão se caracteriza pelo contentamento, pela compensação, pela competência e pelo compromisso. Para muitas pessoas, a consolidação profissio­nal, assim como outras tarefas, é “traba­lhada”, em lugar de adquirida. Isso signifi­ca que as pessoas podem consolidar suas profissões por décadas, mesmo quando ja avançam à aposentadoria. Na força de tra­balho de hoje em dia, a consolidação mui­tas vezes é comprometida pela necessidade de mudar de emprego. Como resulta­do, a adaptação profissional (Ebberwein, Krieshok, Ulven e Prosser, 2004; Super e Knasel, 1981) surgiu como um pré-requi­sito da consolidação profissional.

Com relação às tarefas associadas à geratividade, as pessoas podem se envol­ver na construção de um círculo social mais amplo ao “se doar”. Ao dominar as três primeiras tarefas, os adultos podem possuir a competência e o altruísmo ne­cessários para servir como mentores dire­tos para a próxima geração de adultos. De fato, à medida que as pessoas envelhecem, os objetivos sociais se tornam mais signi­ficativos do que os objetivos voltados às realizações (Carstensen e Charles, 1998; Carstensen, Pasupathi, Mayr e Nesselroa- de, 2000).

No contexto de um círculo social maior, algumas pessoas assumem a tarefa de se tornar guardiões do significado. O guardião do significado tem uma visão so­bre os mecanismos do mundo e das pessoas e está disposto a compartilhar esse conhe­cimento com os outros. Ele protege as tradições e os rituais que possam facilitar o desenvolvimento dos mais jovens. Em es­sência, liga o passado ao futuro. Por fim, a realização da tarefa de desenvolvimento de integridade traz paz à vida de uma pes­soa. Nessa etapa, uma espiritualidade mais [114] elevada muitas vezes acompanha mais con­tentamento com a vida.

O domínio dessas tarefas é o objeto da vida adulta. O trabalho intencional em cada uma dessas tarefas leva ao trabalho na próxima tarefa, e o domínio de todas as tarefas é a essência do bem-envelhecer.

O caso de Sarah

A capacidade de prever mudanças no trabalho, fazer planos em relação a opor­tunidades futuras, desenvolver novas habilidades e criar uma rede social que facili­te a transição no trabalho tem sido apre­sentada por dúzias de nossos clientes com o passar dos anos, mas a história de Sarah chama a atenção porque ela havia previsto a necessidade dessa flexibilidade em sua sexta década de vida. Esse é um momento em que muitos diriam que ela chegou à consolidação profissional.

Sarah havia trabalhado no mesmo emprego, para a mesma empresa, por 33 anos. Como designer gráfica de uma empresa na­cional de cartões de felicitações, ela sabia que seu cargo era valorizado, e também entendia que os programas de computador e as impressoras de alta qualidade estavam substituindo seus tradicionais métodos de lápis e papel. Ela aprendeu novas habilida­des de design por computador, mas não ti­nha a mesma satisfação criativa a partir dessa nova forma de trabalhar. Como poderia continuar se sentindo criativa para poder ter prazer no trabalho? Em primeiro lugar, ela tinha que identificar exatamente aquilo de que gostava no processo criativo, Após semanas de reflexão, ocorreu-lhe que gostava de pensar em design mais do que gostava do processo real de realizá-lo, seja em um bloco de papel, seja na tela de um computador. Ela poderia convencer o chefe de sua equipe a lhe pagar para “pensar sobre design” em lugar de produzir designs? No início de um dia de trabalho, quando estava se sentindo particularmente corajosa levou a ideia ao chefe de sua equipe, que pareceu ficar intrigado e aliviado. Acon­tece que o chefe estava tentando descobrir uma maneira de dizer a Sarah que alguns aspectos do trabalho de design iriam ser fei­tos por pessoas de outros grupos (que cus­tam muito menos por hora) e que se pedi­ria à pequena equipe de designers atuais que produzisse conceitos para os artistas mais jovens que trabalhavam em computadores. Sendo assim, nos últimos 10 anos de sua vida profissional, Sarah descobre que será paga por idéias em lugar de trabalhos concretos. Ela também tem o prazer de visi­tar jovens artistas gráficos de outras partes do mundo. Embora estivesse bastante con­fiante em seu futuro profissional, continua a prever mudanças no setor de cartões, que podem dar rumo ao seu trabalho e sua vida.

Bem-envelhecer

Com a incorporação dos nascidos na explosão demográfica do pós-guerra ao grupo de norte-americanos mais velhos, as histórias sobre bem-envelhecer estão ga­nhando mais destaque nos meios de comu­nicação de hoje em dia. As narrativas de adultos mais velhos oferecem lições valio­sas a todos nós. Esse foi o caso, certamen­te, de Morrie Schwartz (o foco do livro Tuesdays with Morrie, de Mitch Albom, pu­blicado em 2002), que viveu a vida em sua integralidade e encontrou muito sentido durante sua decadência física e sua morte.

O estudo dos aspectos positivos do en­velhecimento (chamados de envelhecimento positivo, bem-envelhecer e envelhecer com qualidade) começou a apenas algumas dé­cadas, mas se tornará um foco importante da ciência psicológica, em função das ten­dências na demografia dos Estados Unidos [e do Brasil] que demandarão a atenção dos cientistas e do público em geral. Nosso objetivo nes­ta seção é descrever o bem-envelhecer com base no MacArthur Study of Successful Aging e no estudo prospectivo de Vaillant (2002).

No que consiste o bem-envelhecer?

O termo bem-envelhecer (successful aging) foi popularizado por Robert Havighurst (1961) quando ele escreveu sobre “acrescentar mais vida aos anos” (p. 8) na primeira edição de The gerontologist. Havighurst também foi pioneiro do interes­se acadêmico nos aspectos saudáveis do envelhecimento. Rowe e Kahn (1998), resu­mindo as conclusões do MacArthur Study of Successful Aging, propuseram três com­ponentes do bem-envelhecer:

  1. evitar a doença;
  2. envolver-se com a vida e
  3. manter um alto funcionamento cognitivo e físico.

Esses três componentes são aspectos da “manutenção de um estilo de vida que envolve atividades normais, valorizadas e benéficas” (Williamson, 2002, p. 681). Vaillant (2002) simplifica ainda mais a de­finição caracterizando o bem-envelhecer como alegria, amor e aprendizado. Essas descrições, embora não sejam detalhadas, oferecem uma imagem adequada do bem-envelhecer (successful aging).

O estudo da Fundação MacArthur sobre o bem-envelhecer

O estudo sobre o bem-envelhecer rea­lizado pela Fundação MacArthur (McAr­thur Foundation Study of Successful Aging, que aconteceu entre 1988 e 1996) foi rea­lizado por John Rowe e por um grupo multidisciplinar de colaboradores. Eles in­vestigaram fatores físicos, sociais e psico­lógicos relacionados a habilidades, saúde e bem-estar. Uma amostra de 1.189 vo­luntários adultos saudáveis, com idade entre 70 e 79 anos, foi selecionada em um grupo de 4.030 participantes potenciais usando critérios físicos e cognitivos. Es­ses adultos com alto nível de funciona­mento participaram de uma entrevista pessoal de 90 minutos e, depois, foram acompanhados durante uma média de sete anos, período em que completaram entrevistas periódicas.

Como mencionado anteriormente, o estudo MacArthur revelou que os três com­ponentes do bem-envelhecer eram evitar a doença, envolver-se com a vida e manter o funcionamento físico e cognitivo (Rowe e Kahn, 1998). Aqui, tratamos do envolvi­mento com a vida porque é o componente que os psicólogos positivos têm mais pro­babilidades de abordar em suas pesquisas e em suas práticas. Na verdade, os dois componentes de envolvimento com a vida. apoio social e produtividade (Rowe e Kahn) têm um paralelo com os objetivos de amor, trabalho e atividade lúdica de que tratamos em muitos capítulos deste livro.

O apoio social é mais potente quan­do é mútuo, pois o apoio dado é contraba­lançado pelo apoio recebido. Dois tipos de apoio são importantes para o bem-enve­ lhecer: o apoio socioemocional (gostar e amar) e o apoio instrumental (auxílio quando alguém está em necessidades). Uma análise mais profunda dos dados do estudo MacArthur revelou que o apoio au­mentou com o tempo (Gurung, Taylor e Seeman, 2003). Os respondentes com mais vínculos sociais também demonstraram menos declínio do funcionamento com o passar do tempo (Unger, McAvay, Bruce, Berkman e Seeman, 1999). Mostrou-se que os efeitos positivos dos vínculos sociais va­riaram segundo o gênero e as capacidades físicas básicas do indivíduo (Unger et al.). O gênero também influenciou como os participantes casados (um subconjunto da amostra total que continha 439 pessoas) recebiam apoio social: “Os homens [116] recebiam apoio social principalmente de suas esposas, ao passo que as mulheres se baseavam mais em seus amigos e parentes, assim como nos filhos, para obter apoio emocional” (Gurung et al., p. 487).

Com relação à atividade produtiva na idade adulta avançada. Glass e colabora­dores (1995) examinaram padrões de mu­dança nas atividades de uma amostra com alto funcionamento, de pessoas entre 70 e 79 anos, em um grupo de 162 pessoas com funcionamento entre moderado e baixo, durante um período de três anos. A coorte de funcionamento mais elevado foi consi­derada significativamente mais produtiva do que o grupo de comparação. As mudan­ças em produtividade com o passar do tem­po foram associadas a mais internações hospitalares e derrames, ao passo que a idade, o casamento e um domínio maior de determinadas habilidades estavam re­lacionados a mais proteção contra declí­nios. Essas conclusões estão de acordo com o trabalho de Williamson (2002), que su­gere que a atividade física sustentada (um aspecto da atividade produtiva) ajuda a manter um funcionamento saudável. Da mesma forma, interrupções dos regimes de atividade física costumam precipitar de­ clínios no bem-estar geral.

O estudo de desenvolvimento adulto

Vaillant (2002) reconhece que a ava­liação subjetiva do funcionamento não é o enfoque mais rigoroso à identificação de quem envelhece bem. Ele se baseou em um sistema de avaliações independentes do funcionamento (como física, psicológica, ocupacional) dos participantes do Estudo sobre Desenvolvimento Adulto. Os 256 par­ticipantes originais, caucasianos e social­mente em vantagem, foram identificados no final da década de 1930 pelos reitores de Harvard (que consideravam esses alu­nos como saudáveis em todos os aspectos). Nos últimos 80 anos, esses participantes foram estudados por meio de exames físi­cos, entrevistas pessoais e surveys. Mais de 80% dos participantes do estudo passaram dos 80 anos, comparados com apenas 30% de seus contemporâneos que viveram até essa idade. O amplo estudo feito com es­ses adultos mais velhos (e membros de dois estudos prospectivos) identificou os seguin­tes fatores de predição do envelhecimento saudável no estilo de vida: não fumar ou parar de fumar ainda jovem, enfrentamento adaptativo, com defesas maduras, não usar álcool em excesso, manter um peso saudável, um casamento estável e fa­zer algum exercício, além de receber [117] educação escolar. Essas variáveis diferencia­vam as pessoas nos extremos do espec­tro de saúde: os felizes-sadios (62 in­divíduos que vivenciaram boa saúde em termos objetivos e subjetivos, biológi­cos e psicológicos) e os tristes-doentes (40 indivíduos que foram classificados como in­felizes em pelo menos uma dessas três di­mensões: saúde mental, apoio social ou sa­tisfação na vida). O fator de predição mais forte para estar no grupo feliz-sadio em re­lação ao triste-doente foi o nível em que as pessoas usavam estilos de enfrentamento psicológico maduros (como altruísmo e humor) no dia a dia.

Talvez a predição do bem-envelhecer não seja tão complexa quanto o estudo da MacArthur e Vaillant fazem que seja. O bem-envelhecer, ou no mínimo a longevi­dade, resume-se a vivenciar emoções no início da vida? Danner, Snowdon e Friesen (2001), em seu estudo das autobiografias de 180 freiras católicas escritas no início do século XX, demonstraram que o con­teúdo emocional positivo nos escritos es­tava inversamente correlacionado com o risco de mortalidade 60 anos depois. Essas freiras, que aparentemente tinham tido um estilo de vida que levaria ao bem-envelhecer, apresentavam mais probabilida­des de passar dos 70 ou 80 anos se tives­sem descrito histórias de suas vidas que fossem carregadas de emoções positivas muitas décadas antes.

O corpo de pesquisa sobre envelhe­cer bem está crescendo rapidamente, e as conclusões sugerem que as pessoas têm mais controle sobre a qualidade de suas vidas durante o processo de envelhecimen­to do que costumávamos acreditar. Mais além, em vários estudos, o apoio social é um dos fatores psicológicos que promovem o bem-envelhecer. Apesar desse aspecto em comum, à medida que se realizam e se publicam mais pesquisas intercultural parece que o envelhecimento e o bem-em velhecer podem variar segundo os países estudados. Sendo assim, o bem-envelhecer não deve ser medido segundo um padrão universal (Baltes e Carstensen, 1996). Isso sugere que os futuros trabalhos deverão levar em consideração aspectos de enve­lhecimento adaptativo ao buscar pistas que levem ao bem-viver na idade avançada.

Um foco mais voltado ao desenvolvimento na Psicologia postiva 

Enfrentamos dificuldades e adversidades diárias. Isso se aplica à infância, adolescência, à idade adulta e à idade adul­ta avançada. Ao envelhecer, espera-se, pas­samos a ter mais recursos e capacidade; de adaptação. Parece ser esse o caso, pois há diversos fatores de desenvolvimento positivo que ajudam as crianças e os adultos a se recuperar. As conclusões discutidas neste capítulo também sugerem que a psi­cologia positiva vai bem em sua maneira de identificar e compartilhar informações importantes com relação a viver uma vida melhor. Faça os miniexperimentos pessoais para dar vida a algumas dessas conclusões.

Embora se saiba muito sobre como prosperar durante cada década de nossas vidas, a próxima geração de psicólogos positivos (você e seus colegas) tem muitas perguntas a responder com relação a tópi­cos como desenvolvimento adulto positivo e a promoção do bem-envelhecer para mui­tas pessoas. Além disso, são necessárias mais teoria e pesquisa para nos ajudar a entender como cada qualidade humana se manifesta e descrever como a cultura mol­da uma determinada qualidade e sua [118] potência com o passar do tempo. Para que a psicologia positiva cresça como campo, acreditamos que é crucial entender os proressos de desenvolvimento que se desen­rolam da infância até a idade avançada. [119]

Psicologia - Psicologia positiva
8/19/2020 4:37:35 PM | Por Charles Richard Snyder
Desenvolvendo as qualidades humanas e vivendo bem em um contexto cultural

David Satcher, o 16“ diretor de saúde dos Estados Unidos (cargo mais alto no sis­tema de saúde pública do país), que de­sempenhou a função entre 1998 e 2002, estava sentado em um palco pouco ilumi­nado em uma sala de convenções lotada. Junto ao corpo, trazia o calhamaço do relatório intitulado “Saúde mental: cultura, raça e etnicidade” (Mental health: culture, race, ethnicity, U.S. Department of Health and Human Services [DHHS], 2001), que estava sendo lançado oficialmente naque­le mesmo dia. Os psicólogos começavam a encher a sala de reuniões para ouvir a sínte­se do Dr. Satcher sobre o relatório, que vi­nha sendo elaborado há anos. Quando che­gou sua hora de falar, Satcher discorreu sobre as influências fundamentais da cul­tura na saúde mental. Este trecho do rela­tório resume alguns de seus comentários:

A cultura [grifos nossos] é definida, em termos gerais, como um legado ou con­junto de visões, normas e valores comuns (U.S. DHHS, 1999). Ela se refere aos atri­butos compartilhados de um grupo... A cultura influencia inclusive se as pessoas chegam a procurar ajuda para sua saúde, que tipo de ajuda elas procuram, de que estilos de enfrentamento e apoios sociais dispõem, bem como quanto estigma elas atribuem às doença mentais. Todas as cul­turas também têm qualidades, como a resiliência e formas adaptativas de en­frentamento, que podem proteger algu­mas pessoas de determinados transtornos. Os consumidores de serviços de saúde mental trazem naturalmente essa diver­sidade cultural para o setting terapêutico... A cultura do clínico e o sistema de aten­ção à saúde como um todo comandam a resposta dada a um paciente com uma doença mental. Eles influenciam muitos aspectos da prestação de cuidados, in­cluindo o diagnóstico, o tratamento e a organização e o reembolso dos serviços. Os clínicos e os sistemas de prestação dos serviços têm estado mal equipados para atender às necessidades de pacientes com diferentes origens e, em alguns casos, têm demonstrado preconceito na prestação de atendimento (U.S. DHHS, 2001).

Havia duas mensagens-síntese no re­sumo de Satcher. Em primeiro lugar, “a cultura é importante” na consideração da etiologia (a causa de algo, como uma doença), efeitos e tratamento de proble­mas educacionais e psicológicos. Em segun­do, os psicólogos necessitam incorporar questões culturais a suas conceituações dos problemas e tratamentos psicológicos.

A necessidade de reconhecer influên­cias culturais amplas também se aplica aos nossos esforços para entender eventos educacionais, qualidades psicológicas e a [85] própria natureza do bem-viver. Essa ne­cessidade, contudo, não tem sido atendi­da, segundo críticos da iniciativa da psicologia positiva. Esses críticos observaram que a maioria dos estudos voltados às qua­lidades não trata das influências culturais em nossos planos de pesquisa, prestação de serviços e avaliações de programas (Ahuvia, 2001; Leong e Wong, 2003; Sue e Constantine, 2003). Mais além, os crí­ticos demandam mais discussão sobre como a “cultura é importante” nas ativi­dades de pesquisa e na prática da psicolo­gia positiva.

Exortamos quaisquer futuros psicólo­gos positivos que estejam lendo este capí­tulo a levar em conta a cultura como uma importante influência sobre o desenvolvimen­to e a manifestação das qualidades e do bem-viver humanos. Esse objetivo é desafiador porque a psicologia, como disciplina, tem sido ineficaz para incluir as variáveis cul­turais no estudo da saúde e das doenças mentais. Da mesma forma, os psicólogos positivos parecem estar divididos sobre a questão de se a ciência e a prática são isen­tas da influência cultural (ou seja, têm uma postura neutra e objetiva no exame dos tra­ços e comportamentos humanos “univer­sais”) ou são carregadas de cultura (ou seja, reconhecem as influências dos valores cul­turais no exame das qualidades e do funcio­namento positivo).

Neste capítulo, descrevemos:

  1. as posturas históricas dos psicólogos com relação aos papéis da cultura so­bre os comportamentos positivos e ne­gativos;
  2. os enfoques dos psicólogos positivos à incorporação das perspectivas culturais em seu trabalho e
  3. o papel das influências culturais em nossas futuras explorações das qualida­des e do funcionamento positivo.

Inicialmente, tratamos das tentativas históricas (e, muitas vezes, fracassadas) do campo em entender os papéis das forças culturais na determinação de nossas [87] formações culturais. Em segundo, examina­mos as afirmações de que a psicologia po­sitiva é isenta de influências culturais ou de que é carregada de cultura. Em terceiro e último lugar, discutimos os passos neces­sários para posicionar a psicologia positi­va no contexto cultural. Ao final deste ca­pítulo, pode ser que tenhamos levantado mais perguntas do que respostas. Obvia­mente, consideramos essas perguntas como fundamentais para o futuro da psicologia positiva, e muitos dos leitores deste texto podem ser chamados a tratar dessas ques­tões em suas carreiras.

Entendendo a cultura: uma questão de perspectiva

A psicologia, no século XX, viveu um corpo-a-corpo com o tópico de diferenças individuais. Muitas das discussões sobre esse tema estavam relacionadas à cultura. Nos últimos 100 anos, por exemplo, a psi­cologia avançou, passando da identifica­ção das diferenças associadas à cultura para a identificação e apreciação da singulari­dade individual.

No final do século XIX e início do XX, antropólogos e psicólogos costumavam se referir à raça e à cultura como determi­nantes das características e comportamen­tos pessoais, positivos e negativos. Os paradigmas de pesquisa, influenciados pe­las forças sociopolíticas da época, produ­ziram conclusões que, em termos gerais, estavam em sintonia com a visão de que a raça ou a cultura dominante era superior a todos os outros grupos étnicos ou minori­tários dos Estados Unidos. Essas aborda­gens que destacavam a inferioridade de determinados grupos raciais ou culturais foram chamadas de perspectivas genética e culturalmente deficientes sobre a diversida­ de humana, ao passo que a perspectiva ge­neticamente diferente reconhece o potencial de cada cultura para engendrar qualida­des únicas (Sue e Sue, 2003).

A hipótese dos psicólogos que apoia­ram o modelo geneticamente deficiente era de que as diferenças biológicas expli­cavam lacunas percebidas nas capacidades intelectuais entre grupos raciais. Mais além, os proponentes desse modelo afirmavam que as pessoas que possuem inteligência in­ferior não poderiam se beneficiar das opor­tunidades de crescimento e, como tal, não contribuíam para o avanço da sociedade.

Usou-se a pseudociência para de­monstrar a suposta base genética da inte­ligência e destacar a “descoberta” da supe­rioridade intelectual de europeus e euro-americanos. Por exemplo, a craniometria, que é o estudo da relação entre as caracte­rísticas do crânio e a inteligência (às ve­zes, medindo-se a quantidade de semen­tes de pimenta necessárias para encher crâ­nios secos), era uma abordagem pseudo-científica para demonstrar a relativa supe­rioridade de um grupo sobre outro.

Tais noções de inferioridade genética constituíram um foco importante da pes­quisa em eugenia (o estudo dos métodos de redução da “inferioridade genética” por meio de procriação seletiva) liderada por psicólogos norte-americanos como G. Stanley Hall e Henry Goddard. Hall “acre­ditava firmemente em raças humanas ‘su­periores’ e ‘inferiores’” (Hothersall, 1995, p. 360). Goddard tinha visões semelhan­tes com relação à raça e inteligência, e no início do século XX, estabeleceu procedi­mentos de triagem (usando testes formais de inteligência semelhantes aos que se usam hoje em dia) na Ilha de Ellis, para aumentar os níveis de deportação de pes­soas “pouco inteligentes” (Hothersall, 1995). Assim, pessoas de todo o mundo recebiam testes de inteligência complexos, geralmente em uma língua que não a sua, no mesmo dia em que chegavam de uma longa viagem pelo oceano. Não surpreen­de que os resultados desses testes fossem uma estimativa ruim do funcionamento intelectual dos imigrantes.

Em meados do século XX, a maioria dos psicólogos havia abandonado a visão [88] de que a raça predeterminava as capacida­des cognitivas e os resultados que a pessoa obteria na vida. Na verdade, o foco foi redirecionado, passando da raça à cultura ou, mais especificamente, às “deficiências culturais” evidenciadas nas vidas cotidia­nas de algumas pessoas. Na abordagem culturalmente deficiente ao entendimen­to das diferenças entre as pessoas, os psi­cólogos (como Kardiner e Ovesey, 1951) identificavam uma série de fatores ambien­tais, nutricionais, lingüísticos e interpes­soais que supostamente explicariam o ra­quítico crescimento físico e psicológico de membros de determinados grupos. A hipótese era de que as pessoas careciam de determinados recursos psicológicos porque sua exposição aos valores e costumes pre­dominantes na época, ou seja, os dos euro-americanos, era limitada (vide a discussão de privação cultural em Parham, White e Ajamu, 1999). Muitos pesquisadores e pro­fissionais tentaram explicar os problemas e esforços das pessoas examinando cuida­dosamente a justaposição de culturas, es­pecificamente aquelas que eram conside­radas como marginais de alguma forma, quando comparadas às consideradas pre­dominantes (de classe média, suburbanas, socialmente conservadoras). Os desvios da cultura normativa eram considerados “de­ficientes” e motivo de preocupação. Em­bora desse mais atenção aos efeitos das variáveis externas do que ao modelo gene­ricamente deficiente anterior, esse modelo continuava aplicando uma-estrutura precon­ceituosa, negativa e simplista para avaliar es capacidades cognitivas dos membros de grupos minoritários (Kaplan e Sue, 1997).

Após décadas em que alguns psicólo­gos afirmavam que certas raças e culturas eram melhores do que outras (ou seja, que os euro-americanos eram superiores às minorias), muitos profissionais começaram a apoiar a perspectiva culturalmente di­ferente, na qual se reconheciam a singularidade e as qualidades de todas as cultu­ras. Recentemente, pesquisadores e profissionais começaram a considerar explica­ções da diversidade inerente em compor­tamentos humanos positivos e negativos que são culturalmente pluralistas (que re­conhecem entidades culturais distintas e adotam alguns valores norte-americanos tradicionais) e culturalmente relativistas (que interpretam os comportamentos den­tro do contexto da cultura). Muito embora as explicações pluralistas e relativistas se­jam amplamente aceitas, debate-se se a pesquisa e a prática em psicologia positiva são isentas da influência da cultura ou es­tão carregadas dela. Esse debate é situado e discutido na próxima seção.

Psicologia positiva: isenta ou carregada de influências culturais?

Os cientistas e os profissionais da psi­cologia positiva estão comprometidos com o estudo e a promoção do bom funciona­mento humano. Embora tenhamos esse ob­jetivo comum, vamos em busca dele por muitos caminhos diferentes. Observadores externos podem concluir que todos os pesquisadores do campo da psicologia positiva fazem perguntas semelhantes e usam mé­todos semelhantes. Tais observadores tam­bém podem observar que todos os profissio­nais da psicologia positiva se concentram nas qualidades dos clientes e ajudam as pes­soas a avançar em direção a resultados po­sitivos em suas vidas. Nossas especialidades educacionais (como a psicologia social, de saúde, da personalidade, do desenvolvimen­to, terapêutica e clínica), contudo, podem determinar aspectos específicos das ques­tões examinadas e das ferramentas de pesquisa utilizadas. Da mesma forma, nossas orientações teóricas para a terapia (como a humanista, a cognitivo-comportamental, focada em resultados) podem influenciar nossos esforços para ajudar as pessoas a fun­cionar melhor. Até que ponto consideramos a pesquisa e a prática da psicologia positiva como isentas ou carregada de influências [89] da cultura também pode ser um fator a moldar nossos focos e métodos.

Desde 1998, o debate sobre as in­fluências culturais na pesquisa e na práti­ca da psicologia positiva tem sido realiza­do formalmente em convenções e informal­mente em listas de discussões pela internet e em salas de aula. A maioria dos profis­sionais provavelmente tem confiança na objetividade de seus métodos. Eles também provavelmente reconhecem a necessidade de entender a impressionante diversidade da existência humana. Alguns deles ado­tam posições extremas (como “a psicolo­gia positiva é isenta de influências da cul­tura e NÃO ESTÁ carregada de cultura”, ou “a psicologia positiva ESTÁ carregada de cultura e NÃO ESTÁ isenta de influên­cias da cultura”) e defendem suas visões com muito vigor. Tendo testemunhado es­ses debates e participado de alguns deles, as três questões recorrentes parecem estar relacionadas:

  1. aos efeitos dos valores culturais dos profissionais em suas pesquisas e prá­ticas;
  2. à universalidade das qualidades hu­manas e
  3. à universalidade da busca da felicidade.

O Quadro 5.1 apresenta os extremos de cada uma dessas três posições. Nas se­ções que seguem, detalhamos as perspec­tivas dos proponentes de cada posição. Além disso, apresentamos miniexperimentos para provocar o leitor a pensar sobre a aplicação dessas perspectivas.

Quadro 5.1

Pesquisa e prática isentas de influências culturais na psicologia positiva

Os que defendem a abordagem “isen­ta de influências culturais” sustentam que a ciência social positiva é descritiva e objeti­va e que seus resultados “transcendem cul­turas e políticas específicas e abordam a universalidade” (Seligman e Csikszentmi- halyi, 2000, p. 5). Esses profissionais afir­mam que os valores culturais dos pesqui­sadores e dos profissionais não influenciam seu trabalho. A lógica subjacente é de que os cientistas rigorosos usam métodos bem-desenvolvidos e ferramentas validadas. Da mesma forma, os terapeutas consciencio­sos e eficientes utilizam avaliações e inter­venções validadas.

Com relação à universalidade de nu­merosas qualidades humanas, Peterson e Seligman (2004) detalham sua ampla bus­ca por virtudes e qualidades que são valo­rizadas por todas as pessoas em diferentes culturas (vide o Capítulo 4 para uma [90] discussão da Classificação de Qualidades VIA). As 24 características pessoais identificadas por Peterson e Seligman estariam presen­tes em todas as sociedades e seriam consi­deradas positivas em todos os grupos cul­turais. De fato, pesquisadores que foram aos quatro cantos do mundo para entre­vistar membros de tribos (como os Inuit, da Groenlândia, e os Maasai, no Quênia) informam evidências descritivas e quanti­tativas que sustentam a existência e a desejabilidade dessas Qualidades VIA em cul­turas específicas (Biswas-Diener e Diener, no prelo).

A ideia de que todo mundo quer ser feliz é o pressuposto orientador do livro de David Myers, A busca dafelicidade (The pursuit of happiness, 1993), e muitos psi­cólogos positivos concordam com essa vi­são. Sobre isso, pesquisadores do bem-es­ ar subjetivo (como Kahneman, Diener e Schwartz, 1999) fizeram levantamentos com pessoas de todo o mundo e concluí­ram que a felicidade define as experiên­cias emocionais das pessoas na maioria dos países.

Pesquisa e prática carregadas de cultura na psicologia positiva

A perspectiva culturalmente carrega­ da sobre a psicologia positiva está intima­mente associada a esforços para contextualizar todas as iniciativas de pesquisa e prática. Especificamente, as [91] recomendações sensíveis à cultura com relação à prá­tica, à pesquisa e à formulação de políticas (APA, 2003) estimulam os profissionais a desenvolver competências específicas para ajudar a levar em conta as influências cul­turais sobre a psicologia. Nessa linha, os apoiadores da posição culturalmente car­regada concordariam que a pesquisa e a prática são realizadas na intersecção entre as culturas dos profissionais e as dos parti­cipantes ou clientes. Sendo assim, afirma-se que os valores culturais do pesquisador e do profissional influenciam a psicologia positiva.

Embora reconheçam que pode existir um grupo principal de traços e processos positivos em todas as culturas, os profissi­onais que acreditam que todas as qualida­des são carregadas de cultura sustentam que a maioria deles se manifesta de for­mas muito diferentes, com propósitos dis­tintos, em culturas diferenciadas. Sandage, Hill e Vang (2003) apresentam um bom exemplo de como o perdão (uma das 24 qualidades VIA) é valorizado em diferen­tes culturas e, ainda assim, opera de forma muito distinta dentro de cada uma delas. Em sua análise do processo de perdão en­tre norte-americanos descendentes dos Hmong, na Ásia, Sandage e colaboradores descobriram que ele se concentra na res­tauração do respeito e na recuperação da relação, enfatiza um componente espiritual e é facilitado por um terceiro. Embora ou­tras conceituações do perdão enfatizem a recuperação da relação, os componentes espirituais e a necessidade da facilitação de um terceiro parecem ser raros.

Sobre a noção de felicidade como um estado humano desejado universalmente, os psicólogos (por exemplo, Constantine e Sue, 2006; Leong e Wong, 2003; Sue e Constantine, 2003) observaram que o so­frimento e a transcendência são os objeti­vos de alguns indivíduos que adotam uma perspectiva oriental sobre a psicologia po­sitiva (vide o Capítulo 3). Dessa forma, a felicidade pode ser simplesmente um sub­ produto do processo da vida. Ahuvia (2001, p. 77) narrou sua experiência com pessoas que não compartilhavam do dese­jo “universal” de ser felizes:

Há alguns anos, um indiano, meu aluno de doutorado, viu a contracapa do livro de Myers (1993), que dizia “Todos que­remos ser felizes...”. O aluno sim­plesmente disse: “Eu não”. Eu me lembro de outra conversa, com um jovem de Cingapura, que me contou que ia se ca­sar com sua noiva porque isso era espera­do dele socialmente, e não porque ele seria feliz no casamento... Da mesma for­ma, troquei longos e-mails com um aluno coreano que era muito explícito em rela­ção a escolher uma carreira para ficar rico, não para ser feliz, de forma que pudesse agradecer seus pais, comprando-lhes um Mercedes novo.

Os resultados de inventários subjeti­vos em nível nacional sobre bem-estar (Kahneman, Diener e Schwartz, 1999) tam­bém sugerem que há diferenças, com o passar das décadas, em relação aos níveis de felicidade entre países.

Isenta de cultura versus carregada de cultura: um debate em andamento?

A discussão dessa questão pode não ser necessariamente o melhor uso dos re­cursos profissionais. John Chambers Chris­ topher (2005), da Universidade de Mon­tana, nos Estados Unidos, argumenta que “a psicologia positiva requer uma filosofia das ciências sociais que seja consistente o suficiente para dar conta de questões ontológicas, epistemológicas e éticas/morais, indo além do objetivismo e do relativismo” (p. 3-4). O texto completo do artigo de Christopher, reimpresso aqui, detalha suas sugestões para dar à psicologia positiva uma estrutura conceitual mais forte. [92]  

Situando a psicologia positiva em um contexto cultural

As perspectivas passadas da psicolo­gia sobre a cultura, junto com o debate "isenta de cultura-carregada de cultura”, narram as ciladas e o avanço associados às tentativas profissionais de entender as in­fluências da cultura sobre a pesquisa e a prática da psicologia positiva. Apresenta­mos aqui recomendações para ajudar a entender o papel da cultura na psicologia positiva.

Examinando a equivalência dos "positivos" para determinar o que funciona

Estabelecer a aplicabilidade intercultural de constructos e processos vai além de se determinar se as qualidades e os me­canismos de enfrentamento existem e são valorizados por membros de diferentes grupos culturais. Além disso, demanda um conhecimento da psicologia específica do grupo (Sandage et al., 2003) que conte a história de como e quando a qualidade ou o processo passou a ser valorizado dentro da cultura e como ele funciona atualmen­te de forma positiva.

O estudo qualitativo do uso que uma pessoa faz de uma determinada qualidade em sua vida cotidiana poderia melhorar nosso conhecimento de como a cultura é importante no desenvolvimento e na ma­nifestação dessa qualidade; e estudos rigo­rosos, quantitativos e interculturais pode­riam revelar mais informações sobre como uma qualidade leva a um determinado re­sultado voltado na vida ou está associada a ele em uma cultura, mas a outro, em outra.

Outra forma de desvelar as nuanças culturais associadas a um constructo ou processo positivo é perguntar às pessoas como uma determinada qualidade ganhou força em suas vidas cotidianas. Por exem­plo, o “Teste de esperança: cabeça, coração, sagrado” se mostrou uma maneira eficaz de começar discussões (dentro e fora de sessões de terapia) e exposições sobre a es­perança possibilita que as pessoas reflitam sobre a história de como a esperança veio a ser importante em suas vidas e a fazer parte de sua cultura. Introduzimos esse tes­te da seguinte forma (Lopez, 2005, p. 1):

Hoje falaremos do poder da esperança em nossa vida. Antes de começar, preciso sa­ber como vocês entendem essa coisa cha­mada esperança. O que faremos é o se­guinte: levantem as duas mãos (o monitor levanta as mãos). Quando eu contar até três, quero que apontem de onde vem a SUA esperança. Em função da origem e de todas as experiências de vida de vocês, onde vocês acham que sua experiência se origina... em sua cabeça (o monitor apon­ta para a cabeça), essa parte pensante de vocês, em seu coração (o monitor aponta para o coração), do amor que vocês têm por outras pessoas e elas por vocês, ou do sagrado (o monitor aponta para cima e para tudo ao redor), sua vida espiritual? Agora, podem usar as duas mãos para apontar para um lugar se acharem que sua esperança vem daquele lugar, ou po­dem usar uma mão para apontar para um lugar e a outras para apontar para outro (o monitor demonstra). Alguma pergun­ta? Então, quando eu contar até três, apontem para o lugar de onde vem sua esperança... 1, 2, 3.

Inevitavelmente, há uma diversidade de gestos que captam as visões das pesso­as acerca de sua esperança. À medida que olham ao redor da sala, os participantes começam a fazer perguntas uns aos outros e, às vezes, iniciam histórias. Algumas des­sas histórias sobre a esperança são conta­das ao grupo mais amplo, e a base cultural da esperança de cada pessoa fica mais evi­dente. A esperança, como a entendem as pessoas leigas, está claramente baseada em visões, valores e experiências.

Chang (1996a, 1996b), em uma sé­rie de estudos quantitativos sobre [95] otimismo em asiático-americanos e caucasianos, destacou a importância de se entender a equivalência dos constructos entre grupos culturais. Em um estudo, Chang (1996a) examinou a utilidade do otimismo e do pessimismo para predizer comportamentos em relação a solução de problemas, sintomas depressivos, sintomas psicológicos gerais e sintomas físicos. Em geral, os resultados desse estudo revelam que os asiático-ame­ricanos foram muito mais pessimistas do que os caucasianos (segundo o Extended life orientation test; Chang, Maydeu-Olivares e D’Zurilla,1997), mas não muito diferentes dos caucasianos em seu nível de otimismo. Essas conclusões foram corrobo­radas quando se examinaram dados de uma mostra independente (Chang, 1996b). Chang aponta para o fato de que suas con­clusões podem sugerir que os asiático-ame­ricanos são geralmente mais negativos em sua afetividade do que os cáucaso-americanos, exceto pelo fato de que o autor não encontrou diferenças significativas nos sin­tomas depressivos informados entre os dois grupos. Na verdade, o otimismo teve corre­lação negativa com os sintomas psicológicos e físicos gerais para os ásio-americanos, mas não para os cáucaso-americanos. Além dis­so, a solução de problemas apresentou correlação negativa com sintomas depressivos para ásio-americanos, mas nenhuma rela­ção para os caucasianos. Por fim, foi reve­lado que, enquanto o pessimismo apresen­tou correlação negativa com os comporta­mentos de solução de problemas para os caucasianos, a correlação para os ásio-ame­ricanos foi positiva.

Até mesmo em casos em que pessoas de diferentes origens usam estratégias co­muns de formas semelhantes, os benefícios dessas estratégias muitas vezes não são os mesmos. Sendo assim, devemos ter caute­la ao prescrever determinadas estratégias de coping que, na superfície, parecem ser de beneficio universal. Consideremos ou­tro exemplo: Shaw e colaboradores (1997) concluíram que o uso de quatro estraté­gias de coping parecia transcender a cultu­ra (ou eram valorizadas da mesma forma nas culturas) para parentes que eram cuidadores (os participantes de Xangai, na China, e de San Diego, nos Estados Uni­dos) que cuidavam de um ente querido que enfrentava a doença de Alzheimer. Essas quatro estratégias envolviam:

  1. agir;
  2. usar o apoio social;
  3. reavaliar cognitivamente situações da vida; e
  4. negar os problemas de saúde e suas de­mandas ou evitar pensar a respeito.

Contudo, os benefícios dessas quatro estratégias não eram comuns entre dife­rentes grupos culturais. Os resultados eram coerentes com outras pesquisas que indi­cavam que as mesmas estratégias de coping têm efeitos específicos em cada cultura (Liu, 1986).

As discussões com clientes, junto com estudos quantitativos e qualitativos bem-delineados com participantes, podem ofe­recer bons dados sobre a equivalência dos constructos e processos positivos em dis­tintas culturas. Com esses dados na mão, seremos mais capazes de avaliar quais qualidades beneficiam a quem (em quais si­tuações) e quais intervenções positivas po­dem ajudar as pessoas a criar vidas melho­res para si.

A medida que os profissionais tentam aprimorar as qualidades em grupos cultu­ralmente diversificados de pessoas (vide o Capítulo 15, junto com Linley e Joseph [2004] para discussões sobre psicologia po­sitiva na prática), devemos nos fazer e res­ponder a seguinte pergunta: “O que funciona para quem?”.

Determinando as bases do bem-viver

Como foi sugerido na seção anterior, as visões culturais das pessoas em relação a perdão, esperança, otimismo, enfrentamento, independência, coletivismo, [96] espiritualidade, religião e muitos outros tópicos podem ter influência sobre como determi­nadas qualidades funcionam em suas vidas, como elas respondem a esforços para aprimorar qualidades pessoais e quais re­sultados na vida elas valorizam. Nossa ver­são de uma história comum, que chama­mos de “O sábio do golfo”, corporifica al­gumas dessas questões. 

As visões sobre o bem-viver são cons­truídas pessoalmente ao longo de nossa vida. No início, temos demandas naturais que persistem, como comer e dormir, e, à medida que nos tomamos mais cônscios de nosso entorno, vinculamos nossas deman­das naturais a outras, culturais, como co­mer determinados alimentos e adotar ri­tuais para dormir. Esse vínculo de nossas necessidades naturais com as influências culturais define os contornos de nosso dia a dia (Baumeister e Vohs, 2002). A partir das experiências de nosso cotidiano, cons­truímos nossas visões pessoais sobre o que é a vida e formamos visões de mundo (Koltko-Rivera, 2004), ou “forma[s] de des­crever o universo e a vida nele, tanto em termos do que é quanto do que deveria ser” (p. 4). Teoricamente, nossa visão pessoal do mundo define quais motivações e com­portamentos são desejáveis e quais são in­desejáveis e, em última análise, quais ob jetivos de vida deveriam ser buscados (Koltko-Rivera). Dado que nossas experiên­cias culturais podem estar intrinsecamente ligadas ao que consideramos como as bases do bem-viver, seria razoável crer que todas as pessoas (no mundo) desejam a fe­licidade (como a definem os psicólogos positivos norte-americanos; vide o Capítu­lo 7)? Ou há resultados na vida que são tão valorizados e valorizáveis quanto a fe­licidade? Essas são perguntas que podem ser exploradas em uma discussão casual entre amigos (recomendamos que você a faça), mas também devem ser examinadas empiricamente. Uma pesquisa mundial rea­lizada com rigor científico, como a que está atualmente sendo promovida pela Organi­zação Gallup, pode esclarecer as grandes esperanças das pessoas. O futuro trabalho e a pesquisa em psicologia positiva tam­bém devem levar em consideração a possi­bilidade de que as forças culturais influen­ciem aquilo que os indivíduos consideram como as bases do bem-viver.

Reflexões finais sobre a complexidade das influências culturais

A psicologia e os futuros psicólogos positivos continuarão a lutar para enten­der a complexidade das influências cultu­rais sobre o desenvolvimento e a manifes­ tação das características pessoais positivas e os resultados desejáveis na vida. A di­versidade cultural cada vez maior dos Estados Unidos, junto com rápidos avan­ços tecnológicos que facilitam nossa interação com pessoas de todo o mundo (Friedman, 2005), irá ultrapassar o ritmo de nossas descobertas sobre os papéis es­pecíficos que as culturas cumprem na psi­cologia. Dado que não se pode ter certeza em relação a questões como a universali­dade de determinadas qualidades ou ate onde a cultura modifica a forma como uma qualidade se manifesta, devemos fazer o melhor que pudermos para determinar se e como “a cultura é importante” em cada interação com um cliente ou participantes de pesquisa.

Os avanços em direção ao objetivo de levar em conta a cultura como influência básica no desenvolvimento e na manifes­tação das qualidades e do bem-viver hu­manos em nossas pesquisas e em nossa prática podem ser mais facilitados quando se tem consciência daquilo em que se acre­dita em termos da interação entre fenôme­nos culturais e psicológicos. Por meio de nossas experiências pessoais e profissionais, temos feito alguns progressos no sentide de situar o positivo em um contexto cultu­ral. Nossas atuais visões ou pressupostos se baseiam no que se sabe e no que não se sabe sobre qualidades e cultura humanas... e estão definitivamente abertas à análise crítica e ao debate. Em primeiro lugar, a qualidade psicológica é universal. Em di­versas épocas, lugares e culturas, a maio­ria das pessoas desenvolveu e refinou qua­lidades extraordinárias que promovem a adaptação e a busca de uma vida melhor. Em segundo, não há qualidades universais. Embora a maioria das pessoas as manifes­te, a natureza da manifestação difere sutilmente e nem tanto em diferentes épo­cas, lugares e culturas. Em terceiro lugar, os contextos afetam a forma como as qua­lidades são desenvolvidas, definidas, ma­nifestadas e aprimoradas, e nosso enten­dimento desses contextos contribui para uma apresentação diversificada da [98] capacidade humana. A história, a passagem do tempo, a cultura, as situações e os am­bientes, as perspectivas profissionais e as potencialidades humanas são determina­das reciprocamente. Quarto, a cultura é reflexo e determinante dos objetivos de vida que valorizamos e buscamos. O bem-viver está na mente de quem o vivência, e a visão daquilo que é importante será a força motriz de nossos objetivos na vida.

Psicologia - Psicologia positiva
8/19/2020 4:21:15 PM | Por Shane J. Lopez
Classificações e medidas das qualidades e resultados positivos do ser humano

Karl Menninger, um dos irmãos que aju­daram a construir a mundialmente famo­sa Clínica Menninger, tentou mudar a for­ma como os profissionais de saúde viam o diagnóstico, a prevenção e o tratamento das doenças mentais. Como parte de sua missão, estimulou clínicos e pesquisadores a dispensar velhos e confusos rótulos da doença. Então, conclamou ao desenvolvi­mento de um sistema de diagnóstico sim­ples que descrevesse os processos da vida, em lugar de estados ou condições precárias de saúde. Por fim, ele nos lembrou do poder das “expressões sublimes do instinto da vida” (Menninger et al, 1963, p. 357), especificamente a esperança, a fé e o amor. Nos últimos 50 anos, a psicologia e a psiquiatria têm-se ocupado dos aspectos con­fusos e sofridos da natureza humana e, como resultado de se manter um foco na patologia, os prestadores de serviços de saude ajudaram milhões de pessoas a aliviar seu sofrimento. Infelizmente, muito poucos profissionais se envolveram em to­do o exercício de ima­ginação descrito an­teriormente, e isso re­sultou em necessida­des não-atendidas de outros milhões de pessoas. Continua­mos a acrescentar complexidade a um sistema de diagnós­tico que não pára de crescer (American Psychiatric Association, 2000), pouco se sabe sobre o processo do viver e gastamos muito pouco tempo e pouca energia para entender os intangíveis do bem-viver, isto é, a esperança, a fé e o amor. Se Menninger estivesse vivo, acredito que consideraria nossa perspicácia e nosso conhecimento profissional como carentes de utilidade e fora de equilíbrio. Mais importante, ele [57] provavelmente perguntaria: “E o que é feito dos aspectos produtivos e saudáveis do fun­cionamento pessoal?”.

Imaginemos que se pudesse estabelecer um tipo de régua ou medida para o sucesso da vida, para o grau de satisfação que têm o indivíduo e o ambiente em suas tentativas mútuas de se adaptar um ao outro. Mais próxi­mo ao extremo dessa medida, poderiam surgir adjetivos positivos como "pa­cífico", "construtivo", "produtivo" e, na outra ponta, palavras como "confu­so", "destrutivo", "caótico". Elas descreveriam a situação em termos gerais. Para o indivíduo, em si, poderia haver, em uma extremidade, termos como "saudável", "feliz", "criativo", enquanto no outro estariam "desgraçado", "cri­minoso", "delirante". – Menninger, Mayman e Pruyser (1963, p. 2)

Embora as missões de muitos psicó­logos positivos tenham semelhanças com as idéias do Dr. Menninger, há muito por fazer para medir as qualidades humanas. (Estamos de acordo com a definição de Linley e Harrington [2006] de qualidade como a capacidade de sentir, pensar e se comportar de forma que possibilite o fun­cionamento ideal na busca de resultados valorizados.) Nesse sentido, pode-se afir­mar que o trabalho na classificação das doenças teve um avanço de 2000 anos com as iniciativas mais recentes de classificar as qualidades e os resultados possíveis. Portanto, é fácil entender por que conhece­mos melhor os defeitos do que as qualida­des das pessoas. Na revisão de Menninger e colaboradores (1963) da história da clas­sificação de doenças, observa-se que os sumérios e os egípcios faziam distinções entre histeria e melancolia já em 2600 a.e.c. A primeira tentativa de definir um conjun­to de virtudes está contida nos ensinamen­tos confucianos que datam de 500 a.e.c., nos quais Confúcio trata sistematicamente de jen (humanidade ou benevolência), li (ob­servância de rituais e costumes), xin (sin­ceridade), yi (dever ou justiça) e zhi (sa­bedoria) (Cleary, 1992; Haberman, 1998; vide o Capítulo 2, para uma discussão da filosofia confuciana e outras perspectivas orientais na psicologia positiva).

No século XXI, duas classificações de doenças conquistaram aceitação mundial. Em primeiro lugar, a Classificação Interna­cional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (1992) está em sua 10ª edição e continua a evoluir. Em segundo, o Manual diagnóstico e estatístico de transtor­ nos mentais (DSM), da American Psychiatric Association (2000) está agora em sua 6ª iteração como o DSM-IV-TR (Texto revisa­do). A CID tem uma abrangência mais am­pla do que o DSM, no sentido de que classifica todas as doenças, ao passo que o manual des­creve apenas os transtornos mentais. Atual­mente, nenhuma classificação das qualida­des ou dos resultados positivos humanos con­seguiu utilização ou aceitação mundial, mas algumas classificações e medidas foram cria­das, refinadas e amplamente disseminadas na última década. Neste capítulo, discutem- se os três sistemas de classificação a seguir:

  1. The Gallup Themes of Talent (Bucking­ham e Clifton, 2001), medido pelo Clifton StrengthsFinder e o CliftonYouth Strengths Explorer
  2. A Classificação de Qualidades Values in Action (VIA) (Peterson e Seligman, 2004) medida pelas versões adulta e jovem do VIA Inventory of Strengths
  3. Os 40 Recursos para o Desenvolvimen­to do Instituto Search (Benson, Leffert, Scales e Blyth, 1998), medidos por meio dos Perfis de Vida de Estudantes: Atitu­des e Comportamentos, do Instituto Search.

Em seguida, exploramos as dimensões de bem-estar geralmente usadas para des­crever a saúde mental. Pedimos que haja mais dedicação ao desenvolvimento de des­crições mais amplas e medidas mais sensí­veis dos resultados positivos. Por fim, enfati­zamos a necessidade de uma classificação abrangente do comportamento humano.

Classificações e medidas das qualidades humanas

Seja por traços e comportamentos positivos seja por negativos, o desenvolvi­mento de sistemas de classificação e medi­das é influenciado pelos valores da socie­dade e dos profissionais que criam tais va­lores. Como as culturas mudam com o pas­sar do tempo, é importante que essas ferramentas sejam revisadas regularmente para que permaneçam aplicáveis aos seus grupos-alvo. Discutimos agora as três es­truturas atuais, junto com medidas de qua­lidades positivas e suas propriedades psicométricas (as características de me­dição das ferramentas). Especificamente, comentamos a confiabilidade (até onde a escala é constante ou estável) e a valida­de (até onde a escala mede o que se pro­põe a medir) dessas ferramentas recente­mente elaboradas.

O Clifton Strengths Finder, da organização Gallup

Durante sua carreira de 50 anos na Universidade de Nebraska, na Selection Research Incorporated e na Gallup Orga­nization, Donald Clifton estudou o suces­so em uma ampla variedade de domínios empresariais e educacionais (Buckingham e Clifton, 2001; Clifton e Anderson, 2002; Clifton e Nelson, 1992). Ele baseava sua análise do sucesso em uma pergunta sim­ples: “O que aconteceria se estudássemos o que as pessoas têm de positivo?”. Ele tam­bém tratava de noções diretas que passa­ram no teste do tempo e no exame empí­rico. Em primeiro lugar, acreditava que os talentos podem ser operacionalizados, es­ tudados e acentuados em ambientes pro­fissionais e acadêmicos. Especificamente, ele definia o talento como “padrões natu­ralmente recorrentes de pensamento, sen­timento ou comportamento que possam ser aplicados de forma produtiva” (Hodges e Clifton, 2004, p. 257) e manifestados em experiências de vida caracterizadas por anseios, aprendizagem rápida, satisfação e atemporalidade. Ele considerava essas “matérias-primas” na forma de traços como sendo produtos do desenvolvimento nor­mal e saudável e de experiências bem-su­cedidas na infância e na adolescência. Igualmente, Clifton considerava as quali­dades como extensões do talento. Mais precisamente, o constructo da qualidade com­bina talento com conhecimento e habili­dades associados, e se define como a capa­cidade de ter desempenho constante, qua­se perfeito, em uma determinada tarefa.

Em segundo lu­gar, Clifton conside­rava o sucesso como aliado próximo dos talentos, das quali­dades e da inteli­gência analítica das pessoas. Com base nessas crenças, ele identificou centenas de talentos pessoais que indicavam su­cesso no trabalho e no desempenho aca­dêmico. Além disso, ele construiu entre­vistas semi-estruturadas de base empírica (tendo como referência a teoria e resulta­dos de pesquisas) para identificar esses talentos. Ao elaborar essas entrevistas, Clifton e colaboradores examinaram os pa­péis prescritos de uma pessoa (por exem­plo, um estudante, um vendedor, um ad­ministrador), visitaram o local de trabalho ou o ambiente acadêmico, identificaram pessoas com desempenho destacado nes­ses papéis e nesses ambientes, e determi­naram os pensamentos, sentimentos e com­portamentos duradouros associados ao sucesso situacional. Essas entrevistas também foram úteis na predição de resultados po­sitivos na vida (Schmidt e Rader, 1999) e, posteriormente, foram administradas a mais de 2 milhões de pessoas com propó­sitos de enriquecimento pessoal e seleção de funcionários. Ao considerar a criação de uma medida objetiva de talento em me­ados da década de 1990, Clifton e colabo­ radores sistematicamente revisaram dados dessas entrevistas e identificaram cerca de três dúzias de temas relacionados ao ta­lento envolvendo qualidades humanas po­sitivas e duradouras (vide o Quadro 4.1, para uma lista e uma descrição de 34 te­mas no sistema de classificação Gallup).

O primeiro passo para desenvolver o Clifton Strengths Finder como medida na internet (vide www.strengthsfinder.com) foi construir um conjunto de mais de 500 itens. A seleção desses itens foi baseada em evidências de validação de constructos, con­teúdos e critérios que sugeriam que a ferramenta cobria atributos subjacentes, toda a profundidade e amplitude do conteúdo, além das relações compartilhadas e dos poderes preditivos, respectivamente. Um conjunto menor foi deduzido posteriormen­te com base no funcionamento dos itens. Mais especificamente, as evidências usadas para avaliar os pares de itens foram tiradas de um banco de dados de mais de 100 estu­dos de validade preditiva (Schmidt e Rader, 1999). Foi realizada análise fatorial e de confiabilidade em várias amostras, para pro­duzir máxima informação sobre temas em um instrumento de mínima extensão. Mui­tos grupos de itens foram submetidos a testes-piloto, mantendo-se os que tinham as propriedades psicométricas mais fortes.

Em 1999, foi lançada uma versão do Clifton StrengthsFinder na internet, com­posta de 35 temas. Depois de vários meses de coleta de dados, os pesquisadores se de­cidiram por 180 pares de itens (360 itens, 256 dos quais são contabilizados) e a ver­são de 34 temas disponível atualmente. Embora os nomes de alguns temas tenham mudado desde 1999, suas definições e os 180 pares de itens não foram alterados. (Vide a Figura 4.1 para um resumo dos te­mas principais do autor do livro-texto.)

Nos últimos seis anos, pesquisadores da Gallup realizaram muitas pesquisas com o Clifton StrengthsFinder (resumidas em um relatório técnico feito por Lopez, Hodges e Harter, 2005). Entre as amostras, concluiu-se que a maioria das escalas (ou seja, os temas) é coerente internamente (apesar de poder conter não mais de quatro itens) e estável durante períodos entre 3 semanas e 17 meses. Especificamente, os coeficien­tes alfa variaram de 0,55 a 0,81 (um pa­drão psicométrico desejável seria de 0,70 ou mais) com WOO apresentando a mais alta coerência interna (0,81), e Conexão e Restaurador, as mais baixas (ambas abai­xo de 0,60).

No que se refere à estabilidade das escalas, a maioria das correlações teste-reteste esteve acima de 0,70 (considerado adequado para medir um traço pessoal).

Com relação à validade de constructo, algumas intercorrelações entre escores de temas sustentam a independência relativa dos temas, mostrando, assim, que os 34 temas proporcionam informações únicas. Por fim, um estudo correlacionando os te­mas do Clifton StrengthsFinder aos cinco grandes constructos de personalidade (abertura, conscienciosidade, extroversão, cordialidade e neuroticismo, conforme McCrae e Costa, 1987) forneceu evidências iniciais para a medição da validade con­vergente (isto é, eles estavarn correlaciona­dos, mas não em um nível que sugerisse redundância). Até o momento, não há es­tudos publicados que examinem as interco­rrelações entre os 34 escores de temas e as medidas de personalidade (além da medi­da dos cinco grandes).

Hoje em dia o Clifton StrengthsFinder está disponível em 17 línguas. É adequado para ser administrado a adolescentes e adultos com leitura em nível de 2ª série do ensino médio ou acima. Embora sejam usa­dos para identificar talentos pessoais, os materiais de apoio (por exemplo, Buckingham e Clifton, 2001; Clifton e Ander­ son, 2002; Clifton e Nelson, 1992) podem ajudar a descobrir como potencializar seus talentos para desenvolver qualidades den­tro dos papéis específicos que desempe­nham na vida. Deve-se sublinhar, contudo, que esse instrumento não é projetado ou validado para uso em seleção de pessoal ou em triagem relacionada à saúde men­tal. Cabe também outra advertência: co­mo o feedback do Clifton StrengthsFinder (apresentado como sendo os seus “Cinco temas principais”) é oferecido para estimu­lar o desenvolvimento intrapessoal, não se recomenda seu uso para comparações en­tre perfis de indivíduos. (Os cinco temas principais do respondente, em ordem de potência, estão incluídos no feedback. Os outros temas não são classificados ou co­municados aos respondentes. Também é o caso do feedback de qualidades que resulta [62] da medida Values in Action, a ser discutida a seguir.) Ademais, o Clifton StrengthsFinder não é sensível à mudança e, como tal, não deve ser usado como medida de crescimento para comparações do tipo “an­tes e depois”.

A Organização Gallup está desenvol­vendo um novo sistema de classificação de talentos, adequado para crianças e adoles­centes (entre 10 e 14 anos). Chama-se Clifton Youth Strengths Explorer, lançado em 2006. Seus formuladores acreditam que o conhecimento sobre as qualidades dos jo­vens irá ajudar a direcionar suas energias para maximizar seus potenciais (comuni­cação pessoal. Pio Juszkiewicz, 7 de no­ vembro de 2005). A versão do StrengthsExplorer testada no verão de 2005 cobre 10 temas (realizar, cuidado, competição, autoconfiança, dependência, descobridor, pensador do futuro, organizar, presença e relacionar-se). (O relatório psicométrico para a medida estará disponível após seu lançamento.) Ao preencher a medida, os [64] respondentes recebem um Caderno de Exercícios (Youth Workbook) resumindo seus três principais temas e incluindo ações e exercícios que, se completados, podem ajudar esses jovens a capitalizar suas qua­lidades. Também estarão disponíveis gui­as para pais e educadores, de forma que os cuidadores possam ajudar os jovens a de­ senvolver suas características positivas.

A classificação de qualidades VIA

A classificação de qualidades VIA (VIA Classification of Strengths, Peterson e Seligman, 2004) serve como antítese do DSM e é promissora para estimular e en­tender as qualidades psicológicas. Peterson e Seligman afirmam que, atualmente, te­mos uma linguagem comum para falar so­bre o lado negativo da psicologia, mas não há uma terminologia equivalente para des­crever as qualidades humanas. A classifi­cação proporciona essa linguagem comum e estimula um enfoque ao diagnóstico e ao tratamento mais baseado em qualidades (talvez, um dia, haja manuais de tratamento voltados a potencializar as qualidades acompanhando o manual de diagnóstico). Como escrevem esses psicólogos revolucio­nários, “nós... nos baseamos na ‘nova’ psico­logia dos traços que reconhece as diferen­ças individuais” ... que são estáveis e gerais, mas também são moldadas pelo ambiente do indivíduo e, portanto, capazes de mu­dar” (Peterson e Seligman, 2004, p. 5).

O sistema de classificação VIA, origi­nalmente encomendado pela Fundação Mayerson, foi gerado em resposta a duas perguntas básicas:

  1. “Como se podem definir os conceitos de ‘qualidade’ e ‘potencial máximo’; e
  2. como se pode saber se um programa de desenvolvimento positivo jovem atingiu seus objetivos?” (Peterson e Seligman, 2004, p. v).

Essas questões levaram a outras, mais filosóficas e mais práticas, sobre o caráter humano. Peterson e Seligman, assim co­mo muitos de seus colaboradores, aca­baram decidindo que os componentes do caráter incluem as virtudes (caracterís­ticas fundamentais valorizadas por al­guns filósofos mo­rais, pensadores reli­giosos e pessoas do dia-a-dia), qualida­des positivas de cará­ter (processos e mecanismos psicológicos que definem as virtudes) e temas situacionais (hábitos específicos que levam as pessoas a manifestar qualidades em deter­minadas situações).

A geração de itens para o sistema de classificação foi tentada pela primeira vez por um pequeno grupo de psicólogos e psi­quiatras após a revisão de dúzias de inven­tários de virtudes e perspectivas de cará­ter. Aplicando-se 10 critérios de qualidade (por exemplo, uma qualidade é valorizada moralmente por si só; uma demonstração de qualidade por parte de uma pessoa não diminui outras pessoas) a uma longa lista de constructos potenciais, foram identifi­cadas 24 qualidades, que depois foram or­ganizadas sob 6 virtudes gerais (sabedoria e conhecimento, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência), das quais é sabido que “surgem de forma con­sensual em diferentes culturas e ao longo do tempo” (Peterson e Seligman, 2004, p. 29). O Quadro 4.2 lista e descreve as 6 vir­tudes e as 24 qualidades. Peterson e Seligman declaram que seu enfoque à clas­sificação é sensível às diferenças de desen­volvimento nas quais as qualidades de ca­ráter são apresentadas e empregadas.
A medida desse sistema de virtudes e qualidades, o Values in Action Inventory of Strengths (VIA-IS), foi elaborada para des­crever as diferenças individuais de quali­dades de caráter, e não como categorias [65] distintas. O desenvolvimento da medida foi influenciado por uma ferramenta que era conhecida como a medida “fonte” (Lutz, 2000) e “se inspirou na medida StrengthsFinder, da Organização Gallup... ao formu­lar os itens de forma extrema (‘Eu sem­pre...’) e oferecer feedback aos respondentes com relação às suas qualidades de caráter superiores, e não das mais inferio­res” (Peterson e Seligman, 2004, p. 628).

Até hoje, o VIA-IS foi aperfeiçoado várias vezes, e a versão atual parece con­fiável e válida para identificar qualidades em adultos (com base em resumo de in­formações apresentado em Peterson e Seligman [2004] que é citado com muita frequência neste parágrafo. Com relação à confiabilidade da medida, todas as escalas têm constância e estabilidade satisfatórias em um período de quatro meses. As corre­lações entre as escalas são mais altas do que o esperado, dado que o inventário foi elaborado para medir 24 constructos.

As mulheres têm escores mais altos nas qualidades relacionadas às humanida­des do que os homens, e os afro-americanos têm escores mais altos do que mem­bros de outros grupos étnicos na escala da qualidade de espiritualidade. As evidências da validade da medida contêm os três con­juntos de conclusões a seguir.

  1. Indicações de qualidades por parte de amigos e parentes estão correlacionadas em um nível de cerca de 0,50 com os escores das escalas associadas para a maior parte das 24 qualidades.
  2. A maioria das escalas está correlacio­nada positivamente em medidas de sa­tisfação na vida.
  3. A análise fatorial oferece alguma susten­tação para a existência de 6 virtudes.

Os resultados da análise fatorial rea­lizada com os dados existentes, contudo, sugere, na verdade, 5 fatores (qualidades de moderação, qualidades intelectuais, qualidades interpessoais, qualidades emo­cionais e qualidades teológicas) em lu­gar das 6 virtudes propostas. Peterson e Seligman (2004) descreveram estudos comparando qualidades entre grupos de pessoas e argumentam que o VIA-IS é uma medida de resultados sensível à mudança. Os pesquisadores no Instituto VIA plane­jam realizar mais exames das proprieda­des psicométricas das medidas.

A 6ª versão do VIA-IS está disponível na internet (www.positivepsychology.org) e em papel, em inglês e em várias outras línguas. Os 240 itens (10 para cada quali­dade), respondidos com uma escala Likert de 5 pontos, podem ser completados em cerca de 30 minutos. O relatório de feed­ back consiste nas 5 principais qualidades, que são chamadas de qualidades principais. Vide a Figura 4.2, para o resumo das con­clusões do autor deste livro (S.J.L.) a par­tir do VIA-IS.

Uma versão para adolescentes dessa medida, chamada de Values in Action Inven­tory of Strengths for Youth (VIA-Youth), foi desenvolvida e está em processo de valida­ção, podendo estar disponível em 2006 (Christopher Peterson, comunicação pes­soal, 15 de outubro de 2004). Informações preliminares sobre o VIA-Youth, que contém 198 itens ( 6 a 12 itens para cada uma das 24 qualidades com uma escala de Likert de 5 pontos), sugeriram que a coerência é ade­quada para maioria e que a estrutura bási­ca da medida pode ser mais bem descrita por 4 fatores do que por 6 (Peterson e Park, 2003) . Versões para crianças e jovens de testes com cartões, contendo qualidades (Quinn, 2004; Lopez, Janowski e Quinn, 2004) , baseadas nas 24 qualidades do VIA, foram desenvolvidas, inicialmente validadas e são muito usadas por profissionais.

Os 40 recursos para o desenvolvimento, do Instituto Search

Os Recursos para o Desenvolvimento, do Instituto Search (Developmental Assets, Benson et al., 1998), originalmente concei­tuados na década de 1980 em resposta à questão “O que protege as crianças dos pro­blemas de hoje em dia?”, levam em consi­deração as variáveis internas e externas que contribuem para que uma criança prospe­re. Os pesquisadores do Instituto Search, coordenados por Peter Benson, realizaram diversos projetos de pesquisa, além de pro­mover discussões informais e grupos focais para garantir que os recursos para o desen­volvimento incluídos em sua estrutura fossem aplicáveis a todas as pessoas, culturas e ambientes nos Estados Unidos.

Os 40 Recursos para o Desenvolvi­mento, do Instituto Search, são vistos como experiências e qualidades positivas de sen­so comum, e se considera que reflitam fa­tores básicos que contribuem para que os jovens prosperem. A estrutura de Recur­sos de Desenvolvimento os categoriza se­gundo grupos internos e externos de 20 re­cursos cada um. Os 20 recursos externos são as experiências positivas que as crian­ças e os jovens obtêm por meio de intera­ções com pessoas e instituições; os 10 re­cursos internos são as características e com­portamentos pessoais que estimulam o de­senvolvimento positivo de pessoas jovens (vide o Quadro 4.3.).

O inventário de 156 itens, chamado de Search Institute Profiles of Student Life: Attitudes and Behaviors (Perfis de Vida de Estudantes: Atitudes e Comportamentos, do Instituto Search), foi realizada em 1989 e revisada em 1996 (vide Benson et al., 1998, para uma revisão). A medida (adequada para crianças e jovens) descreve os 40 Re­cursos para o Desenvolvimento dos respondentes, junto com 8 indicadores de prosperidade, 5 déficits de desenvolvimento e 24 comportamentos de risco. Infelizmente, há poucas informações no domínio públi­co sobre suas propriedades psicométricas.

Outras listas de recursos para o desen­volvimento (para bebês, crianças pequenas, crianças em idade pré-escolar, etc.) foram criadas pelo Dr. Benson e pelos pesquisado­ res do Instituto Search. Os pais e outros cuidadores são orientados a observar os re­cursos manifestados pelas crianças e que estão disponíveis no ambiente.

Distinguindo as medidas das qualidades humanas

Embora tenham sido criados por ra­zões diferentes, o Clifton StrengthsFinder, o VIA-IS e os Search Institute Profiles of Student Life identificam as qualidades bá­sicas de uma pessoa. O Quadro 4.4 ilustra [70] algumas das semelhanças e diferenças en­tre essas medidas. Essa informação pode ajudar na escolha do instrumento adequa­do para propósitos específicos, mas devem ser solicitados mais dados sobre as medi­das, a quem as desenvolveu, antes de ser feita uma escolha final.

Identificando suas qualidades pessoais

Durante anos, perguntamos a cente­nas de clientes e estudantes sobre seus de­ feitos e qualidades. Quase sem exceção, as pessoas respondem muito mais rapidamen­te sobre os defeitos do que as qualidades. (Vide os Miniexperimentos pessoais, para examinar essa questão e explorar suas qua­lidades passando pelas medidas discutidas neste capítulo.) Também se observou que as pessoas se esforçam para encontrar pa­lavras quando descrevem qualidades, ao passo que não lhes faltam palavras ou his­tórias que deem vida a seus defeitos.

Esperamos que os leitores aproveitem a oportunidade de descobrir suas qualida­des e que, dentro de algumas décadas, as pessoas venham a ter tanto a dizer sobre suas qualidades quanto sobre seus defei­tos. Nossas observações sobre pessoas que completaram uma avaliação de qualidades sugerem que as informações novas ou vali­dadas sobre suas qualidades pessoais lhe darão um impulso leve e temporário em termos de emoções positivas e em autocon­fiança. Você também irá querer comparti­lhar os resultados com pessoas à sua volta.

O caso de Shane

Na condição de psicólogos positivos, assumimos um compromisso com o desen­volvimento do que é positivo nos outros e, é claro, tentamos praticar aquilo que pre­gamos. Identificamos nossas qualidades por meio de avaliações formais e informais, e tentamos capitalizá-las todos os dias. Apresentamos aqui uma breve descrição de como um de nós (S.J.L.) usa suas qualida­des no dia-a-dia.

Quando recebi os resultados do Clifton StrengthsFinder (vide a Figura 4.1) e do VIA-IS (vide a Figura 4.2), refleti sobre os resultados e tentei entender como poderia dar uso imediato a ambos. Foi quando me dei conta de que tenho usado essas quali­dades todos os dias..., e é por isso que elas são minhas qualidades! Mesmo assim, de­cidi ser mais intencional em meus esforços para dar vida a elas. Esse objetivo de intencionalidade tratava de como eu [71] capitalizaria minhas qualidades, mas não tinha tratado do por quê. Acontece que era mui­to simples - eu queria tornar minha vida, que já era boa, ainda melhor. Era esse o resultado que eu desejava, e acreditava que essas “novas” qualidades proporcionariam um caminho em direção a esse objetivo.

Tenho que admitir que meus primei­ros esforços para usar intencionalmente minhas qualidades no dia a dia não foram muito bem-sucedidos. Embora tivesse acha­do que as conclusões estavam certas e fi­cado entusiasmado ao receber o feedback das qualidades, fui tomado pela ideia de melhorar meu uso de 5 ou 10 qualidades ao mesmo tempo. Por isso, decidi capitali­zar as qualidades que achei que seriam mais úteis para tornar minha vida melhor.

Escolhi os dois principais temas (Futurista e Maximizador) do feedback do Gallup e a principal qualidade (Gratidão) dos resul­tados do VIA. Imediatamente, parecia viá­vel se concentrar em três qualidades.

Com essas “três qualidades mais im­portantes” (como passei a chamá-las) em mãos, consultei os itens relacionados a ações (contidos em um formulário para impressão, como suplemento aos Temas Principais apresentados na Figura 4.1) as­ sociados a meus temas Futurista e Maximizador. Para o Futurista, decidi-me por uma atividade diária que poderia despertar mi­nha tendência a projetar em direção ao futuro: reservar um tempo para pensar so­bre o futuro. Soa bastante direto, mas ler essa ação me fez entender que eu poderia [72]  passar muito tempo sem pensar sobre o futuro, o que levou a uma insatisfação so­bre como andava minha vida. Colocar essa orientação em prática demandou fazer caminhadas diárias dedicadas a pensar so­bre o futuro. Muitas vezes, caminho à noi­te e converso com minha mulher sobre o futuro de nosso trabalho e de nossa famí­lia. Outras vezes, saio do meu escritório em torno do meio-dia e caminho pelo cam­pus refletindo sobre minhas aspirações. Essas caminhadas se tornaram um tempo apreciado que rende idéias empolgantes e muita satisfação.

Com relação ao meu tempo de Maximizador, acredito que esse tempo para me­lhorar os projetos, as idéias e as relações que já são bons contribui em muito para meu sucesso profissional. Examinando meus hábitos em casa e no trabalho, vi que estava me saindo muito bem em usar sistematicamente essa qualidade, o que me deixou com uma sensação de incerteza so­bre como proceder em meus esforços para capitalizá-la. Um dia, encontrei uma pes­soa que se orgulhava de fazer o papel do advogado do diabo cada vez que uma ideia era apresentada em uma reunião. Pensei nos muitos advogados do diabo que encon­trei ao longo dos anos e concluí que esses sujeitos não estavam necessariamente oferecendo qualquer feedback construtivo, que tornasse uma ideia melhor. Tampouco es­ tavam apresentando idéias alternativas que funcionassem melhor. Em minha opinião, tudo o que estavam fazendo era solapar minha criatividade e meu entusiasmo (ou os de outras pessoas). Para maximizar, en­tendi que deveria me cercar de pessoas que soubessem como tornar idéias boas ainda melhores. Esse critério tornou-se fundamental quando escolho amigos, colegas e alunos, e acredito que aumentou minha criatividade e a qualidade de meu trabalho. Tenho usado os temas Futurista e Maximizador no trabalho e em casa e creio que meus esforços me ajudaram nas duas esferas. Acredito que capitalizar essas qua­lidades levou a mais criatividade e produ­tividade no trabalho e mais sentido de pro­pósito para minha família e para mim. Usar a gratidão (minha terceira “qualidade mais importante”) com mais intencionalidade não gerou mais produtividade ou mais cla­reza em minha missão pessoal, mas foi gratificante no sentido de que traz alegria e uma sensação de intimidade com as pes­soas. Para fazer o máximo de minha grati­dão, decidi passar parte de minhas tardes de sexta-feira escrevendo bilhetes de agra­decimento (escritos à mão e enviados pelo correio, à moda antiga) a pessoas que to­caram minha vida naquela semana, outras vezes agradeço a quem me fez algo de bom na semana. Ocasionalmente, escrevo a alguém que me fez algo assim há anos (e a quem eu nunca havia agradecido ou que­ria agradecer de novo). Por fim, escrevo também a pessoas que fizeram bons traba­lhos (posso conhecê-las pessoalmente ou não) para expressar minha gratidão por seus esforços. Essa prática enriqueceu mi­nha vida emocional e fortaleceu muitas de minhas relações.

Ao me concentrar em três de minhas qualidades, tenho conseguido tornar mi­nha vida ainda melhor. Com o tempo, te­nho tido mais facilidade de capitalizar ou­tras qualidades, especialmente ideação, esperança e sabedoria. Vivenciar minhas qualidades passou a ser um estilo de vida para mim, e quero descobrir como isso irá influenciar o futuro das pessoas que amo e o meu.

Resultados de vida positivos para todos

Dimensões do bem-estar

A busca de felicidade tem sido tema de discussão em obras religiosas, textos fi­losóficos e proclamações dos puritanos pre­ cursores dos Estados Unidos. Mais recen­temente, artigos de revistas e livros para o público em geral situaram a felicidade [73] como sendo o principal resultado de vida concreto, da pesquisa e da prática da psi­cologia positiva. Contudo, como se descre­ve neste texto, a busca da felicidade é ape­nas um aspecto da psicologia positiva. Como pesquisadores e profissionais da psi­cologia positiva, certamente queremos que nossos participantes e clientes sejam feli­zes, mas também estamos interessados em saber se eles estão concretizando seus po­tenciais, indo em busca de seus interesses, cuidando de outras pessoas e levando vi­das autênticas. Até o momento, contudo, a felicidade (reflexo espontâneo de senti­mentos agradáveis e desagradáveis sobre a experiência imediata da pessoa) e a sa­tisfação na vida (sensação de contenta­mento e paz que vem de todas as lacunas entre desejos e necessidades) são de mui­to interesse para o campo da psicologia po­sitiva. Nesta seção do capítulo, discutimos a felicidade e a satisfação na vida como componentes do bem-estar, mas não como o único ou mais importante resultado de vida na psicologia positiva. (Este capítulo apresenta uma descrição básica da felici­dade como um resultado significativo na vida. A pesquisa básica sobre a felicidade é discutida no Capí­tulo 7.)

As teorias sobre o bem-estar subjetivo (também chamado de bem-estar emo­cional e felicidade), como o modelo emo­cional proposto por Diener e colaborado­res (Diener, 1984; Diener, Suh, Lucas e Smith, 1999), suge­rem que as avalia­ções dos indivíduos acerca de suas pró­prias vidas captam a essência do bem-estar. Ryff (1989) e Keyes (1998) propuseram en­foques objetivos ao entendimento do bem-estar psicológico e do bem-estar social, respectivamente. Nossa visão é de que o bem-estar nos planos psicológico e social oferece estruturas úteis para conceituar o funcionamento humano. Tomadas juntas, as descrições subjetivas de bem-estar subjeti­vo (isto é, felicidade) e descrições objetivas de bem-estar psicológico e social constituem um retrato mais completo da saúde mental (Keyes e Lopez, 2002). O Quadro 4.5 apre­senta as descrições dos três tipos de bem-estar e uma amostra de itens que cobrem esses componentes do funcionamento po­sitivo.

O bem-estar emocional consiste em percepções de felicidade e satisfação com a vida declaradas explicitamente, junto com o equilíbrio de sentimentos negativos e po­sitivos. Essa estrutura tripla de bem-estar emocional consiste em satisfação na vida, sentimentos positivos e ausência de senti­mentos negativos, e foi confirmada em di­versos estudos (como Bryant e Veroflj 1982; Lucas, Diener e Suh, 1996; Shmotkin, 1998). Na verdade, o acoplamento de satisfação e afeto serve como conceituação significativa e mensurável do bem-estar emocional.

Ryff (1989) propõe que alguns dos re­sultados favoráveis descritos pelos psicó­logos positivos podem ser integrados em um modelo de bem-estar psicológico (vide o Quadro 4.5). Autoaceitação, crescimen­to pessoal, propósito na vida, domínio do ambiente e relações positivas com outras pessoas são os seis componentes da concei­tuação de funcionamento positivo de Ryff. Esse modelo de bem-estar já foi investiga­do em diversos estudos, e as conclusões re­velam que as seis dimensões são constructos de bem-estar independentes, embora correlacionados. Especificamente, Ryff e Keyes (1995) realizaram uma análise em seis partes do modelo de bem-estar e con­cluíram que o modelo multidimensional tinha um ajuste superior em relação a um modelo de bem-estar de fator único.

Keyes (1998) sugere que, assim como classificam os desafios sociais que são evi­dentes na vida de um indivíduo, os clíni­cos deveriam avaliar as dimensões sociais do bem-estar. Sobre isso, ele propõe que [74] as dimensões da coerência, integração, rea­ lização, contribuição e aceitação são os componentes críticos do bem-estar social.

Keyes (Keyes e Lopez, 2002) também sugere que a saúde mental completa pode ser conceituada por meio de combinações de altos níveis de bem-estar emocional, psicológico e social. Indivíduos com esses altos níveis são descritos como prósperos (vide os critérios no Quadro 4.6). Nessa li­nha, indivíduos que não tenham doença mental, mas que tenham níveis baixos de bem-estar são descritos como abatidos. (Concluímos que a avaliação informal de níveis de bem-estar proporciona informa­ções valiosas com relação à faixa de fun­cionamento entre ser próspero e estar abatido.) Essa conceituação de saúde mental descreve uma síndrome de sintomas que podem ser tratados com técnicas de inter­venção voltadas a aumentar os níveis de bem-estar emocional, social e psicológico. Conceituação e tratamento estão bem li­gados nesse modelo.

Uma perspectiva teórica nova e integradora sobre o bem-estar pode oferecer mais ajuda para diminuir a lacuna entre nosso conhecimento baseado em pesquisa sobre o bem-viver e a capacidade de pro­movê-lo (Lent, 2004). Ao descrever um modelo que explica nossa capacidade para funcionar positivamente em condições nor­mais de vida e um que fornece orientação para restaurar o bem-estar em circunstân­cias difíceis, Lent destaca diversas alterna­tivas de tratamento (como a definição de objetivos, o aumento da eficácia, a cons­trução de apoio social) que promovem esse resultado de vida tão valorizado.

Rumo a um melhor conhecimento dos resultados positivos da vida

Como foi discutido neste capítulo e sugerido em outras partes do livro, acredi­tamos que as qualidades sejam ingredientes ativos do viver positivo. Essa visão pode ser testada empiricamente na vida cotidia­ na e em pesquisas se, e somente se, as de­finições e as medidas de qualidade captarem a verdadeira essência do melhor nas pessoas. Portanto, neste capítulo, apresen­tamos informações sobre três classificações de qualidades e suas respectivas medidas à sua avaliação crítica.

A maioria dos capítulos a seguir trata da ciência das qualidades positivas huma­nas (algumas dessas qualidades não estão listadas nos sistemas de classificação) que está sendo desenvolvida por psicólogos do desenvolvimento, da saúde, evolutivos, da personalidade, escolares e sociais. Muitos dos capítulos tratam da prática de levar uma boa vida e de como você, seus amigos e seus parentes podem capitalizar as qualidades e potencializar as emoções positivas para con­quistar resultados positivos na vida. Obser­ve que não tratamos da “ciência do bem-viver”. As iniciativas de pesquisa da psico­logia positiva pouco fizeram para descrever e medir resultados que não os que estão as­sociados à felicidade e à satisfação na vida, ou à “vida prazerosa” (Seligman, 2002).

Muito embora recomendemos um foco nos aspectos objetivos do bem-estar, argumentamos que é necessária uma con­ceituação mais ampliada do bem-viver para orientar nossos esforços em direção à mu­dança e ao crescimento positivo. Na parte final deste capítulo, sonhamos um pouco com o futuro da psicologia positiva, um fu­turo em que o amor romântico e agápico, uma escola, um trabalho e contribuições cívicas gratificantes figurem ao lado de ati­vidades lúdicas que geram recursos sejam todos, tão destacados quanto a própria fe­ licidade.

Resultados positivos na vida associados ao amor

O ágape é um amor espiritual que reflete abnegação e altruísmo. Esse tipo de amor envolve a preocupação pelo bem-es­tar do outro e uma postura relativamente [78] não exigente em relação a si mesmo. Em­bora essa não seja a forma mais celebrada de amor, pode ser a mais benéfica. Nossa visão é de que poderíamos usar nossas qua­lidades para ser mais generosos e para construir relações baseadas na abnegação. O amor romântico, especialmente o amor romântico apaixonado (tema apro­fundado no Capítulo 13), é muito deseja­do e comentado por pessoas de todas as idades. Pouco se celebra, no entanto, o amor romântico resiliente e o amor român­tico sustentado. Quais qualidades são ne­cessárias para fazer que uma relação fun­cione apesar dos momentos difíceis e, as­sim, prospere por 10, 30, 50 anos? Pode­ríamos determinar isso por meio de estu­dos mais sistemáticos de casais que rela­tam altos níveis de amor romântico depois de se relacionarem por muitos anos.

Resultados positivos na vida associados a escola, trabalho e contribuições cívicas

As escolas estão se tornando mais res­ponsáveis pelos resultados educacionais de seus alunos, e as empresas continuam a observar de perto o resultado final. Embo­ra os resultados desejados para estudantes e funcionários estejam bastante bem-formulados como aprendizagem e produtividade, respectivamente, devem haver ou­tros resultados positivos associados a [79] essas atividades importantes que nos ocupam durante toda a nossa vida.

Certamente, é possível descrever o sentido das realizações acadêmicas e do tra­balho, mas se pode medir até onde a escola­ridade (vide o Capítulo 16) e o emprego pro­veitoso (vide o Capítulo 17) estimulam o crescimento psicológico? E as medidas distais de resultados do estudo e do traba­lho? As contribuições cívicas de estudantes e empregados poderiam estar ligadas a ganhos em termos de desenvolvimento atin­gidos em estágios iniciais durante períodos importantes da escola ou do trabalho.

Resultados positivos na vida associados à atividade lúdica

A atividade lúdica nos introduz às ne­cessidades sociais, emocionais e físicas ne­cessárias para fazer o melhor da vida. Na verdade, divertir-se é considerado como uma “forma de prática ou crescimento proximal, ou domínio de habilidades” (Lutz, 2000, p. 33). Os resultados positi­vos de brincar na infância são inegáveis..., mas, ainda assim, não valorizamos o papel da atividade lúdica na idade adulta. Os benefícios dessa atividade, quando adulta e competitiva ou não competitiva, não fo­ram estabelecidos, e esse é um tópico ma­duro para mais pesquisa.

Identificando qualidades e avançando rumo a um equilíbrio vital

A visão estabelecida da doença men­tal como sendo progressiva e resistente foi questionada pelo conhecido psiquiatra Karl Menninger (Menninger et al., 1963). Ele conclamou os psiquiatras a considerar a do­ença mental como sujeita a mudança. As­sim, essa nova visão da doença mental faria um contraponto à visão antiga. Os psi­cólogos positivos agora demandam uma nova visão equilibrada da vida humana, que presta atenção tanto a defeitos quanto a qualidades. Embora não haja dúvidas de que atualmente se sabe muito mais sobre as falibilidades do que sobre os recursos de que dispõem os seres humanos, uma ciência forte e aplicações robustas volta­das às qualidades humanas irão proporcio­nar uma visão não apenas mais minuciosa, mas também mais precisa, da condição humana.

Observação

Em janeiro de 2003, o Dr. Clifton rece­beu uma homenagem da American Psychological Association como reco­nhecimento por seu papel pioneiro na psicologia baseada nas qualidades. A homenagem diz: “Vivendo com base na visão de que a vida e o trabalho pode­riam ser uma questão de construir o que é melhor e mais elevado, e não apenas de corrigir os defeitos, [Clifton] tornou-se o pai da psicologia baseada em qualidades e o avô da psicologia positiva”.

Psicologia - Psicologia positiva
8/18/2020 3:59:48 PM | Por Charles Richard Snyder
Observando o futuro por meio da esperança

Dada a considerável atenção que a teoria da esperança de C. R. Snyder (Snyder, 1994; Snyder, Harris et al., 1991) tem recebido nas últimas duas décadas, exploramos essa abordagem para explicar o pensamento esperançoso com um pouco de detalhamento. [177] (Snyder é professor de psicologia na Uni­versidade do Kansas e autor principal deste livro). Uma visão geral de todas as teorias da espe­rança é apresentada no Anexo A e o livro Hope and hopeles­sness: critical clinical constructs, de Farran, Herth e Popovich (1995), oferece um
bom panorama das várias abordagens para se definir e medir a esperança.

Uma definição

A teoria da esperança de Snyder e a definição de esperança enfatizam cognições que são construídas com base no pensa­mento voltado a objetivos. Definimos es­perança como o pensamento direcionado a objetivos, no qual a pessoa usa pensa­mento baseado em caminhos (a capaci­dade percebida de encontrar rotas que le­vem a objetivos desejados) e pensamento baseado em agência (as motivações ne­cessárias para usar essas rotas).

Apenas os objetivos que têm valor considerável para o indivíduo são conside­rados aplicáveis à esperança. Além disso, os objetivos podem variar em termos tem­porais - desde aqueles que serão atingidos nos próximos minutos (curto prazo) até os que levarão meses ou anos (longo prazo). Da mesma forma, os objetivos que a espe­rança acarreta podem ser voltados à apro­ximação (ou seja, voltados a atingir um objetivo desejado) ou preventivos (volta­ dos a interromper um evento indesejado) (Snyder, Feldman, Taylor, Schroeder e Adams, 2000). Por fim, os objetivos podem variar em relação à dificuldade de cumpri­mento, com alguns sendo bastante fáceis e outros, extremamente difíceis. Mesmo com objetivos supostamente impossíveis, as pes­soas podem unir forças e vencer por meio de muito planejamento e esforços persis­tentes. Com relação a essa última questão, esforços de grupo coordenados e bem-su­cedidos ilustram por que deveríamos ter cautela para caracterizar objetivos extremamente difíceis como sendo baseados em "falsas esperanças” (Snyder, Rand, King, Feldman e Taylor, 2002).

Demonstrou-se que o pensamento ba­seado em caminhos está relacionado à pro­dução de rotas alternativas quando as ori­ginais estão bloqueadas (Snyder, Harris et al., 1991), como uma fala positiva da pes­soa para ela mesma, em relação a rotas para objetivos desejados (por exemplo, "Vou achar um jeito de resolver isso"; Snyder, LaPointe. Crowson e Early. 1998). Além disso, as pessoas que se veem com maior capacidade de pensamento de agên­cia também endossam declarações pesso­ais energéticas, como ‘‘Vou continuar ten­tando” (Snyder, LaPointe et al., 1998), e têm muitas probabilidades de gerar e usar essa fala motivacional ao encontrar impe­dimentos.

As pessoas dotadas de elevadas espe­ranças têm configurações emocionais po­sitivas e uma sensação de prazer que vem de seu histórico de sucessos, ao passo que as de baixa esperança têm configurações emocionais negativas e um sentido de va­zio emocional oriundo de ter fracassado na busca de objetivos. Por fim: pessoas de alta ou baixa esperança levam consigo essas configurações emocionais dominantes ao realizar atividades específicas relacionadas a objetivos.

Figura 9.2

Os vários componentes da teoria da esperança podem ser vistos na Figura 9.2, com a relação interativa entre pensamen­to baseado em caminho e em agência situa­ da à extrema esquerda. Avançando da es­querda para a direita, a partir dos pensa­mentos de desenvolvimento baseados em agência/caminhos, podem ser vistas as con­ figurações emocionais específicas assumi­das em atividades na busca de objetivos es­ pecíficos. A seguir, ainda na Figura 9.2, estão os valores associados à busca de [178] objetivos específicos. Como observado ante­riormente, deve-se atribuir valor suficien­te à busca de um objetivo antes que o indi­víduo continue no processo de esperança, Nesse momento, os pensamentos de agên­cia e caminho são aplicados ao objetivo desejado. Aqui, o ciclo de realimentação acarreta emoções positivas que reforçam positivamente o processo de busca de ob­jetivos ou de emoções negativas, para in­terromper esse processo.

A Figura 9.2 mostra como, ao longo da trajetória até o objetivo, a pessoa pode encontrar um fator de estresse que bloqueie a busca real desse objetivo. A teoria da es­perança propõe que a busca bem-sucedida de objetivos desejados, especialmente ao se superarem impedimentos estressantes, resulta em emoções positivas e em iniciati­vas continuadas de busca de objetivos (isto é, reforço positivo). Por outro lado, se a busca de objetivos por parte de uma pes­soa não tiver êxito (muitas vezes porque a pessoa não consegue desviar de bloqueios), o resultado deve ser emoções negativas (Ruehlmam e Wolchik, 1988) e o processo de busca de objetivos será prejudicado.

Além disso, esse fator de estresse é interpretado de formas diferentes, depen­dendo do nível geral de esperança da pes­soa, Ou seja, as que têm alto nível de espe­rança interpretam esses obstáculos como desafios, e explorarão rotas alternativas, aplicando suas motivações a essas rotas. Geralmente, tendo vivenciado êxitos para se desviar desses obstáculos, tais pessoas são impulsionadas para a frente por suas emoções positivas. As que têm baixa espe­rança, contudo, ficam paradas porque não conseguem encontrar rotas alternativas; suas esperanças negativas e suas ruminações interrompem suas buscas de ob­jetivos.

Antecedentes da esperança na infância

Mais detalhes sobre os antecedentes do processo de esperança em termos de de­senvolvimento podem ser encontrados em Snyder (1994, p. 75-114) e Snyder, McDermott, Cook e Rapoff (2002, p. 1-32). Resumindo, contudo, Snyder (1994) pro­põe que a esperança não recebe [179] contribuíções hereditárias, e sim é uma configura­ção totalmente aprendida em relação ao pensamento direcionado a objetivos. O en­sino de pensamento direcionado a objeti­vos, baseado em caminhos e em agência, é uma parte inerente da paternidade e da maternidade, e os componentes do pensa­mento esperançoso já estão estabelecidos aos 2 anos. O pensamento baseado em ca­minhos reflete a aprendizagem básica de causa e efeito que a criança adquire de cuidadores e de outras pessoas. Esse pen­samento é adquirido antes do pensamento baseado em agência, considerando-se que este inicie próximo a se completar um ano. O pensamento de agência reflete o cres­cente entendimento por parte do bebê de que ele é a força causal nas muitas se­qüências de causa e efeito no ambiente ao seu redor.

Snyder (1994,2000a) propôs que um vínculo forte com os cuidadores é crucial para transmitir esperança, o que é coeren­te com as pesquisas disponíveis (Shorey, Snyder, Yang e Lewin, 2003). Eventos trau­máticos durante a infância também já fo­ram relacionados à diminuição da esperan­ça (Rodriguez-Hanley e Snyder, 2000), e há sustentação em pesquisas para os im­pactos negativos de alguns desses traumas (por exemplo, perda dos pais; Westburg, 2001) .

A neurobiologia da esperança

Embora Snyder e colaboradores te­nham sustentado que a esperança é uma configuração mental aprendida, isso não im­pede pensar que as operações do pensamen­to esperançoso tenham bases neurobiológicas, especialmente no que são relacio­nadas com comportamentos direcionados a objetivos. Norman Cousins, em seu livro de 1991, que teve alta vendagem, Headfirst: the biology of hope and the healing power of the human spirit, escreveu a excelente des­crição a seguir acerca do cérebro e do pen­samento relacionado à esperança. 

Os pesquisadores do cérebro acreditam atualmente que o que acontece no corpo pode afetar o cérebro e o que acontece no cérebro pode afetar o corpo. A espe­rança, o sentido de propósito e a deter­minação não são simples estados mentais, e sim têm conexões eletroquímicas que cumprem um papel importante no fun­cionamento do sistema imunológico e, de fato, em toda a economia do organismo humano como um todo. Resumindo, aprendi que não é anticientífíco falar de uma biologia da esperança... (p. 73)

Uma ideia nova e empolgante, nesse caso, é que as ações voltadas a objetivos são guiadas por processos de controle opos­tos no sistema nervoso central. Segundo Pickering e Gray (1999), esses processos são regalados pelo sistema de inibição comportamental (BIS) e pelo sistema de ativa­ção comportamental (BAS). O BIS é consi­derado reativo à punição e sinaliza o orga­nismo para parar, ao passo que o BAS é comandado por recompensas e envia a mensagem para se ir adiante. Um corpo de pesquisa relacionado sugere um siste­ma de facilitação comportamental (BFS) que motiva ações em busca de incentivos por parte dos organismos (vide Depue, 1996). Considera-se que o BFS inclui as vias da dopamina no mesencéfalo que se conectam com o sistema límbico e a amígdala.

Escalas: pode-se medir a esperança?

Usando a teoria da esperança, Snyder e colaboradores desenvolveram várias es­calas de autoavaliação, inicialmente, Snyder, Harris e colaboradores (1991) desenvolve­ram uma medida de traços, com 12 ques­tões, para pessoas de 16 anos ou mais, na qual quatro questões refletem caminhos, quatro refletem agência e quatro são fato­res de distração. Um exemplo de questão relacionada a caminhos é '‘Eu consigo pensar em muitas maneiras de sair de um engarrafamento", e um exemplo de ques­tão relativa à agência é “Vou atrás de meus [180] objetivos com muita energia". As pessoas respondem cada questão em uma escala Likert de oito pontos (1 = Definitivamente falso a 8 = Deflnitivamente verdadeiro).

A coerência interna (nível alfa) ge­ralmente tem ficado na faixa de 0,80 e as confiabilidades teste-reteste, em 0,80 ou acima, em períodos de 8 a 10 semanas (Snyder, Harris et al., 1991). Além disso, existem muitos dados sobre a validade con­corrente da Escala da Esperança com rela­ção a suas correlações positivas preditas por escalas que usam conceitos semelhantes como otimismo, expectativa de atingir obje­tivos, controle esperado e autoestima, e tem havido correlações negativas com escalas que refletem constructos opostos, como desamparo, depressão e patologias. Por fim, vários estudos de análise fatorial ofe­recem sustentação para os componentes re­lativos a caminhos e agência da escala da esperança (Babyák. Sm,'der e Yoshinobu, 1993).

Uma Escala da esperança infantil. (Children's hope scale. CHS: Snyder. Hoza et al., 1997) é uma medida de traços de autoavaliação, com seis questões, adequa­da para pessoas entre 8 e 15 anos. Três das seis questões refletem pensamento de agen­cia (por exemplo, “Acho que estou me sa­indo muito bem") e três refletem pensa­mento de caminhos (como “Quando tenho um problema, consigo encontrar muitas maneiras de resolvê-lo"), As crianças res­pondem às questões em uma escala Liken de 6 pontos (1 = Nunca a 6 = Todo o tem­po). Os alfas têm estado próximos a 0,80 em várias amostras, e as confiabilidades teste-reteste para intervalos de um mês têm sido de 0,70 a 0,80. A CHS apresentou vali­dade convergente em termos de seus rela­cionamentos positivos com outros índices de qualidades (por exemplo, amor próprio) e relações negativas com índices de pro­blemas (como depressão). Por fim, a aná­lise fatorial corroborou a estrutura de dois fatores da CHS (Snyder, Hoza et ai., 1997).
Snyder e colaboradore (Snyder, Sympson et al., 1996) também desenvol­veram a Escala da esperança como estado [State Hope Scale, SHS), uma escala de autoavaliação que visa ao pensamento vol­tado a objetivos no momento presente. Três questões refletem o pensamento de caminhos. por exemplo, “Há muitas maneiras de superar qualquer problema que eu es­teja enfrentando agora”, e três refletem pensamento de agência, “Neste momento, estou buscando meus objetivos com ener­gia”. A faixa de resposta é de 1 = Definitivamente falso a 8 = Definitivamente ver­dadeiro. As confiabilidades internas são bastante altas (alfas muitas vezes na faixa de 0,90). Os resultados sólidos em termos de validade concorrente também demons­tram que os escores da SHS estão positivamente correlacionados com índices de autoestima. como estado e sentimentos positivos, e negativamente com índices de sentimentos negativos, como estado. Da mesma forma, estudos baseados em manipulação revelam que os escores da SHS aumentam ou diminuem segundo sucessos ou fracassos situacionais em atividades vol­ tadas a objetivos. Por fim, a análise fatorial sustentou a estrutura de dois fatores da SHS (Snyder. Sympson et al., 1996).

O que a esperança prediz

Para uma revisão detalhada das predições a partir dos escores da Escala da esperança, vide Snyder (2002a). O que vale a pena observar sobre os resultados rela­cionados a essas predições é que conclu­sões estatisticamente significativas se man­têm. mesmo depois de correção matemática, para as influências de uma série de ou­tras medidas psicológicas de autoavaliação, como otimismo, autoeficácia e autoestima. Em geral, os escores da Escala da esperan­ça têm predito os resultados nas áreas de realizações acadêmicas, esportivas, de saú­de física, de ajuste e psicoterápicas. Por exemplo, na área acadêmica, escores mais elevados, medidos no início da faculdade, indicaram melhores médias nas notas e se [181] os alunos se mantinham estudando (Sny­ der, Shorey et al., 2002). Na área de es­portes, os escores mais altos no início da temporada de provas universitárias de cor­rida indicaram o desempenho superior dos atletas masculinos e o fizeram para além da classificação dos técnicos em relação às capacidades atléticas naturais (Curry, Snyder, Cook, Ruby e Rehm, 1977). Em termos de ajuste, os escores mais elevados estiveram relacionados a vários índices de maior felicidade, satisfação, emoções po­sitivas, bom relacionamento com outras pessoas, etc. (Snyder, Harris et al., 1991). A esperança também foi apresentada como o fator comum por trás das mudanças po­sitivas que acontecem nos tratamentos psi­cológicos (Snvder, Ilardi, Cheavens e t aL, 2000).

Com relação a intervenções para au­mentar a esperança, consulte nossa discus­são sobre as várias abordagens no Capítulo 15. Para o leitor que tenha formação con­siderável em psicoterapia, uma revisão mi­nuciosa das intervenções com a teoria da esperança pode ser encontrada no volume organizado por Snyder, Handbook of hope (2000b). Para o leitor com menos experiên­cia no campo, descrições do tipo "manual de instruções” para aumentar as esperan­ças dos adultos podem ser encontradas em Making hope happen, de McDermott e Snyder (1999) e em The psychology of hope: you can get there from here (1994/2004), de Snyder. Descrições do tipo manual para aumentar as esperanças das crianças são apresentadas em The great big book of hope (2000) , de McDermott e Snyder e em Hope for the journey: helping children through the good times and the bad (2002), de Snyder, McDermott e colaboradores.

A última fronteira: a esperança coletiva

Assim como acontece com o conceito de autoeficácia, os pesquisadores da espe­rança também ampliaram seu constructo para explorar o que se chama de esperança coletiva (vide Snyder e Feldman, 2000). Dito de forma simples, a esperança cole­tiva reflete o nível de pensamento voltado a objetivos de um grande grupo de pesso­as. Muitas vezes, essa esperança coletiva está em operação quando várias pessoas se juntam para atingir um objetivo que se­ria impossível para qualquer pessoa sozi­nha. Snyder e Feldman (2000) aplicaram a noção de esperança coletiva mais geralmente aos tópicos de desarmamento, pre­servação de recursos ambientais, planos de saúde e governo. [181]

Colocando os futuros temporas em perspectiva

Agora, justapomos as orientações centradas no futuro (ou seja, as que explo­ramos neste capítulo) com as centradas no passado ou no presente. Fazemos isso por­ que comparar essas três orientações no tempo pode ajudar a entender melhor o papel possível de uma orientação tempo­ral equilibrada na geração de uma vida produtiva e satisfatória (vide Boniwell e Zimbardo, 2004).

Há vantagens e desvantagens em cada uma das três orientações temporais - ao passado, ao presente e ao futuro. Comece­mos, por exemplo, com a orientação ao passado, que muitas vezes se caracteriza por uma ênfase nas visões prazerosas de relacionamentos interpessoais anteriores com amigos e família. Essa perspectiva um tanto sentimental se concentra na felicida­de que resulta de interações pessoais cari­nhosas. Em um sentido menos positivo, contudo, a orientação ao passado pode gerar uma abordagem muito conservado­ra. exageradamente cautelosa à vida, junto com um desejo de preservar a situação atual que faz que a pessoa não esteja dis­posta a vivenciar coisas novas. Da mesma forma, não há garantias de que a visão vol­tada ao passado seja positiva, e aqueles que têm visões negativas em relação a seu passado são cheios de ruminações, ansieda­de, pensamentos e sentimentos depressivos (muitas vezes em relação a eventos trau­máticos na infância). Obviamente, esse úl­timo conteúdo enche muitas prateleiras de biblioteca com livros sobre as patologias que resultam de traumas de infância.

Tratemos da pessoa que vive o mo­mento presente. Quem vive para o presen­te pode ser descrito em termos hedonistas, o que têm conseqüências boas e ruins. Vi­vendo no momento, essa pessoa tem gran­de prazer em atividades muito intensas, adora as emoções e empolgações encon­tradas no “aqui e agora”, e permanece aber­ta às aventuras do momento. A pessoa centrada no presente também pode dar um alto valor à excitação.

Um aspecto de se desfrutar da expe­riência pode ser a apreciação (savoring) (Bryant, 2004; Bryant e Veroff, 2006). Em­bora o saborear possa ser aplicado ao [183] passado ou ao futuro, um dos tipos mais fortes diz respeito a desfrutar o momento, talvez até agir para aumentar um momento positivo. O balonista Bertrand Piccard observou, em sua viagem ao redor do mundo, em 1999: “Na última noite, saboreio mais uma vez o relacionamento íntimo que estabelecemos com nosso planeta. Sinto-me tão privilegia­do que quero desfrutar de cada segundo des­se mundo aéreo...” (Piccard, 1999, p. 44).

Vistas de uma perspectiva ocidental, as preocupações que surgem dessa orien­tação ao presente refletem, todas, o fato de que essa pessoa pode não pensar adi­ante, sobre a potencial responsabilidade dessa busca de excitação. Embora a maio­ria de nós provavelmente não se lembre de nossos anos de bebê, é provável que te­nhamos vivido ali uma experiência de mo­mento presente, ao irmos em busca de nos­sos caprichos e desejos momentâneos ao máximo. Quando adultos, estamos com­prometidos unicamente com essa orienta­ção ao presente, contudo alguns podem so­frer as conseqüências negativas das expe­riências hedonistas. Por exemplo, as adicções, as lesões resultantes de aciden­tes e as várias tentações podem destruir as aspirações profissionais da pessoa que vive apenas com essa orientação hedonista. Es­sas pessoas assumem riscos em uma série de situações, incluindo dirigir automóveis, sexo e uso de drogas (Keough, Zimbardo e Boyd, 1999). Grande parte de nossa atualdescrição da orienta­ção para o presente tem um caráter espe­cificamente ociden­tal; uma perspectiva oriental incluiria uma apreciação meditati­va da tranqüilidade que flui de uma orien­tação ao momento presente (vide o Ca­pítulo 11, para dis­cussões sobre boas experiências do pre­sente). Consideran­do-se uma perspectiva mais ocidental, mui­tas dessas possibilidades mais negativas te­rão menos probabilidades de aparecer (se aparecerem).

Por fim, há a perspectiva temporal de futuro que foi o tema central deste capítu­lo. A pessoa com uma orientação ao futu­ro pensa adiante das possíveis conseqüên­cias de suas ações. Como já vimos, pessoas orientadas ao fururo formam objetivos cla­ros e geram os caminhos necessários para chegar a eles. Elas provavelmente desen­volverão comportamentos preventivos para reduzir a probabilidade de que coisas ru­ins aconteçam no futuro. Além disso, como vimos nas literaturas sobre autoeficácia, otimismo e esperança revisadas neste ca­pítulo, essas pessoas são bem-sucedidas nos empreendimentos da vida, seja nos estu­dos, nos empregos, nos esportes, na saú­de, e assim por diante. Algumas pessoas orientadas ao futuro podem não conseguir, contudo, vivenciar o enorme prazer resul­tante de simplesmente estar com outras pessoas ou de se lembrar de atividades interpessoais anteriores.

Ao ler sabre orientações dírecionadas ao passado, ao presente e ao futuro, você poderá ficar intrigado com qual orienta­ção caracteriza sua própria vida. O psicó­logo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford (Zimbardo e Boyd, 1999) desen­volveu e validou uma medida baseada em traços da orientação temporal, o Inventá­rio da perspectiva de tempo de Zimbardo (Zimbardo time perspective inventory, vide o Anexo B). Ou seja, ainda que tenham acentuado o passado, presente e futuro em determinados momentos, as pessoas tam­bém são inclinadas, em diferentes situa­ções, a uma dessas orientações temporais. Dessa forma, as orientações temporais po­dem ter uma qualidade de traço.

Nos miniexperimentos pessoais, há duas abordagens para ajudá-lo a responder à pergunta sobre como você usa seu tempo. Em primeiro lugar, aconselhamos que você experimente o exercício “O que o espera”. Nele, você monitorará seus pensamentos [184] por um dia para verificar até que ponto está concentrado no passado, no presente e no futuro. Os estudantes que experimentaram esse exercício informaram que consideraram os resultados surpreendentes e úteis.

Como parte dos miniexperimentos pessoais, você pode preencher o Inventário da perspectiva sobre o tempo de Zimbardo (Zimbardo e Boyd, 1999) apresentado no Anexo B. Com essa escala, você pode se certificar do grau em que uma das seguin­ tes orientações temporais melhor o caracteriza em diferentes situações:

  1. passado-negativa;
  2. passado-positiva;
  3. presente-fatalista;
  4. presente-hedonista; e
  5. futura.

Completando o miniexperimento pes­soal “O que o espera” e o “Exercício de equi­líbrio” associado ao Inventário da perspec­tiva sobre o tempo de Zimbardo, você deve ser capaz de ver as orientações temporais voltadas a passado, presente e futuro em sua vida.

A chave para se ter um equilíbrio nes­sas três perspectivas de tempo é a capaci­dade de operar na orientação temporal que melhor se ajusta à situação em que a pes­soa se encontra, Esse equilíbrio, segundo Boniwell e Zimbardo (2004, p. 176), im­plica “trabalhar duro quando é hora de trabalhar, divertir-se intensamente quando é hora de se divertir, escutar as velhas estó­rias da avó enquanto ela ainda está viva, ver as crianças pelos olhos de admiração com os quais elas veem o mundo, rir de piadas e dos absurdos da vida, deliciar-se com desejo e paixão”.

Ser flexível e capaz de mudar para uma orientação temporal adequada possi­bilita a postura mais produtiva em relação a como você gasta seu tempo. Isso posto, contudo, está claro que, na cultura ociden­tal, geralmente enfatizamos a orientação de futuro (vide o Capítulo 2). É por isso que a psicologia positiva, como se pratica nas sociedades ocidentais, baseia-se no [186]  pensar sobre o fururo. Em nenhum lugar isso fica mais claro do que na história infan­til Os três porquinhos, na qual as crianças aprendem que os porcos voltados ao pre­sente constroem casas frágeis, com palha ou gravetos, que não suportam o ataque do lobo mau, grande e assustador. É o porco voltado ao futuro que constrói sua casa de tijolos e “vive feliz para sempre”. O que a estória infantil não leva em consideração, todavia, é a perspectiva oriental em rela­ção ao tempo, e tratamos um pouco disso na seção seguinte, a última deste capítulo.

Alertas culturais em relação à perspectiva temporal

O que apresentamos neste capitulo re­flete uma perspectiva sobre as orientações temporais que reflete os cáucaso-americanos que têm sido a imensa maioria dos participantes nos vários estudos informa­dos. Tenha em mente, contudo, que alguns norte-americanos e os membros de outras culturas, não-ocidentais, podem não com­partilhar as perspectivas de autoeficácia, otimismo e esperança que apresentamos (vide o Capítulo 5, para uma discussão de­talhada de cultura e psicologia positiva], Essas perspectivas não-ocidentais podem não apenas diferir em sua implementação da autoeficácia, do otimismo e da esperan­ça, como também não valorizar esses as­pectos no mesmo grau que fizemos ao escrever sobre eles neste capítulo.

Além disso, em muitos casos, os ins­trumentos que descrevemos podem não ser sensíveis às nuanças dos orientais. Clara­mente, os grupos culturais caucasianos do­minantes nos Estados Unidos e em outras culturas da Europa ocidental dão prio­ridade ao domínio de seu futuro, junto com uma ênfase nas atividades voltadas ao fa­zer, ou a objetivos, ou à perspectiva indivi­dual em vez da coletiva (Carter 1991). Além disso, os cáucaso-americanos sobre os quais falamos neste capítulo são mais avaliados pelo que fazem do que pelo que são, de modo que esses participantes de pesquisa, de uma maneira semelhante ao viés cultural ocidental (Stewart, 1972), provavelmente também estarão concentra­dos em controlar seus ambientes e, ao fazê- lo, verão o tempo de maneira linear (e con­siderarão crucial o planejamento para o futuro).

Compare a primeira perspectiva, por exemplo, com a ênfase dos índios norte-americanos no momento presente (Trimble, 1976). Para eles, o tempo é uma espécie de recurso que flui, relativo, no qual se deve concentrar a atenção; em lugar de seguir o relógio, as coisas são feitas de acordo com a necessidade (Soldier, 1992). Da mesma forma, cubano-americanos, mexicano-americanos e porto-riquenho-americanos pare­cem preferir uma orientação ao presente do que ao futuro (Chandler, 1979; Inclan, 1985; Szapocnik, Scopetta e King, 1978). Em termos gerais, os índios norte-ameri­canos, os latinos, os afro-americanos e os asiático-americanos percebem o tempo de maneira poiicrônica, ou seja, consideram que muitas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo com as pessoas. Mais do que isso, o tempo é visto como um recurso abundante e as relações humanas têm prio­ridade sobre ele (Schauber, 2001). Com­pare isso com a cultura euro-americana, na qual o tempo é linear, seqüencial e monocrônico (considere também o valor dado ao tempo na frase "Tempo é dinhei­ro”; Schauber, 2001).

Entretanto, há uma variação conside­rável, mesmo dentro da cultura norte-ame­ricana, e nossa análise neste capítulo tra­tou desse fato. Mais do que isso, se há di­ferenças dentro da cultura norte-america­na com relação a perspectivas relaciona­das a autoeficácia, otimismo e esperança, provavelmente se pode inferir que essas diferenças são ainda maiores quando se fazem comparações com culturas de fora dos Estados Unidos.
Nas culturas orientais (como exem­plificado pelos países da Ásia), a visão [187] tradicional é considerar a si e aos outros como inter-relacionados [Kim, Triandis, Kagitci- basi, Choi e Yoon, 1994; Markus e Kitayama, 1991). Sendo assim, ao contrário dos va­lores norte-americanos, a visão oriental é acentuar a interdependência harmoniosa entre pessoas que interagem (vide o Capi­tulo 3; Weisz, Rothbaum e Blackburn, 1984). Na perspectiva oriental, a experiên­cia de sofrer é considerada como uma par­te necessária da existência humana (Chang, 2001b). Essa ênfase nas pessoas serve para tornar as preocupações temporais muito menos importantes do que nas culturas ocidentais.

Já se realizou alguma pesquisa com o constructo otimismo ao se comparar as cul­turas ocidental e oriental. Usando o constructo do otimismo aprendido, medi­do pelo ASQ, por exemplo, Lee e Seligman (1997) concluíram que asiátíco-americanos e cáucaso-americanos tinham níveis seme­lhantes de otimismo, mas os estudantes da China continental eram menos otimistas.

Usando o enfoque de Scheier e Carver em relação à operacionalização do otimis­mo (junto com uma versão do LOT), Ed Chang, da Universidade de Michigan, (1996a) concluiu que os estudantes asiático-americanos e cáucaso-americanos não eram diferentes em termos de otimismo, mas os primeiros tinham um pessimismo mais elevado do que os outros.

Nesse mesmo estudo, Chang concluiu que, para cáucaso-americanos. seu maior pessimismo estava ligado a uma menor ca­pacidade de solução de problemas, como seria de se esperar; para os asiático-americanos, por outro lado, seu maior pessi­mismo estava associado a uma maior capacidade de solução de problemas. Nas palavras de Chang (2001a, p. 226), “sen­do assim, o que ‘funciona para asiáticos e cáucaso-americanos simplesmente pode ser diferente, e não necessariamente mais eficaz’'.

Esses estudos sobre otimismo mos­tram que não podemos partir do pressu­posto de que essa abordagem de enfrentamento se manifesta no mesmo grau en­tre asiático-americanos e cáucaso-america­nos, nem se pode supor que ter mais oti­mismo (e menos pessimismo) produza as mesmas repercussões em termos de enfrentamento para esses grupos distintos. Ao encerrar este capítulo comparando pessoas de diferentes formações culturais, busca­mos apontar o quanto as conclusões discu­tidas como centro do capítulo podem ser específicas de determinadas culturas. É importante que os futuros pensadores da psicologia positiva não pressuponham que as teorias e as escalas de base ocidental podem traduzir de maneiras óbvias as cul­turas orientais, e que o farão. Temos forte convicção de que a psicologia positiva deve ser uma iniciativa de âmbito mundial e, portanto, devemos ter cautela para testar qualquer teoria ou medidas entre culturas, antes de tirar conclusões sobre descobertas que tenham aplicação “universal’'. Como tal, somos lembrados da sabedoria contida no velho provérbio: “Não ter certeza signi­fica estar desconfortável, mas ter certeza, às vezes, pode significar ser ridículo”.

Anexo A: Um resumo das teorias da Esperança

Averill

Averill, Catlin e Chon (1990) definem a esperança, em termos cognitivos, como sendo adequada quando os objetivos são:

  1. razoavelmente atingíveis (isto é, estão em um grau de dificuldade interme­diário);
  2. sob controle; [188]
  3. considerados importantes e
  4. aceitáveis em níveis social e moral.

Breznitz

Breznitz (1986) propôs cinco metá­foras para captar as operações da esperan­ça em resposta a fatores de estresse, com a esperança sendo:

  1. uma área protegida;
  2. uma ponte;
  3. uma intenção;
  4. desempenho e
  5. um fim em si. Ele também alertou que a esperança pode ser uma ilusão seme­lhante à negação.

Erikson

Erik Erikson (1964, p. 118) definiu a esperança como “a crença duradoura no cumprimento de desejos veementes” e rela­ções propôs dialéticas entre esperança e ou­ tras motivações, sendo que uma das mais fortes e mais importantes é a confiança/esperança versus a desconfiança, que é a pri­meira tarefa do bebê. Outra dialética ampla, segundo Erikson (1982) , diz respeito à geratividade da esperança versus a estagnação.

Gottschalk

Para Gottschalk (1974), a esperança envolve expectativas positivas em relação a resultados favoráveis específicos, e im­pele a pessoa a avançar para além dos pro­blemas psicológicos. Ele desenvolveu uma escala da esperança para analisar o con­teúdo de trechos de minutos de palavras faladas. Essa medição de esperança tem va­lidade concorrente em termos de suas cor­relações positivas com as relações e reali­zações humanas, e de suas relações nega­tivas com maior ansiedade, hostilidade e alienação social.

Marcel

Baseando sua definição no enfrentamento que realizam os prisioneiros de guer­ra, Marcel (vide Godfrey, 1987) concluiu que a esperança dá às pessoas a força para enfrentar circunstâncias de desamparo.

Mowrer

Mowrer (1960) propôs a ideia de que a esperança é uma emoção que ocorre quando os ratos observaram um estímulo ligado a alguma coisa prazerosa. Mowrer também descreveu a antítese da esperan­ça, ou o medo, que, disse ele, acarretava um tipo de pavor no qual o animal reduzia seu nível de atividade de forma que, o medo impedia a busca de seus objetivos.

Staats

Staats (1989, p. 367) definiu a espe­rança como “a interação entre desejos e ex­pectativas”. Staats e colaboradores desen­volveram instrumentos para avaliar os as­pectos afetivos e cognitivos da esperança. Para medir a esperança afetiva, a Escala do equilíbrio esperado (Expected balance scale, EBS; Staats, 1989) tem 18 questões, para as quais os respondentes usam uma escala de tipo Likert, de 5 pontos. Para me­dir a esperança cognitiva, o índice de espe­rança (Hope index, Staats e Stassen, como citado em Staats, 1989) concentra-se em eventos específicos e seus resultados, e con­tém as subescalas de Esperança-eu, Esperança-outro, Desejo e Expectativa. O índice da esperança contém 16 questões, e os respondentes usam uma escala Likert de 6 pontos (de 0 = Nem um pouco a 5 = Muito) para classificar o grau em que “desejam que isso ocorra” e “esperam que isso ocorra”.

Stotland

Stotland (1969) explorou o papel das expectativas e dos esquemas cognitivos e descreveu a esperança envolvendo impor­tantes objetivos para os quais há uma alta probabilidade percebida de cumprimento. Usando o modelo de Stotland (1969), Erickson, Post e Paige (1975) elaboraram a Escala da esperança, que consiste em 20 objetivos gerais e comuns (isto é, não es­pecíficos de determinadas situações). Essa escala da esperança proporciona escores de importância média e probabilidade média entre esses objetivos, mas há poucas pes­quisas relatadas com o uso dessa escala.

 

Psicologia - Psicologia positiva
8/17/2020 4:32:35 PM | Por Charles Richard Snyder
Observando o futuro por meio do otimismo

Nesta seção, discutimos duas teorias que receberam grande parte da atenção com relação ao constructo do otimismo, O pri­meiro é o otimismo aprendido, como o es­tudaram Martin Seligman e colaboradores, e o segundo é a visão de otimismo promo­vida por Michael Scheier e Charles Carver. 

Otimismo aprendido - Seligman e colaboradores

A base histórica do otimismo aprendido

Abramson, Seligman e Teasdale (1978) reformularam seu modelo de desamparo (vide, também, Peterson, Maier e Seligman, 1993) para incorporar as razões (explica­ções) que as pessoas atribuem às coisas boas ou ruins que lhes acontecem. O [169] psicólogo Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia. (Seligman, 1991, 1998b: vide, também, Seligman, Reivich, Jaycox e Gillham, 1995) utilizou posteriormente esse processo atributivo ou explicativo como base de sua teoria do otimismo aprendido.

Uma definição de otimismo aprendido

Na teoria de Seligman sobre o otimis­mo aprendido, o otimista usa as atribuições causais adaptativas para explicar expe­riências ou eventos negativos. Sendo assim, a pessoa responde à pergunta: “Por que me aconteceu essa coisa ruim?". Em termos técnicos, o otimista faz atribuições exter­nas, variáveis e específicas para eventos com caráter de fracasso, em lugar das atri­buições internas, estáveis e globais do pes­simista. Dito de forma mais simples, o oti­mista explica as coisas ruins de maneira a 1. explicar o papel de outras pessoas e ambientes na produção de resultados ruins (ou seja, uma atribuição externa); 2. interpretar os eventos como se tives­sem pouca probabilidade de voltar a acontecer (isto é, uma atribuição va­riável) e 3. restringir o resultado ruim apenas a um desempenho e uma área, e não a outros (ou seja, uma atribuição específica).

Dessa forma, o estudante otimista que recebeu uma nota baixa em uma aula de ensino médio diria:
1. “A prova estava mal-elaborada” (atribui­ção externa);
2. “Me saí melhor em provas anteriores” (atribuição variável) e
3. “Estou me saindo melhor em outras áreas da minha vida, como em relacio­namentos e nos esportes” (atribuição es­pecífica).

Por outro lado, o estudante pessimis­ta que recebeu uma nota ruim diria
1. “Pisei na bola” (atribuição interna);
2. “Me saí muito mal em provas anterio­res” (atribuição estável); e
3. ‘Também não estou bem em outras áreas da minha vida” (atribuição global).

Figura 9.1

A teoria de Seligman implicitamente dá mais ênfase aos resultados negativos na [171] determinação das explicações atributivas de uma pessoa. Sendo assim, como mos­tra a Figura 9.1, a teoria de Seligman usa um processo semelhante a encontrar des­culpas, de “distanciamento” das coisas ru­ins que aconteceram no passado, em lugar da noção mais comum de otimismo, que envolve a conexão de resultados positivos desejados no futuro (como refletido na típica definição de dicionário, bem como na definição de Scheier e Carver, que ex­ ploraremos brevemente neste capítulo). Dentro da perspectiva do otimismo apren­dido, portanto, as cognições otimistas vol­tadas a objetivos visam distanciar a pessoa dos resultados negativos de grande impor­tância.

Antecedentes infantis do otimismo aprendido

Seligman e colaboradores (Abramson et al., 2000; Gillham, 2000; Seligman, 1991, 1995, 1998b) descreveram cuidadosamen­te as raízes evolutivas do estilo explicativo otimista. Para começar, parece haver algum componente genético no estilo explicativo, com os escores do otimismo aprendido apre­sentando uma correlação mais elevada para gêmeos monozigóticos do que dizigóticos (correlações = 0,48 versus 0,0; Schulman, Keith e Seligman, 1993).

Além disso, o otimismo aprendido tem raízes no ambiente (ou na aprendiza­gem). Por exemplo, pais que proporcionam ambientes seguros e coerentes têm proba­bilidades de promover o estilo otimista em seus filhos (Franz, McClelland, Weinberger e Peterson, 1994). Da mesma forma, os pais de otimistas ofereceriam modelos de refe­rência otimistas para seus filhos ao formar explicações otimistas de eventos negativos que permitem aos filhos continuar a se sen­tir bem consigo mesmos (ou seja, atribui­ções externas, variáveis e específicas). As crianças que crescem com otimismo apren­dido também se caracterizam por terem pais que entendem seus fracassos e geral­mente os atribuem a fatores externos em lugar de internos (isto é, ensinam seus fi­lhos a postura adaptativa de encontrar des­culpas; vide Snyder, Higgins e Stucky; 1983/ 2005). Por outro lado, as pessoas pessimis­tas tiveram pais que também eram pessi­mistas. Além disso, os traumas de infância (por exemplo, morte de um dos pais, abu­so, incesto, etc.) podem gerar pessimismo [172]  (Bunce, Larsen e Peterson, 1995; Cerezo e Frias, 1994), e o divórcio dos pais também pode prejudicar o otimismo aprendido (Seligman, 1991), (Nem todos os estudos encontraram essas contribuições parentais negativas aos estilos explicativos dos filhos, de forma que tais conclusões devem ser to­madas com cautela. Para um panorama equilibrado das contribuições parentais, vide Peterson e Steen, 2002.)

Assistir à televisão é mais uma fonte potencial de pessimismo. Nos Estados Uni­dos, crianças e adolescentes entre 2 e 17 anos assistem à TV em uma média de qua­ se 25 horas por semana (3h30 por sema­na; Gentile e Walsh, 2002). Um exemplo recente de comportamentos relacionados ao pessimismo que provêm do ato de crianças assistirem à televisão (Zimmer­man, Glew, Christakis e Katon, 2005) con­cluiu que quantidades maiores de tempo assistindo à TV aos 4 anos estavam rela­cionadas significativamente a probabilida­des subsequentes maiores de essas crian­ças se tornarem agressivas em relação aos colegas. Da mesma forma, uma dieta cons­tante de violência televisiva pode predis­por e reforçar um estilo explicativo de abandono que é associado com baixo oti­mismo aprendido nas crianças (Nolen- Hoeksema, 1987).

A neurobiologia do otimismo e do pessimismo

Os pesquisadores já relataram que o pessimismo e a depressão estão relaciona­dos ao funcionamento anormal do sistema límbico, bem como a operações disfuncionais do córtex pré-frontal e do sistema paralímbico. De fato, a depressão parece estar ligada a deficiências nos neurotransmissores (Liddle, 2001), de modo que os medicamentos antidepressivos visam au­mentar a operação eficaz desses neurotransmissores. Igualmente, a pesquisa de­monstra que as células serotonérgicas lo­calizadas no núcleo dorsal da rafe reagem ao controle percebido. Mais além, há uma liberação previsível e induzida por contro­le de serotonina na amígdala (Maier e Watkins, 2000). A depressão também já foi associada a esgotamento da secreção de endorfinas e funcionamento defeituoso do sistema imunológico (Peterson, 2000). Por fim, Drugan e colaboradores (Drugan, Ba- sile. Ha e Ferland, 1994) concluíram que, em determinadas condições de controle, há uma molécula liberada por células no cé­rebro. Embora essa pesquisa ainda esteja em suas etapas iniciais, parece haver marcadores neurobiológicos no cérebro que estão ligados ao controle percebido e a pensamentos de depressão e pessimismo.

Escalas: pode-se medir o otimismo aprendido?

O instrumento usado para medir o estilo atributivo nos adultos se chama Ques­tionário de Estilo Atributivo (Attributional style questionnaire, ASQ; Peterson, Semmel, von Baeyer, Abramson. Metalsky e Seligman, 1982; Seligman, Abramson, Semmel e von Baeyer, 1979); o que se usa para crianças é o Questionário de Estilo Atributivo para Crianças (Children’s Attributional Style Questionnaire, CASQ; Kaslow, Tanenbaum e Seligman, 1978; Seligman, 1995; Se­ligman et al., 1984). O questionário apre­senta um evento de vida negativo ou positi­vo e pede que os respondentes indiquem quais eles acreditam que são as explicações causais desses eventos nas dimensões interna/extema, estável/transitório e global/específica. Desde o desenvolvimento do ques­tionário, contudo, os pesquisadores usaram versões ampliadas com mais itens (E-ASQ; vide Metalsky, Halberstadt e Abramson, 1987; Peterson e Villanova, 1988).

Para além das escalas de estilos ex­plicativos para adultos e crianças, os psi­cólogos da Universidade de Michigan Chris Peterson e colaboradores (Peterson, Bettes e Seligman, 1985) desenvolveram a abor­dagem de Análise de Conteúdo de [173] Explicações Verbais (Content Analysis of Verbal Explanation, CAVE) para deduzir classifica­ções de otimismo e pessimismo para pala­vras escritas e faladas (Peterson, Schulman, Castellon e Seligman, 1992). A vantagem da técnica da CAVE é que ela possibilita um meio discreto de classificar o estilo ex­plicativo de uma pessoa com base no uso da língua. Com relação a esse último as­pecto, pode-se voltar no tempo e explorar o otimismo/pessimismo de figuras históri­cas famosas em suas falas, seus diários ou em entrevistas de jornais de décadas ante­riores (por exemplo, Satterfield, 2000). Para demonstrar o poder preditivo da CAVE, descrevemos uma aplicação interes­sante dessa técnica para predizer os de­sempenhos de equipes de beisebol da pri­meira divisão dos Estados Unidos (vide “A CAVE e a predição dos desempenhos no beisebol”).

O que o otimismo aprendido prediz

Os vários índices de otimismo apren­dido geraram uma grande quantidade de pesquisas (vide Carr, 2004), com o estilo de otimismo aprendido, mais do que o pes­simismo, sendo associado aos seguintes pontos:
1. desempenhos acadêmicos melhores (Peterson e Barrett, 1987; Seligman, 1998b);
2. desempenhos atléticos superiores (Selig­ man, Nolen-Hoeksema, Thornton e Thomton, 1990);
3. históricos profissionais mais produtivos (Seligman e Schulman, 1986);
4. maior satisfação em relacionamentos interpessoais (Fincham, 2000);
5. enfrentamento mais eficaz dos fatores de estresse na vida (Nolen-Hoeksema, 2000);
6. menos vulnerabilidade à depressão (Abramson, Alloy et al., 2000);
7. saúde física superior (Peterson, 2000).

Em termos de intervenções baseadas em otimismo aprendido, sugerimos que o leitor consulte o Capítulo 15, no qual são apresentados detalhes sobre as técnicas de mudança para crianças e adultos (vide, também, Seligman, Steen, Park e Peterson, 2005).

Além disso, uma boa visão geral de intervenções sobre otimismo aprendido pode ser encontrada no volume organiza­do por Jane Gillham, chamado de The science of optimism and hope (2000). Aná­lises de fácil compreensão sobre interven­ções, com adultos, baseadas em otimismo aprendido constam de Learned optimism: how to change your mind and your life (1998b) e Authentic happiness (2002), am­bos de Seligman. Intervenções com crian­ças são descritas em The optimistic child (1995), de Seligman e colaboradores.

Otimismo - Scheier e Carver

Definindo o otimismo como as expectativas de se atingir um objetivo desejado

Em seu artigo seminal publicado em Health psychology, os psicólogos Michael Scheier e Charles Carver (1985, p. 219) apresentaram sua nova definição de oti­mismo, que descreveram como a tendên­cia estável “a acreditar que coisas boas acontecerão, em vez de coisas ruins”. Scheier e Carver partiram do pressuposto de que, quando um objetivo tem valor su­ficiente, o indivíduo produzirá uma expec­tativa em relação a atingi-lo.

Em sua definição de otimismo, Scheier e Carver (1985) deliberadamente deixam de enfatizar o papel da eficácia pessoal:

Nosso enfoque teórico enfatiza as expec­tativas da pessoa em relação a resultados bons ou ruins. É nossa posição que as ex­pectativas de resultados, por si sós, são os melhores fatores de predição de [174] comportamento, em vez das bases a partir das quais essas expectativas foram deduzidas. Uma pessoa pode ter expectativas favo­ráveis por uma série de razões, por exem­plo, por capacidade pessoal, porque a pessoa tem sorte ou porque outros a [175] favorecem. O resultado dis­so deve ser uma visão otimista - expectativas de que coisas boas acontecerão (p. 223).

Sendo assim, essas expectativas generalizadas de re­sultados podem en­volver percepções em relação a ser capaz de avançar em di­reção a objetivos desejáveis ou se afastar de objetivos não-desejáveis (Carver e Scheier, 1999).

Antecedentes infantis do otimismo

O consenso é que existe uma base ge­nética para o otimismo da forma definida por Scheier e Carver (vide, também, Plomin et aL, 1992). Igualmente, utilizando a teo­ria do desenvolvimento de Erikson (1963, 1982), Carver e Scheier (1999) sugerem que sua forma de otimismo vem de expe­riências precoces na infância, que estimu­lam a confiança e os vínculos seguros em relação a figuras parentais (Bowlby; 1988).

Escalas: pode-se medir o otimismo?

Scheier e Carver (1985) apresenta­ram seu índice de otimismo, o Teste de Orientação na Vida (Life Orientation Test, LOT), que inclui expectativas positivas (“Sempre sou otimista sobre meu futuro”) e negativas (“Raramente conto com que coisas boas venham a me acontecer”). O LOT apresentou coerência interna aceitá­vel (alfa de 0,76 na amostra original) e uma correlação teste-reteste de 0,79 em um mês.

Sustentando sua validade concorren­te, o LOT teve correlação positiva com a expectativa de sucesso e negativa com a sensação de abandono e a depressão.

Após anos de amplas pesquisas usan­do o LOT, surgiu uma crítica em relação a suas coincidências com o neuroticismo (vide Smith, Pope, Rhodewalt e Poulton, '989). Em resposta a essa preocupação, Scheier, Carver e Bridges (1994) validaram uma versão revisada, mais curta, do LOT, conhecida como o LOT-Revisado (LOT-R). O LOT-R eliminou itens que geravam preo­cupações com a coincidência. Mais do que isso, em relação a neuroticismo, ansieda­ de como traço, domínio de si próprio e autoestima, o otimismo da forma que é medido pelo LOT-R demonstrou capacida­ des superiores de predizer vários indica­dores de resultados na vida relacionados a enfrentamento superior. Por exemplo, es­cores mais altos no LOT-R estavam relacio­nados a melhor recuperação de cirurgia para colocação de ponte de coronária, lidar de forma mais efetiva com a AIDS, su­portar bíópsias de câncer oom mais facilida­de, melhor ajuste à gravidez e continuida­de no tratamento para alcoolismo (Carver e Scheier, 2002; para uma boa revisão dos muitos correlatos benéficos do otimismo, vide Scheier, Carver e Bridges, 2001). A coerência interna do LOT-R é igual ou mai­or do que a do LOT original (alfa de 0,78); suas correlações teste-reteste são de 0,68 a 0,79 para intervalos de 4 a 28 meses. Por fim, estudos encontraram resultados va­riáveis sobre a estrutura fatorial do LOT-R, com Scheier e colaboradores (1994) encontrando um fator (otimismo) e Affleck e Teruien (1996) encontrando os dois fatores independentes de otimismo e pessimismo

O que o otimismo prediz

Assim como o LOT, o LOT-R gerou uma grande quantidade de pesquisas, Ao enfrentar fatores de estresse, os otimistas parecem assumir uma postura de solução de problemas (Scheier, Weintrab e Carver, 1986) e são mais engenhosos do que os pessimistas (Fontaine, Manstead e Wagner, 1993). Mais além, os otimistas tendem a usar as estratégias de enfrentamento vol­tadas à aproximação, de recuar [176] positivamente e ver o melhor nas situações, ao passo que os pessimistas são mais evitativos e usam técnicas de negação (Carver e Scheier, 2002). Os otimistas avaliam os estresses do dia-a-dia em termos de cresci­mento potencial e redução de tensão, mais do que os pessimistas. Diante de circuns­tâncias verdadeiramente incontroláveis, os otimistas tendem a aceitar sua situação, enquanto os pessimistas negam ativamen­te seus problemas e, portanto, tendem a piorá-los (Carver e Scheier, 1998; Scheier e Carver, 2001). Em outras palavras, um otimista sabe quando abrir mão e quando continuar tentando, ao passo que um pes­simista ainda busca um objetivo quando não é mais sábio persistir.

Como um todo, o LOT-R gerou rela­ções preditivas sólidas com uma série de marcadores de resultados na vida (para revisões, vide Carver e Scheier. 1999,2001, 2002). Excetuando-se alguns exemplos es­pecíficos, os otimistas, comparados com os pessimistas, saem-se melhor nos seguintes aspectos:

  1. iniciar faculdade (Aspinwall e Taylor, 1992) ;
  2. desempenho em situações profissionais (Long, 1993);
  3. resistir a um ataque de mísseis (Zeidner e Hammer, 1992);
  4. cuidar de pacientes com doença de Alzheimer (Hooker, Monahan, Shifren e Hutchinson, 1992) e câncer (Given et al., 1993):
  5. submeter-se a cirurgias coronarianas (Fitzgerald, Tennen, Affleck e Pransky 1993) e transplantes de medula óssea (Curbow, Somerfield, Baker, Wingard e Legro, 1993);
  6. lidar com o câncer (Carver et al., 1993) e a AIDS (Taylor et al., 1992).

Com relação às intervenções para au­mentar o otimismo, sugerimos, mais uma vez, que o leitor examine a discussão so­bre a implementação de mudanças psico­lógicas positivas, apresentada em nosso Capítulo 15. Atualmente, parece haver uma importante abordagem terapêutica que busca expressamente aumentar as ex­pectativas positivas, na forma conceitua­da no modelo de otimismo de Scheier e Carver. John Riskind e colaboradores (Riskind, Sarampote e Mercier, 1996) modificaram a terapia cognitiva padrão para influenciar o otimismo e o pessimis­mo. Riskind reconheceu que a maior par­te das técnicas de terapia cognitiva visa reduzir o pensamento negativo (pessimis­mo), mas pouco fazem para aumentar o pensamento positivo (otimismo). Nesse aspecto, deve-se observar que a simples redução do pensamento negativo não al­tera o pensamento positivo, talvez devi­do ao fato de que as cognições negativas e positivas não são correlacionadas (Ingram e Wisnicki, 198S). No enfoque de Riskind, as técnicas cognitivas são usadas para questionar os esquemas de supres­são do otimismo, bem como aumentar o pensamento positivo e otimista. Outra téc­nica sugerida por Risldnd e colaborado­res é a visualização positiva, em que o cli­ente ensaia ver resultados positivos para circunstâncias problemáticas (para um pa­norama, vide Pretzer e Walsh, 2001). Em função dos resultados consistentes relacio­nando otimismo com vários resultados na vida em termos de saúde, acreditamos que o modelo de Scheier e Carver venha a se ampliar em termos de influência, espe­cialmente na área de intervenções para ajudar pacientes que enfrentam desafios de saúde física. [177]

Psicologia - Psicologia positiva
8/13/2020 4:32:08 PM | Por Charles Richard Snyder
Observando o futuro por meio da autoeficácia

Na privacidade de seus pensamentos pessoais, as pessoas conseguem imaginar vi­sões maravilhosas de seus amanhãs. De fato, o futuro é fascinante, exatamente por ser portador de possibilidades sedutoras e po­sitivas. Diferentemente do passado e do pre­sente, o futuro oferece a chance de mudar as coisas, de torná-las diferentes e melhores. As pessoas querem se sentir capazes de “fazer as coisas acontecerem" de uma maneira que as satisfaça. Isso começa nos primeiros dias dos bebês, mas, à medida que as semanas e os anos passam, os indi­víduos vão ficando com mais e mais even­tos passados que não podem ser mudados, e suas vidas presentes se desdobram tão rapidamente que parece que eles têm pou­cas chances de fazer quaisquer mudanças reais. Por outra perspectiva, o futuro se­gue sendo um lugar onde as fantasias e os desejos das pessoas podem produzir os pro­verbiais finais felizes.

Muitos estadunidenses foram ensi­nados por seus cuidadores que a vida “de verdade" está mais adiante. Para quem teve circunstâncias de vida menos do que ideais, o “sonho americano” era que seus filhos tivessem vidas melhores. Para tanto, as crianças desses ambientes foram ensinadas a olhar para a frente e a se concentrar no que poderiam realizar na “terra das opor­ tunidades”. No processo de olhar para a frente, portanto, as pessoas correm o risco de tornar suas vidas extremamente ocupa­das. Como ressalva aos benefícios gerais das orientações ao futuro que descrevemos neste capítulo, aconselhamos o leitor a re­fletir sobre os pensamentos da colunista Ellen Goodman em seu ensaio “Being busy not an end in itself’ (Estar ocupado não é um fim em si mesmo). Goodman apresen­ta um bom argumento para dar um tem­po, de vez em quando, em nosso pensa­mento ocupado, orientado ao futuro.

Neste capítulo, examinamos inicial­mente três importantes perspectivas tem­porais orientadas para o futuro na psicolo­gia positiva: autoeficácia, otimismo e es­perança. Exploramos as teorias que orien­tam esses conceitos, junto com as escalas que medem cada um deles e as conclusões de pesquisa a eles associadas. A seguir, dis­cutimos o equilíbrio potencial entre orien­tações temporais voltadas ao passado, ao presente e ao futuro. Por fim, apresenta­mos comentários de advertência sobre como esses conceitos orientados ao futuro podem não se aplicar a amostras que não sejam de norte-americanos de origem caucasiana que participaram da pesquisa relatada. [163]

Autoeficácia

Acho que consigo, acho que consigo...

Após o psicólogo da Universidade de Stanford, Albert Bandura, publicar seu ar­tigo chamado “Self-efficacy: toward a uni­fying theory of behavior change” (Autoeficácia: rumo a uma teoria unificadora da mudança comportamental) na Psycholo­gical Review, em 1977, o conceito de autoeficácia ganhou popularidade a ponto de tal­vez já ter produzido mais pesquisa empírica do que qualquer outro tópico na psicolo­gia positiva [Bandura. 1977 1982,1997). O que é exatamente, esse conceito, que se mostrou tão influente? Para entender a autoeficácia, algumas pessoas usaram os sentimentos do trenzinho (da história in­fantil de Watty Piper [1930.1989], A pequena locomotiva para resumir a autoeficácia. Lembre-se de que o minús­culo trenzinho, pensando sobre como os meninos e meninas do outro lado da mon­tanha não teriam seus brinquedos a menos que ele ajudasse, enunciou as agora famo­sas palavras motívacionais“ Acho que con­sigo, acho que consigo, acho que consigo' e subiu a montanha se esbaforindo com su­cesso para entregar sua carga. Essa crença de que se pode realizar o que se quer está no centro da ideia da autoeficácia.

O constructo da autoeficácia se ba­seia em uma longa linha de pensamento histórico relacionado ao sentido de contro­le pessoal. Pensadores famosos como John Locke, David Hume, William James e Gilbert Ryle trataram da obstinação, ou volição, no pensamento humano (Vessey 1967). Mais recentemente, idéias semelhantes surgiram em teorias sobre motivação para realizações (McClelland, Atkinson, Clarke Lowell, 1953), motivação para a competência (White, 1959) e aprendizagem social (Rotter, 1966). (Para uma revisão sobre competência pessoal, enfrentamento e satisfação, vide Skinner, 1995.) Foi nessa li­nha clássica de pesquisa relacionada ao con­trole que Bandura se baseou para definir o conceito de autoeficácia.

Uma definição

Bandura (1997, p, vii) definiu a au­toeficácia como “as crenças das pessoas em suas capacidades de produzir efeitos desejados por meio de suas próprias ações”. Da mesma forma, Maddux (2002, p. 278) descreveu a auto­eficácia como “aquilo que acredito poder fazer com minhas habilidades em determi­nadas condições”. Com base no exame do que precisa ser feito para atingir um obje­tivo desejado (chamadas de expectativas de resultado), a pessoa supostamente analisa sua capacidade de realizar as ações neces­sárias (chamadas de expectativas de eficá­cia). Para Bandura, as expectativas de re­sultado são consideradas muito menos im­portantes do que as expectativas de eficá­cia. Coerente com sua perspectiva, estudos já desmonstraram que as expectativas de resultado não acrescentam muito às expec­tativas de efícáda na prediçâo de várias ações humanas (Maddux,1991). Sendo assim, pensamentos de autoeficácia que sejam específicos de determinadas situa­ções são propostos como o passo cognitivo último e mais crucial antes de as pessoas lançarem ações direcionadas a objetivos.

Antecedentes da infância: de onde vem a autoeficácia?

A autoeficácia é um padrão de pen­samento humano aprendido, e não geneti­camente herdado. Ela começa na infância e continua durante a vida toda. A autoefi­cácia se baseia nas premissas da teoria cognitiva social, que sustenta que os seres humanos definem suas vidas ativamente, em vez de reagir passivamente às for­ças do ambiente (Bandura, 1986; Barone, Maddux e Snyder, 1997).

A teoria social cognitiva, por sua vez, é construída a partir de três idéias. Em pri­meiro lugar, os seres humanos têm capa­cidades poderosas de simbolizar, para criar cognitivamente modelos de suas experiên­cias. Em segundo, ao observar a si próprias em relação a esses modelos cognitivos, as pessoas se tornam hábeis para regular suas próprias ações ao passar por eventos que ocorrem todo o tempo no ambiente. Sendo assim, as reações cognitivas influenciam as forças do ambiente ao redor que, por sua vez, definem pensamentos e ações sub­sequentes (isso significa dizer que há uma interação mútua entre as forças do ambien­te e as do pensamento). Terceiro, as pes­soas (ou seja, seus selves) e suas personali­dades são resultado dessas interações re­cíprocas, específicas de cada situação, en­tre pensamentos -> ambiente -> pensamentos. Dadas essas idéias cognitivas, portan­to, uma criança em desenvolvimento usa o pensamento simbólico, com referência específica ao entendimento de relações de causa e efeito, e aprende pensamento autoeficaz e autorreferente, observando como pode influenciar as circunstâncias que a cercam (Maddux, 2002),

Bandura (1989a, 1989b, 1977,1997) propôs que os antecedentes evolutivos da autoeficácia incluem;

  1. Sucesso anterior em situações seme­lhantes (recorrer à fonte de pensamen­tos positivos sobre o quanto a pessoa se saiu bem em circunstâncias anteriores);
  2. Seguir o modelo de outros nas mesmas situações (observar outras pessoas que tiveram êxito em uma determinada are­na e copiar suas ações);
  3. Imaginar a si próprio se comportando de maneira eficaz (visualizar uma ação eficaz para atingir um objetivo);
  4. Ser convencido verbalmente por pes­soas poderosas, confiáveis, especia­lizadas e atrativas (ser influenciado a se comportar de determinada maneira pelas palavras de alguém que o esteja orientando);
  5. Excitação e emoção (quando se está fisiologicamente excitado e vivenciando emoções negativas, a autoeficácia pode ser prejudicada, ao passo que esse tipo de excitação, junto com emoções posi­tivas, eleva a sensação de autoeficácia).

A neurobiologia da autoeficácia

É provável que os lobos frontal e pré-frontal do cérebro humano tenham evolu­ído para facilitar a priorização de objeti­vos e o pensamento engenhoso, que são cruciais para a autoeficácia (assim como a esperança, discutida posteriormente neste capítulo) (vide Newberg, d'Aquili, Newberg e deMarici, 2000; Stuss e Benson, 1984). Ao se deparar com tarefas direcionadas a objetivos, especialmente a solução de pro­blemas que é inerente em grande parte do pensamento de autoeficácia, o hemisfério direito do cérebro reage aos dilemas da forma como são repassados pelos proces­sos lingüísticos e abstratos do hemisfério esquerdo (Newberg et ah, 2000),

Há experimentos, a maioria dos quais realizados em animais, que também reve­lam que a autoeficácia ou o controle per­cebido podem estar ligados a variáveis bio­lógicas subjacentes que facilitam o enfrentamenro (Bandura, 1997). A autoeficácia possibilita uma sensação de controle que leva à produção de neuroendócrinos e catecolaminas (neurotransmissores que comandam atividades automáticas rela­cionadas ao estresse) (Bandura, 1991; Maier. Laudenslager e Ryan, 1985). Descobriu-se que essas últimas catecolaminas refletem o nível de autoeficácia que se sente (Bandura, Taylor, Williams, Mefford e Barchas, 1985), assim como uma sensação de autoeficácia realista reduz a atividade cardíaca e rebaixa a pressão sanguínea, fa­cilitando o enfrentamento. [166]

Escalas: pode-se medir a autoeficácia?

Bandura (1977, 1982, 1997) susten­tou com firmeza a perspectiva situacional de que a autoeficácia deve refletir crenças sobre o uso das capacidades e habilidades para atingir determinados objetivos em cir­cunstâncias e domínios específicos. Em suas palavras, “as crenças relacionadas à eficá­cia devem ser avaliadas em termos de jul­gamentos particularizados de capacidade, que podem variar em diferentes esferas de atividade, sob diferentes níveis de deman­da por tarefas dentro de um determinado domínio, e em diferentes circunstâncias" (Bandura, 1997, p. 42). Coerente com a ênfase de Bandura nas situações, Betz e colaboradores validaram uma medida de 25 itens que trata da confiança na tomada de decisões profissionais (Betz, Klein e Taylor, 1996; Betz e Taylor, 2000). Os es­cores dessa escala predizem a confiança na avaliação de várias profissões (Blustein, 1989) e a indecisão profissional real (Betz e Klein Voyten, 1997). Da mesma forma, há outros índices de autoeficácia que são específicos de situações, incluindo o Ques­tionário Ocupacional (Occupationaí Ques­tionnaire, Teresa. 1991) para o domínio dos estudantes em relação a várias vocações, e a Escala de Autoeficácia para Orientação Vocacional (Career Counseling Self-Efficacy Scale, O'Brien, Heppner, Flores e Bikos, 1997) voitada a medir a confiança dos orientadores ao formular intervençõe para pessoas que estejam tendo difi­culdades com sua atividade profissional. (Vide, também, Schwarzer e Renner [2000], para “autoeficácia de enfrentamento específica da situação").

Ainda que Bandura tenha argumen­tado repetidamente contra a perspectiva baseada em traços (na qual os fenôme­nos psicológicos são considerados duradou­ros com o passar do tempo e a variação das circunstâncias), outros pesquisadores desenvolveram essas medidas disposicionais de autoeficácia (por exemplo, Sherer et al., 1982; vide, também, Tipton e Worthington, 1984). Citando evidências de que as experiências de autoeficácia envol­vendo o domínio pessoal podem se gene­ralizar para ações que transcendam qual­quer comportamento-alvo (por exemplo, Bandura, Adams e Beyer, 1977), assim como o fato de que algumas pessoas têm muitas probabilidades de ter expectativas elevadas de autoeficácia em diferentes si­tuações, Sherer e colaboradores (1982) de­senvolveram ou validaram um índice se­melhantes aos traços, chamado de Escala de autoeficácia (Self-efficacy scale) .

A escala de autoeficácia consiste em 23 itens com os quais os respondentes clas­sificam sua concordância em uma escala Likert de 14 pontos (1 = concordo em muito a 14 = discordo em muito). Alguns exemplos de itens são: “Quando faço pla­nos, tenho certeza de que posso fazer que funcionem". "Se não consigo cumprir uma tarefa na primeira vez, continuo tentando até conseguir" e “Quando tenho alguma coisa desagradável para fazer, fico nela até terminar".

Análises fatoriais revelaram um fator que reflete a “autoeficácia geral” e um se­gundo que cobre “autoeficácia social”, A coerência interna da escala (isto é, o grau em que as questões individuais se agregam) teve alfas entre 0,71 e 0,86. Por fim, a va­lidade concorrente da escala de autoeficácia foi sustentada por suas correlações positivas com escores em medidas de con­trole pessoal, força do ego, competência interpessoal e autoestima (Chen, Gully e Eden, 2001; Sherer et al., 1982).

Mais recentemente, Chen e colabora­dores (2001) desenvolveram uma Nova es­cala geral de autoeficácia (New general self-efficacy scale) de oito itens, e seus escores parecem estar positivamente correlaciona­dos aos da escala de autoeficácia de Sherer e colaboradores (embora haja exceções). A nova escala geral de autoeficácia pode proporcionar mais um índice válido de autoavaliaçâo para medir a autoeficácia intersituacional. [167]

Ao contrário da perspectiva intersituacional da escala de autoeficácia, Bandura sugere que qualquer medida da sensação que um indivíduo tem de eficácia pessoal deve ser vinculada cuidadosamente a uma dada situação de desempenho (vide Bandura, 1995, 1997, para exposições sobre como fazer isso). Embora as escalas de eficácia intersituacional gerem correlações signifi­cativas com outras medidas, foi quando essas medidas específicas da situação fo­ram usadas que a autoeficácia alta indicou, de forma consistente e contínua:

  1. baixa ansiedade;
  2. maior tolerância à dor;
  3. melhor desempenho acadêmico;
  4. mais participação política;
  5. práticas dentárias eficazes;
  6. continuação de tratamento para parar de fumar e
  7. adoção de exercícios e dieta (Bandura,1997).

A influência da autoeficácia nas arenas da vida

A autoeficácia gerou enormes corpos de pesquisa, dentro e fora da psicologia. Nesta seção, exploramos parte dessas pes­quisas. Para o leitor interessado em se aprofundar nas conclusões da pesquisa so­bre autoeficácia, recomenda-se o volume de Albert Bandura, Self-efficacy: the exercise of control (1997), junto com o volume or­ganizado por James Maddux, Self-efficacy, adaptation, and adjustment (1995).

Ajuste psicológico

A autoeficácia foi implicada no enfrentamento bem-sucedido de uma série de problemas psicológicos (Maddux, 1995). As autoeficácias mais baixas foram rela­cionadas à depressão (Bandura, 1977), as­sim como à evitação e à ansiedade (Williams, 1995). Da mesma forma, a autoeficácia ele­vada é útil para superar transtornos e abu­sos alimentares (DiClemente, Fairhurst e Piotrowski, 1995). Bandura foi um dos primeiros a assumir um enfoque positivo, ba­seado nas qualidades, quando postulou que a autoeficácia pode cumprir um papel de proteção ao lidar com problemas psicológi­cos e, além disso, enfatizou fatores de capa­citação que ajudam as pessoas a “escolher e estruturar seus ambientes de formas que estabeleçam um rumo bem-sucedido” (Bandura, 1997, p. 177). Essa última vi­são com relação aos fatores de capacitação está em sintonia com a ênfase da psicolo­gia positiva no fortalecimento das quali­dades em lugar de redução dos defeitos.

Saúde física

Maddux (2002) sugeriu que a autoe­ficácia pode influenciar positivamente a saú­de fisica de duas maneiras. A primeira é que eia aumenta os comportamentos saudáveis e reduz os insalubres, além de ajudar a manter essas mudanças (Maddux, Brawley e Boykin, 1995). Nesse sentido, as teorias relacionadas aos comportamentos saudáveis destacam a autoeficácia (por exemplo, a teoria da motivação para a proteção [Rogers e Prenrice-Dunn, 1997], a teoria do com­portamento de ação pensada [Ajzen, 1988] e o modelo de crenças em saúde [Strecher, Champion e Rosenstock, 1997]').

Em segundo lugar, a autoeficácia in­fluencia vários processos biológicos que estão relacionados a uma melhor saúde fí­sica. Esses processos biológicos adaptativos incluem o funcionamento imunológico (O'Leary e Brown, 1995), a suscetibilidade a infecções, os neurotransmissores impli­cados na administração do estresse (isto, é catecolaminas) e as endorfínas para aliviar a dor (Bandura, 1997).

Psicoterapia

Assim como Jerome Frank (ride Frank e Frank, 1991) defendeu a ideia de que [168]  a  esperança é um fator comum na psicoterapia bem-sucedida, argumentou-se que a autoeficácia é um fator comum em várias intervenções psicológicas (Bandura, 19S6; Maddux e Lewis, 1995). Como tal, o au­mento da autoeficácia no contexto da psicoterapia não apenas dá impulso ao pen­samento eficaz para circunstâncias especificas, mas também mostra como aplicar esse pensamento em diferentes situações com que o cliente pode vir a se deparar (Maddux, 2002).

A psicoterapia pode fazer uso de uma ou mais das cinco estratégias a seguir, dis­cutidas anteriormente, para aumentar a autoeficácia:

  1. Construindo êxitos, muitas vezes usan­do a definição de objetivos e atingindo gradativamente esses objetivos (Hollon e Beck, 1994);
  2. Usando modelos para ensinar a pessoa a superar dificuldades (por exemplo, Bandura, 1986);
  3. Possibilitando que a pessoa se imagine se comportando de forma eficaz (Kazdin, 1979);
  4. Usando o convencimento verbal por parte de um psicoterapeuta confiável (Ingram, Kendall e Chen. 1991);
  5. Ensinando técnicas para reduzir a exci­tação (como medicação, mindfulness, biofeedback, hipnose, relaxamento, etc.) para aumentar a probabilidade de pen­samento mais adaptativo e autoeficaz.

A última fronteira: autoeficácia coletiva

Embora a grande maioria do traba­lho sobre o conceito de autoeficácia se te­nha centrado em indivíduos reagindo a determinadas circunstâncias, a autoeficácia também pode operar em nível coletivo e envolver grandes quantidades de pessoas que estejam em busca de objetivos comuns (Bandura, 1997). A autoeficácia coletiva já foi definida como “o grau em que acre­ditamos que podemos trabalhar juntos de forma eficaz para atingir nossos objetivos comuns” (Maddux, 2002, p. 284). Ainda que não haja acordo sobre como medir essa eficácia coletiva, as evidências mostram que ela cumpre um papel importante nos desempenhos em sala de aula (Bandura, 1993) e em equipes de trabalho (Little e Madigan, 1997), para dar apenas dois exemplos. Nossa predição é que a eficácia coletiva se tornará ainda mais influente com o foco cada vez maior da psicologia positiva em esforços de cooperação grupal. Para uma aplicação na vida real da teoria da aprendizagem social e dos princípios da autoeficácia da maneira como são in­corporados por heróis da televisão, leia o artigo “Changing Behavior Through TV Heroes”.

Psicologia - Psicologia positiva
7/26/2020 4:21:00 PM | Por Shane J. Lopez
Os princípios do prazer

Parado diante de um pequeno auditório, Ed Diener, psicólogo da Universidade de Illinois e pesquisador do tema da felicida­de, com renome mundial, segurava um cérebro de verdade em um frasco conten­do um líquido azul, que ele chamava de “suco da alegria” e que gotejava de um sa­quinho plástico segurado de cima. Ele pe­dia ao público que fingisse que seu cére­bro poderia ser tratado com um hormônio (ou seja, o suco da alegria) que deixaria as pessoas em um êxtase de felicidade, e elas poderiam se sentir felizes todo o tempo. Aí, ele fazia a pergunta fundamental: “Quantas pessoas nesta sala gostariam de fazer isso?”. Dos 60 presentes, só duas levanta­ram a mão para indicar seu desejo de feli­cidade perpétua.

Como eu (S.J.L.) tive pouco acesso a textos filosóficos e como minha formação de graduação e pós-graduação em psico­logia não me propiciou conhecer a ciência da felicidade, não havia pensado muito so­bre o tema em suas muitas formas. A per­gunta do Dr. Diener me deixou intrigado, e, desde que assisti à sua palestra em 1999, tenho tentado desenvolver uma com­preensão melhor do lado positivo da expe­riência emocional, o que me levou à pes­quisa sólida da qual apresento aqui um resumo.

Neste capítulo, tento acrescentar al­go ao que você sabe sobre prazer, indo muito além do prin­cípio do prazer de Freud (1936) (a de­manda pela satisfa­ção de uma neces­sidade instintiva, in­dependentemente das conseqüências) e estimulando a com­preensão dos muitos princípios de prazer que têm sido relacionados ao bem-viver. Nesse processo, apresentamos o que já se sabe sobre aquilo que torna a vida moderna prazerosa. Também resumimos pesqui­sas que examinam as distinções entre afeto positivo e negativo. Da mesma forma, des­tacamos as emoções positivas e seus bene­fícios para a expansão do prazer, e explora­mos as muitas definições de felicidade e bem-estar, qualidades do viver prazeroso. Para começar, esclarecemos os diversos ter­mos e conceitos que usamos neste capítulo. [123]

Definindo termos emocionais

Os termos afeto e emoção costumam ser usados de forma intercambiável em li­teraturas acadêmicas e populares, e bem-estar e felicidade parecem ser sinônimos em artigos de psicologia. Infelizmente, contu­do, o uso intercambiável desses termos causa muita confusão. Embora tentemos esclarecer as distinções entre essas idéias intimamente relacionadas, reconhecemos que há coincidências. Começamos sugerin­do que o afeto é um componente da emo­ção e que a emoção é uma versão mais es­pecífica do humor.

Afeto

O afeto é a resposta fisiológica ime­diata de uma pessoa a um estímulo e ge­ralmente se baseia em uma sensação subjacente de excitação. Especificamente, o professor Nico Frijda (1999) argumen­tou que o afeto envolve a avaliação de um evento como prazeroso ou doloroso - ou seja, sua Valencia - e a experiência da exci­tação autonômica.

Emoção

E difícil encontrar definições parcimoniosas de emoção, mas esta parece des­crever o fenômeno de forma sucinta: “As emoções, devo dizer, envolvem julgamen­to em relação a coisas importantes, julga­mentos esses nos quais, avaliando um ob­jeto externo como sendo importante para nosso próprio bem-estar, reconhecemos nossa própria carência e imperfeição dian­te de partes do mundo que não controla­mos por inteiro” (Nussbaum, 2001, p.19). Essas respostas emocionais ocorrem ao nos tornarmos cientes de experiências doloro­sas ou prazerosas e com a excitação autonô­mica associada a elas (ou seja, afeto; Frijda, 1999), e avaliamos a situação. Uma emo­ção tem uma qualidade específica e “moldada”, dado que sempre tem um objeto (Fredrickson, 2002) e está associada ao avanço na busca de objetivos (Snyder et al., 1991; Snyder, 1994). Por outra pers­pectiva, um humor não tem objeto, é livre e duradouro.

Felicidade

A felicidade é um estado emocional positivo, subjetivamente definido por um pessoa. O termo raramente é usado em estudos científicos, pois há pouco consen­so em relação a seu significado. Neste capítulo, o termo somente será utilizado quando for esclarecido por meio de informações complementares.

Bem-estar subjetivo

O bem-estar subjetivo é a avaliação subjetiva da própria situação atual no mun­do. Mais especificamente, Diener (198- 2000; Diener, Lucas e Oishi, 2002) define o bem-estar subjetivo como uma combi­nação de afeto positivo (na ausência de afeto negativo) e satisfação geral com a vida (isto é, a apreciação subjetiva das gra­tificações da vida). A expressão bem-estar subjetivo é muito usada como sinônimo de felicidade na literatura de psicologia. Qua­se sem exceção, a palavra felicidade, mais acessível, é usada na imprensa popular no lugar da expressão bem-estar subjetivo.

Diferenciando o positivo do negativo

Hans Selye (1936) é conhecido por sua pesquisa sobre os efeitos da exposição prolongada ao medo e à raiva. Repetida­mente, ele concluiu que o estresse fisioló­gico prejudicava o corpo, ainda que tenha valor de sobrevivência para os seres huma­nos. De fato, as funções evolutivas do medo têm intrigado pesquisadores e leigos. [124] Considerando-se a tradição histórica e as des­cobertas científicas relativas aos efeitos negativos, sua importância em nossas vi­das não foi questionada no decorrer do úl­timo século.

Historicamente, os afetos positivos têm recebido pouca atenção, de um século para cá, porque poucos estudiosos traba­lharam com a hipótese de que as gratifica­ções de alegria e contentamento iam além dos valores hedonistas [baseados no pra­zer), podendo ter alguma importância evolutiva. As potencialidades do afeto posi­tivo ficaram mais evidentes nos últimos 20 anos (Fredrickson, 2002) à medida que a pesquisa traçou distinções com o negativo.

David Watson (1988), da Universida­ de de Iowa, realizou pesquisas sobre as motivações do afeto prazeroso voltado à aproximação - incluindo estudos rigorosos de afetos negativos e positivos. Para facili­tar sua pesquisa sobre as duas dimensões da experiência emocional, Watson e sua colaboradora Lee Anna Clark (1994) desen­volveram e validaram a Forma Ampliada da Escala de Afeto Positivo e Negativo (Positive and Negative Affect Scale - PANAS-X), que se tornou uma medida muito utilizada nessa área. Essa escala de 20 itens já foi usada em centenas de estu­dos para quantificar duas dimensões do afeto: Valencia e conteúdo. Mais especifi­camente, a PANAS-X trata da valência “ne­gativa” (desagradável) e “positiva” (agra­dável). O conteúdo dos estados de afeto negativo pode ser mais bem descrito como desconforto geral, ao passo que o afeto positivo inclui jovialidade, autoconfiança e uma postura atenciosa. (Vide a PANAS, predecessora da PANAS-X, que é curta e válida para a maioria dos propósitos clíni­cos e de pesquisa.)

Usando a PANAS e outras medidas de "afeto, os pesquisadores têm tratado siste­maticamente de uma questão básica: “Po­demos vivenciar afetos negativos e positi­vos ao mesmo tempo?” (vide Diener e Emmons, 1984; Green, Salovey e Truax, 1999.) Por exemplo, pode-se ir assistir a um filme envolvente e sair sentindo prazer e medo? Embora os afetos positivos e ne­gativos fossem con­siderados, anterior­mente, como polos opostos, Bradburn (1969) demonstrou que ambos são in­dependentes e têm correlates diferentes. Psicólogos como Wat­son (2002) continuam
a examinar essa ques­tão da independência em suas pesquisas. Em um estudo recente, ele concluiu que existe correlação do afeto negativo com a jovialidade, a autoconfiança e a postura atenciosa em apenas -0,21, -0,14 e -0,17, respectivamente. As baixas magnitudes dessas correlações negativas sugerem que, embora o afeto negativo e positivo este­jam inversamente correlacionados, como era de se esperar, as relações são bastante frágeis e indicam independência dos dois tipos de afeto. O tamanho dessas relações, contudo, pode aumentar quando as pes­soas são submetidas aos fatores de estresse diários (Keyes e Ryff, 2000; Zautra, Potter e Reich, 1997).

Emoções positivas: expandindo o repertório do prazer

À medida que alguns psicólogos refi­nam a distinção entre os lados positivo e negativo da experiência emocional por meio de pesquisa básica e medição, outros estudiosos (por exemplo, Isen, Fredrick­ son) começaram a explorar questões so­bre a potência e as potencialidades das emoções positivas. (Nesse caso, usamos o termo emoção em lugar de afeto porque estamos nos referindo às tendências de res­posta específicas que fluem da experiência do afeto.) A psicóloga da Universidade de [125] Cornell, Alice Isen, é pioneira no exame das emoções positivas. A Dra. Isen concluiu que, ao vivenciar experiências positivas moderadas, temos mais probabilidades de:

  1. ajudar outras pessoas (Isen, 1987);
  2. ser flexíveis em nosso pensamento (Ashby, Isen e Turken, 1999) e
  3. produzir soluções para nossos proble­mas (Isen, Daubman e Nowicki,1987).

Em pesquisas clássicas relacionadas a esses aspectos, Isen (1970; Isen e Levin, 1972) realizou uma manipulação experi­mental na qual os participantes encontra­ram ou não moedas (colocadas ali pelos pesquisadores) na abertura para devolu­ção de um telefone público. Comparados aos que não encontraram a moeda, os que encontraram tiveram mais probabilidades de ajudar uma pessoa a carregar uma pi­lha de livros ou juntar papéis que caíram no chão. Sendo assim, encontrar uma moe­da e sentir a emoção positiva associada a isso fizeram que as pessoas se comportas­ sem de maneira mais altruísta.

Sentir emoções positivas também po­de ajudar a enxergar opções para solucio­nar problemas e descobrir pistas para to­mar boas decisões (Estrada, Isen e Young, 1997). Em um estudo relacionado a esses aspectos, os pesquisadores designaram aleatoriamente médicos a uma condição experimental na qual receberam ou não um saquinho contendo seis balas e quatro cho­colates (eles não podiam comer os doces durante o experimento). Os médicos que receberam o presente apresentaram raciocínio e tomada de decisões superiores em relação aos que não o receberam. Especifi­camente, os médicos na condição de emo­ção positiva não tiraram conclusões preci­pitadas, e sim foram cautelosos, ainda que tenham chegado ao diagnóstico mais rapi­damente do que os que estavam na outra condição (Alice Isen, comunicação pessoal, 13 de dezembro de 2005). Talvez devêsse­mos levar uns doces ao nosso médico na próxima vez que formos consultar!

Aqui, uma descrição mais detalhada do estudo que nos levou a essa sugestão descontraída. (Embora a Dra. Isen use o termo afeto, acreditamos que emoção seria o termo mais adequado nesse caso.) 

Quarenta e qua­tro médicos fo­ram designados aleatoriamente a um entre três grupos: um gru­po de controle, um grupo com indução de afe­tos (esses parti­cipantes rece­beram um sa­quinho com do­ces) ou um gru­po cujos participantes deveriam ler declarações humanistas com relação à prática da medicina. Pediu-se que os [127] médicos em todos os três grupos “pensassem em voz alta” enquanto chegavam a uma solução para um paciente com problemas no fígado. As transcrições dos comentá­ rios dos médicos foram digitadas, e dois avaliadores analisaram as transcrições para determinar com que rapidez o diag­ nóstico de doença do fígado foi cogitado e definido, bem como até onde o pensa­ mento foi distorcido e inflexível. O grupo do afeto, inicialmente, cogitou o diagnós­ tico de doença do fígado em um momen­ to bastante precoce do experimento e de­ monstrou pensamento muito menos in­ flexível do que os controles. Os grupos de afeto e de controle definiram o diagnósti­ co em momentos semelhantes do experi­ mento. Dessa forma, o afeto positivo le­ vou a uma integração anterior da infor­ mação (cogitar a doença do fígado antes) e resultou em pouca definição prematura do diagnóstico.

Partindo do trabalho de Isen, Fre­drickson (2000) desenvolveu uma nova es­trutura teórica, o modelo potencia­lizar e construir, que pode oferecer algumas explicações para os robustos efei­tos sociais e cogni­tivos das experiên­cias emocionais po­sitivas. Na revisão que fez de modelos de emoções (Smith, 1991), Fredrickson concluiu que as res­postas às emoções positivas não haviam sido muito estuda­das e que, quando isso aconteceu, elas ha­viam sido examinadas de forma vaga e pou­co especificada. Além disso, as tendências à ação geralmente estiveram associadas a reações físicas às emoções negativas (mais uma vez, imagine “fugir ou lutar”), ao pas­so que as emoções humanas às emoções positivas costumam ser mais cognitivas do que físicas. Por essas razões, a autora pro­pôs descartar o conceito de tendência à ação específica (que sugere uma faixa res­trita de possíveis opções comportamentais) em favor do termo mais novo e mais includente repertórios de pensamentos- ações momentâneos (que sugere uma ampla gama de opções comportamentais: imagine “tirar a venda” e ver as oportuni­dades disponíveis).
Para ilustrar as diferenças naquilo que segue às emoções positivas e negativas, veja a experiência de infância de um dos autores (S.J.L.). Observe como as emoções po­sitivas (por exemplo, excitação e alegria) levaram à flexibilidade cognitiva e à cria­tividade, ao passo que as emoções negativas (como o medo e a ansiedade) estão li­gadas a uma resposta de fuga e à finali­zação das atividades.

Em uma visita à casa de minha avó, em um sábado à noite, diverti-me muito jo­gando videogames e brincando de escon­der com meu irmão e quatro primos. As horas de brincadeiras levavam a excita­ção e muitas risadas..., e à criação de no­vas regras e obstáculos para o jogo. A ale­gria desmedida que sentimos naquela tar­de nos fez sentir livres, parecia que aque­le dia duraria para sempre. Infelizmente, a diversão foi interrompida. O final súbi­to chegou quando meu primo Bubby me viu escondido atrás do capim alto, nos fundos da propriedade de minha avó. Saí como uma bala de meu esconderijo para escapar dele. Ao correr pela casa, acabei entrando no terreno baldio do vizinho. Rindo com alegria, corri o máximo que pude. De repente, um obstáculo estava no meu caminho. Pulei sobre ele enquanto Bub gritava descontrolado. Quando me virei, vi que havia pulado sobre um trigonocéfalo de mais de um metro, uma cobra altamente venenosa. O meu primo continuava a gritar, e eu ia ficando cada vez mais nervoso. Sem pensar, afastamo-nos da cobra... e corremos para salvar nossas vidas. Quando finalmente paramos de correr, não conseguíamos recuperar o fôlego. Ninguém estava machucado, mas nosso medo e nossa ansiedade haviam aca­bado com a diversão do dia. [128]

Ao testar seu modelo de emoções po­sitivas, Fredrickson (2000) demonstrou que a experiência da alegria amplia os domínios daquilo que uma pessoa tem vontade de fazer no momento, o que se chama de ampliação do repertório momentâneo de pensamentos-ações de um indivíduo. De­ pois de um filme curto com emoção (os curtas induziam uma entre cinco emoções: alegria, contentamento, raiva, medo ou uma condição neutra), pediu-se que os par­ticipantes da pesquisa listassem tudo o que gostariam de fazer no momento (vide os resultados na Figura 7.1).

Os participantes que vivenciaram ale­gria ou contentamento listaram bem mais possibilidades desejadas do que as pessoas nas condições neutra ou negativa. Essas possibilidades ampliadas para atividades futuras, por sua vez, deveriam levar os in­divíduos alegres a iniciar ações subsequentes. Os que expressaram emoções mais ne­gativas, por outro lado, tenderam a encer­rar seu pensamento sobre possíveis ativi­dades subsequentes. Dito de forma simples, a alegria parece nos abrir para muitos pen­samentos e comportamentos, ao passo que as emoções negativas desanimam nossas idéias e ações.

A alegria também aumenta nossa pro­babilidade de nos comportarmos positiva­mente em relação a outras pessoas, assim como desenvolver mais relacionamentos positivos. Além disso, a alegria induz à ati­vidade lúdica (Frijda, 1994), que é muito importante porque esses comportamentos são evolutivamente adaptativos na aquisi­ção dos recursos necessários. A atividade lúdica juvenil forma:

  1. recursos sociais e intelectuais duradou­ros ao estimular o vínculo;
  2. níveis mais elevados de criatividade e
  3. desenvolvimento cerebral(Fredrickson, 2002).

Parece que, por intermédio dos efei­tos dos processos de ampliação, as emo­ções positivas também podem ajudar a construir recursos. Em 2002, Fredrickson e seu colega Thomas Joiner demonstraram esses fenômenos de fortalecimento ao ava­liar as emoções positivas e negativas das pessoas e seu enfrentamento com uma mente aberta (resolver problemas por meios criativos) em duas ocasiões, com cin­co semanas de distância. Os pesquisado­res concluíram que os níveis iniciais de emoções positivas indicavam aumentos gerais na solução criativa de problemas. Tais mudanças de enfrentamento também indicavam mais aumentos nas emoções po­sitivas (vide a Figura 7.2).

Da mesma for­ma, controlando os níveis iniciais de emo­ção positiva, os níveis iniciais de enfrentamento indicavam aumento nas emoções positivas, o que, por sua vez, indicava aumentos no enfrentamento. Esses resulta­dos confirmaram ser verdadeiros apenas para emoções positivas, e não para as [130] ne gativas. Assim, as emoções positivas, como a alegria, podem ajudar a gerar recursos e manter uma sensação de energia vital (ou seja, mais emoções positivas).

Fredrickson (2002) se referiu a essa seqüência positiva como a “espiral ascen­dente” das emoções positivas (vide a Figu­ra 7.3). [131]

Ampliando seu modelo de emoções positivas, Fredrickson e colaboradores exa­minaram o potencial para “desfazer” que as emoções positivas têm (Fredrickson, Mancuso, Branigan e Tugade, 2000) e a re­lação entre experiências emocionais posi­tivas e negativas que está associada à prosperidade humana (Fredrickson e Losada, 2005). Fredrickson e colaboradores (2000) levantaram a hipótese de que, dados a am­pliação e os efeitos de fortalecimento das emoções positivas, a alegria e o contenta­mento podem funcionar como antídotos às negativas.

Para testar essa hipótese, os pesqui­sadores expuseram todos os participantes de seu estudo a uma situação que gerava emoção negativa e, imediatamente após, designaram as pessoas, aleatoriamente, a condições de emoção (desencadeadas por vídeos evocativos) que iam da alegria mo­derada à tristeza. A recuperação cardio­ vascular representou o processo de desfa­zer e foi operacionalizada como o tempo que passou desde o início do vídeo a que as pessoas foram aleatoriamente designa­das até que as reações psicológicas indu­zidas pela emoção negativa inicial retor­nassem ao ponto inicial. A hipótese do des­fazer foi sustentada, dado que os partici­pantes das condições de alegria e conten­tamento conseguiram desfazer os efeitos das emoções negativas mais rapidamente do que as pessoas nas outras condições. Essas descobertas sugerem que há uma in­compatibilidade entre emoções positivas e negativas e que os efeitos potenciais das experiências negativas podem ser compensados por emoções positivas, como alegria e contentamento.

Considerando-se que as emoções po­sitivas ajudam as pessoas a construir re­cursos duradouros e a se recuperar de ex­periências negativas, Fredrickson e Losada (2005) formularam a hipótese de que as emoções positivas estejam associadas a uma saúde mental ideal ou à prosperidade*' (bem-estar psicológico e social; vide o modelo de saúde mental completo - pá­gina 220). Ao submeter à análise matemá­tica os dados sobre a saúde mental de par­ticipantes que eram estudantes de gradua­ção (relativos a uma medida de prosperi­dade) e sua experiência emocional (os es­tudantes classificaram o nível em que vivenciaram 20 emoções a cada dia, por 28 dias), os pesquisadores concluíram que uma razão média de 2:9 entre emoções positivas e negativas é um fator de predição de prosperidade humana. Essa conclu­são oferece informações de diagnóstico sobre os efeitos das experiências emocio­nais cotidianas sobre nossa saúde mental.

Felicidade e bem-estar subjetivos: vivendo uma vida prazerosa

Definições muito antigas de felicidade

Buda saiu de casa em busca de uma existência com mais sentido e acabou en­contrando a iluminação, uma sensação de paz e felicidade. Aristóteles acreditava que a eudaimonia (a prosperidade humana as­sociada a uma vida de virtudes) ou a felici­dade baseada em toda uma vida em busca de objetivos de desenvolvimento que se­jam plenos de sentido (ou seja, fazer o que vale a pena fazer) era a chave para o bem-viver (Waterman, 1993). Os fundadores da nação estadunidense argumentaram que a bus­ca da felicidade era tão importante quanto nossos direitos inalienáveis à vida e à li­berdade. Essas definições muito antigas de felicidade, junto com muitas outras conceituações de bem-estar emocional, têm [132] influências claras sobre as visões de estudio­sos dos séculos XX e XXI, mas as teorias psicológicas e as pesquisas genéticas mais recentes nos ajudaram a esclarecer a feli­cidade e seus correlatos.

As teorias da felicidade foram dividi­das em três grupos:

  1. teorias da satisfação de necessidades e objetivos;
  2. teorias de processo/atividade; e
  3. predisposição genética/personalidade (Diener et al., 2002). 

Em relação às teorias de satisfação de necessidades/objetivos, os líderes de determinadas escolas de psicoterapia pro­feriram essas idéias em relação à felicida­de. Por exemplo, teóricos da psicanálise e humanistas (Sigmund Freud e Abraham Maslow, respectivamente) sugeriram que a redução da tensão ou a satisfação das necessidades levaria à felicidade. Resumin­do, teorizou-se que somos felizes porque atingimos nossos objetivos. Essa “felicida­de da satisfação” faz da felicidade uma meta de nossas buscas psicológicas.

No campo dos processos/atividades, as teorias postulam que se envolver em de­terminadas atividades na vida gera felici­dade. Por exemplo, Mike Csikszentmihalyi, que foi um dos primeiros teóricos do sé­culo XX a examinar as conceituações de felicidade baseadas em processos/atividades, propôs que as pessoas que experi­mentam sensações de flow (envolvimento em atividades interessantes que correspondem ou desafiam suas habilidades relacio­nadas a tarefas) na vida cotidiana tendiam a ser muito felizes. Na verdade, o trabalho
de Csikszentmihalyi (Csikszentmihalyi, 1975/2000, 1990) sugere que o engaja­mento em uma atividade produz felicida­de. Outros teóricos dos processos/ativida­des (como Emmons, 1986; Snyder, 1994) enfatizaram como o processo de ir em bus­ca de objetivos gera energia e felicidade. Essa perspectiva de busca pela felicidade reflete a promessa dos fundadores da na­ ção americana, de “vida, liberdade e busca da felicidade”.
Os que defendem as teorias da feli­cidade baseadas em predisposições ge­néticas e da personalidade (Diener e Larsen, 1984; Watson, 2000) tendem a ver a felicidade como estável, ao passo que os teóricos dos campos da “felicidade como satisfação” e de processos/atividades a consideram como algo que muda com as con­dições de vida. Sobre essa questão, Costa e McCrae (1988) concluíram que a felicida­de mudou pouco em um período de 6 anos, dando credibilidade a teorias de felicidade como algo baseado na personalidade ou na biologia. Demonstrando esse vínculo entre felicidade e personalidade, Lucas e Fujita (2000) apontaram que a extroversão e o neuroticismo, dois dos cinco grandes fatores de personalidade (abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade, neuroticismo), estavam intimamente rela­cionados às características da felicidade.

Estudos dos determinantes biológicos ou genéticos da felicidade concluíram que até 40% da emocionalidade positiva e 55% da negativa são de base genética (Tellegen et al., 1988). Obviamente, isso deixa cerca de 50% da discordância na felicidade que não é explicada por componentes biológicos. Por­ tanto, em termos gerais, uma compreensão minuciosa da felicidade necessita de um exa­me dos fatores genéticos e das variáveis su­geridas pelos teóricos da satisfação de neces­sidades/objetivos e de atividades/processos.

Bem-estar subjetivo como sinônimo de felicidade

Partindo de uma tradição utilitária e dos preceitos da psicologia hedonista (que [133] enfatiza o estudo do prazer e da satisfação na vida), Diener (1984; 2000; Diener et al., 2002) considera o bem-estar como a avaliação subjetiva da própria situação no mundo. Mais especificamente, o bem-es­tar envolve nossa experiência de prazer e nossa apreciação das recompensas da vida. A partir dessa visão, Diener define o bem-estar subjetivo como uma combinação de afeto positivo (na ausência de afeto nega­tivo) e satisfação geral com a vida. Mais além, o autor usa a expressão bem-estar subjetivo como sinônimo de felicidade. (O componente de satisfação costuma ser me­dido com a Escala de satisfação com a vida, a Satisfaction with life scale; Diener, Emmons, Larsen e Griffin, 1985).

O bem-estar subjetivo enfatiza os re­latos das pessoas acerca de suas experiên­cias de vida. Nessa linha, o relato subjeti­vo é aceito como valor nominal. Esse en­foque subjetivo parte do pressuposto de que as pessoas de muitas culturas estão confortáveis ao tratar de avaliações individualistas de seu afeto e sua satisfação, e de que as pessoas serão francas nessas aná­lises pessoais (Diener et al., 2002). Essas premissas orientam as tentativas dos pes­quisadores de entender as experiências subjetivas à luz de suas circunstâncias ob­ jetivas.

Determinantes do bem-estar subjetivo

Ao examinar a satisfação de estudan­tes universitários (de 31 países) em vários domínios da vida, os estudantes de países pobres apresentaram uma correlação mais alta entre situação financeira e satisfação do que os de países ricos (Diener e Diener, 1995). Além disso, as pessoas de países ri­cos geralmente estavam mais felizes do que as dos países empobrecidos. O exame en­tre nações desse vínculo entre renda e bem-estar revela que, uma vez que a renda sobe acima da linha de pobreza, mais crescimen­to na renda não está necessariamente as­sociado a aumento do bem-estar. Quando se dividem mais ainda os dados sobre bem-estar, por categorias de situação financei­ra (muito pobres e muito ricos), parece ha­ver uma forte relação entre renda e bem-estar entre os empobrecidos, mas uma re­lação insignificante entre as duas variáveis entre os prósperos (Diener, Diener e Diener, 1995).

Dados específicos de amostras ociden­tais indicam que tanto homens quanto mulheres casados informam ser mais feli­zes do que os que não são casados (que nunca o foram, divorciados ou separados; Lee, Seccombe e Shehan, 1991). A relação entre bem-estar subjetivo e ser casado se [134]  aplica a pessoas de todas as idades, níveis de renda e graus de instrução, bem como origens racial-étnicas (Argyle, 1987). Não surpreende que a qualidade conjugal tam­bém esteja associada positivamente ao bem-estar pessoal (Sternberg e Hojjat, 1997).

Em um estudo sobre os 10% mais fe­lizes entre os estudantes universitários nos Estados Unidos, Diener e Seligman (2003) concluíram que as qualidades de boa saú­de mental e bons relacionamentos sociais surgiam constantemente na vida dos jovens adultos mais felizes da amostra. Olhando seus dados mais de perto, as análises reve­laram que um bom funcionamento social entre o subconjunto de estudantes mais felizes era uma causa de felicidade neces­sária, mas não suficiente.

Felicidade + significado = bem-estar

Os psicólogos que sustentam a pers­pectiva hedonista consideram o bem-estar subjetivo e a felicidade como sinônimos. Por outro lado, os estudiosos cujas idéias sobre bem-estar são mais coerentes com as visões de Aristóteles em relação à eudaimonia acreditam que a felicidade e o bem-estar não são sinônimos. Formulado de maneira simples: bem-estar = felicidade + significado. Para concordar com essa úl­tima visão de bem-estar, deve-se entender a virtude e as implicações do comporta­mento diário. Mais além, essa visão requer que os que buscam o bem-estar sejam au­tênticos e vivam segundo suas reais neces­sidades e objetivos (W aterman, 1993). Dessa forma, levar uma vida eudaimônica vai além de vivenciar as “coisas prazero­sas”, cobrindo a prosperidade como obje­tivo de todas as nossas ações. As versões hedonista e eudaimônica da íelicidade têm influenciado as definições do século XXI.

Definições de felicidade do século XXI

A moderna psicologia ocidental tem se concentrado fundamentalmente em uma visão pós-materialista da felicidade (Diener et al., 2002) que enfatiza prazer, satisfação e significado na vida. Na verdade, o tipo de [137] felicidade tratada em grande parte da lite­ratura popular de hoje enfatiza hedonismo, significado e autenticidade. Por exemplo, Seligman (2002) sugere que, a partir da fe­licidade que resulta do uso de nossas quali­dades psicológicas, se pode construir uma vida prazerosa e dotada de sentido.

Ao descrever um novo modelo de fe­licidade, Lyubomirsky, Sheldon e Schkade (2005) propuseram que “o nível de felici­dade crônica de uma pessoa é comandado por três principais fatores: um ponto de partida geneticamente determinado, fa­tores circunstanciais relevantes e ativida­des e práticas relevantes para a felicidade” (p. 111). A “arquitetura da felicidade sus­tentável” de Lyubomirsky e colaboradores (p. 114) incorpora aquilo que se sabe sobre os componentes genéticos da felicidade, os seus determinantes circunstanciais/demográficos e o processo complexo de mudan­ça humana intencional. Com base em pes­quisas passadas, as quais resumem, Lyubo­mirsky e colaboradores propõem que a ge­nética responde por 50% da variância na população em termos de felecidade, ao pas­so que as circunstâncias de vida (sejam boas ou más) e a atividade intencional (tentati­vas de viver de forma saudável e de fazer mudanças positivas) respondem por cerca de 10% e 40% da variância na população em termos de felicidade, respectivamente. Esse modelo reconhece os componentes da felicidade que não podem ser mudados, mas também deixa espaço para volição e os objetivos autogerados que levam à ob­tenção de prazer, sentido e boa saúde.

Sem dúvida, os estudiosos do século XXI produzirão muitas outras visões mais refinadas acerca da felicidade. Nossa previ­são é que a busca de felicidade por meio da ciência da psicologia e da prática positi­vas acabarão por desenvolver um melhor entendimento dos correlatos e das bases genéticas (resumidos em Lyubomirsky et al., 2005), neurológicas (Urry et al., 2004) e neurobiológicas da felicidade, e assumi­rão o contentamento, a paz e a felicidade da filosofia oriental, junto com a sabedoria popular do mundo ocidental. Dessa forma, imagine uma ciência que seja baseada no que se conhece sobre as bases genéticas e biológicas da felicidade, e que examine o rigor e a relevância dos ensinamentos de Buda e, ao mesmo tempo, as recomenda­ções de Benjamin Franklin para um viver virtuoso (vide a Figura 7.4). Por intermédio de uma boa ciência biológica e psicológica, e uma apreciação universal das visões filo­sóficas da felicidade, pode-se elevar a rele­vância internacional de nossos estudos acadêmicos no campo da psicologia positiva.

A saúde mental completa: bem-estar emocional, social e psicológico

Ryff e Keyes (1995; Keyes e Lopez, 2002; Keyes e Magyar-Moe, 2003) combi­nam muitos princípios de prazer para defi­nir a saúde mental completa. Especifica­mente, os autores consideram o funciona­mento ideal como sendo a combinação de bem-estar emocional (que é como se referem ao bem-estar subjetivo, definido como a presença de afeto positivo e satis­fação com a vida e a ausência de afeto ne­gativo), bem-estar social (incorporando a aceitação, realização, contribuição, coe­rência e integração) e o bem-estar psico­lógico (combinando autoaceitação, crescimento pessoal, propósito na vida, domínio do ambiente, autonomia, relações positi­vas com outras pessoas). Levando-se em consideração os sintomas da doença men­tal, eles definem “saúde mental completa” como a combinação de “altos níveis de sin­tomas de bem-estar emocional, bem-estar psicológico e bem-estar social, bem como a ausência de doença mental recente” (Keyes e Lopez, 2002, p. 49).

Essa visão de doença mental combi­na todas as facetas do bem-estar em um modelo que é, a um só tempo, dimensional (porque reflete extremos de saúde mental e sintomatologia da doença) e categórico (porque é possível a atribuição a distintas categorias de diagnóstico). Esse modelo de estado completo (Keyes e Lopez, p. 49; vide a Figura 7.5) sugere que a saúde men­tal e os sintomas de doença mental combi­nados podem estar em permanente mudan­ça, resultando em flutuações do bem-estar geral, que vão desde a doença mental com­pleta até a saúde mental completa.

Aumentando a felicidade em sua vida

Embora haja diversas teorias da feli­cidade e incontáveis definições acerca dela (por exemplo, Sheldon e Lyubomirsky. 2004), os pesquisadores começaram a usar trabalhos anteriores (Fordyce, 1977,1983) em suas tentativas de responder à pergun­ta que nos fazem muitos de nossos clientes: “Posso aprender a ser mais feliz?”. David Myers (1993), especialista no [138] assunto e autor de The pursuit of happiness, apre­senta estratégias gerais para aumentar a felicidade em sua vida (vide a Figura 7.6). Apresentamos Estratégias para melhorar a vida, com vistas a elevar a felicidade em esferas específicas.

Avançando em direção ao positivo

É muito fácil encontrar os aspectos desagradáveis e negativos das emoções e disfunções na vida (Baumeister, Bratslavsky, Finkenhaur e Vohs, 2001). Tudo o que você precisa fazer é ler o jornal matinal ou assis­tir ao telejomal da noite. Nossa necessida­de humana de entender o negativo é gran­de, por causa do sofrimento e da perda as­sociados à raiva e ao medo, bem como das funções evolucionárias das estratégias de evitação. Embora os aspectos positivos das experiências emocionais raramente captem a atenção da mídia ou da ciência, isso está começando a mudar.

Apenas três décadas atrás, por exemplo, alguns bravos cientis­tas sociais (como Braàbum, 1969-, Meéhl, 1975) expuseram suas idéias sobre o lado mais leve da vida. Hoje em dia, sabemos que a circulação do “fluido da alegria” (o termo irreverente de Paul Meehl para aqui­lo que induz experiências emocionais pra­zerosas) e fatores biológicos são importan­tes, mas não definem toda a nossa experiên­cia emocional. Nas palavras de Diener e colaboradores (2002, p. 68), “parece que a forma como as pessoas percebem o mundo é muito mais importante para a felicidade do que as circunstâncias objetivas”. [139]

Psicologia - Psicologia positiva
7/20/2020 6:02:43 PM | Por Charles Richard Snyder
As virtudes humanas sob as perspectivas Oriental e Ocidental

Uma questão de perspectiva “A boa sorte pode anunciar uma des­ventura, a qual, por sua vez, acaba por re­velar uma boa sorte.” Esse provérbio chi­nês exemplifica a perspectiva oriental de que o mundo e seus habitantes estão em um estado de fluxo perpétuo. Sendo assim, da mesma forma que ocorrem bons tem­pos, os tempos ruins nos visitarão. Os de­safios da vida, por sua vez, podem ser arau­tos de nossos triunfos. Esse equilíbrio en­tre bom e ruim é buscado ao longo da vida. De fato, essa expectativa e esse desejo de equilíbrio distinguem as visões dos orien­tais sobre o funcionamento ideal do cami­nho mais linear adotado pelos ocidentais para resolver problemas e monitorar o pro­gresso (vide o Capítulo 2). Portanto, os ori­entais buscam se tornar unos com o ritmo da mudança, encontrando sentido nos al­tos e baixos naturais da vida. Sempre adaptativos e atentos, avançam com o ci­clo da vida até que o processo de mudança se torne natural, chegando-se à ilumina­ção (isto é, ser capaz de ver as coisas cla­ramente pelo que elas são). Diferentemente dos ocidentais, que buscam gratificações no plano físico, os orientais buscam trans­cender o plano humano e se elevar ao es­piritual.

Os estudiosos da psicologia positiva visam definir as qualidades dos seres hu­manos, destacando os vários caminhos que levam a vidas melhores (Aspinwall e Staudinger, 2002; Keyes e Haidt, 2003; Lopez e Snyder, 2003; Peterson e Seligman, 2004; Snyder e Lopez, 2002). Dado que a civilização ocidental e os eventos e valores da Europa moldaram o campo da psicolo­gia como o conhecemos hoje nos Estados Unidos, não surpreende que as origens da psicologia positiva se tenham concentrado mais nos valores e nas experiências dos ocidentais. Cada vez mais, contudo, os his­toriadores estão levando em conta os even­tos históricos e culturais mais amplos para entender as qualidades e as práticas associadas ao bem-viver (vide, por exemplo, Leonge Wong, 2003; Schimmel, 2000; Sue e Constantine, 2003). As sabedorias ante­riormente negligenciadas das tradições orientais estão sendo consultadas para acrescentar diferentes pontos de vista em relação a essas qualidades humanas.

Neste capítulo, discutimos as perspec­tivas e os ensinamentos orientais em ter­mos de suas influências na pesquisa e nas aplicações da psicologia positiva. [45] Em primeiro lugar, apresentamos os principais preceitos do confucionismo, taoísmo, bu­dismo e do hinduísmo, e demonstramos como cada tradição caracteriza importan­tes qualidades e resultados na vida. A se­guir, discutimos algumas das diferenças fundamentais e inerentes entre os sistemas de valores, processos de pensamento e os resultados que se buscam na vida nas cul­turas oriental e ocidental. Também expomos a ideia oriental do “bem-viver” e dis­cutimos as qualidades associadas a ela (mais embutidas nas culturas orientais do que nas ocidentais) que ajudam os orien­tais a atingir resultados positivos em suas vidas. Em seguida, encerramos com uma discussão das visões ocidentais sobre os conceitos de compaixão e harmonia como as duas qualidades básicas e necessárias para se atingir uma boa vida.

Confucionimo, Taoísmo, Budismo e Hinduísmo

Resumir milhares de anos de ideolo­gia e tradição orientais está, obviamen­te, além dos objetivos deste capítulo. Por­ tanto, destacamos os preceitos básicos das quatro disciplinas orientais influentes do confucionismo, do taoísmo (tradições geralmente associadas à China), do budismo e do hinduísmo (enraizadas em tra­dições do Sudeste da Ásia). Como é o caso no contexto histórico ocidental, o conceito de “bem-viver” existe na tra­dição oriental há muitos séculos. Ao contrário da ideia da cultura ocidental sobre o funciona­mento ideal como algo que ocorre intrapsiquicamente, as culturas orientais acreditam que uma experiência de vida ideal é uma jornada espiritual envolvendo transcendência e iluminação. Essa busca por transcendência espiritual é paralela às buscas esperançosas ocidentais de uma vida melhor na Terra.

Confucionismo

Confúcio, ou o Sábio, como é chama­do às vezes, sustentava que a liderança e a educação são centrais à moralidade. Nasci­do em um tempo em que sua pátria chinesa era assolada por conflitos, Confúcio en­fatizou a moralidade como potencial para os males da época (Soothill, 1968). A ética confucionista, que já foi comparada às obras do filósofo ocidental Immanuel Kant, tem definições claras e significados relativamen­te inflexíveis (Ross, 2003; por exemplo, “Sua tarefa é a de governar, e não a de matar”, Analecto, 12:19, em instruções a governan­tes que recorrem à força). Os preceitos do confucionismo estão cheios de citações que estimulam cuidar do bem-estar dos outros. Na verdade, um dos ditados mais famosos de Confúcio é um precursor da chamada “regra de ouro” e poderia ser traduzido como: “Você gostaria que outros lhe fizes­sem aquilo de que gostaria para si mesmo” (Ross, 2003; Analecto, 6:28). Esses ensina­mentos estão reunidos em diversos livros, sendo que o mais famoso deles é o I Ching (O livro das mutações).

A conquista da virtude está no centro dos ensinamentos confucianos. As cinco virtudes consideradas centrais a uma exis­ tência moral são jen (humanidade, a virtu­de mais exaltada por Confúcio), yi (dever); li (etiqueta); zhi (sabedoria) e xin (since­ridade). O poder de jen deriva do fato de que se diz que ela engloba as outras qua­tro virtudes. O conceito de yi descreve o tratamento inadequado que se dá aos ou­tros e pode ser definido como o dever de [46] tratá-los bem. O conceito de li promove a retidão e as boas maneiras, junto com sen­sibilidade aos sentimentos dos outros (Ross, 2003). Por fim, as idéias de zhi e xin defi­nem a importância da sabedoria e da sin­ceridade, respectivamente. Os seguidores de Confúcio devem se esforçar para tomar decisões sábias com base nessas cinco vir­tudes. E também devem ser fiéis a elas. O esforço contínuo para atingir essas virtu­des leva o seguidor confuciano à ilumina­ção, ou ao bem-viver.

Taoísmo

As idéias taoístas antigas são difíceis de discutir com públicos ocidentais, em parte em função da natureza intraduzível de alguns conceitos fundamentais na tra­dição taoísta. Lao-Tzu (o criador da tradi­ção taoísta) declara em suas obras que os seguidores devem viver segundo o Tao (tra­duzido, de forma geral, como “O cami­nho”). O caractere chinês que retrata o conceito de Caminho é uma cabeça em mo­vimento e “se refere simultaneamente a direção, movimento, método e pensamen­to” (Peterson e Seligman, 2004, p. 42; Ross, 2003); além disso, corporifica a natureza ubíqua dessa força. O Tao é a energia que circunda a todos e é uma força que “envol­ve, circunda e flui por meio de todas as coisas” (Western Reform Taoism, 2005, p. 1). Nesse sentido, Lao-Tzu (1994, p. 47) descreve o Caminho da seguinte forma:

Pode-se falar do Caminho,
Mas não será um caminho constante; Pode-se pronunciar seu nome,
Mas não será um nome constante.
O inominável é a origem de todos os seres;
O que é nominável foi a mãe de todos os seres.
Por isso, livre-se constantemente dos desejos, para observar sua sutileza;
Mas permita-se sempre ter desejos para observar o que vem depois.
Os dois têm as mesmas origens, mas nomes diferentes.
De ambos se diz escuros,
Trevas sobre trevas
O portal a tudo é sutil.

Embora Lao-Tzu seja eloqüente ao expor suas visões sobre o Caminho, mui­tos leitores dessas li­nhas ficam com al­guma incerteza so­bre seu real signifi­cado. Segundo tra­dições taoístas, a di­ficuldade de enten­der o Caminho pro­vém do fato de que não se pode ensinar sobre ele a outra
pessoa. Em lugar disso, a compreensão flui de se vivenciar o Caminho por conta própria, participando da vida de forma integral. Nesse processo, as experiências boas e más podem contri­buir para uma compreensão maior do Ca­minho. Também se diz que ele engloba o equilíbrio e a harmonia entre conceitos contrastantes (isto é, não haveria luz sem escuro, não haveria masculino sem femi­nino, e assim por diante) (Ontario Consul­tants on Religious Tolerance, 2004). Sobre esse último aspecto, o símbolo de yin e yang (descrito mais detalhadamente a se­guir) reflete esse equilíbrio em constante mudança entre forças e desejos opostos.

Conquistar a naturalidade e esponta­neidade na vida é o objetivo mais impor­tante na filosofia taoísta. Logo, as virtudes da humanidade, da justiça, da temperança e da retidão devem ser praticadas pelo [47] individuo virtuoso sem esforços (Cheng, 2000). Alguém que chegou à transcendência den­tro dessa filosofia não tem que pensar so­bre o funcionamento ideal, pois se com­porta naturalmente de forma virtuosa.

Budismo

A busca do bem dos outros está entretecida em todos os ensinamentos do “Mestre” ou do “Ilu­minado” - o Buda. Em uma passagem, o Buda teria dito “Vão, para o bem-estar de muitos, pa­ra a felicidade de muitos, por compai­xão pelo mundo” (Sangharakshita, 1991, p. 17). Ao mesmo tempo, ele ensina que o sofrimento é parte do ser e que é causado pela emoção huma­na do desejo. Esse desejo se reflete nas Quatro Nobres Verdades do budismo:

  1. Avida é sofrimento; ela é essencialmen­te dolorosa do nascimento à morte.
  2. Todo o sofrimento é causado pela igno­rância da natureza da realidade e pelos desejos intensos, os vínculos e o senti­mento de posse que resultam.
  3. O sofrimento pode ser extinto na supe­ração da ignorância.
  4. O caminho para o alívio do sofrimento é o Caminho Nobre de Oito Passos (vi­sões corretas, intenções corretas, fala correta, ação correta, meio de vida cor­reto, esforços corretos, disposições cor­retas e contemplação correta).

Segundo a ideologia budista, enquan­to houver anseios intensos, não se poderá conhecer a paz, e essa existência sem paz é considerada sofrimento (Sangharakshita, 1991). Esse sofrimento só pode ser reduzi­do ao se atingir o nirvana, que é a destinação final na filosofia budista. Nessa li­nha, o nirvana é um estado no qual o eu é libertado do desejo de qualquer coisa (Schumann, 1974). Deve-se observar que os estados de nirvana pré-mortal e pós-mortal são apresentados como possíveis para o indivíduo. Mais especificamente, o nirvana pré-mortal pode ser associado, em última análise, à ideia do “bem-viver”. O nirvana pós-mortal pode ser semelhante à ideia cristã de paraíso.

Assim como as outras filosofias ori­entais, o budismo atribui um importante lugar à virtude, que é descrita em vários catálogos de qualidades pessoais. Os bu­distas falam de Brahma Viharas, as virtu­des que estão acima de todas as outras em importância (descritas por Peterson e Seligman, 2004, p. 44, como “virtudes uni­versais”) e incluem o amor (maitri), a com­paixão (karuna), alegria (mudita) e a equanimidade (upeksa) (Sangharakshita, 1991). Os caminhos para se atingirem es­sas virtudes dentro do budismo requerem que as pessoas se desvinculem da emoção humana do desejo para dar um fim ao so­frimento.

Hinduísmo

A tradição hindu difere um pouco das outras três filosofias discutidas anterior­mente, no sentido de que não parece ter um fundador específico, e não está claro quando teve início na história (Stevenson e Haberman, 1998). Além disso, não há um texto único que permeie essa tradição, embora muitas pessoas mencionem os Upanishads como o conjunto mais usado de escritos. Em lugar de seguir diretrizes escri­tas, muitos seguidores do hinduísmo “pensam em sua religião como algo baseado em uma forma de ação, em lugar de um texto escrito” (Stevenson e Haberman, p. 45). Os principais ensinamentos da tradição hindu enfatizam o caráter interconectado de to­das as coisas. A ideia de uma união harmoniosa entre todos os indivíduos está [48] entretecida nos ensinamentos do hinduísmo que se referem a um “princípio único e unificador que está por trás de toda a Ter­ra” (Stevenson e Haberman, 1998, p. 46).

Os Upanishads discutem dois cami­nhos possíveis após a morte: o da reencarnação (ou retorno à Terra para continuar a tentar chegar à necessária iluminação) ou o da não-reencarnação (que significa que se atingiu o conhecimento mais eleva­ do possível durante a vida). Esse último caminho é o mais glorificado e o que os seguidores do hinduísmo tentariam atingir. O objetivo da pessoa dentro dessa tradição seria o de viver a vida de forma tão inte­gral e correta que ela iria diretamente para a vida que há depois da morte, sem ter de repetir as lições da vida em uma forma reencarnada (Stevenson e Haberman, 1998). Os ensinamentos hindus são muito claros em relação às qualidades que se de­vem corporificar para evitar a reencarnação: “Retornar a este mundo é um indica­tivo de que não se conseguiu atingir o conhecimento máximo do próprio eu” (Stevenson e Haberman, p. 53). Dessa for­ma, o objetivo da vida de uma pessoa é chegar ao máximo autoconhecimento e lutar pelo maior aprimoramento possível de si mesma (o que também é um conceito ocidental). Essa ênfase no aprimoramento pessoal faz eco aos ensinamentos budistas, mas contrasta muito com a crença confuciana de que a cidadania e o bem coletivo são muito mais importantes do que melho­rar individualmente (Dahlsgaard, Peterson e Seligman, 2005; Peterson e Seligman, 2004). Isso não significa, contudo, que o foco da tradição hindu esteja somente no indivíduo. Os indivíduos são estimulados a ser bons para com os outros, além de aprimorar a si mesmos. Os Upanishads di­zem: “Um homem se torna algo de bom por meio das boas ações, e algo de mau por meio das más ações” (Stevenson e Haberman, p. 54).

As “boas ações” também são estimu­ladas no sentido de que, se não se atinge o máximo autoconhecimento na própria vida e se tem que retornar à Terra via reencarnação após a morte, as boas ações da vida anterior estão diretamente correlacionadas com uma melhor colocação no mundo nes­ta vida (Stevenson e Haberman, 1998). Esse processo é conhecido como carma. Na próxima vida, o indivíduo deve, mais uma vez, lutar para se aprimorar, e assim o fará em sucessivas vidas, até que atinja seu ob­jetivo maior de autoconhecimento. Portan­to, o bem-viver na tradição hindu engloba indivíduos que estão permanentemente ad­quirindo conhecimento e trabalhando em direção a boas ações (Dahlsgaard, Peterson e Seligman, 2005; Peterson e Seligman, 2004; Stevenson e Haberman, 1998).

Resumo das filosofias orientais

Cada uma das filosofias orientais dis­cutidas aqui incorpora idéias sobre a im­portância da virtude, junto com qualida­des do ser humano, à medida que as pes­soas avançam rumo à boa vida (ou seja, rumo à transcendência). Também se po­dem identificar semelhanças entre as qua­tro, especialmente os tipos de qualidades humanas e experiências que são valoriza­das. Elas são discutidas em detalhe nas se­ções que seguem, mas, antes, é importan­te comparar as visões orientais com a ideologia ocidental para entender as diferen­ças na psicologia positiva vistas a partir de cada perspectiva.

Quando o Oriente encontra o Ocidente

As ideologias orientais e ocidentais são oriundas de eventos históricos e tradi­ções muito diferentes. Tais diferenças po­dem ser vistas explicitamente nos sistemas de valores de cada uma dessas visões em relação ao viver, suas orientações sobre o tempo e seus respectivos processos de pen­samento. Essas diferenças culturais dão [49] mais informações sobre as qualidades identificadas em cada cultura e sobre as formas como se buscam e se atingem re­ sultados positivos na vida.

Sistemas de valores

Os sistemas culturais de valores têm impactos importantes na determinação das qualidades versus defeitos (Lopez, Edwards, Magyar-Moe, Pedrotti e Ryder, 2003). En­quanto a maioria das culturas ocidentais tem perspectivas individualistas, a maioria das culturas orientais (japonesa, chinesa, vietnamita, indiana e outras) é guiada por pontos de vista coletivistas (vide também o Capítulo 18). Nas culturas individualistas, o principal foco é a pessoa individual, que é considerada como mais importante do que o grupo. A competição e a conquista pessoal são enfatizadas dentro dessas cul­turas. Nas culturas coletivistas, contudo, o grupo é valorizado acima do indivíduo, e se acentua a cooperação (Craig e Baucum, 2002). Tais diferentes ênfases sobre o que se valoriza determinam quais constructos são considerados como qualidades em cada tipo de cultura. Por exemplo, as culturas ocidentais valorizam muito as idéias de li­berdade e autonomia pessoal. Por esse motivo, a pessoa que “caminha com os próprios pés” é considerada como possuidora de força dentro dessa visão de mundo. Em uma cultura oriental, por outro lado, essa afirmação do eu não seria vista como um recurso positivo, já que a sociedade busca estimular a interdependência dentro do grupo.

Intimamente relacionados à interde­pendência valorizada nas culturas coleti­vistas estão os conceitos de compartilha­mento e dever para com o grupo. Além dis­so, dá-se valor a se manter fora de confli­tos e “seguir a maré” nas formas orientais de pensar. A história japonesa “Momotaro” (“O menino-pêssego”, Sakade, 1958) ofe­rece um exemplo excelente da importân­cia cultural dos traços de interdependência, da capacidade de evitar o conflito e do dever para com o grupo. A história come­ça com um casal de idosos que sempre quis um filho, mas nunca conseguiu conceber. Um dia, quando a mulher está lavando suas roupas em um riacho, um pêssego gigante flutua até onde ela está e, ali chegando, abre-se, revelando um bebê! A mulher leva Momotaro (“O menino-pêssego”) para casa, e ela e o marido o criam. Momotaro cresce e se torna um jovem excelente e, aos 15 anos, diz aos pais que já chega de os ogros do país vizinho atormentarem o povo de sua vila. Para orgulho de seus pais, ele decide lutar contra os ogros e trazer de volta o tesouro para a vila. No caminho, Momotaro faz muitas amizades com ani­mais, um a um. Os animais querem lutar contra cada animal novo que encontram, mas, diante dos pedidos de Momotaro, “o cachorro-do-mato, o macaco e o faisão, que costumavam se odiar, tornam-se amigos e seguem Momotaro fielmente” (Sakade, 1958, p. 6 ). No final da história, Momotaro e seus amigos animais derrotam os ogros ao trabalhar juntos, e trazem o tesouro de volta à vila, onde todos os que ali vivem compartilham a recompensa. Como herói, Momotaro retrata as qualidades valoriza­das na cultura japonesa e em outras cultu­ras asiáticas:

  1. ele parte em busca do bem do grupo, embora arrisque danos individuais (coletivismo);
  2. ao longo do caminho, impede as brigas mesquinhas de outros (promoção da harmonia);
  3. trabalha com eles para atingir esse obje­tivo (interdependência e colaboração); e 
  4. traz de volta um tesouro para compar­tilhar com o grupo (interdependência e compartilhamento).

Em comparação com essa estória de Momotaro, a estória do herói ocidental pode diferir em vários pontos, especialmen­te naquele em que o herói necessita da aju­da de outros, dado que as conquistas [50] individuais costumam ser mais valorizadas do que as conquistas coletivas. Dessa forma, a orientação cultural determina quais ca­racterísticas são transmitidas aos seus mem­bros como sendo qualidades.

Orientação em relação ao tempo

Também há diferenças entre o Orien­te e o Ocidente em termos de suas orienta­ções em relação ao tempo. Em culturas oci­dentais tais como a dos Estados Unidos, mui­tas vezes olhamos para o futuro (vide os capítulos 2 e 9). Na verdade, algumas das qualidades que parecemos valorizar mais (como a esperança, o otimismo, a autoeficácia, vide o Capítulo 9) refletem o pen­samento voltado ao futuro. Nas culturas orientais, contudo, há um foco e um respei­to maiores em relação ao passado. Esse foco no passado se revela no antigo provérbio chinês “Para conhecer a estrada que tens por diante, pergunta aos que estão voltando”. Portanto, determinadas características de personalidade podem ser definidas como qualidades em termos de sua compatibili­dade com uma determinada orientação em relação ao tempo. Por exemplo, certos ti­pos de solução de problemas podem ser considerados mais vantajosos do que outros. Em uma antiga fábula chinesa, “O cavalo velho conhece o caminho”, um grupo de soldados viaja para longe de casa - nas montanhas - e, quando tenta encontrar o caminho de volta, perde-se. Um dos solda­dos propõe a seguinte solução: “Podemos usar a sabedoria de um cavalo velho. Liber­tem os cavalos velhos e os sigam, e assim encontrem a estrada certa” (Pei, 2005, p. 1). As culturas orientais valorizam a carac­terística de saber “olhar para trás” e reco­nhecer a sabedoria dos mais velhos.

Processos de pensamento

Ao considerar os aspectos únicos dos pensamentos ocidental e oriental, muitas vezes nos concentramos na natureza de idéias específicas, mas não refletimos sobre o processo de conectar e integrar idéias. De fato, como já observaram pesquisado­res (como Nisbett, 2003), existem diferenças claras nos próprios processos de pen­samento usados por ocidentais e orientais, o que resulta em visões de mundo e enfo­ques à produção de sentido marcadamente divergentes. Richard Nisbett, professor da Universidade de Michigan que estuda a psicologia social e a cognição, ilustra como entendeu algumas dessas diferenças duran­te uma conversa com um estudante chinês. Nisbett relembra.

Alguns anos atrás, um estudante chinês muito inteligente começou a trabalhar comigo em questões de psicologia social e raciocínio. Um dia, no início de nossa convivência, ele disse: “Sabe de uma coi­sa, a diferença entre você e eu é que eu vejo o mundo como um círculo, e você o vê como uma reta...”. Os chineses acredi­tam na transformação permanente, mas com tudo sempre retornando a algum estado anterior. Eles prestam atenção a uma ampla gama de eventos, buscam re­lações entre as coisas e acham que não se pode entender a parte sem entender o todo. Os ocidentais vivem em um mundo mais simples, mais determinista; eles se concentram em objetos ou pessoas sali­entes, em lugar do quadro mais amplo, e acreditam que conseguem controlar eventos porque conhecem as regras que comandam o comportamento dos objetos (p. xiii).

Como demonstra a história de Nisbett, o pensamento utilizado pelo estudante chi­nês, e não apenas as idéias em si, é muito diferente do de Nisbett. O estilo mais cir­cular de pensamento é mais bem exem­plificado pela figura taoísta do yin/yang. A maioria das pessoas conhece o símbolo, que representa a natureza circular, em constante mudança, do mundo, da manei­ra que o vê o pensamento oriental. A parte escura do símbolo representa o feminino e o passivo, e a parte clara, o masculino e o [51] ativo. Cada parte existe em função da outra, e nenhuma delas poderia existir só segundo a visão taoísta. Quando se experimenta um estado, o outro não tardará a segui-lo; se estamos passan­do por tempos difíceis, outros mais fáceis estão a caminho. Esse padrão de pensa­mento mais circular afeta a maneira como o pensador oriental mapeia sua vida e, por­ tanto, pode influenciar as decisões que uma pessoa toma na busca de paz.

Um exemplo dos efeitos dessas for­mas diferentes de pensar pode ser encon­trado nas coisas que o ocidental busca em sua vida, em comparação com o oriental. Enquanto nos Estados Unidos damos alta prioridade ao direito “à vida, à liberdade e à busca da felicidade”, os objetivos de um oriental podem ter foco diferente. Tome­mos, por exemplo, o constructo da psico­logia positiva sobre a felicidade (vide o Capítulo 7). Os pesquisadores propuseram que a felicidade (seja coletiva, seja indivi­dual) é um estado comumente buscado tanto por orientais quanto por ocidentais (Diener e Diener, 1995). A diferença na abordagem filosófica à vida, contudo, pode dar às buscas aparências muito diferentes. Por exemplo, o ocidental cujo objetivo é a felicidade traça uma linha reta até esse objetivo, procurando cuidadosamente os obstáculos e encontrando possibilidades de se desviar deles. Seu objetivo é atingir a felicidade eterna. Para o oriental que se­gue o yin/yang, todavia, esse objetivo da felicidade pode não fazer sentido. No caso de buscar a felicidade e encontrá-la, na forma oriental de pensar, isso só significa­ria que a infelicidade estaria próxima. Em lugar disso, o oriental pode ter como obje­tivo o equilíbrio, acreditando no fato de que, embora possa haver muita infelicida­de ou muito sofrimento na vida de uma pessoa, eles seriam equilibrados por muita felicidade. Esses dois tipos distintos de pen­samento criam formas muito diferentes de estabelecer objetivos e conquistar a boa vida.

Oriente e ocidente: algum é melhor?

Diferenças importantes nos tipos de idéias e na forma como elas são organiza­das surgem das tradições orientais e oci­dentais, mas é importante lembrar que nenhuma é “melhor” do que a outra. Isso é especialmente relevante para discussões com relação às qualidades. Portanto, de­vemos usar a cultura como uma lente para avaliar se uma determinada característica pode ser considerada como uma qualida­de ou um defeito dentro de um determina­ do grupo.

Caminhos diferentes para resultados positivos

Até aqui, discutimos como os estilos de pensamento influenciam o desenvolvi­mento de objetivos nas vidas de ocidentais e orientais. Também existem diferenças, contudo, nos caminhos que cada grupo utiliza para avançar em direção a esses objetivos. O pensamento de orientação ocidental se concentra nos objetivos do in­divíduo, ao passo que os filósofos orientais sugerem um foco diferente, no qual o gru­po se destaca. Por exemplo, Confúcio dis­se: “Se quiser chegar a seu objetivo, ajude os outros a chegar aos seus” (Soothill, 1968, Analectos, 6:29). Da mesma forma, embora a esperança possa ser a ferramen­ta básica do “individualista rigoroso” (isto é, o ocidental, vide o Capítulo 2) ao avan­çar rumo ao bem-viver, outras ferramentas podem ter precedência na vida do orien­tal. Por exemplo, qualidades que ajudam a criar e sustentar relações interdependentes para os orientais podem ser mais valiosas para ajudá-los a atingir seus objetivos. [52] Essas virtudes podem ser muito importantes para ajudar os orientais a desenvolver ca­minhos que garantam que se atinjam obje­tivos coletivos, ajudando-os a realizar seus objetivos individuais.

Nos principais ramos dos ensina­mentos orientais (confucionismo, taoísmo, budismo e hinduísmo), mencionam-se re­petidamente os dois constructos da com­paixão pelos outros e da busca de harmo­nia ou equilíbrio na vida. Dessa forma, cada um deles tem um lugar claro no estudo da psicologia positiva a partir da perspectiva oriental.

Compaixão

A ideia da compaixão tem suas ori­gens nas filosofias ocidental e oriental. Dentro da primeira, Aristóteles costuma ser apontado por seus escritos precoces sobre o conceito de compaixão. Da mesma for­ma, a compaixão pode ser identificada nas tradições orientais do confucionismo, do taoísmo, do budismo e do hinduísmo. Nos ensinamentos confucianos, a compaixão é discutida dentro do conceito de jen (hu­manidade) e se diz que ela engloba todas as outras virtudes. Na visão taoísta, a hu­manidade também reflete comportamen­tos que devem ocorrer naturalmente, sem premeditação. Por fim, Buda costuma ser descrito como “perfeitamente iluminado e infinitamente compassivo” (Sangharak- shita, 1991, p. 3). Como tal, a ideia da compaixão, ou karuna, também está entretecida em todo o budismo como vir­tude no caminho em direção à trans­cendência. Por fim, dentro da tradição hindu, a compaixão é evocada em boas ações em relação aos outros, que irão direcionar os seguidores para o caminho que não exigirá que retornem à Terra após a morte.

Em recentes trabalhos de psicologia positiva, o médico Eric Cassell (2002) pro­pôs os três requisitos a seguir para a com­paixão:

  1. as dificuldades do receptor devem ser graves,
  2. elas não podem ser causadas por ele mesmo e
  3. nós, como observadores, devemos ser capazes de nos identificar com seu so­frimento.

A compaixão é descrita como uma “emoção unilateral” (Cassell, p. 435) que é dirigida para fora da pessoa. Nos ensi­namentos budistas, atingir a compaixão significa ser capaz de “transcender a preo­cupação com a centralidade do eu” (Cas­sell, p. 438), isto é, concentrar-se em ou­tros em lugar de simplesmente em nós mes­mos. A capacidade de possuir sentimentos por algo que é completamente separado de nosso próprio sofrimento nos permite transcender o eu e, dessa forma, chegar mais perto do bem-viver. Na verdade, diz-se que a compaixão transcendental é a mais importante das quatro verdades universais, e muitas vezes é chamada de Grande Com­paixão (mahakaruna) para diferenciá-la da karuna, mais aplicada (Sangharakshita, 1991). Da mesma forma, embora discuti­das de maneiras um pouco diferentes como princípios confucianos, taoístas e hindus, as capacidades de sentir e fazer algo pelos outros são centrais para se conquistar o bem-viver também para cada uma dessas tradições.

A compaixão ajuda a pessoa a ter êxi­to na vida e é considerada uma caracterís­tica importante na tradição oriental. Os sentimentos por membros do mesmo gru­po podem possibilitar a identificação com outros e o desenvolvimento de coesão de grupo. Além disso, o agir com compaixão estimula a felicidade coletiva em lugar da individual.

A compaixão também pode vir mais naturalmente à pessoa de uma cultura coletivista do que àquela de uma cultura individualista. Nesse aspecto, pesquisado­res afirmaram que uma cultura coletivista pode construir um sentido de compaixão na forma de um comportamento [53] pró-social por parte de seus membros (Batson, 1991; Batson, Ahmad, Lishner e Tsang, 2002). Quando se forma uma identidade de grupo, portanto, a escolha natural pode ser a dos benefícios coletivos em detrimen­to dos individuais. Seria interessante ter mais informações de estudos qualitativos e quantitativos nessa área para se defini­rem os mecanismos usados para estimular essa compaixão.

Peterson e Seligman (2004) indicam que a característica de “humanidade” pode ser considerada como um “ponto forte uni­versal” em seu livro Character strengths and virtues: a handbook and classification (Qua­lidades de caráter e virtudes: manual e clas­sificação). Para as tradições ocidental e oriental, eles afirmam que a capacidade de ter sentimentos pelos outros é uma parte necessária na busca do bem-viver. A com­paixão, um aspecto da humanidade, signi­fica olhar para fora de nós mesmos e pen­sar nos outros, ao nos identificarmos e nos preocuparmos com eles. Esse foco para além do eu é necessário para transcender o corpo físico, segundo as tradições orien­tais. O nirvana só pode ser atingido quando a própria identidade independente e os de­sejos de motivação própria que a acompa­nham forem erradicados completamente.

Sendo assim, ao avançar em direção à boa vida, a compaixão é essencial para lidarmos com as tarefas do dia-a-dia. Ao se percorrer o caminho que leva a esse bem-viver, o objetivo permanente é transcender o plano humano e se tornar iluminado por meio de experiências com outros e com o mundo. A compaixão pede que as pessoas pensem para fora de si mesmas e se conectem às outras. Ademais, ao entender os ou­tros, a pessoa se aproxima do autoconhecimento. Esse é mais um componente fun­damental para se atingir a transcendência.

Harmonia

Na história ocidental, diz-se que os gregos consideravam a felicidade como a capacidade de “exercer poderes na busca de excelência em uma vida livre de restri­ções” (Nisbett, 2003, p. 2-3). Dessa forma, a boa vida é considerada como aquela sem vínculos com o dever e com liberdade para ir em busca de objetivos individuais. Há distinções claras quando se compara essa ideia com os ensinamentos confucianos, por exemplo, nos quais o dever (yi) é uma virtude básica. Na filosofia oriental, a feli­cidade é descrita como ter as “satisfações de uma vida rural plena, compartilhada com uma rede social harmoniosa” (Nisbett, p. 5-6, grifos nossos). Nessa tradição, a harmonia é considerada central para se atingir a felicidade.
Nos ensinamentos budistas, ao atin­gir um estado de nirvana, as pessoas che­garam a um estado de paz que implica “harmonia, estabilidade e equilíbrio com­ pletos” (Sangharakshita, 1991, p. 135). Do mesmo modo, nos ensinamentos confucionistas, a harmonia é considerada crucial para a felicidade. Confúcio elogi­ava muito as pessoas capazes de harmo­nizar; ele comparava essa capacidade com “um bom cozinheiro misturando os sabo­res e criando algo harmônico e delicioso” (Nisbett, 2003, p. 7). Relacionar-se bem com outros possibilita que a pessoa se li­berte dos objetivos individuais e, ao fazê-lo, alcance a “ação coletiva” (Nisbett, p. 6 ) para produzir o que é bom para o gru­po. Dessa forma, o princípio harmonizador é um preceito central ao estilo de vida oriental. O equilíbrio e a harmonia que se atingem como parte de uma vida ilumi­nada são considerados, muitas vezes, como representantes da finalidade maior da boa vida. Nos ensinamentos hinduístas, também se pode ver que, como todos os seres humanos estão interconectados por um “único princípio unificador” (Steven­ son e Haberman, 1998, p. 46), deve-se buscar a harmonia. Se um indivíduo ca­minha pela vida sem considerar os outros conectados a ele, os efeitos podem ser pro­fundos para esse indivíduo e para o gru­po (Stevenson e Haberman). [54]

Até agora, o conceito de harmonia re­cebeu atenção mínima no campo da psicolo­gia positiva, embora se tenha tratado um pouco da ideia de apreciar o equilíbrio na vida em relação a outros constructos (como a sabedoria; vide Baltes e Staudinger, 2000, e o Capítulo 10). Clifton e colaboradores (Buckingham e Clifton, 2001; Lopez, Hod­ ges e Harter, 2005) incluem um tema relacio­nado à harmonia no Clifton Strengths Finder (vide o Capítulo 4), descrevendo esse constructo como um desejo de encontrar consenso entre o grupo, em vez de promo­ver idéias conflituosas. A literatura sobre psi­cologia nos Estados Unidos deu um pouco mais de atenção acadêmica à harmonia. Con­siderando-se o papel central da harmonia como um ponto forte nas culturas orientais, podem ser necessárias mais pesquisas sobre esse tópico no futuro. Em primeiro lugar, o conceito de harmonia muitas vezes é con­fundido com a noção de conformidade. Es­tudos para identificar as diferenças entre es­ses dois constructos poderiam ser benéficos para definir cada um deles mais claramente. Como o termo conformidade tem conotações um pouco negativas em nossa cultura vol­tada à independência, é possível que algu­mas dessas mesmas caracterizações negati­vas tenham sido estendidas ao conceito de harmonia.

Em segundo, poderiam ser usados métodos qualitativos de pesquisa para de­senvolver uma definição melhor de harmo­nia. Atualmente, o conceito de harmonia se reflete na virtude da justiça, como dis­cutido por Peterson e Seligman (2004) em sua classificação de qualidades. Esses au­tores observam que a capacidade de “tra­balhar bem como membro de um grupo ou equipe, de ser leal ao grupo, de fazer a sua parte” (p. 30) pode ser uma subdivi­são da ideia de qualidade cívica. Embora essa possa ser uma forma de classificar essa qualidade, pode-se dizer que a ideia de harmonia é mais ampla do que essa defini­ção específica e pode ser pensada separa­damente da lealdade e da contribuição. Além disso, o fenômeno da harmonia pode ser um ponto forte interpessoal (conforme descrito nos parágrafos anteriores) e um ponto forte intrapessoal.
Por fim, depois de realizar mais tra­balho conceitual, os estudiosos da psicolo­gia positiva poderiam aproveitar muito do desenvolvimento de mecanismos de avalia­ção confiáveis e válidos. Essas ferramentas ajudariam os pesquisadores a desvelar os fatores básicos que contribuem para a har­monia, bem como seus correlatos.

Reflexões finais

É importante reconhecer que, ao se discutirem os pensamentos orientais neste capítulo, um preceito fundamental dos es­tilos de vida orientais se rompe, em fun­ção do método de ensino decididamente ocidental, didático, usado para trazer essa informação a estudantes de psicologia po­sitiva. O oriental tradicional se oporia à noção de que tais conceitos podem ser aprendidos a partir de meras palavras, e afirmaria que só com a experiência isso seria possível. Como parte dos ensinamen­tos orientais, a autoexploração e experiên­cia prática real são essenciais para a verdadeira compreensão dos conceitos que são apresentados de maneira apenas introdu­tória neste capítulo. Portanto, recomenda­mos que você busque mais experiência com essas idéias na vida cotidiana e tente desco­brir a relevância que qualidades como com­paixão e harmonia têm para sua própria vida. Embora possam ser originárias da ideologia oriental, essas idéias são impor­tantes para os ocidentais que querem des­cobrir novas maneiras de pensar sobre o funcionamento humano. Ao estudar psico­logia positiva, você pode continuar a am­pliar seus horizontes refletindo sobre as idéias do Oriente. Desafie a si mesmo a ter uma mente aberta aos tipos de característi­cas aos quais poderia atribuir a denomina­ção qualidade, e se lembre que diferentes tradições trazem consigo valores distintos. [55]

Psicologia - Psicologia positiva
7/19/2020 3:12:21 PM | Por Shane J. Lopez
A história ocidental da esperança

A esperança tem sido uma força podero­sa por trás da civilização ocidental. Na ver­dade, olhando hoje a história registrada da civilização ocidental, a esperança - o pen­samento baseado na agência, concentrado em objetivos que fazem com que você saia daqui e chegue lá - tem estado tão entre­laçada no tecido das épocas e dos eventos de nossa civilização que pode ser difícil de detectar, como o fermento no pão. Nesse sentido, a crença em um futuro positivo se reflete em muitas das idéias e palavras de nosso dia-a-dia. Por exemplo, palavras como planejar e acreditar são portadoras de suposições sobre quanto tempo nos res­ta de vida e as probabilidades de que nos­sas ações venham a ter efeitos positivos nesses eventos futuros.

Este capítulo volta o olhar para idéias fundacionais e eventos exemplares que de­finiram a esperança moderna e o século XXI. Somos intencionalmente lineares em nossa narração histórica, começando com o mito grego da caixa de Pandora e termi­nando com uma história moderna de tri­unfo. No entanto, exploraremos antes como e por que uma força robusta como a esperança tem estado ausente de partes da narrativa da civilização ocidental.

Esperança: onipresente, mas oculta

Embora a esperança tenha um po­der impressionante e penetrante, muitas vezes não estamos conscientes de sua pre­sença, talvez porque esteja embutida em muitas idéias relacionadas. Por isso, a es­perança muitas vezes não é identificada pelo nome em fontes que são essencialmente relacionadas a ela (por exemplo, para uma visão minuciosa de como a es­perança raramente é discutida na filoso­fia, vide o livro O princípio da esperança [1959], de Ernst Bloch. Na verdade, se examinarmos os sumários de conteúdos ou índices de importantes obras ociden­tais, a palavra esperança não será encon­trada. Por exemplo, o índice do livro Key ideas in human thought (Idéias fundamen­tais do pensamento humano, McLeish, 1993) não contém um item para esperan­ça. Imagine a ironia de omitir o termo es­perança de um registro supostamente completo das idéias humanas! Segundo Bloch, a esperança tem sido “tão inexplo­rada quanto a Antártica” (citado em Schu­ macher, 2003, p. 2).

A Esperança como parte da Mitologia grega

Ao longo de toda a história humana, tem havido uma necessidade de que o mal possa ser transformado em bem, de que o feio se torne bonito e de que os problemas sejam solucionados, mas as civilizações di­feriram no grau em que consideravam es­sas mudanças possíveis. Por exemplo, ve­jamos o mito grego da caixa de Pandora, uma história sobre a origem da esperança. Há duas versões para essa história.

Em uma dessas versões, Zeus criou Pandora, a primeira mulher, para se vin­gar de Prometeu (e de todos os seres hu­ manos) porque este havia roubado o fogo dos deuses. Pandora foi dotada de beleza e graça impressionantes, mas também de uma tendência a mentir e a enganar. Zeus enviou Pandora com o baú contendo seu dote a Epimeteu, que se casou com ela. Usando o que pode ser um dos primeiros exemplos de psicologia reversa, Zeus ins­truiu Pandora a não abrir o baú quando chegasse à Terra. Obviamente, ela o igno­rou e abriu. Dali saíram todos os tipos de problemas para o mundo, mas não a espe­rança, que permaneceu no baú - não para ajudar a humanidade, mas para provocá- la com a mensagem de que a esperança não existe realmente. Nessa versão, por­tanto, a esperança não passava de um lo­gro cruel.

Uma segunda versão dessa história diz que todos os infortúnios terrenos fo­ram causados pela curiosidade de Pandora, antes de qualquer natureza inerentemente má. Os deuses a testaram com instru­ções de não abrir o baú com o dote. Ela foi mandada a Epimeteu, que a aceitou, malgrado os avisos de seu irmão, Prome­teu, sobre os presentes de Zeus. Quando Pandora abriu o baú, a esperança não era um logro, e sim uma fonte de conforto para os infortúnios (Hamilton, 1969). Nessa versão positiva da história, a esperança deveria servir como antídoto aos males (como a gota, o reu­matismo e a cólica para o corpo; e como a inveja, a malevo­lência e a vingança para a mente) que escaparam quando o baú foi aberto. Quer seja um logro quer seja um antídoto, es­sas duas versões des­sa história revelam a tremenda ambivalência dos gregos em re­lação à esperança.

A Esperança religiosa na civilização ocidental

A história da civilização ocidental se dá em paralelo às histórias do judaísmo e do cristianismo. É por isso que a expressão herança judaico-cristã costuma ser asso­ciada à civilização ocidental. Não é por aci­dente que a linha do tempo da civilização ocidental (vide as figuras 2.1 a 2.4) coinci­de com a herança judaico-cristã, incluindo o período antes da era comum (a.e.c.) e era comum (e.c.). Essas linhas do tempo destacam eventos importantes na história da religião: a inauguração da Catedral de Notre Dame, a construção da fachada oes­ te da catedral de Chartres e a publicação de Summa Theologica, de São Tomás de Aquino. Nesse aspecto, a presença da es­perança nos primórdios da civilização ocidental é ilustrada claramente em passagens bíblicas como “venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade” (Mateus, 6:10) e “...na esperança de que a própria criação seja redimida do cativeiro da corrupção para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos, 8:18, 20, 21). Essas passagens refletem uma visão de esperança pelo Reino de Deus na Terra, bem como a [35]  esperança de que sua vontade seja feita assim na Terra como no céu. Ou, vejamos Coríntios 115:19, em que São Paulo escreve sobre a fé em Cristo nesta vida na Terra e além dela: “Se é só para esta vida que te­mos posta nossa esperança em Cristo, so­mos, de todos os homens, os mais dignos de lástima”. Além disso, as doutrinas do cristianismo sustentam que o reino de Deus na Terra não só é esperado, como também está previsto. Dessa forma, é lógico que a crença na esperança influencie as idéias e os pressupostos intelectuais seculares.

Como demonstrado por estes exem­plos de esperança e religião, de uma dis­posição esperançosa podem resultar em­preendimentos humanos impressionantes. Em cada caso, um verbo ativo está conec­tado a um substantivo que se refere a um resultado - uma conquista. Observe as pa­lavras abrir, construir e publicar. Deve-se observar, também, que esses verbos foram seguidos de substantivos que denotam con­quistas de nossa civilização, como as cate­drais de Chartres e Notre Dame.

Esses exemplos também são impor­tantes por serem conquistas em um cami­nho que parte de um período às vezes cha­mado de Idade das Trevas. É difícil, para nós, apreciar a força de vontade e os esfor­ços de nossos ancestrais, que lutaram para realizar importantes conquistas em um período conhecido pela ausência delas. De fato, embora essa época não tenha sido realmente obscura, a Idade Média (500-1450), antes do Renascimento, certamen­te estava envolvida nas sombras da opres­são e da ignorância, quando a inércia e a lassidão intelectual eram a norma. Como escreve Davies (1996, p. 291), Há um ar de imobilidade em muitas des­crições do mundo medieval. A impressão se cria por meio da ênfase no ritmo lento das transformações tecnológicas, no ca­ráter fechado da sociedade medieval e nas percepções fixas e teocráticas da vida hu­mana. Os principais símbolos do período são o cavaleiro de armadura em seu ca­valo, que se movia com dificuldade; os servos ligados à gleba (domínio ou pro­priedade) de seu senhor; e monges e frei­ras rezando em clausura. Eles são feitos para representar a imobilidade física, a imobilidade social, a imobilidade inte­lectual.

Essa imobilidade intelectual e social refletia uma paralisia da curiosidade e da iniciativa. A partir dos anos da Idade Mé­dia (500-1500), essa paralisia impediu o planejamento e a ação intencionais e sus­tentados que são necessários para que haja uma sociedade com esperança e desen­volvimento. Os fogos do avanço foram reduzidos a brasas durante esse milênio obscuro e se mantiveram acesos apenas em instituições como os monastérios e suas escolas.

Com o tempo, quando a Idade das Trevas foi encerrada pelas luzes brilhantes do Renascimento, com seu crescimento e prosperidade econômicos, a esperança pas­sou a ser considerada mais importante para a vida presente na Terra do que para de­pois da vida (ou seja, uma vida melhor na Terra se tornou possível, até mesmo pro­vável). Portanto, a esperança religiosa que se concentrava em um futuro distante, após a vida na Terra, tornou-se um pouco menos importante quando surgiu o Renascimento. Na verdade, o foco durante o Renascimento caiu na antecipação contemporânea de dias melhores no presente. Em relação a esse novo foco, o filósofo Immanuel Kant deci­diu que a natureza religiosa da esperança impedia sua inclusão nas discussões sobre como gerar transformações na Terra. Com essa mudança, a concepção religiosa de esperança se desvaneceu como motivação principal da ação. O fortalecimento e a ace­leração dessa mudança constituíram outro aspecto da esperança religiosa, identificada pelo que Farley (2003) chamou de “passi­vidade desejosa”, uma perspectiva que ain­da hoje influencia a esperança religiosa. Farley observa: ‘A esperança religiosa... dá uma falsa sensação de que tudo está real­mente bem e tudo ficará bem. A crença em um futuro final, nessa visão, direciona o [36] compromisso para um futuro que ainda chegará” (p. 25). Em outras palavras, a esperança religiosa voltada à vida após a morte pode se tornar uma barreira incons­ciente à ação nesta vida. O problema desse tipo de esperança religiosa, como descrito por Farley, é que ela pode dar uma sensa­ção de conforto postergado em relação a condições futuras. Infelizmente, ao se con­centrar em um estado desejado para o fu­turo, em lugar daquilo que deve acontecer para se atingir esse estado, as atenções e os esforços da pessoa são afastados do que é necessário no momento presente.

O comentário de Farley (2003) é se­melhante a um importante argumento apresentado por Eric Fromm em seu livro A revolução da esperança-tecnologia huma­nizada (1974). Fromm diz que algumas de­finições de esperança costumam ser “mal-entendidas e confundidas com atitudes que nada têm a ver com Esperança e, na ver­dade, são exatamente o seu oposto” (p. 6). O autor aponta que esperança não é a mes­ma coisa que desejos ou anseios (isto é, produtos da visualização de uma possibili­dade de mudança sem que se tenha um plano ou a energia necessária para produ­zir essa mudança). Diferentemente da es­perança, essas últimas motivações têm ca­racterísticas passivas nas quais se faz pou­co ou nenhum esforço para concretizar o objetivo desejado. Um nível extremo des­sa passividade gera o que Fromm chamou de niilismo (p. 8).

Revisão da história da esperança na civilização ocidental

O período pré-renascentista

As crenças positivas e a esperança por parte da civilização ocidental se solidifica­ram após o Renascimento, mas se deve observar que a esperança não estava total­mente ausente em épocas anteriores. Con­sideremos, por exemplo, a seguinte lista breve de exemplos de atividades humanas que aconteceram antes do Renascimento.

  • A construção do museu e da biblioteca de Alexandria (307 a.e.c.)
  • A abertura da primeira escola inglesa, em Canterbury (598 e.c.)
  • A publicação da coletânea de poesia in­glesa Exeter Book (970 e.c.)
  • O desenvolvimento da notação musical sistemática (990 e.c.)
  • Reflorescimento das tradições artísticas na Itália (1000)
  • Tentativa de voar ou flutuar (1000)
  • Início da construção da Catedral de York, na Inglaterra (1070)
  • Fundação da Universidade de Bolonha, na Itália (1119)
  • Construção do Hospital de São Bartolo­meu, na Inglaterra (1123)
  • Finalização da fachada oeste da cate­dral de Chartres, na França (1150)
  • Popularização do xadrez na Inglaterra (1151)
  • Fundação das universidades de Oxford (1167) e Cambridge (1200), na Inglaterra
  • Abertura da Catedral de Notre Dame, em Paris (1235)
  • Impressão da Summa Theologica, de São Tomás de Aquino (1273)
  • Desenvolvimento da cidade italiana de Florença como importante centro co­ mercial e cultural da Europa (1282)

Observemos es­ ses eventos na linha do tempo da Figura 2.1. Eles são reflexos do espírito das pes­soas para atingir ob­jetivos e de seu esfor­ço para tanto. Tais marcos históricos exigiram ações volta­das a objetivos, em lugar da simples es­pera pela chegada de tempos melhores ou o acontecimento de  coisas boas. Com o advento do Renasci­mento, esses pensamentos ativos e espe­rançosos começaram a ser acoplados a ações voltadas a objetivos. Na próxima se­ção, trataremos do Renascimento e de eventos cruciais.

O Renascimento

Começando na Itália, em 1450, e se estendendo até cerca de 1600, o Renas­cimento produziu mudanças nos costumes e nas instituições que dominaram a Euro­pa no milênio anterior. O feudalismo, o domínio da Igreja Católica e a vida rural e isolada deram lugar ao surgimento do nacionalismo, aos negócios e ao comércio, ao crescimento das cidades e à expansão das artes e da academia. A esperança ganhou vida durante esse renascer. Esse período histórico é visto agora mais como uma evo­lução do que uma revolução, e foi uma vi­rada que facilitou o surgimento da espe­rança ativa.

Dado que, no Renascimento, parte da ênfase estava no passado, como ele pode­ria ser considerado o começo da esperan­ça “moderna”? A resposta a esta pergunta é que, embora o Renascimento tenha ana­lisado a Antiguidade, grande parte da aná­lise foi feita para avançar e promover o conhecimento. Por exemplo, o direito ro­mano surgiu como uma área fundamental para os estudos jurídicos porque os juris­tas do Renascimento queriam examinar seus grandes códigos, o Digesto e o Códex. Portanto, a perspectiva renascentista era de [38] que a aprendizagem sobre o passado era necessária para atender às demandas de uma sociedade complexa e materialista que estava surgindo a partir do final da Idade Média. Da mesma forma, avanços em ou­tras áreas da vida e dos assuntos públicos foram construídos a partir de compreensões precisas da literatura, da filosofia e da arte anteriores.

Embora se tenham tornado campos em si, os estudos desses campos foram de­ senvolvidos basicamente para atingir obje­tivos mais mundanos como facilitar o co­mércio e a economia mercantilista. Sendo assim, a sociedade do Renascimento come­çou a considerar a realização mundana mais importante do que a preparação para a morte ou a realização após a morte.

Durante esse período, as pessoas tam­bém começaram a se considerar como in­divíduos em lugar de representantes de uma classe. Mais além, esse recém-surgido interesse nos méritos das realizações pessoais levou a uma dedicação a fazer coisas relacionadas a esta vida. Enquanto homens e mulheres medievais (500-1500 e.c.) estavam em busca de suas almas, os cidadãos do Renascimento olhavam para fora e para a frente, e isso para atingir ob­jetivos do aqui e agora, que se baseavam em suas capacidades e seus interesses pes­soais. Vide a Figura 2.2 para importantes eventos e conquistas do Renascimento.

O lluminismo

O período que se seguiu ao Renasci­mento, de cerca de 1700 ao final daquele século, é conhecido como a Era do [39] Iluminismo. Essa época marcou a superação de uma imaturidade caracterizada pela indis­posição para usar os próprios conhecimen­tos e inteligência.

Sobre isso, Immanuel Kant (1784) es­creveu: “Sapere aude! ‘Tem coragem de fa­zer uso de teu pró­prio entendimento!’ - Esse é o mote do Iluminismo” (citado em Gay, 1969, p.ll). Com efeito, o Ilumi­nismo representou uma declaração de independência em relação à aceitação, há muito estabele­cida, da autoridade na religião e na polí­tica, que datava dos tempos bíblicos.

Em uma atmosfera cultural que leva­va à exploração e à mudança, o Iluminismo estava enraizado no ressurgimento renas­centista do interesse pelos livros e pelas idéias de gregos e latinos, junto com o in­teresse por este mundo e não pelo outro. À medida que a autoridade religiosa da Igre­ja se enfraquecia, as influências comerciais, políticas e científicas começaram a ter um impacto cada vez maior nas vidas espiri­tuais, físicas e intelectuais das pessoas.

A palavra científico é fundamental para caracterizar o Iluminismo. A publica­ção de Princípios matemáticos de filosofia natural, de Isaac Newton, em 1687, tem sido usada por alguns para marcar o início do Iluminismo e a ascensão do método científico. Embora as raízes desse trabalho datem da época bíblica, as idéias de Newton cumpriram outros propósitos no sentido de ajudar a entender e a reverenciar a Deus.

A Revolução Científica foi parte inte­grante do Iluminismo e teve início quando a atmosfera política se tornou mais favo­rável a um clima de descoberta, como ex­presso nos trabalhos de estudiosos como Kepler, Galileu, Newton e Descartes. Gay (1966) descreve esse grupo de pensadores como um tipo de “coalizão” de cientistas e filósofos que consideravam as iniciativas de pesquisa como “passos” em um proces­so cumulativo, em lugar de meras desco­bertas acidentais e isoladas.

O Iluminismo refletiu a natureza da esperança, em função de sua ênfase em ações e capacidades racionais. Essas quali­dades estavam entrelaçadas com a crença dominante da época, a de que a razão que ganhou vida com o método científico leva­va a conquistas na ciência e na filosofia. Essas perspectivas estão em contraste di­reto com a predominância da ignorância, da superstição e da aceitação da autorida­de que caracterizaram a Idade Média. Des­crito em termos de uso da matemática como meio de descoberta e progresso, esse processo enfatizava a vontade racional. Assim, não é surpresa que a educação, a livre expressão e a aceitação de novas idéias crescessem muito durante o Iluminismo. Na verdade, as conseqüências desse pensa­mento ilustrado foram duradouras e refle­tiam o poder da esperança. Sobre esse aspecto, um exemplo é a educação e como ela reduz a probabilidade de que as ações venham a ser impulsivas, ou seja, a educa­ção deve promover análises e planos refle­tidos para se atingirem objetivos desejados. Mais além, a dignidade e o valor humanos foram reconhecidos durante o Iluminismo. Tomada em seu conjunto, a ideia de que conhecimento e planejamento poderiam produzir uma percepção de fortalecimen­to levou Francis Bacon ao objetivo de me­lhorar a condição humana. Entende-se, portanto, que Condorcet observou em seu Esboço para um quadro histórico do progres­so do espírito humano (1795) que o Iluminismo garantiu o progresso futuro e presente dos seres humanos.

Os resultados das crenças esperanço­sas podem ser vistos no impacto desses eventos importantes do Iluminismo:

  • Invenção da lançadeira (1773), que deu início à tecelagem moderna.
  • Redação da Declaração de Independên­cia dos Estados Unidos (1776)[40]
  • Ridicularização da alta sociedade pelo poeta Alexander Pope em Rape of the lock (1714)
  • Inauguração do Museu Britânico (1759)
  • Publicação de Crítica da razão pura, de Kant(1781)
  • Composição das três últimas sinfonias de Mozart (1788)
  • Publicação de Reflexões sobre a Revolu­ção na França, de Edmund Burke (1790)
  • Outros eventos e marcos são aponta­ dos na Figura 2.3.

A revolução industrial

Começando aproximadamente no fi­nal do século XVIII e continuando até o fi­nal do XIX, deu-se o período conhecido como Revolução Industrial (ou Era da Industrialização).

A passagem da produção de casas e pequenos ateliês para grandes fábricas au­mentou em muito os benefícios materiais para os cidadãos individuais (vide a Figura 2.4). Embora alguns resultados dessa épo­ca tenham sido disfuncionais e contrapro­ducentes, houve contribuições muito reais e importantes. Brogan (1960) descreve es­ ses avanços:

Como resultado dos avanços do século XIX e início do XX, as pessoas passaram a vi­ver mais tempo, poucas crianças morriam ainda bebês e muitos se alimentavam melhor, tinham moradia melhor e forma­ção escolar melhor. A unidade física do mundo se tornou possível com o navio a vapor, a locomotiva, o automóvel e o avião. A unidade da ciência foi exempli­ficada pela adaptação, alguns anos após [41] sua descoberta, do trabalho de Louis Pasteur sobre bactérias feito em Paris à prática de cirurgia antisséptica por Joseph Lister, na Escócia. Passou a ser fácil viver em áreas do mundo que anteriormente eram inabitáveis, ou habitáveis somente em um nível muito baixo de existência (citado em Burchell, 1966, p. 7).

Como escreveu, de forma eloqüente, Bronowski (1973) em seu capítulo A busca pelo poder, de A escalada do homem, a Re­volução Industrial tornou o mundo “nos­so”. De fato, a Revolução Industrial mar­cou uma virada no progresso da humani­dade, por ter proporcionado tantos benefícios materiais e pessoais. Talvez ainda mais importante, criou conforto que a maioria dos cidadãos poderia obter e des­frutar. Assim, os bens passaram a estar dis­poníveis para muitos, em vez de apenas para uns poucos. Esses benefícios incluíam a máquina a vapor e suas muitas aplica­ções, o ferro e o aço e as estradas de ferro (transporte e comunicação eficientes para todos), para citar apenas alguns exemplos que surgiram no século XX.

A civilização ocidental foi definida por sua massa crítica de eventos e crenças es­perançosos. Antes do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Industrial, e mesmo durante a Idade Média, o pensa­mento esperançoso foi uma parte funda­mental do sistema de crenças da humani­dade. Se algumas áreas históricas não re­velam sinais importantes, ainda assim houve marcos implícitos de esperança. [42] Portanto, embora a Reforma e a Idade da Razão (1600-1700) não sejam destacadas aqui, esses períodos testemunharam importan­tes avanços que contribuíram para a socie­dade. A seguir, uma amostra de eventos de destaque nesses períodos:

  • O avanço do conhecimento, de Francis Bacon (1604)
  • Bússola proporcional, de Galileu (1606)
  • O início da construção intensa de es­tradas na França (1606)
  • O telescópio astronômico de Galileu (1608)
  • Descoberta da circulação sanguínea por Harvey (1619)
  • Publicação do Weekly News, em Londres (1622)
  • A abertura da primeira cafeteria, em Londres (1632)
  • A abolição da tortura na Inglaterra (1638)
  • Lançamento da Carta da Faculdade Harvard (1650)
  • Experimentos de Newton com a gravi­dade e sua invenção do cálculo diferen­cial (1665)
  • Estabelecimento do observatório de Greenwich (1681)
  • Abertura das primeiras cafeterias em Viena (1683)
  • Implementação da iluminação pública em Londres (1684)
  • Primeira feira comercial moderna, em Leiden, na Holanda (1689)
  • Pedro, o Grande, envia 50 estudantes russos para estudar na Inglaterra, na Holanda e em Veneza (1698)

Olhando para os eventos do Renasci­mento, do Iluminismo e da Revolução In­dustrial, talvez seja razoável considerar to­das as épocas, começando pelo Renasci­mento e seguindo até 1900, como parte de um novo período chamado a Era do Pro­gresso.

Essa Era do Progresso caracteriza a civilização ocidental e reflete o componen­te inerente do pensamento esperançoso. Como escreve Nisbet (1980, p. 4), em sua obra History of the idea of progress (Histó­ria da ideia de progresso). Nenhuma ideia foi mais importante do que, talvez, a ideia do progresso na civili­zação ocidental, por 3.000 anos. Enten­didas suas falhas e distorções, a ideia do progresso tem sido, em sua arrasadora maioria, uma ideia nobre na história oci­dental, nobre pelo que celebrou em in­contáveis obras filosóficas, religiosas, cien­tíficas e históricas, e, acima de tudo, pelo que significou para as motivações e aspi­rações daqueles que compuseram a subs­tância humana da civilização ocidental.

Essa fé no valor e na promessa de nossa civilização é essencial para o conceito de esperança, e vice-versa. Dessa forma, a esperança é a essência da fé no valor e na promessa de nossa civilização ocidental.

Conclusões

A esperança é a crença de que a vida pode ser melhor, junto com as motivações e os esforços para torná-la melhor. Mais do que desejar, ter anseios ou sonhar acor­dado, a esperança caracteriza o pensar que conduz a ações dotadas de sentido. Um anseio visualiza a mudança, mas pode não levar à ação. Pode-se desejar ganhar na loteria, mas isso não necessariamente leva a atividades importantes ou sustentadas para concretizá-lo. Mais além, as condições em torno da concretização de um anseio não são promissoras, porque pode haver poucos meios razoáveis ou, mesmo, realis­tas para fazê-lo.

Deve-se destacar que a civilização ocidental não detém o monopólio da ideia da esperança. Em todas as civilizações e pe­ríodos históricos, houve crenças e ativida­des esperançosas, mas a esperança não parece ser uma crença motivadora tão im­portante em todas as perspectivas cultu­rais. Por exemplo, nas culturas indígenas [43] dos Estados Unidos, há menos expectativa de progresso. Em lugar disso, se o meio ambiente for respeitado e cuidado, as coi­sas devem ficar bem, mas não necessaria­mente ótimas. A crença dessas culturas é de que as tradições e as crenças podem não trazer prosperidade, mas ajudarão a evitar os desastres. Nesse caso, então, as diferen­ças entre os dois sistemas podem ser mais quantitativas do que qualitativas. As cul­turas indígenas dos Estados Unidos não supõem que as ações positivas levem a re­ sultados positivos tanto quanto no sistema de crenças da civilização ocidental euro­péia, de modo que a esperança pode não ser uma força de motivação tão importan­te nas primeira culturas quanto no caso das segundas (Pierotti, comunicação pessoal,2005).

A ideia de esperança serviu como es­trutura para o pensamento na civilização ocidental. Como observou Bronowski (1973) em relação à Revolução Industrial, a esperança ajudou a tornar o mundo nos­so. Aonde a esperança nos levará, por sua vez, talvez seja a pergunta mais importan­te sobre o século XXI que se descortina.

Psicologia - Psicologia positiva
7/19/2020 3:05:47 PM | Por Charles Richard Snyder
Bem-vindo à Psicologia positiva

As ultimas linhas desse discurso feito por Robert F. Kennedy na Universidade do Kansas apontam para o conteúdo deste livro: as coisas que fazem com que a vida valha a pena. Entretanto, imagine que alguém se ofereça para ajudar a entender os seres humanos, mas, ao fazê-lo, ensine apenas acerca de seus defeitos e patologias. Ainda que pareça um exagero, um questionamento do tipo “O que há de errado com as pessoas?” orientou o trabalho da maioria dos praticantes da psicologia aplicada (clínicos, escolares, etc.) no século XX. Em virtude das muitas formas de falibilidade humana, essa pergunta gerou uma avalanche de idéias sobre o “lado obscuro” do ser humano. Contudo, à medida que o século XXI avança, começamos a nos fazer outra pergunta: “O que há de certo com as pessoas?”. Essa interrogação está no centro da iniciativa emergente da psicologia positiva, que é o enfoque científico e aplicado da descoberta das qualidades das pessoas e da promoção de seu funcionamento positivo. (Vide o artigo “Construindo as qualidades humanas,” [17] no qual o pioneiro da psicologia positiva, Martin E. P Seligman, apresenta suas visões sobre a necessidade desse campo.)

O produto nacional bruto não possibilita que nossas crianças tenham saúde, educação ou a alegria de brincar. Ele não inclui a beleza de nossa poesia ou a força de nossos casamentos, a inteligência de nosso debate público ou a integridade de nossas autoridades. Ele não mede a nossa inteligência nem a nossa coragem, nem a nossa sabedoria, nem os nossos ensinamentos, nem a nossa compaixão, nem nossa devoção a nosso país. Ele mede tudo, resumindo, com exceção daquilo que faz que a vida valha a pena. – Robert F. Kennedy

Embora outras subáreas da psicologia não tenham se concentrado nos defeitos das pessoas, a psicologia e a psiquiatria aplicadas do século XX geralmente o fizeram. Por exemplo, consideremos a declaração - atribuída a Sigmund Freud - de que o objetivo da psicologia deveria ser “substituir o sofrimento neurótico por felicidade comum” (citado em Simonton e Baumeister, 2005, p. 99). Dessa forma, a psicologia aplicada do passado estava mais relacionada à doença mental, e à compreensão e ao auxílio das pessoas que estavam vivenciando tais tragédias. A psicologia positiva, por sua vez, oferece um equilíbrio em relação a essa abordagem anterior, sugerindo que também devemos explorar as qualidades das pessoas, junto com seus defeitos. Ao defender esse foco nas qualidades, contudo, de forma nenhuma pretendemos diminuir a importância e a dor associadas ao sofrimento humano. [18] A ciência e a prática da psicologia positiva estão direcionadas para a identificação e a compreensão das qualidades e virtudes humanas, bem como para o auxílio no sentido de que as pessoas tenham vidas mais felizes e mais produtivas. Ao entramos no século XXI, estamos em condições de estudar toda a dimensão humana explorando recursos e desvantagens psicológicas. Apresentamos este livro como um guia para essa jornada e para dar as boas-vindas àqueles de vocês que são novos nessa abordagem. Neste capítulo, começamos orientando o leitor em relação aos benefícios potenciais de se concentrar no positivo, seja durante a vida cotidiana seja na pesquisa [20] em psicologia. Nesta primeira parte, mostramos como uma reportagem de jornal positiva pode iluminar o que está certo no mundo e como contar esse tipo de história pode gerar reações muito favoráveis entre os leitores. Na segunda parte, discutimos a importância de uma perspectiva equilibrada envolvendo as qualidades e os defeitos das pessoas. Estimulamos os leitores a não se enredarem no debate entre os campos das qualidades e dos defeitos, sobre qual deles reflete melhor a “verdade”. Em terceiro, exploramos a atenção que a psicologia atual tem dado às qualidades humanas. Na quarta seção, levamos o leitor a perceber suas reações emocionais típicas e discutimos como isso pode condicionar sua forma de ver o mundo. Além disso, compartilhamos um de nossos sábados como exemplo típico dos pensamentos e sentimentos que caracterizam a psicologia positiva. Na quinta seção, que segue, guiamos o leitor pelas oito principais partes do livro e lhe apresentamos panoramas breves dos conteúdos de cada capítulo. Por fim, sugerimos que a psicologia positiva representa uma potencial “era de ouro” nos Estados Unidos do século XXI.

Gostaríamos de destacar dois aspectos sobre a postura que assumimos ao escrever este volume. Em primeiro lugar, acreditamos que os maiores benefícios podem advir de uma psicologia positiva baseada nos mais recentes e mais rigorosos métodos experimentais. Resumindo: uma psicologia positiva duradoura pode ser construída a partir de princípios científicos. Sendo assim, em cada capítulo apresentamos o que consideramos as melhores bases de pesquisa disponíveis para os vários tópicos que exploramos. Ao utilizar essa abordagem, contudo, descrevemos a teoria e as conclusões de vários pesquisadores, em lugar de aprofundar ou detalhar seus métodos. Nossa fundamentação para adotar essa postura que opta pela “superfície em detrimento da profundidade” vem do fato de que este é um livro de nível introdutório, mas os métodos usados para deduzir as várias conclusões da psicologia positiva representam os melhores e mais sofisticados projetos de pesquisa e estatísticas no campo da psicologia.

Em segundo, embora não tratemos em um capítulo separado dos fundamentos da fisiologia e da neurobiologia (e, ocasionalmente, os evolutivos) da psicologia positiva, consideramos essas perspectivas muito importantes. Portanto, nossa abordagem discute os fatores fisiológicos, neurobiológicos e evolutivos no contexto dos tópicos específicos tratados em cada capítulo. Por exemplo, no capítulo sobre autoeficácia, otimismo e esperança, discutimos as forças neurobiológicas subjacentes. Da mesma forma, no capítulo sobre gratidão, exploramos os padrões de ondas cardíacas e cerebrais que estão por trás delas. Além disso, ao discutir o perdão, mencionamos as vantagens evolutivas dessa resposta.

Passando do Negativo ao Positivo

Suponha que você seja um repórter de jornal com a tarefa de descrever os pensamentos e ações das pessoas que estão presas em um aeroporto, em uma sexta-feira à noite, em função do mau tempo. O conteúdo da reportagem sobre esse tipo de situação provavelmente seria negativo e cheio de ações que retratam as pessoas de um ponto de vista muito desconfortável. Essas histórias são do mesmo gênero que as ênfases apresentadas pelos psicólogos do século XX em relação aos seres humanos, mas, como veremos, nem todas as histórias são negativas em relação às pessoas. [21]

Uma reportagem positiva

Compare as reportagens negativas à seguinte história contada por um autor consagrado em um jornal local (Snyder, 2004d, p. D4). A cena se passa no Aeroporto Internacional de Filadélfia, sexta-feira à noite, no momento em que os voos chegam com atraso ou são cancelados.

... pessoas que estão tentando fazer o melhor possível a partir de situações difíceis. Por exemplo, quando um soldado do Exército, recém-chegado do Iraque, deu-se conta de que havia perdido a aliança de sua namorada, os funcionários do aeroporto e todos nós que estávamos no saguão de espera imediatamente começamos a procurar. Em pouco tempo, o anel foi encontrado, e se ouviu um grito de alegria da multidão.

Por volta de 19h40, o alto-falante nos disse que haveria atrasos ainda mais longos em vários voos. Para minha surpresa e prazer, descobri que meus companheiros viajantes (e eu) simplesmente demos conta da situação. Alguns tiraram coisas de comer que haviam guardado nas bolsas e ofereceram esses tesouros aos outros. Apareceram baralhos, e vários jogos tiveram início. As companhias aéreas distribuíram lanches. Havia explosões de gargalhadas.

Como se fôssemos soldados esperando nas trincheiras durante um momento de calma entre batalhas, alguém ao longe começou a tocar uma gaita. Meninos fizeram uma quadra de beisebol - e, à medida que seu jogo avançava, ninguém parecia se importar com o quanto uma de suas bolas passaria perto. Embora não houvesse lugares para todos se sentarem, as pessoas usaram a criatividade para fazer cadeiras e sofás com suas bagagens. As pessoas que tinham computadores os pegaram e jogaram videogames umas com as outras. Um cara até transformou a tela do seu em um dispositivo semelhante a um drive-in, no qual várias pessoas assistiram ao filme Matrix. Eu usei o meu notebook para escrever esta coluna.

Uma vez, ouvi dizer que a virtude está em fazer coisas simples quando todo mundo está enlouquecendo. Quando bradar, gritar, ficar com raiva, incomodar-se e geralmente perder a cabeça parecem estar próximos, é maravilhoso, em lugar disso, ver a beleza aconchegante das pessoas, como raios de sol em um dia frio.

Reações a essa reportagem positiva

Depois que essa reportagem positiva apareceu, eu (C.R. Snyder) não estava preparado para as reações dos leitores. Nunca havia escrito qualquer coisa que gerasse tantos elogios sinceros e tanta gratidão. Já na primeira semana depois da publicação, fui inundado com e-mails elogiosos. Alguns falavam de como a reportagem os fez lembrar momentos em que testemunharam as pessoas se comportando da melhor maneira possível. Outros escreviam sobre como esse texto jornalístico os fez se sentirem melhor pelo resto do dia e até mesmo por vários dias depois disso. Várias pessoas disseram que gostariam que houvesse mais matérias dessas no jornal. Nem uma única pessoa, entre as respostas que recebi, tinha qualquer coisa negativa para dizer sobre a coluna.

Por que as pessoas reagiriam de forma tão igualmente receptiva a essa breve história sobre uma sexta-feira à noite no aeroporto de Filadélfia? Em parte, elas provavelmente querem ver e ouvir mais sobre a bondade nos outros. Seja por meio de reportagens como essa, seja por meio dos estudos científicos e aplicações que apresentamos neste livro, há uma sede de saber mais sobre o que há de bom nas pessoas. É como se o sentimento coletivo fosse: “Basta de toda essa negatividade em relação às pessoas!”.

Ao escrever este livro sobre psicologia positiva, experimentei os efeitos edificantes de revisar as muitas aplicações em pesquisa e clínica que estão surgindo sobre o estudo das qualidades humanas e das emoções positivas. Ao ler sobre as qualidades de seu semelhante e sobre os muitos recursos que promovem o melhor nas pessoas, verifique se você também se sente bem. Há muitas coisas pelas quais é possível elogiar as pessoas, e daremos muitos exemplos disso.

A Psicologia positiva busca uma visão equilibrada e mais completa do funcionamento humano

Ver apenas o que há de bom nas próprias reações e o que há de ruim nas dos outros é um defeito humano comum. Validar somente os lados positivos ou negativos da experiência humana não é uma atitude produtiva. É muito tentador concentrar-se apenas no bom (ou no mau) do mundo, mas isso não é boa ciência, e não podemos cometer esse erro ao promover a psicologia positiva. Embora não concordemos com os preceitos dos modelos anteriores baseados nas patologias, seria errado descrever seus defensores como maus estudiosos, maus cientistas, maus profissionais ou más pessoas. Em lugar disso, esse paradigma anterior foi promovido por pessoas bem-intencionadas e inteligentes, que estavam respondendo a determinadas circunstâncias de sua época.

Da mesma forma, essas pessoas não estavam equivocadas com relação à descrição do ser humano. Elas desenvolveram diagnósticos e abordagens para esquizofrenia, depressão e alcoolismo e validaram muitos tratamentos eficazes para problemas específicos, como transtorno de pânico e fobias em relação a sangue ou a se machucar (vide Seligman, What you can change and what you can’t, 1994).

Assim, os que operaram dentro do modelo das patologias estavam bastante corretos em suas descrições de algumas pessoas em determinadas épocas de suas vidas. Eles também conseguiram ajudar certas pessoas com problemas específicos. Não obstante, os defensores da abordagem das patologias descreveram a humanidade de forma incompleta. Não resta dúvida de que o negativo é parte da humanidade, mas apenas uma parte. A psicologia positiva oferece um olhar sobre o outro lado, ou seja, o que é bom e forte na humanidade e em nossos ambientes, junto com formas de cultivar e sustentar essas qualidades e recursos.

Embora exploremos o positivo, enfatizamos que essa metade não representa a totalidade da história, mais do que o lado negativo. Futuros psicólogos devem desenvolver uma abordagem includente que examine os defeitos e as qualidades das pessoas, bem como os fatores de estresse e os recursos que estão presentes no ambiente. Essa abordagem seria a mais abrangente e válida. Entretanto, ainda não chegamos a esse ponto, porque faltam desenvolver e explorar completamente a ciência e a prática da psicologia positiva. Somente quando tivermos realizado esse trabalho de detetive sobre as qualidades das pessoas e os muitos recursos dos ambientes positivos é que seremos verdadeiramente capazes de entender os seres humanos de forma equilibrada. Nossa tarefa nestas páginas é compartilhar com você o que sabemos sobre psicologia positiva nesse momento relativamente inicial de seu desenvolvimento.

Vislumbramos o momento futuro, no campo da psicologia, em que o positivo terá tantas probabilidades quanto o negativo de ser usado para avaliar as pessoas e as ajudar a ter existências mais satisfatórias. Esse tempo provavelmente chegará durante a vida dos leitores deste livro. Alguns de vocês podem ir em busca de carreiras em psicologia nas quais irão levar em consideração as qualidades das pessoas, junto com seus defeitos. Na verdade, acreditamos [22] muito que nossa geração será a que implementará uma psicologia que equilibre verdadeiramente os preceitos de uma abordagem positiva com os da orientação anterior, voltada às patologias. Também esperamos que os pais de hoje em dia usem técnicas de psicologia positiva para servir de alicerce às suas famílias e trazer à tona o melhor em seus filhos. Da mesma forma, vislumbramos um tempo em que crianças em idade escolar e jovens sejam valorizados tanto por suas qualidades principais quanto por suas notas em provões ou vestibulares.

Dedicamos este livro a vocês. Como vocês podem ser os condutores da psicologia com um equilíbrio entre positivo e negativo que acabará por nascer, alertamos para o debate que já está em andamento sobre a superioridade de uma abordagem em relação à outra. Na próxima seção, tentamos inoculá-los contra o pensamento do tipo “nós contra eles”.

Visões da realidade que incluem o positivo e o negativo

A realidade reside nas percepções das pessoas sobre os eventos e os acontecimentos no mundo (Gergen, 1985), e as perspectivas científicas, portanto, dependem de quem as defina. Nessa linha, os “campos” da psicologia positiva e da patologia podem entrar em choque sobre como construir sistemas significativos para entender nosso mundo. Sobre esse processo de negociação da realidade (isto é, o avanço em direção a visões de mundo sobre as quais haja acordo), Maddux, Snyder e Lopez (2004, p. 326) escreveram o que segue:

Os significados desses e de outros conceitos não são revelados pelos métodos da ciência, e sim negociados entre as pessoas e instituições da sociedade que têm interesse em suas definições. Aquilo que as pessoas chamam de “fatos” não são verdades, e sim reflexos de negociações da realidade por parte dessas pessoas que têm interesse em usar os “fatos”.

Sendo assim, quer se acredite na perspectiva da psicologia positiva quer na da patologia, deve-se ter claro que esse debate envolve construções sociais sobre esses fatos. Em última análise, as visões predominantes estão vinculadas a valores sociais dos indivíduos, grupos e instituições mais poderosos da sociedade (Becker, 1963). Igualmente, como as visões predominantes são construções sociais que contribuem para os objetivos e valores socio-culturais vigentes, tanto a perspectiva das patologias quanto a psicologia positiva oferecem diretrizes sobre como as pessoas deveriam viver suas vidas e o que faz com que valha a pena vivê-las. Acreditamos que tanto a visão da psicologia positiva quanto a visão mais tradicional baseada nas patologias são úteis, de forma que seria um erro enorme continuar o debate “nós contra eles” entre esses dois grupos. Os profissionais dos dois campos querem entender e ajudar as pessoas. Para chegar a esses objetivos, a melhor solução científica e prática é adotar ambas as perspectivas. Dessa forma, embora introduzamos os preceitos, a pesquisa e as aplicações da psicologia positiva neste livro-texto, fazemos isso como forma de acrescentar a abordagem baseada nas qualidades como complemento a idéias que foram deduzidas a partir do modelo anterior, baseado nos defeitos. Estimulamos os leitores deste livro - que acabarão por se tornar os líderes no campo - a evitar ser arrastados para o debate que visa provar o modelo da psicologia positiva ou o das patologias.

Onde nos encontramos e quais serão as nossas interrogações

A psicologia positiva encontra-se atualmente em um período de expansão, nem [23] tanto em termos de porcentagem relativa no campo todo que ela representa, mas em termos da influência dessas ideias para chamar a atenção da comunidade da psicologia em particular e da sociedade em geral. Uma conquista notável do movimento da psicologia positiva nesta primeira década foi o sucesso no aumento da atenção dada a suas teorias e conclusões de pesquisa.

O psicólogo da Universidade da Pensilvânia, Martin Seligman, deve ser destacado por ter dado início à recente explosão de interesse na psicologia positiva, bem como por ter lhe dado o nome de psicologia positiva. (Abraham Maslow foi quem realmentec unhou a expressão psicologia positiva quando a usou como título de um Capítulo em seu livro de 1954, Motivação e personalidade.) Cansado do fato de que a psicologia não estava rendendo suficiente “conhecimento do que faz com que a vida valha a pena” (Seligman e Csikszentmihalyi, 2000, p. 5; observe a semelhança de sentimento em relação ao lamento de Robert Kennedy sobre o produto interno bruto, na citação de abertura deste capítulo), Seligman buscou um tema provocativo quando se tornou presidente da Associação Norte-Americana de Psicologia em 1998. Foi durante sua gestão que ele usou sua posição privilegiada para chamar atenção ao tópico da psicologia positiva. Desde aquela época, Seligman trabalhou de forma incansável para dar início a conferências e programas de financiamento para pesquisa e às aplicações dessas à psicologia positiva. Durante todo o tempo em que esteve à frente do crescente movimento da psicologia positiva, Seligman lembrou aos psicólogos que a espinha dorsal da iniciativa deveria ser a boa ciência. Sem dúvida, portanto, temos uma dívida de gratidão para com os esforços continuados de Martin Seligman para garantir que a psicologia positiva prospere.

Às vezes, cometeremos erros em nossa busca pelas qualidades humanas. Contudo, fazendo um balanço, acreditamos firmemente que essa busca resultará em algumas idéias maravilhosas sobre a humanidade. Ao avaliar o sucesso da psicologia positiva, sustentamos que ela deve ser submetida aos mais elevados padrões da lógica da ciência. Da mesma forma, a psicologia positiva deve passar pelas análises de mentes céticas, mas abertas. Deixamos essa função importante para vocês.

Qual é a sua cara? Uma foto da Psicologia positiva em tamanho “passaporte”

Ao começarmos essa jornada na psicologia positiva, pedimos-lhe que pegue sua foto de passaporte. Ela servirá como sua identificação para passar pelos vários territórios da psicologia positiva. Feche os olhos e relaxe por alguns segundos. Em seguida, pense sobre o rosto que a maioria das pessoas vê quando você faz suas atividades cotidianas. Quando tiver um rosto em mente, abra os olhos e veja a fila de rostos simples na Figura 1.1. Faça um círculo ao redor do que melhor se parece com você, entre essas possibilidades. Lembre- se, esse não é o rosto que você quer que os outros vejam, mas o que eles realmente veem.

Em vários momentos deste livro, falamos sobre como as pessoas reagem às outras. O rosto humano - a cara - muitas vezes é o que os outros olham quando formam uma impressão.

Na verdade, o rosto está relacionado ao termo básico para o subcampo da psicologia chamado de personalidade. Nas antigas tragédias e comédias, os atores (todos homens) seguravam máscaras que representavam os papéis que estavam desempenhando. A palavra para essa máscara era persona. Assim, nossas máscaras são o que os outros veem. O ator Jack Nicholson é conhecido por seu sorriso, que é sua forma permanente de demonstrar sua postura despreocupada e divertida em relação à vida.

Figura 1.1

Depois de decidir que rosto melhor se ajusta a você, acrescentaríamos imediatamente que a forma como você está se sentindo será influenciada pelas coisas que lhe aconteceram este mês, esta semana, hoje ou, talvez, há apenas cinco minutos. Portanto, geralmente sorrimos quando tivemos êxito na busca de um objetivo importante. Examinemos aqui a experiência de total satisfação do ciclista Lance Armstrong quando se deu conta de que iria vencer pela sexta vez seguida a Volta da França na prova de 2004. (É claro, um ano mais tarde, em sua última corrida antes de se aposentar do ciclismo, Armstrong venceu sua sétima Volta da França).

No artigo, “You smile, I smile” (Você sorri, eu sorrio, 2002), Roger Martin conta um incidente pessoal no qual ele foi profundamente influenciado pelo sorriso de uma pessoa que encontrou. Você alguma vez já se deparou com uma pessoa que sorriu para você, e você respondeu com um sorriso igualmente grande? Somos criaturas sociais e, como exploramos no Capítulo 7, nossas emoções são parte de nossa felicidade e nossa satisfação na vida. Nos Mini experimentos pessoais (p. 201), apresentamos diferentes atividades para você experimentar com vistas a melhorar seu estado emocional.

Um sábado recente: um exemplo de Psicologia positiva

Permitam-me (C.R.S.) usar hoje um exemplo de onde encontrar psicologia positiva, bem como de onde não a encontrar. Sendo sábado, ligo o rádio. Minhas preferências para rádio mudaram nos últimos tempos.

Eu costumava escutar música country, na qual ouvia histórias de como alguém perdeu a namorada, o emprego, o cachorro ou a caminhonete. As melodias eram muito parecidas, assim como o eram as letras cheias de angústia. Pode ser o caso de que essas letras repetidamente negativas tenham-me levado a uma estação de rádio que toca os clássicos, não os clássicos do rock-and-roll dos anos de 1960 e 1970, mas obras de Beethoven, Handel, Chopin e outros. Suas melodias parecem fortes e enriquecedoras.

Na hora do almoço, esbanjo e vou à Baskin-Robbins para um sorvete de chocolate com amêndoas, com mais uma bola [25] de flocos em cima. Depois, corto a grama do jardim e, em um momento de altruísmo, decido também cortar a da minha vizinha. Na metade do serviço, ela sai e me diz: “Não é necessário fazer isso!”. Eu sei, claro, e provavelmente seja por isso que é tão gratificante. Considero ajudar os outros como, talvez, a atividade mais prazerosa na vida. (Voltaremos a esse tema mais tarde.)

A essas alturas, já são 3h da tarde e estou de volta em casa, trabalhando neste capítulo. Ouço a campainha. Abro a porta, e lá está meu neto de nove meses, Trenton. Seu pai me pergunta se posso cuidar dele o resto do dia (incluindo passar a noite), e digo que sim, imediatamente. Eu não costumava ser tão entusiasmado em relação a ficar com crianças, mas mudei muito depois dos cinqüenta. Estou fascinado com bebês e crianças pequenas, e gosto de brincar com eles, observá-los, dar-lhes de comer e assim por diante. Durante grande parte da tarde, Trenton e eu ficamos sentados no gramado do jardim, olhando passarinhos, esquilos, coelhos e qualquer coisa que se mexesse, especialmente as pessoas que sorriem quando passam, parece que com pressa, na calçada da frente. Fico pensando para onde é que elas vão com tanta pressa.

Para mim, é um grande prazer ver meu neto enxergar essas coisas pela primeira vez - tudo parece tão novo para ele, e isso respinga em mim. Dou-lhe de comer e não me incomodo com o fato de que ele põe mais em mim e ao redor dele do que na boca. Coloco-o no andador, e caminhamos bastante. Ele adora estar na rua, e eu adoro estar com ele.

Quando voltamos, minha mulher já chegou do trabalho, e me decepciono por ela querer ficar com o bebê. Então, monto um velho balanço que ganhamos, com minha mulher furiosa porque não uso escada, e sim subo em uma precária mesinha de madeira. O balanço já está pendurado em um galho de árvore. Depois do jantar, [26] decidimos colocar Trenton na cadeirinha de crianças, e ele vai direto para o chão, pois é muito pesado. Rebecca e eu rimos de meu planejamento não muito perfeito.

Quando se vê, já é hora do ritual de ir para a cama - e, para qualquer leitor que tenha (ou tenha tido) filhos, esse processo provavelmente é muito conhecido e envolve uma luta de vontades em que, neste caso, os avós e o neto, cansados e exaustos, acabam desabando de sono. (Quando pegamos no sono, minha mulher e eu parecemos a antítese das imagens nos catálogos românticos e sensuais de lojas de lingerie [27] que mostram estrelas de Hollywood. Em lugar delas, nossa roupa de dormir geralmente é composta de calças de moletom muito antigas, manchas do jantar ou de “coisas que fomos consertar em casa”, baba de criança seca ou coisa pior... Nossos pijamas poderiam ser chamados de “Estrelas do Kansas”.)

Essa breve crônica de sábado ilustra várias coisas acerca de psicologia positiva. De longe, o aspecto mais positivo de meu dia está relacionado a fazer coisas com outras pessoas. Cortar a grama da vizinha e cuidar de meu neto são muito gratificantes. Essas atividades lhe dão uma ideia de como e onde a psicologia positiva “funciona” para mim. Muito do prazer que fluiu desse sábado de verão veio de minha capacidade de manter o foco de minhas atividades nas coisas que me dão prazer. Na verdade, o positivo está ao redor da maioria de nós. Observe, também, que nem todas essas atividades resultam de ações hedonistas positivas; em lugar disso, as atividades que são, de longe, as mais gratificantes estão vinculadas a ajudar os outros. Dar é receber. Esse é apenas um dos paradoxos surpreendentes sobre a psicologia positiva que iremos deslindar para você neste livro.

Um guia para este livro

Este livro foi escrito tendo os leitores em mente. Por meio de nosso trabalho conjunto, perguntamos um ao outro: “Este capítulo trará a psicologia positiva para a vida dos alunos?”. Essas discussões nos ajudaram a entender que o livro precisava ser um excelente resumo da ciência e da prática da psicologia positiva e que teria que conquistá-los para aplicar seus princípios em seu dia-a-dia. Com esse objetivo em mente, tentamos destilar os mais rigorosos estudos da psicologia positiva e as estratégias de prática mais eficazes, e construímos dúzias de miniexperimentos e estratégias pessoais que promovem seu envolvimento com os aspectos positivos nas pessoas e no mundo. Ao terminar de ler este livro, vocês estarão mais informados sobre psicologia e terão se tornado mais hábeis para capitalizar suas características humanas fortes e gerar emoções positivas, o que configura nosso objetivo.

Dividimos este livro em oito partes. Na Parte I, “Um olhar positivo sobre a psicologia”, há quatro capítulos. O Capítulo 1, que você está quase terminando de ler, é introdutório. Nosso propósito foi lhe dar uma ideia do entusiasmo que sentimos em relação à psicologia positiva e compartilhar algumas das questões fundamentais que movem o desenvolvimento desse novo campo. Os Capítulos 2 e 3 se chamam “Perspectivas ocidentais sobre a psicologia positiva” e “Perspectivas orientais sobre a psicologia positiva”, respectivamente. Neles, você verá que, embora haja vínculos óbvios da psicologia positiva com as culturas ocidentais, também há temas importantes para as culturas orientais. O Capítulo 4, “Classificações e medidas das qualidades e resultados positivos do ser humano”, dará uma ideia de como os psicólogos classificam os vários tipos de qualidades humanas. Para leitores familiarizados com o modelo de psicologia mais tradicional, baseado em patologias, essa seção irá oferecer uma classificação que serve de contraponto, construída a partir das qualidades humanas.

Na Parte II, “Psicologia positiva em contexto”, dedicamos dois capítulos aos fatores associados ao bem-viver. No Capítulo 5, “Desenvolvendo as qualidades humanas e vivendo bem em um contexto cultural”, examinamos como as forças da sociedade e do ambiente ao nosso redor podem contribuir para uma sensação de bem-estar. Mais além, no Capítulo 6, “Vivendo bem em todas as etapas da vida”, mostramos como as atividades de infância podem ajudar uma pessoa a se tornar adaptativa mais tarde.

A Parte III, “Estados e processos emocionais positivos”, consiste em dois capítulos sobre tópicos que dizem respeito a [28] processos relacionados às emoções. No Capítulo 7, “Os princípios do prazer: entendendo a afetividade positiva, as emoções positivas, a felicidade e o bem-estar”, tratamos da pergunta freqüente: “O que torna uma pessoa feliz?”. No Capítulo 8, “Fazendo o melhor de nossas experiências emocionais: enfrentamento voltado às emoções, à inteligência emocional, à seletividade socioemocional e à narração emocional de histórias”, apresentamos novas descobertas com relação às emoções como recursos extremamente importantes para atingir nossos objetivos.

Na Parte IV “Estados e processos cognitivos positivos”, incluímos três capítulos. O Capítulo 9, “Observando nossos futuros por meio da autoeficácia, do otimismo e da esperança”, trata das três motivações mais pesquisadas para enfrentar o futuro: autoeficácia, otimismo e esperança. No Capítulo 10, “Sabedoria e coragem: duas virtudes universais”, examinamos os tópicos de psicologia positiva, envolvendo os recursos que as pessoas trazem para circunstâncias que ampliam suas habilidades e sua capacidade. Da mesma forma, no Capítulo 11, “Mindfulness, flow e espiritualidade: em busca das melhores experiências”, discutimos como as pessoas se conscientizam do processo permanente de pensar e sentir, junto com a necessidade humana de acreditar em forças maiores e mais poderosas do que elas próprias.

Na Parte V, “Comportamento pró-social”, descrevemos as ligações positivas gerais que os seres humanos têm com outras pessoas. No Capítulo 12, “Empatia e egotismo: portais para o altruísmo, a gratidão e o perdão”, mostramos como os processos relacionados à bondade operam em benefício das pessoas. E, no Capítulo 13, “Vínculo, amor e relacionamentos que prosperam”, analisamos a importância dos vínculos humanos íntimos para uma série de resultados positivos.

A Parte VI, “Compreendendo e mudando o comportamento humano”, descreve como prevenir que aconteçam coisas negativas, bem como fazer que coisas positivas aconteçam. O Capítulo 14, “Conceituações equilibradas de saúde mental e comportamento”, e o Capítulo 15, “Intercedendo para prevenir o que é ruim e potencializar o que é bom”, ajudará você a ver como as pessoas podem melhorar suas circunstâncias de vida.

A Parte VII, ‘Ambientes positivos”, observa ambientes específicos. No Capítulo 16, “Escolarização positiva”, descrevemos descobertas recentes relacionadas a resultados positivos na aprendizagem para estudantes. No Capítulo 17, “Bom trabalho: a psicologia do emprego gratificante”, discutimos os componentes de empregos que são produtivos e satisfatórios. E, no Capítulo 18, “O equilíbrio eu/nós: construindo comunidades melhores”, sugerimos que os ambientes mais produtivos e satisfatórios são aqueles em que os habitantes possam manifestar algum sentido de que são especiais e algum sentido de semelhança com relação a outras pessoas.

O livro se encerra com a Parte VIII, “Um olhar positivo sobre o futuro da psicologia”. Essa seção traz o Capítulo 19, “Tornando-se positivo,” no qual especulamos sobre os avanços no campo da psicologia positiva na próxima década. Além disso, convidamos especialistas da área para dar suas impressões sobre as questões fundamentais para o campo da psicologia positiva no século XXI.

Miniexperimentos pessoais

Na maioria dos capítulos (incluindo este), estimulamos que você teste as idéias de importantes psicólogos positivos. Em Miniexperimentos pessoais, pedimos que leve a psicologia positiva para dentro de sua vida, realizando o tipo de experimento que os pesquisadores da psicologia positiva podem dar a seus clientes como trabalho de casa. Alguns desses experimentos levam menos de meia hora para ser realizados, ao passo que outros levam mais de uma semana. [29]

Estratégias para melhorar a vida

Encontrar o positivo na vida cotidiana não requer, necessariamente, um experimento total. Na verdade, acreditamos que uma abordagem cuidadosa à vida do dia-a-dia revela o poder das emoções positivas e das qualidades humanas. Sendo assim, para os capítulos que tratam especificamente das emoções positivas, qualidades e processo saudáveis, elaboramos estratégias para melhorar a vida, que podem ser implementadas em uma questão de minutos. Decidimos desenvolver essas estratégias para ajudá-lo a atingir os três mais importantes resultados na vida: conexão com outras pessoas, busca de sentido e a vivência de algum grau de prazer ou satisfação. Especificamente, o amor, o trabalho e o lazer têm sido citados como os três grandes domínios da vida (Seligman, 1998e). Freud definiu a normalidade como a capacidade de amar, trabalhar e se divertir, e os pesquisadores da psicologia se referiram a essa capacidade como “saúde mental” (Cederblad, Dahlin, Hagnell e Hansson, 1995). Os pesquisadores do desenvolvimento descreveram o amor, o trabalho e o lazer como tarefas normais associadas ao crescimento humano (Icard, 1996) e como chaves para um envelhecimento saudável (Vaillant, 1994). Os profissionais interessados em psicoterapia consideram a capacidade de amar, trabalhar e se divertir como um aspecto do processo de mudança (Prigatano, 1992), ao passo que outros a veem como um dos principais objetivos da terapia (Christensen e Rosenberg, 1991). Embora um envolvimento integral na busca do amor, do trabalho e do lazer não garanta uma vida boa, acreditamos que ele é necessário para viver bem. Com essa ideia em mente, estimulamos você a participar das diversas estratégias para melhorar a vida que irão aprimorar sua capacidade de amar, trabalhar e se divertir.

Isso conclui nosso breve resumo de por onde planejamos ir nos capítulos que seguem e de nossas muitas esperanças em relação a você. Se você se envolver totalmente com o material e com os exercícios deste livro, obterá conhecimentos e habilidades que podem lhe ajudar a levar uma vida melhor.

Raramente, um estudante tem a oportunidade de testemunhar a construção de um novo campo desde o princípio. Se nosso trabalho foi feito como deveria ser, você irá sentir a emoção que vem de ter estado presente no início.

O Panorama geral

Apesar do horror e da incerteza do terrorismo e dos desastres naturais, os Estados Unidos do século XXI são prósperos, estáveis e estão em condições de atingir a paz. Em um momento tão positivo para sua evolução, uma cultura pode se concentrar em questões como virtudes, criatividade e esperança. Três culturas anteriores se depararam com eras positivas semelhantes. No século V a.e.c., Atenas usava seus recursos para explorar as virtudes humanas - bom caráter e boas ações. A democracia se formou durante esse período. Na Florença do século XV, riquezas e talentos eram empregados para promover a beleza. E a Inglaterra vitoriana usava seus recursos para uma busca das virtudes humanas de dever, honra e disciplina. Como as dádivas que emanam dessas épocas anteriores, talvez a contribuição dos Estados Unidos do século XXI resida na adoção e na exploração dos preceitos da psicologia positiva, isto é, do estudo e da aplicação do que é bom nas pessoas (Seligman e Csikszen- tmihalyi, 2000). Certamente, nunca em nossas carreiras testemunhamos um novo desenvolvimento no campo da psicologia que fosse potencialmente tão importante. Mas estamos nos adiantando, porque o verdadeiro teste virá quando novos estudantes forem atraídos para essa área. Por hora, damos as boas-vindas à psicologia positiva. [30]

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... grande parte do que o corpo sente é influenciado pelos pensamentos e pelas emoções, e tudo o que pensamos é influenciado pelo que está ocorrendo no corpo
... pessoas que sentem dificuldade de viver o presente e têm rotinas muito agitadas possuem uma amígdala cerebral (a parte primitiva do cérebro envolvida no instinto de luta ou fuga) em “alerta máximo” o tempo todo
... quando trazemos à tona lembranças de ameaças e perdas antigas e as juntamos ao “perigo” atual, nosso mecanismo de luta ou fuga não é desativado quando a ameaça passa ... a forma como reagimos pode transformar emoções temporá­rias e não problemáticas em dores persistentes e incômodas. Em suma, a mente pode acabar agravando a situação. Isso vale para muitos outros sentimentos do dia a dia
... tensão, infelicidade ou exaustão não são problemas que possam ser resolvidos. São emoções. Refletem estados da mente e do corpo. Como tais, não podem ser resolvidas - apenas sentidas. Se você as percebeu e abandonou a tendência de explicá-las ou resolvê-las, terá mais chances de vê-las desaparecer sozinhas, como a névoa numa manhã de primavera
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